Linguagem Universal escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 3
Capítulo 3




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          Jun estava sentado calmamente em um banco, afinando a sua guitarra. O barulho no set de gravação era horrível, pessoas passavam a toda hora; mas ele não gostava da idéia de gravar com uma guitarra fora de tom.
          Ele ouviu um alarme particularmente ardido, fazendo uma careta na hora. Uma das maquiadoras apareceu, vindo na sua direção.
          - Jun-san! Ne, eu preciso arrumar seu cabelo!
          O guitarrista concordou com a cabeça.
          - Você pode arrumar aqui? Ou preciso ir até o camarim?
          - Iie, aqui está bom! - ela sorriu e deu a volta, parando atrás dele e arrumando alguns fios de cabelo. O guitarrista já estava acostumado com os profissionais que trabalhavam com ele, mas ele não via necessidade em arrumar tantas vezes o seu cabelo. Bom, as maquiadoras sabiam o que estava fazendo, além de terem Willow como chefe.
          Quando ele finalmente conseguiu deixar a sua guitarra do jeito que queria, Takeo começou a gravar parte das suas cenas, o barulho da bateria enchendo o ar. Dando um suspiro quase imperceptível de alívio por ter terminado antes, Jun agradeceu a ajuda da maquiadora e se levantou, indo para o set também.
          O lugar do clipe era nostálgico para o guitarrista, de certo modo. Era um cômodo fechado, com uma televisão colocada em um canto. Sabendo o que iria acontecer antes da gravação começar para todos, ele temia pelo triste fim da televisão nas mãos de Kirito. Aliás, destruir coisas deveria estar no sangue dos Murata: ele se lembrava de quando Kohta havia quebrado a câmera que supostamente os filmava em MAD SKY ~Koutetsu no Meshia~.
          E era exatamente por causa do primeiro clipe como major que ele se sentia nostálgico. Os dois clipes eram muito parecidos: o lugar, o ambiente, as coisas sendo quebradas, as cores. Não que eles estivessem se vestindo como antigamente, mas na edição, o clipe ficaria em preto e branco.
          Sem contar a presença de insetos. Se antes usaram formigas, agora eram aranhas.
          - Eu não vou tocar com essa coisa!
          Que, pelo visto, estavam dando problemas.
          - Take, o que aconteceu? - era a voz de Aiji, que entrava no set de gravação, sua guitarra presa ao seu corpo pela correia. O outro guitarrista usava uma roupa que deixava os seus ombros de fora, mas seus braços eram logo cobertos depois por luvas. Lembrava muito a roupa de outra figura conhecida do rock no Japão, mas o nome tinha fugido da memória de Jun.
          - A aranha. - respondeu o baterista, com um tom de voz que misturava nervoso e irritação.
          - Take-kun está com medo de aranhas! - gritou Kohta do seu lugar, rindo. Kirito estava do lado dele, um sorriso não exatamente inocente no seu rosto.
          - Ela não faz nada, Takeo-san. - um dos responsáveis pela aranha em questão falou, se aproximando e pegando-a na mão, como se demonstrasse as próprias palavras - E ela vai ficar aqui, no prato.
          - Mas e se eu bater no prato e atirar a aranha na parede, ou no meu colo? - o baterista perguntou, pânico tingindo a sua voz de maneira tão perceptível que só fez Kohta rir ainda mais alto, quase arrastando o irmão mais novo com ele. Aiji suspirou, explicando que já havia gravado as suas cenas e tinha ocorrido tudo bem.
          O outro guitarrista sentiu um pequeno sorriso curvando seus lábios, que sumiu quando balançou a cabeça. Voltando para o interior do set, Jun iniciou uma caçada por garrafas de água, que pareciam ter sumido misteriosamente do lugar.
          Quando havia entrado no camarim, ele ouviu o barulho da porta sendo aberta e fechada atrás de si por uma segunda vez, e ele sabia que não estava sozinho. Não precisava olhar no espelho para saber quem era, também era desnecessário virar para trás para ver; ele simplesmente sabia quem era.
          Somente Kirito viria atrás dele sem se anunciar, sem falar e se fazendo apenas presente.
          - O quê você tem, Jun?
          - Como assim, Kirito? - ele perguntou, sem encarar o vocalista. Não tinha forças para isso. Finalmente achando uma garrafa, ele a abriu sem esforço e deu um longo gole.
          Uma mão no seu ombro lhe informou que Kirito estava logo atrás dele, um olhar pelo espelho viu a outra mão do vocalista deslizar pela sua cintura e repousar assim, sem puxá-lo para mais perto mas sem empurrá-lo para longe.
          - Não minta para mim, Jun. Eu sei que você está diferente. Eu sinto alguma coisa errada... - a voz de Kirito era praticamente um sussurro, o ar quente que escapava dos lábios do vocalista dando uma sensação estranha de cócegas no guitarrista.
          Calmamente, Jun colocou a garrafa de volta sobre a mesa, encarando os olhos escuros do seu amante pelo espelho:
          - Por que estamos fechando um ciclo, Kirito? Por que logo agora, em uma data tão importante?
          O movimento foi breve, mas o guitarrista captou o lampejo de alguma emoção impossível de ser descrita em palavras nos olhos do vocalista, sumindo tão rápido quanto tinha aparecido.
          Rapidamente, as mãos que o mantinham perto sumiram, e Kirito afastou-se, sem responder às perguntas do outro homem.
          - Kirito, responda. Eu fundei tudo isso com você e mereço saber o quê está acontecendo. - Jun caminhou até o outro homem, virando-o de frente para si mesmo com as duas mãos, os olhos castanhos que eram sempre gentis com um olhar de determinação inegável - Está colocando um fim em nós também?
          Um suspiro longo e pesado foi a resposta que o guitarrista conseguiu do outro homem, Kirito mantendo o seu silêncio e desviando o seu olhar de Jun. Um sinal alto soou em algum lugar novamente, e o líder da banda se contentou em dizer:
          - Vamos. Estão chamando para a continuação das gravações.
          - Kirito...
          - Depois nós conversamos Jun. - foi a resposta com tom de fim de conversa que Kirito ofereceu; o mais baixo dos dois concordou com a cabeça, não sem antes sussurrar:
          - Só se precisa de uma pessoa para terminar o que duas ou mais construíram. Pense bem antes de agir, Kirito.
          O jeito que o vocalista mordeu o lábio inferior passou desapercebido por Jun.

          - Carreira solo.
          Kohta engasgou ligeiramente com o refrigerante que tomava, a voz de Jun soando muito mais alta que o normal na pequena sala onde estavam reunidos. Aiji ainda estava gravando algumas partes suas dentro do estúdio, a sua linha em uma das últimas músicas do álbum FREEZE dando trabalho ao pobre guitarrista.
          - M-mas como assim, Jun? Kirito? - o mais novo dos Murata olhava para os dois sem parar, pousando a lata da sua bebida na mesa e balançando a cabeça negativamente, como se não acreditasse no que ouvia. O baterista suspirou, descruzando os braços e espreguiçando-se.
          - Eu acho que até demorou bastante para você falar sobre isso, Kirito.
          Todos os olhares na sala convergiram para Takeo.
          - Eu acho que demorou mesmo. Desde o último single você parecia inquieto no estúdio, como se estivesse maquinando algo. E como Jun não compartilhava do mesmo espírito, eu achei que era algo que tinha somente a ver com você.
          O vocalista sorriu um pouco, concordando com a cabeça. Takeo sempre havia sido um excelente observador, e capta detalhes que escapavam a qualquer outro par de olhos. Na verdade, Kirito se perguntava se o "pai" da banda sabia dele e de Jun.
          Provavelmente sim.
          A porta se destravou e o alto guitarrista líder da banda entrou na sala, estranhando o clima presente. Piscando, ele recebeu um sorriso cansado de Jun, que bateu de leve na cadeira reservada para ele.
          - Sente-se, Aiji-kun. Kirito tem notícias para todos nós.
          O alto homem pareceu surpreso, mas se sentou do mesmo jeito. O vocalista então se levantou e apoiou as mãos na mesa, olhando por um segundo para a superfície de madeira que parecia quase refletir seu rosto, de tão bem encerada. Um suspiro fraco se seguiu quando o líder da banda decidiu falar:
          - Muito bem... Eu gostaria de dizer que estou para começar meu projeto de carreira solo. Não é algo que eu esteja pensando, é algo decidido. - o tom de voz Kirito ficou mais firme nessa parte, e ele notou o crescente olhar de surpresa no rosto de Aiji - Assim como também foi acertado que eu não estou deixando a banda. Não estou deixando nada do que fizemos para trás.
          Todos os outro quatro membros pareceram se acalmar com a última parte do "discurso". Jun, porém, detectou alguma coisa que ainda parecia presa na garganta do outro homem. Talvez não fosse a hora para falar disso, e ele optou por guardar o detalhe para si mesmo, quando fosse mais tarde.
          - Então... O ano que vem vai ser assim? Cada um para seu canto? Justo quando comemoramos dez anos juntos vamos nos separar?
          As palavras do guitarrista loiro feriram os ouvidos de todos os presentes. Provavelmente, eram as palavras que Kohta e Takeo deveriam ter vontade de dizer. Até ele mesmo, Jun, havia pensado nisso.
          Mas era sabido que Aiji era o integrante que mais se agarrava à banda, justificando o seu espanto e quase medo com a notícia. Kirito sorriu de forma benevolente para ele.
          - Aiji-kun. Eu acho que o ano que vem vai ser uma pausa para que nos encontremos. Como pessoas. Não como o "Aiji" do PIERROT, mas talvez como Shinji? Assim como eu espero encontrar Shinya. - o vocalista explicou, os olhos do guitarrista líder de repente se arregalando à menção do seu nome verdadeiro.
          Sem muito o que falar, os cinco homens apenas confirmaram os próximos shows a serem realizados no ano que entraria em breve, logo depois se dispersando. Aiji e Kohta pareciam arrasados com as notícias e Takeo conformado. Mais uma vez, os dois fundadores da banda estavam sozinhos, em uma pequena sala, pensando sobre os rumos da mesma.
          Só que dessa vez, eles tinham dez anos de carreira em jogo, fama e muitas pessoas que confiam e os admiravam. Muita coisa a perder.
          Sentando-se na mesa, Jun apanhou alguns papéis que haviam ficado jogados e colocou-os em ordem, deixando-os em uma cadeira logo depois. Suspirando, ele encarou as costas de Kirito, que arrumava as suas coisas para ir embora.
          - O quê você queria dizer aquela hora que ficou faltando?
          Ele viu o corpo do outro homem se tensionar ligeiramente, logo relaxando com um suspiro baixo. O vocalista se virou para o seu amante, apoiado na parede.
          - Jun... Você sabe que estamos há dez anos juntos.
          - Sei.
          - Como colegas de trabalho e como amantes.
          - Sei. De qual deles você está pedindo divórcio, então? - as palavras saíram da boca do pequeno guitarrista antes que ele pudesse controlá-las - Você deixou claras as suas intenções de uma pausa. Por quê? O que está havendo com você? Por que insistiu em completar um ciclo de dez anos e parar tudo?
          Jun não percebeu que estava chorando até Kirito se aproximar o suficiente para enxugá-las com a ponta dos dedos, substituindo os mesmos pelos seus lábios logo depois. Abraçando o homem menor, ele enterrou a cara no ombro do seu amante, respirando próximo do seu corpo.
          - Jun... Nenhum deles. Eu não estou pedindo nada de você ou da banda.
          - Você está se afastando. Você está tentando encontrar seu verdadeiro "eu". Quer dizer que durante esse tempo todo, você nunca foi você?
          As palavras duras do guitarrista base fizeram a expressão de Kirito mudar, separando-se do outro homem para olhá-lo diretamente. As lágrimas haviam parado, dando lugar a uma certa expressão de indignação no rosto do outro homem.
          - Jun. Você é a única pessoa que sempre viu quem eu sou de verdade. Talvez meu irmão também... Mas mesmo assim, é diferente. Eu jamais mentiria para você.
          - Então... Qual o motivo da carreira solo?
          O vocalista parou por um momento, mordendo o lábio inferior antes de responder:
          - Eu me sinto perdido.
          Jun arregalou os olhos.
          - Como assim?
          - Eu me sinto estranho. - Kirito tentou explicar, se afastando em definitivo do outro homem. - Eu sinto que chegamos ao fim. Eu sinto que devemos parar e pensar se queremos realmente continuar, Jun. O fim chegou e isso é fato, depende de cada um de nós tentar algo novo.
          O guitarrista se virou na mesa para acompanhar a figura de Kirito, andando pelo pequeno cômodo. A palavra que ele tanto temia ouvir finalmente havia aparecido.
          - Você acredita em vida após a morte?
          Jun arqueou uma sobrancelha, o gesto sem metade do seu significado original de questionamento por causa dos olhos ainda úmidos.
          - O que você quer dizer com isso?
          - Acho que todas as coisas tem um ciclo natural e chegam ao seu fim. Não estou dizendo que nós chegamos ao ponto final de tudo, Jun. Mas talvez, ao fim de uma fase.
          O guitarrista tentou absorver o conteúdo de tudo o que Kirito havia dito, balançando a cabeça afirmativamente. Respirando fundo, ele desceu da mesa e pegou suas coisas, pronto para ir embora também.
          - Me prometa uma coisa, Kirito.
          O vocalista piscou e andou mais para perto, aquiescendo com a cabeça.
          - Quando chegar a hora do fim, você vai ser honesto e direto. Hora para o fim da banda, hora para o nosso fim.
          Kirito pareceu desprevenido com a pergunta, mas concordou novamente com a cabeça. Deixando que Jun saísse na frente dele, ele trancou a porta atrás do guitarrista, logo em seguida puxando o guitarrista para si e beijando-o brevemente.
          - Eu brinco com palavras mas nunca com sentimentos.
          - Ainda bem... - o guitarrista sussurrou de volta, falando praticamente contra os lábios do outro homem, os dois corpos ainda próximos - Você... Ainda lembra do meu amigo barman? Que nos apresentou?
          - Lembro. - Kirito sorriu, lambendo o lábio inferior de Jun e se afastando um pouco em seguida - Algumas coisas são impossíveis de serem apagadas.
          - Isso quer dizer que elas são eternas.
          Kirito arqueou uma sobrancelha. Jun prosseguiu:
          - Quando não se esquece uma coisa, ela será imortal. Esse é o sentido de ser eterno, ser lembrado.
          Um curto beijo se seguiu, o vocalista tomando a mão do outro homem na sua e caminhando para a saída. O prédio já estava mais escuro e parecia quase desabitado, sem o frenesi normal que tomava conta de um estúdio em dias comuns.
          - Então nem tudo chega ao fim, se existem coisas eternas.
          - Exato.
          - Interessante, Jun. Paradoxos novamente... A nossa vida se construiu ao redor deles.
          - E de uma constante universal também.
          - Mesmo? - Kirito sorriu, olhando de lado para o homem mais baixo - Qual?
          - A necessidade do homem se expressar pela música. Não fosse esse sentimento, não estaríamos aqui. Não estaríamos juntos.
          - Não é uma constante. É uma linguagem... Sujeita a mudanças e a inovações desde que foi criada, como qualquer outra.
          Jun ponderou sobre a definição.
          - Linguagem universal parece mais apropriado.
          Kirito não respondeu, beijando o outro homem mais uma vez. Deixando claro que o fim existia, mas que depois dos créditos, as luzes sempre se acendem mais uma vez e descortinam um novo mundo, repleto de novas oportunidades.
          Cheio de começos, meios e finais.

FIM

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Notas finais do capítulo

O capítulo final abriga uma teoria particular minha, envolvendo os clipes de MAD SKY ~Koutetsu no Meshia~ (primeiro clipe major da banda) e MYCLOUD (penúltimo clipe major da banda). Talvez seja fantasia, talvez não: PIERROT acabou pouco depois de MYCLOUD.

Como essa história foi escrita antes do final da banda em abril de 2006, algumas coisas não ficaram tão próximas da realidade quanto eu gostaria neste capítulo. Talvez um dia eu faça outra história encarando o final conturbado e nada bem-explicado de PIERROT.

Obrigada pela atenção!
Mari-chan.