Photograph escrita por Nyuu D


Capítulo 4
Capítulo 4




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Quando Atobe abriu os olhos, viu na janela que já estava escuro. Flocos de neve caíam do céu. Mexeu-se um tanto, esticando os braços e só então que percebeu que estava num sofá, e com um edredom sobre seu corpo. Como assim, estava escuro?! Ele estava lendo um livro que parecia bem interessante no começo, mas foi ficando tão chato que acabou pegando no sono e...

Procurou Tezuka por ali, erguendo-se rapidamente e viu que ele estava na cozinha, guardando as louças.

– Eu dormi?

Kunimitsu virou sua atenção para ele. – Sim.

– Que horas são?!

– Oito e meia. – Ele verificou no relógio do micro-ondas antes de dizer.

– Por que você me deixou dormindo?! – Atobe empurrou o edredom e sentou no sofá, levantando-se em seguida e passando a mão pelos cabelos. Eles estavam meio bagunçados, mas nada de mais. – Que vergonha, pelo amor de Deus.

– Porque o tempo que você estava dormindo, eu consegui me concentrar para terminar mais do meu trabalho que eu esperava. – Disse calmamente, guardando as últimas xícaras no armário de cima. Atobe ficou meio impressionado, uma vez que havia ouvido dele que estava com problemas para se concentrar. Bem, tinha que ficar feliz por ter ajudado. Debruçou-se sobre a bancada da cozinha e bocejou, esfregando os olhos azuis levemente inchados do sono. – Não dormiu bem essa noite?

– Dormi, mas acho que não foi o suficiente. Meu descanso é sempre pior no frio.

– Hum... – Tezuka fechou a máquina de lavar e saiu do ambiente da cozinha, retornando à sala.

– Ainda tem trabalho pra fazer?

– Não pra hoje, terminei o que precisava uns quinze minutos atrás. Acho que fui eu que te acordei com a louça. – Ele fez uma pequena pausa quando sentiu que Atobe sentou-se ao seu lado no sofá.

– Bem, eu me pergunto – ele atentou bem os olhos aos de Tezuka, o que forçou o moreno a virar-se em sua direção e encará-lo. – Você se concentrou para fazer seu trabalho... Foi porque eu estava aqui? Ou porque nós estamos de acordo agora?

– Acordo sobre o quê? – Hesitou.

– Ah – ele deu um sorriso bem humorado. – Você sabe.

– Não sei do que está falando – Tezuka se levantou e foi pegar o cobertor que Atobe estava usando, a fim de dobrá-lo e levar de volta para o quarto. Keigo levantou em seguida, seguindo-o devagar, aproximando-se. Ergueu as mãos até os ombros dele e apertou de leve, apoiando o queixo no ombro do rapaz.

Tezuka abraçou o cobertor e ficou esperando ele dizer alguma coisa.

Os braços do loiro deslizaram um pouco mais e ele abraçou Kunimitsu pelos ombros.

– Você já andou de patins no gelo?

– Quê? – Tezuka virou-se para ele, absolutamente sem entender.

– Já andou, ou não?

– Bom, não...

– Então vamos andar agora. Vá pôr uma roupa bem quente.

Ele tirou as mãos do moreno, que se virou para olhá-lo, um pouco confuso. Atobe fez um sinal com a cabeça, insistindo para que ele fosse para o quarto trocar de roupa. Tezuka hesitou um instante a mais, mas acabou indo para o outro cômodo deixar o cobertor e trocar de roupa.

Keigo sentou-se e ficou esperando. Ah. Devia ter pensado nisso antes.

Um tempo depois, Atobe e Tezuka chegavam a um grande parque da cidade. Havia muitas pessoas lá, em sua grande maioria, casais e famílias com filhos pequenos. Em volta de uma pista enorme e artificial de gelo, havia cercos com placas de metal para impedir a entrada desautorizada de pessoas na pista, já que havia um número máximo que podia ficar simultaneamente dentro dela.

Tezuka ficou olhando as luzes amarelas e enormes que circundavam a pista de patinação; o pessoal fazia muito barulho e dava risada, outros levavam tombos épicos e vários ficavam agarrados aos cercos de proteção, com medo de cair no meio da pista.

– Você já fez isso, Atobe?

– Já, várias vezes. – Ele falou, fazendo uma cortina fina de vapor sair de sua boca. – Eu me divirto muito.

– Não sei andar de patins nem no chão.

– Tudo bem, eu te ajudo. – Keigo olhou para ele com um sorriso e eles foram para a fila. Não, ele não ia poder furar nem nada disso.

Eles não conversaram muito durante o tempo que ficaram na fila, que foi relativamente longo; mas Atobe se divertia à beça com o pessoal andando na pista, principalmente com quem caía. Que sádico. Tezuka chegou a ficar meio preocupado com uma criança que foi de cara no gelo, mas levantou como se nada tivesse acontecido e continuou patinando, mesmo com a sobrancelha sangrando.

Particularmente ele ficou preocupado consigo mesmo, também.

– Tem certeza que isso é seguro? – Tezuka perguntou quando já estavam sentados nuns pufes de couro preto que o pessoal da organização improvisou para que o público calçasse os patins.

– Mas é claro, olha, eles têm até uma ambulância de prontidão – ele indicou mais para frente, e não estava mentindo, mas deu risada. Tezuka não gostou muito da piada, porém, ficou quieto, amarrando os cadarços dos patins nos pés. Atobe agora falava dos patins com uma das moças dali, reclamando que estavam muito pequenos. Enquanto isso, Kunimitsu falou com um dos caras que estavam entregando os crachás.

– A ambulância é uma exigência da organização, mas nunca foi usada de verdade, só pra pequenos ferimentos. – O rapaz disse, todo sorridente. – Não se incomode, senhor.

– Hum... – Ele pegou o crachá de número 49 e pendurou no pescoço. Nesse meio tempo, Atobe já estava falando com outro rapaz e segurava o crachá de número 10.

O loiro desceu da estrutura improvisada e pulou para a pista de gelo, patinando facilmente até uma determinada distância. Girou nos calcanhares e retornou para a entrada da pista, parando diante de Tezuka, que estava receoso. – Vem cá, eu te seguro – ele ofereceu as duas mãos ao rapaz, que aceitou, meio contrariado. E meio constrangido, por estar no meio de tanta gente.

Mas Keigo visivelmente não se importava... E isso lhe transmitiu confiança.

Atobe impulsionou-se para trás rapidamente e o moreno quase perdeu todo o equilíbrio, mas foi segurado pelo outro. – Não me puxe tão rápido, por favor – reclamou com um tom calmo, olhando constantemente para baixo e sentindo as pernas oscilarem o tempo todo para o lado.

Tezuka era um ótimo tenista, sem dúvidas, mas não havia nascido para patinar, só isso. Ele sabia andar de bicicleta muito bem, também, só que... Enfim.

Keigo sorriu para ele e foi patinando de costas, trazendo-o consigo devagar. Tezuka manteve os olhos no gelo, constantemente tendo que ajeitar os óculos no nariz porque eles escorregavam. Isso o forçava a soltar das mãos de Atobe e ter que se apoiar numa só, aumentando o risco de queda.

Por que ele concordou em ir mesmo?

– Gosto tanto de andar de patins no gelo, pena que tem que ser frio – o loiro disse, observando Tezuka e sua dificuldade em se equilibrar. Estava sorrindo, mas não porque estava sendo sádico, apenas porque o outro era uma graça mesmo.

– Você pode patinar no chão, também.

– Não tem a mesma graça. – Keigo fez uma curva porque chegavam ao fim da pista e Tezuka atentou-se para não cair. Até que se saiu bem, então conseguiu respirar mais aliviado. Não era tão difícil assim quanto parecia, talvez.

Atobe ficou pensando que gostaria de pegar nas mãos de Tezuka sem aqueles dois pares de luva impedindo o toque direto. Continuou sorrindo diante das sobrancelhas franzidas de Kunimitsu. Ele tinha bastante força nas pernas, mas faltava a coordenação necessária para patinar. Nem dava para entender como alguém incrivelmente bom no tênis era... Bom, isso não tinha ligação nenhuma.

Com um pouco de tempo, Tezuka já estava patinando um pouco melhor, até arriscava mexer as pernas ao invés de ser levado por Keigo.

– Certo, vou te soltar... – Atobe abriu os dedos para desfazer o entrelaçar com os de Tezuka, mas o moreno não concordou. Não inicialmente.

– Acho melhor não.

– Ora, vamos, você já está indo bem. – Keigo continuou patinando para trás. Assim que adquiriu confiança, portanto, Kunimitsu achou que não seria lá tão ruim soltar das mãos dele. Largou primeiro uma e forçou as pernas, depois a outra... Atobe ergueu as mãos num gesto gentil e patinou mais para trás, afastando-se.

E o resto já é esperado.

Tezuka perdeu todo o equilíbrio e seu tronco cambaleou para trás, para frente, e os braços tentavam inutilmente estabilizar o corpo. Mas não funcionou, e ele tombou com tudo para trás, caindo com a bunda no gelo.

Ai.

– Opa – Atobe riu quando ele soltou um ruído de dor e apertou os olhos, ajeitando os óculos no rosto. Coitado. – Doeu? Tá tudo bem? – Ele continuou rindo, mas novamente, não era por maldade. Só que foi engraçado. Tezuka era tão sério e certinho, sem falar na coordenação perfeita com uma raquete. Levar um tombo daqueles era cômico demais.

– Não vi graça nenhuma – Tezuka resmungou, aborrecido, com o rosto fervendo. Seu traseiro estava congelando, mas o rosto esquentava sem dificuldade alguma.

– Eu vi – Atobe pegou nas mãos dele e o puxou para que ficasse de pé. Eles foram um pouco para trás e Keigo o segurou na altura das costelas, olhando um momento para o grosso cachecol no pescoço do moreno e, em seguida, para o rosto vermelho dele. – Tá com frio?

– Para com isso. – Insistiu, passando a mão na parte de trás da calça jeans. Estava ensopada, que ótimo. – Melhor a gente ir embora.

– Tá bom, vamos – Atobe passou a mão nos cabelos dele e se afastou, patinando até a saída e levando Tezuka consigo.

Deus do céu, nunca que Kunimitsu achou que ia passar uma vergonha daquelas na sua vida. Não olhou muito para os lados, mas sabia que muita gente tinha visto, e que boa parte desse povo acabou rindo. Bom, era inevitável, ele achava, mas podia ter sido evitado. Isso se ele nunca tivesse entrado naquela pista.

Keigo deixou que ele saísse primeiro e depois subiu na estrutura da organização.

– Se machucou? – O rapaz que recolhia os patins perguntou a Tezuka quando o moreno sentou para tirá-los dos pés.

– Não, estou bem, obrigado. – Ele respondeu secamente, para evitar qualquer tipo de constrangimento desnecessário. Depois, entregou os patins na mão do homem e calçou o sapato, olhando Atobe fazer o mesmo bem na sua frente. Tezuka cruzou os braços e se encolheu, aquele tombo havia triplicado a sensação de frio por motivos óbvios.

Assim que o loiro terminou de pôr os sapatos, eles levantaram juntos e caminharam para fora dali. Foram andando em silêncio por um tempo, porque Tezuka estava obviamente irritado, e Atobe estava engolindo a vontade de rir de novo. Só que não deu pra fazer isso por muito tempo. Ele deu uma risadinha, daquelas que ficam presas nos lábios, depois riu mesmo.

– Ainda não vi graça – Tezuka manifestou-se, sentindo a cabeça tremer com o frio. Dali a pouco ia bater os dentes.

– Desculpe, mas foi engraçado. Se fosse comigo você ia rir.

– Não ia, não.

Atobe crispou de leve os lábios para cima num sinal de carinho e ficou olhando para a expressão ligeiramente emburrada de Kunimitsu. O moreno focava totalmente o caminho à sua frente, e ainda tinha as bochechas ligeiramente avermelhadas. Keigo sacudiu os ombros e deu dois passos curtos para o lado, apertando-o entre seus braços.

– Por que isso?

– Porque você tá com frio, e a culpa do tombo foi minha. É minha responsabilidade te aquecer.

Tezuka suspirou resignado, olhando-o atentamente. Atobe brilhava tanto carinho naqueles olhos que ficava difícil não acreditar nele. Voltou sua atenção para o caminho à sua frente e eles foram andando assim mesmo, em silêncio, até chegarem ao carro do loiro, que estava pouco mais adiante.

Assim que entraram no carro, Keigo ligou o ar quente e deu a partida, para retornar ao prédio do outro. Tezuka se encolheu no banco, estava se sentindo melhor ali, mas ainda assim estava incomodado com o jeans ensopado. Bom, isso não demorou muito para ser resolvido. Quando chegaram ao prédio, Atobe disse que iria deixá-lo à vontade, mas Tezuka o lembrou que suas coisas de fotografia haviam ficado lá em cima. Então ele teve que subir.

Foram pelo elevador e a primeira coisa que Kunimitsu fez ao entrar em casa, depois de tirar os sapatos, foi ir para o quarto trocar de roupa. Keigo caminhou pela sala e foi pegar suas coisas de volta. Pôs tudo no ombro e ficou parado por ali, esperando que o outro rapaz voltasse. Deu uma olhada em volta e viu uns porta-retratos na estante ao lado da televisão. Caminhou um pouco e se agachou para olhar, não havia reparado neles ali antes.

Havia uma foto dele com uma mulher de mais idade, devia ser a mãe. Em outra, ele estava bem pequeno, com uma raquete na mão e um garoto com uns fios de cabelo esquisitos na testa. Era Oishi. No outro porta-retrato, Tezuka já era mais velho, provavelmente na faixa dos vinte anos, acompanhado por um garoto com olhos bem estreitos e aquele que era o dono do restaurante que foram no outro dia. Fuji e Kawamura. O último daquele lado da televisão tinha uma foto de Tezuka com outro rapaz de óculos: Inui.

Atobe concluiu que eram amigos, então, já que reconheceu Kawamura. Nesse meio tempo, Tezuka voltou do quarto e chamou-lhe a atenção ao pronunciar seu sobrenome.

Keigo voltou sua atenção para o rapaz, que havia trocado a parte de baixo da roupa. Sorriu para ele. – Tá se sentindo melhor?

– Sim – o moreno aproximou-se um pouco, dando a volta no sofá. Keigo fez o mesmo, dando a volta na mesa de centro e chegando perto dele, carregando um sorriso doce nos lábios. Tezuka permaneceu sério. Devia estar magoado ainda porque Atobe riu dele, mas é que ah, foi inevitável. Se bem que, ele era sempre sério.

– Tá bravo comigo? – Ele tombou a cabeça para o lado e veio mexendo o corpo de um lado para o outro, como que sondando se poderia chegar mais perto. Tezuka não respondeu. – Desculpe, eu não ri de você, ri da situação... Foi engraçado.

Kunimitsu meneou de leve a cabeça para o lado, olhando um ponto qualquer, depois o outro, e, em seguida, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Obviamente, isso fez abrir um sorriso gigante no rosto de Atobe. – Viu, eu falei!

– Tá bom, mas não fique se empolgando demais. – Tezuka voltou à sua expressão séria de sempre. Keigo largou as coisas no sofá e adiantou-se rapidamente para superar o espaço entre eles, pegando-o num abraço apertado. O moreno encolheu de leve os ombros e deitou a cabeça no ombro dele, aconchegando-se nos braços do rapaz.

– Você fica tão bonito quando sorri, Tezuka... – Ele disse num tom de voz baixo, um tempinho depois. – Devia fazer isso mais vezes.

Kunimitsu não respondeu, mas sabia que talvez isso fosse verdade. E gostou do elogio, por algum motivo. Bom, ele não tinha muito que fazer quanto a isso, desde que se dava por gente, era assim. Seu sorriso normalmente aparecia muito brevemente, sem mostrar os dentes, sem empolgação... Não conseguia ter essa espontaneidade que as pessoas ao redor dele tinham.

Eles se afastaram naturalmente e Atobe manteve a expressão calma na direção dele, antes de descer as mãos pelo corpo do moreno e abraçá-lo pela cintura, puxando-o para um beijo de despedida.

Sentiu-se no direito.

Tezuka estava com os lábios gelados, ainda. Isso fez o loiro ficar convicto de que só iria largá-lo quando essa sensação passasse. O moreno levou as mãos aos ombros dele, segurando timidamente como bem lhe cabia, demorando um pouco para de fato abraçá-lo. Mas isso só aconteceu mesmo porque o ritmo do beijo aumentou e o corpo reagiu instintivamente, então, ele abraçou os ombros de Atobe, sentindo-se mais confortável.

Eles ficaram assim por um tempo indeterminado até que o beijo partiu-se naturalmente, naquele momento em que o ar começou a faltar. Kunimitsu ficou com os olhos castanhos fechados. Atobe abriu os dele e o olhou com um sorriso inevitável, aproximando o nariz e roçando de leve.

– Tenho que ir embora, amanhã cedo vou levar essas fotos no estúdio. – Keigo deu um último beijo curto em Tezuka e afastou-se, pegando suas coisas de volta e ajeitando no ombro.

– Certo, boa sorte.

– Tome um banho bem quente, hein? – Atobe caminhou até a saída, indo calçar seus sapatos para sair. Tezuka abriu a porta para ele e o loiro deu uma piscadela em sua direção antes de sair. Ficou esperando na porta enquanto o elevador não chegava, e Keigo ficou ali, parado no corredor, olhando para ele com o nariz empinado e um sorriso altivo como sempre.

– Boa noite, Tezuka – ele acenou quando o elevador chegou e entrou, desaparecendo pela porta de metal.

Tezuka fechou o apartamento e respirou fundo. Bem. Para o bem ou para o mal (como um tombo no gelo), Atobe trazia um tipo de energia à vida de Kunimitsu que ele não havia conhecido ainda. E gostava da sensação. Do seu jeito, guardando tudo no peito, mas gostava. Então não sentia vontade de evitar.

Foi seguir a sugestão de Keigo e tomar um banho quente, porque estava precisando mesmo descansar.

No sábado, Tezuka vestiu uma roupa quentinha e saiu do quarto após o almoço; Inui estava sentado no sofá, lendo uma coisa qualquer. – Ah – ele virou-se quando ouviu o barulho da porta do quarto se fechando. – Já está pronto? Quer sair agora?

– Não sei – Tezuka olhou lá fora; estava nevando um pouco, mas nada muito forte. Alguns flocos de neve perdidos flutuavam no céu até chegar ao chão. A cidade estava coberta de branco, e com luzes de Natal colorindo ainda mais o centro, já que havia muitas luzes naturalmente. – É longe daqui? Te disseram o que vão perguntar?

– Bem, é bem provável que não perguntem somente sobre a Sun’s Arrival, mas também sobre o seu novo projeto. – Inui levantou e ajeitou os óculos retangulares no rosto. Tezuka cruzou os braços e ficou olhando para ele, enquanto o rapaz fechava o livro e guardava dentro de sua bolsa transpassada. – Mas sugiro, é claro, que não dê muitas informações. É bom manter o suspense, alguns estudos dizem que—

– Inui, não precisa de dados. Confio em você – Tezuka fez um sinal com a mão e Sadaharu franziu a sobrancelha, provavelmente estranhando a atitude do rapaz. Ele normalmente gostava de ouvir os dados para saber qual atitude tomar antes de qualquer coisa. Naquele momento parecia estar sendo um pouco mais... Selvagem, talvez. Certo, essa palavra é pesada; quem sabe “aventureiro” seja melhor.

– Hum... – Inui ficou um pouco constrangido. – Muito bem, vamos embora. Tem certeza que não quer que eu faça suco pra você antes? É bom pra acalmar.

– Obrigado. – Ele negou com a cabeça. Não precisava tomar um dos sucos feitos por Sadaharu agora para ficar com ânsia a entrevista inteira. Eles saíram do apartamento e Inui foi dirigindo com ele até o estúdio de televisão onde ele seria entrevistado.

Quando chegaram lá, Tezuka já estava familiarizado com o local, embora sua primeira entrevista naquele canal tenha sido para outro programa. Eles entraram no local e foram recepcionados pela responsável, que enviou os dois para o camarim onde Tezuka receberia o microfone de lapela, uma maquiagem e outras coisas do tipo.

Havia outro rapaz lá; ele tinha cabelos azulados. Estava sentado numa das cadeiras, com uma maquiadora debruçada sobre ele, aplicando pó corretivo em sua pele. Quando ela terminou, ele virou-se para o espelho e colocou um par de óculos no rosto. Passou o dedo perto do nariz, aparentemente para tirar um excesso de maquiagem. Parecia desconfortável.

A maquiadora foi até Tezuka e pediu para ele se acomodar para ela maquiá-lo também. Ele odiava essa parte de dar entrevista. Enfim, ele colaborou e tirou os óculos, esperando ela fazer o trabalho; tão logo ela terminou, Tezuka recolocou os óculos no rosto e olhou para o rapaz do outro lado do camarim. Ele virou-se e olhou para Tezuka, reconhecendo-o.

– Tezuka-sensei? – Ele levantou e caminhou até onde estava Kunimitsu. Tezuka viu-se obrigado a levantar também e fez um aceno com a cabeça. Inui ficou observando do sofá do camarim, por cima do bloco de notas. – Meu nome é Oshitari Yuushi, sou jornalista, é um prazer conhecê-lo.

– Ah – ele acenou novamente quando Oshitari curvou-se em cumprimento. – Prazer.

– Veio dar entrevista sobre seu livro, né? Eu li até um pedaço, infelizmente não tive tempo de ler tudo, mas hoje está sendo minha leitura de descanso. Ando trabalhando muito. – Explicou o rapaz. Tezuka ficou lisonjeado, afinal, um jornalista teoricamente era uma pessoa culta. Teoricamente. Mas aquele parecia ser um tipo que se encaixava ao estereótipo.

– Obrigado. – Tezuka não soube mais o que dizer. E também não sabia se devia perguntar o porquê de ele estar ali, visto que aquele programa não era do tipo jornalístico, e mais como um programa de entrevistas em auditório.

– Estamos começando – a diretora avisou aos dois. – Yamada-san já está na posição. Oshitari-san, você é o próximo. – Ela deu um sorriso cansado. – Se puderem vir os dois até a coxia.

– Inui, vai vir junto? – Tezuka perguntou quando estava prestes a passar pela porta; o rapaz fez um aceno com a mão, explicando que continuaria o que estava estudando e, quando fosse a vez de Kunimitsu dar entrevista, ele iria assistir. Certo. Tezuka seguiu para a coxia e ficou olhando a tal Yamada Yoko, que era bióloga marinha, falava sobre uma viagem que faria para o México.

Depois, houve um intervalo, e Oshitari foi posicionar-se no sofá cor de uva que estava disponível para os entrevistados. A entrevistadora, Ono Sumiko, tinha os cabelos pretos levemente ondulados nas pontas e uma franja bonitinha. E quando ela sorria, covinhas apareciam em suas bochechas, o que dava a ela um ar engraçadinho. Quando o programa voltou a ser gravado, Sumiko começou a fazer perguntas para Oshitari sobre o livro-reportagem que ele faria...

E era na Rússia, em Moscou.

Ei...

– Eu convidei um amigo meu, um ótimo fotógrafo, o Atobe Keigo – explicou Oshitari para a mulher, em um determinado momento. – Mas ele não quis ir. Nem explicou por quê.

– Será que ele recebeu algum outro trabalho?

– O Atobe é meu amigo de anos. Ele não recusaria um convite meu por nada. – Oshitari disse com um ar tranquilo, embora a frase tenha soado meio convencida. Tezuka franziu a sobrancelha, sentindo a respiração pesar um pouco, já que aquela informação era algo meio... Pesada para um momento tenso como aquele. Estava prestes a ir gravar uma entrevista, e ficar pensando nisso não era muito bom.

– Então eu convidei o meu primo Kenya, de Osaka.

– Oshitari Kenya-san? – Sumiko deixou tombar a cabeça. – Ele é fotógrafo de eventos, não?

– É. Mas eu quero alguém de confiança.

A entrevista continuou um tempo a mais, mas Tezuka parou de ouvir a partir daquele momento. Só voltou a si quando sentiu a mão de Inui tocando-lhe o ombro. Sobressaltou-se e mesmo Sadaharu se assustou com a reação inesperada do rapaz, que normalmente era bem calmo. – Desculpe.

– Você está nervoso? Não é do seu feitio. – Ele ajeitou os óculos.

– Não. Só estava pensando...

– Sei. Bom, tente pensar só no livro agora. – Oshitari se levantava para agradecer Sumiko pela oportunidade de divulgar seu futuro projeto, suas ideias e essas coisas assim, e garantiu que voltaria ao programa com a obra pronta. Foi o intervalo de gravação e Oshitari retornou para a coxia, em direção ao camarim, mas Tezuka o interceptou no caminho.

– Você é amigo do Atobe?

– Sou – Oshitari franziu a sobrancelha enquanto ajeitava o blazer. – Você também, né? Eu sei que ele te ajudou com a noite de autógrafos. Ele é muito generoso. – O rapaz deu um sorriso enigmático e esperou alguma outra manifestação de Tezuka, mas isso não veio. Então, ele pediu licença e retirou-se novamente para o camarim. A diretora chamou a atenção de Kunimitsu para que ele fosse logo para o palco, e ele foi. No piloto automático.

A entrevista continuou e de fato, Sumiko perguntou sobre a nova obra de Tezuka, e ele disse apenas que seria no tempo atual. Assim haveria uma aproximação maior com o público alvo juvenil, diferente do livro anterior, que era mais histórico. Ele falou mais do livro anterior, mesmo, que continuava vendendo muito bem nas lojas do país.

– Eu soube que os direitos do livro foram comprados por uma editora internacional?

– Ah – Tezuka meneou a cabeça. – Eu recebi uma proposta, mas ainda não houve muita discussão sobre o assunto. É uma editora norte-americana. E também não é nada confirmado.

– E você pretende viajar para divulgar seu livro?

– Bem, acho que por enquanto não estou com essa moral toda. – Tezuka falou num tom tranquilo e Sumiko riu, divertindo-se com o jeito dele. – Mas quem sabe, um dia eu possa fazer isso, sim.

Mais algumas perguntas e a entrevista se encerrou, assim como o programa, que tinha três quadros com entrevistas longas. Tezuka agradeceu e só saiu do cenário quando a diretora disse que haviam parado de gravar, depois aplaudiu, agradecendo os três convidados daquela semana.

Um pessoal que estava na plateia levantou e foi até Tezuka com seus livros, pedirem autógrafos e fotos. Ele não esperava por isso, então, ficou meio atrapalhado, mas acabou concordando e atendeu todo mundo. Inui dizia que era bom falar com a maioria dos fãs, o máximo possível, assim ele não passava por babaca diante de ninguém. Embora fosse até difícil imaginar que uma criatura como Tezuka pudesse ser mal-interpretada.

Depois disso, Tezuka pegou seu celular no bolso da calça e ligou. É questão de educação desligar para gravar algo assim, enfim. Ele ficou esperando o aparelho funcionar e viu que havia duas chamadas perdidas. Uma era de Atobe, o que era de se esperar, e outra era de Oishi Shuichiro, seu velho amigo.

Bem. Ele decidiu ligar primeiro para Oishi, visto que fazia tempo que não falava com ele. Entretanto, antes, ele foi até a coxia para falar com Inui para irem embora, isso depois de conversar um pouco com Ono Sumiko, que explicou a ele que eles gravavam o programa no sábado à tarde para passar no domingo de noite – como se Tezuka não soubesse disso.

No caminho, dentro do carro, Tezuka ligou para Oishi, que não demorou muito para atender. – Oi, Tezuka! Onde você está? Tudo bem?

– Tudo, sim. – Tezuka fez uma pausa. – Estou com o Inui, voltando pra casa. Tudo bem com você, aconteceu alguma coisa?

Ah, não. Tá tudo bem, sim. – Ele deu uma risadinha constrangida do outro lado da linha. – Eu queria saber se vocês não querem fazer alguma coisa hoje. Sabe, faz tempo que não nos vemos, e eu soube que você foi ao restaurante do Taka-san uns tempos atrás.

– Hum... – Tezuka virou-se para Inui e explicou a ele o convite, que não demorou muito para aceitar, e dizer que ligaria para Kaidoh. – Bem, eu vou ver se eu posso ir. Depois eu te aviso.

Tem algum compromisso?

– A princípio, não.

Então tem agora, poxa. O nosso! Vai todo mundo que eu já falei até agora.

– Certo. Eu vou te ligar quando chegar em casa.

Eles desligaram. Inui ficou em silêncio por um instante, enquanto Tezuka guardava o aparelho celular.

– Por que você não sabe se vai? Vai sair hoje?

– Não... Não que eu saiba. O Atobe me ligou.

– O Atobe-san é um bom rapaz. – Inui voltou sua atenção para o trânsito, mas seu tom não era nada despretensioso. – Mas acho que você tem que levar algumas coisas em consideração, Tezuka. Ele é uma pessoa muito rica e influente. Não se preocupa de alguém ver você com ele?

– Não entendi. – Kunimitsu olhou de soslaio para o amigo. – Me ver, fazendo o quê?

– Você sabe. As pessoas falam. – Inui ligou a seta para o lado a fim de estacionar ali perto do prédio de Tezuka. O outro não respondeu, pelo menos não na hora. Sadaharu parou o carro puxou o freio de mão, virando-se no banco para olhar o amigo. – Não estou te reprimindo, só protegendo.

– Não se preocupe, Inui. Eu sou um homem adulto. – Tezuka tirou o cinto de segurança. – Eu te ligo pra avisar se vou, mas provavelmente eu vá, sim. Até depois.

Ele saiu do carro e nem esperou Inui falar mais, porque não queria ouvir. Achou aquilo totalmente desnecessário, embora entendesse que Sadaharu estivesse pensando com um lado mais racional de seu cérebro. Aliás, totalmente racional. Mas isso era um pouco precipitado da parte dele, principalmente por não saber nada de coisas importantes como, por exemplo, Atobe recusar o pedido de um grande amigo só porque Tezuka não quis que ele viajasse.

Kunimitsu pegou o telefone enquanto subia pelo elevador e já foi procurando o número de Keigo para discar.

Oi ­– Atobe atendeu casualmente. – Por que você não atendeu?

– Eu estava gravando uma entrevista. Eu te falei.

Ah é! Desculpe, eu esqueci. Ando com muita coisa na cabeça. Na realidade, eu discuti com o meu amigo porque neguei o pedido dele. Sabe, de viajar pra Rússia?

– Hum... – Tezuka tirou os sapatos e fechou a porta do apartamento. – Atobe.

Sim?

– O nome do seu amigo é Oshitari Yuushi?

É sim! – Atobe reagiu com surpresa. – Como você sabe?

– Eu dei entrevista pro mesmo programa que ele. Encontrei ele no camarim.

E você falou com ele?

– Não muito. – Tezuka sentou-se no sofá e tirou os óculos, esfregando os olhos. Atobe estava rodeado de muito barulho, o que indicava que provavelmente ele estava em algum lugar público. Ou vendo televisão alta, mas essa é menos provável. – Ele falou, na entrevista, que você não quis fazer as fotos pra ele... Umas coisas assim.

Sei. Bem, o que eu posso fazer? – Atobe deu uma risadinha. – Não posso negar um pedido seu, posso?

– Não falei isso. – Tezuka recolocou os óculos e levantou para ir fazer um chá. Atobe pediu um instante e Kunimitsu deixou de ouvir qualquer coisa, para depois retornar a ouvir a algazarra um tempo depois.

Tezuka, eu estou numa inauguração de um restaurante novo, quer vir?

– Desculpe. – Tezuka decidiu-se, então. – Meus amigos me convidaram pra uma reunião. Faz tempo que não os vejo.

Traz todo mundo aqui! Quero conhecê-los.

– Atobe – o rapaz ficou até sem jeito com o tom de voz do outro. – Eles não se encaixam muito bem numa inauguração de restaurante do tipo que você frequenta...

Ei, assim você me ofende. – Ele choramingou. Tezuka deu um sorriso pequeno. – Tá, mas amanhã você é meu. Então não beba muito. Não quero você de ressaca!

Que possessivo.

– Digo o mesmo. – Tezuka meneou de leve a cabeça. Atobe riu. – Mas só vou poder te encontrar à noite. Tenho que terminar meu trabalho amanhã. Estou quase no fim.

Tudo bem. Amanhã meu amigo vai passar na cidade. Vou encontrar com ele durante a tarde. Ele é tenista, tá indo pra uma cidadezinha em Hokkaido, foi convidado pra assistir um campeonato infantil.

– Sei – Tezuka colocou a água para ferver. – Bem, divirta-se então.

Você também.

Kunimitsu desligou e foi logo ligar para Oishi, perguntando onde iriam se reunir, que horas etc. Seria mesmo bom encontrar o pessoal depois desse tempo sem conversar muito, afinal tinha contato direto apenas com Inui, e um pouco menos com Fuji. Os demais haviam se perdido um pouco no tempo, deixando as conversas apenas para casualidades, o que era um pouco ruim. Mas Tezuka sabia que a vida de escritor era restrita assim mesmo.


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