Amor, Calibre 45 escrita por LastOrder, Luciss_M


Capítulo 20
Pyro




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Estado de Luisiana

21/01/2008

O som das rodas queimando no asfalto era o mínimo que podia usar para tentar distrai-se. Seus olhos mal acompanhavam as imagens da paisagem que parecia correr do outro lado da janela.

Não sabia se estava com sono, ou sob os efeitos da morfina.

- Senhor? – Cutuco. –Senhor, tudo bem?

Miguel virou-se sem vontade para a voz que o chamava. A mulher que sentada ao seu lado do banco do ônibus parecia realmente preocupada com seu estado. Não que ele tivesse notado isso...

- O que quer?!

A mulher se sobressaltou pela aspereza de sua voz.

-Eu...

- Não está vendo que estou tentando dormir?! – Interrompeu-a.

- Me-me desculpe. – E saiu para se sentar num outro banco vazio.

Miguel voltou a encostar a testa no vidro fio. O calor do seu corpo embaçou a janela, abriu os olhos mais uma vez e percebeu que o dia já amanhecia no horizonte.

--------------*----------------

Hospital Estadual de Nova York

21/01/2008

- Tessa, ei Tessa. – Sentiu uma mão chacoalhar seu ombro. – Acorde, Thereza!

Ela se levantou de súbito fazendo com que Oliver se afasta-se dela com um pulo.

- Deus, Thereza! Isso é jeito de acordar!

Tessa se levantou ignorando completamente a observação do irmão e correu porta a fora. Oliver a alcançou a tempo de segura-la pelo braço.

- Ficou maluca?! – Ela o encarava com uma determinação estranha no olhar. O que estava planejando? – Onde vai? Por que não dormiu no hotel ontem? O que está acontecendo com você afinal?!

- Miguel fugiu de novo, aquele desgraçado. Preciso ir atrás dele antes que acabe se matando. – Virou-se em direção à saída para o estacionamento, mas Oliver a deteve novamente.

- Não, não vou deixar que faça isso! – Aumentou a força no aperto. – Você vai acabar se matando!

O olhar dela tornou-se sombrio de repente, assim como seu próprio tom de voz.

- Solte-me, Oliver.

- Já falei que não. – Não se deixou levar pela mudança da irmã. – Ele foi embora por que quis, e na minha opinião, essa foi a melhor coisa que poderia ter acontecido.

Tessa sentiu o sangue subir a cabeça. Quem ele pensava que era para falar daquele jeito? Como se soubesse de tudo? Quem ele era para julgá-lo?

Afastou-se com um forte empurrão que quase fez com que Oliver caísse para trás.

- Não fale dele como se soubesse de tudo, Oliver!

Ele se endireitou e encarou a irmã com o mesmo olhar de um pai repreendendo uma filha adolescente.

- Eu sei o suficiente. – Disse. – Sei o que ele fez e você também sabe, e sei que você só irá sofrer quando se envolver mais nisso. – Ele viu toda a ira de Tessa desaparecer para dar lugar ao medo e a confusão.

Suspirou.

- Não vivemos no mundo dos contos de fada, Tessa. – Seu tom era mais ameno, queria fazê-la entender. E magoá-la o mínimo possível. – Existem poucos finais para pessoas como Miguel, e uma casa com uma família não é um deles. Você sabe disso melhor do que eu.

E ela sabia. Já havia visto como a justiça de seu país tratava casos como esse. Gary já lhe havia contado historias.

- Eu só não quero que se iluda. Entenda por favor, o que sente agora...

- E como você sabe o que estou sentindo?! – O tom irritadiço pegara Oliver de surpresa.

- Tessa...

- Não me venha com lição de moral Oliver Cook! – Apontou o indicador para ele. – Nem você e nem ninguém tem a ideia do que estou sentindo agora! Então me deixe! – E depois se virou de costas para o irmão, suspirou. – Eu só vou fazer meu trabalho, não posso deixá-lo simplesmente livre por ai.

E continuou seu caminho até o Porshe, felizmente seu irmão não a seguira, mas suas palavras não deixavam de ecoar em sua cabeça. Estaria mesmo fazendo a coisa certa? Não seria melhor esquecer-se dele e continuar a viver sua vida?

Abriu o porta mala para pegar a arma escondida sob o fundo falso, e se deparou com o quadro que Miguel havia feito dela, o quadro que havia “comprado” por um beijo.

Seu coração apertou, não podia deixar que ele morresse, não assim. Disso tinha certeza absoluta.

(...)

Antiga fábrica de motores de Nova Orleans.

22/01/2008

Miguel acompanhou com o olhar o táxi que desaparecia aos poucos pela estrada de terra dos arredores de Nova Orleans. Já eram sete horas, hora da reunião de família. Suspirou com desanimo.

Olhou para o céu, nem uma estrela queria brilhar naquela noite, as nuvens de chuva se formavam especialmente para cobrir sua beleza. O vento desaparecera, tudo era silencioso demais.

Havia pensando muitas vezes em como seria sua morte, mas nunca imaginaria que seria assim, naquela noite horrível, em uma fábrica abandonada e pensando nela...

Como será que estava agora? Provavelmente o amaldiçoando por tê-la deixado, concluiu, sabia que Thereza não choraria por algo tão banal.

Segurou forte a alça da mochila que levava, e utilizando seu ultimo fio de coragem, caminhou em direção ao enorme balcão.

Seus passos ecoaram secos pelo espaço sujo e abandonado, havia apenas uma maquina num canto da fábrica, as luzes apagadas, algumas vidraças quebradas. Bolas de poeira se mexiam no chão devido à corrente de ar.

Onde estava aquele maldito velho?

Ele nunca fora do tipo que se atrasava, não era possível que agora o deixaria esperando, não é?

As lâmpadas acenderam de repente, Miguel virou-se num salto para a parede leste que abrigava um enorme interruptor. Fez uma careta de desgosto.

- Podia ter sido mais discreto.

- Você sempre soube que discrição nunca foi o meu forte. - Sorriu.

Boris Ruston estava apoiado no muro, com seu típico sobretudo, desta vez cinza, uma pasta preta nas mãos. Aproximou-se de Miguel fazendo menção para abraçá-lo. Ele desviou com completa frieza.

- Eh, Miguel, continua tão seco quanto da ultima vez que te vi. – Balançou a cabeça em desapontamento – Não sentiu nem um pouquinho a minha falta?

- Vamos logo ao que interessa, Ruston.

- Ah sim. – Riu sem humor. – Sempre prático, esse é meu filhote. Ainda mais quando se trata da vida da loirinha bonita, né?

Ele grunhiu baixo. Tinha que se acalmar, não atacaria agora. Mas Ruston sabia mesmo como provocá-lo.

- Hehe, estou brincando Miguel. – E ficou sério. – Nada vai acontecer com ela, a não ser que você não queira, é claro.

Ambos olhos azuis se encaravam com uma intensidade assassina, como se esperassem o menor movimento do outro para dar o ataque fatal.

- De qualquer forma – Jogou a pasta para Miguel. –Eis o que devemos fazer.

Miguel abriu a pasta e analisou os papeis rapidamente sem tirar o pai de sua visão periférica.

- Está louco. – Fechou-a e a jogou de volta. – Se nos envolvermos com isso nunca mais vamos poder sair.

- Os melhores saem,os piores se deixam pegar. Poderemos viver desse trabalho por um bom tempo antes de sair.

Negou com a cabeça.

- Você perdeu o juízo, ninguém nunca conseguiu escapar da máfia mexicana. Assim que aceitar fazer o transporte dessas drogas para o território norte americano eles vão continuar recorrendo a nós e... – Parou um instante para analisar a situação em que estava. - ... Você já aceitou?! Eu não acredito que você aceitou!

Miguel passou a mão pelo cabelo. Nervoso era o adjetivo errado para usar. Boris pousou a mão sobre o ombro dele, para reconfortá-lo.

- Não se preocupe garoto.

- Não me toque! – Pulou para longe. – Não vai me envolver nisso, está entendo?! Não vou dar minha liberdade para mais ninguém!

Boris sorriu malicioso.

- É ai que você se engana Miguel. Você nunca foi livre, e também não é agora. Enquanto a vida da garota estiver em minhas mãos, você não tem para onde fugir, não é livre Miguel. – Sentiu o olhar de medo do filho, o que só fez com que se sentisse mais satisfeito. Voltara a ter aquele garotinho de sete anos em suas mãos. – E eu sei que nunca abrira mão da vida dela para fugir.

- Você... Você... Eu te odeio. – A voz saiu num sussurro por entre os dentes prensados.

Boris riu alto.

- Espero que ainda se lembre do espanhol, vai precisar dele. – Virou-se para a porta. – Agora vamos, temos que estar na fronteira amanha a noite.

Miguel aproveitou a distração de Boris para tirar a arma de dentro do casaco. Tinha que ser agora, não teria outra oportunidade como esta. Apontou a arma na direção de onde batia o coração, destravou o revolver no exato momento em que o outro se virava para encará-lo, já com a arma branca nas mãos.

Xingou-se mentalmente, deveria saber que Boris o enganara só para testá-lo. Ele mesmo teria feito isso. Agora era uma questão de quem seria o mais rápido para atacar.

Um barulho de tiro ecoou pela fábrica. A arma adaga fora jogada pela bala a metros de distancia afundado no tanque de gasolina do motor. No entanto não era Miguel não havia puxado o gatilho.

Ambos, pai e filho, se viraram para ver quem era o estranho que interrompera. Boris soltou um sorriso maldoso, Miguel não tinha certeza se ficava feliz ou se ainda mais preocupado. Agora se morresse acabaria levando-a com ele.

- Ei, vejam só quem chegou para ajudar o namoradinho. – Boris olhou zombeteiro para Tessa. – Diga-me garota, não devia estar comendo rosquinhas a uma hora dessas?

Thereza apontou a arma diretamente para Boris. Ele era pior do que havia imaginado.

- E você não devia estar jogando damas em algum asilo, velhote?

O homem franziu o cenho perante aquela petulância e levou a mão para dentro do casaco, mal tocara numa de suas facas o “click” da arma de Miguel fez com que se lembrasse que agora estava em desvantagem.

- Nem pense nisso. – Murmurou. O revólver apontado para a cabeça do mais velho, apenas um movimento e seu dedo apertaria o gatilho.

- Você está preso por planejar trazer drogas ilícitas ao país, ponha o casaco no chão e as mãos para o alto. – Tessa armou a própria arma, não estava de brincadeira desta vez.

Boris não conseguiu segurar uma carranca, nunca imaginaria que aquilo terminaria daquele jeito absurdo. Quem poderia dizer que aquela garota viria para ajudar Miguel?

Deu um passo para trás, seus movimentos acompanhados pelos dois. E sorriu quando seus ouvidos captaram o gotejar silencioso do tanque de gasolina lesado. Parecia que não era desta vez que iria para a cadeia.

- Que situação é esta em que nos encontramos? Péssima, não concordam? – O sorriso em seu rosto aumentou ao ver a confusão no rosto dos jovens.

- Faça logo o que ela disse, Ruston. Acabou desta vez.

Olhou para o filho com aquele olhar superior que sempre usava quando ele era criança.

- Não se engane, filhote. Nada acabou ainda.

Antes mesmo que pudesse responder,para a surpresa de Miguel e Thereza, Boris se virara para trás e jogara uma das facas no enorme interruptor que entrou em curto circuito espalhando faíscas para todas as direções.

O fogo começou quando uma delas caiu sobre a poça de gasolina que se formara e corria rapidamente em direção ao motor, há apenas poucos metros de distância. A explosão era certa.

Miguel pegou Tessa pelo braço sem pensar duas vezes, o problema com o seu pai já estava esquecido, pelo menos temporariamente, agora só tinham que sair dali, e o mais rápido possível. Seguiram a toda velocidade pelo corredor que levava a porta dos fundos.

Tessa se virou para trás no exato momento em que haviam passado pela porta que levava ao estacionamento externo coberto de folhas, foi capaz de ver o fogo envolvendo o motor do balcão.

A explosão foi barulhenta, ambos foram jogados contra o chão pela força do estouro. Tessa caiu sobre Miguel, o vento intenso que veio a seguir fez com que as cinzas e poeira se misturassem aos seus cabelos e roupas.

Tudo passou tão de repente quanto veio e a única coisa que ouviam era o som dos cacos de vidro que caiam em algum lugar por perto.

Tessa abriu os olhos e procurou desesperada pelos de Miguel. Pousou as mãos em sua face tão empoeirada quanto a dela mesma.

- Miguel! Acorde pelo amor de Deus! – Chamou enquanto chacoalhava e leve seu rosto. – Vamos seu idiota! Não me deixe aqui sozinha de novo!

- Tessa... – Abriu os olhos devagar. Thereza parou de falar e suspirou aliviada. Pelo menos ele não tinha morrido.

- O que foi? – Sorriu.

Ele soltou um gemido, o que fez com que Tessa franzisse o cenho em confusão. Será que estava sentindo alguma dor nos ferimentos? Será que tinha se ferido de novo?

- Miguel?! O que foi?! Você está bem?!

- Ai... Seu joelho está esmagando meu pâncreas.

Ela arregalou os olhos e se levantou num movimento. Miguel respirou aliviado e tossiu um pouco de fuligem que havia inspirado com a explosão.

- Ah, acho que vou morrer. – E cobriu a testa com o ante braço dramaticamente. Tessa revirou os olhos.

- Por causa de uma tosseira? Eu duvido muito.

Miguel arqueou as sobrancelhas perante o tom indiferente dela. Não que não estivesse acostumado, mas na maioria das vezes era ele quem não tinha muito senso de humor.

- Ainda está brava comigo?

Um trovão urrou em algum lugar muito distante anunciando que a chuva já se aproximava.

- Pelo fato de você ter me largado no hospital depois de dizer que eu era a coisa mais importante para você, ter vindo aqui enfrentar um assassino perigoso sozinho e ferido e ainda por cima me envolver numa explosão que poderia ter me matado? – Lançou o olhar mais frio que possuía. – Imagine.

As primeiras gotas de chuva começaram a cair.

Miguel suspirou.

- Eu não pedi que viesse atrás de mim. – Respondeu olhando para o céu, a água lavava a poeira do seu rosto.

- E você pensou realmente que eu não viria?

Ele não soube dizer se foi pelo tom de sua voz ou pelo jeito como ela o encarava, mas Miguel sentiu uma forte vontade de abraçá-la, não para se despedir, ou para protegê-la de qualquer coisa, ou mesmo para provocá-la.Apenas abraçar por abraçar, para sentir o corpo dela perto do seu.

E foi isso que fez.

Os olhos de Tessa se arregalaram em surpresa quando se viu acolhida pelos braços de Miguel.

- Eu fiquei muito feliz em ver você de novo. – Sussurrou em seu ouvido, a água já escorrendo e pingando pelos cabelos.

Tessa passou os braços pelas costas dele e apoio a cabeça em seu ombro, pela primeira vez sentiu que nada no mundo poderia machucá-la, nem mesmo a fria tempestade que se aproximava.


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Notas finais do capítulo

Cap no meio da semana de prova, olha a consideração
XD