Jane Doe escrita por Wyvern


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Jane Doe é o feminino de John Doe, uma expressão americana que equilave a "João Ninguém".



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/89201/chapter/1

            - Michael... – cantava aquela voz fina e suave. – Por que você está fugindo de mim, Michael?

            - Me deixe em paz! – continuava a gritar o rapaz, completamente em pânico.

 

            Outro relâmpago caiu, sua luz se espalhando pelos mosaicos de vidro colorido que enfeitavam as janelas da igreja e iluminando o lugar quase deserto. O jovem continuou correndo até chegar à gigantesca imagem de Cristo crucificado, quase caindo enquanto sentava-se abaixo da cruz e abraçava os joelhos. Enquanto tremia de puro pavor, tentava em vão murmurar uma prece, mas a voz continuava a interrompê-lo. Onde estava Deus? Por que ele deixava aquele demônio infernizá-lo? Por que aquela aparição o estava perseguindo? Como sabia quem ele era? E, acima de tudo, o que ele tinha feito para merecer aquilo? Encolheu-se ainda mais quando a figura se aproximou flutuando até onde estava, como uma criancinha assustada diante de um pai furioso com uma cinta. As lágrimas finalmente caíram por seu rosto quando percebeu que não tinha como escapar dela.

            Fazia anos que Michael Hunt não chorava. Por que deveria? Ele era o que todo rapaz queria ser. Alto, com uma pele perfeita, cabelos negros e lisos até o queixo, belos olhos ambáricos, físico definido. Até mesmo sua vida era perfeita. Era rico, popular, seus pais lhe deixavam fazer o que quisesse e o suborno dos mesmos o fazia um dos melhores alunos da escola. Qualquer um que conhecesse Michael se chocaria ao vê-lo chorando assustado em uma igreja no meio da madrugada. Talvez fosse porque essa pessoa não pudesse ver o mesmo que ele. Abrindo um sorriso ao ver seu medo, a mulher iluminada aproximou o rosto e tocou a ponta de uma das longas unhas negras na bochecha do garoto, fazendo um longo arranhão na pele.

 

            - Sou real para você agora? – perguntou, lambendo a ferida com sua língua branca. Michael gemeu. Seu toque era frio como um cubo de gelo contra o corte, mas logo depois deixou uma sensação de estar queimando.

            - Quem... Quem é você? – o rapaz forçou-se a perguntar, desviando os olhos.

            - Eu sou só um espírito que vaga, sem conseguir ir para o outro mundo. A Desconhecida, ou Jane Doe, se você preferir. – a mulher ronronou em seu ouvido, com um tom de tristeza fingida. – E você vai me ajudar a descobrir isso, ou então podemos brincar mais um pouco...

 

             Um calafrio subiu pela espinha de Michael, fazendo-o se encolher mais contra a parede. As lacerações em seus pulsos ainda estavam abertas, ainda sangrando de leve por baixo das tiras de tecido arrancadas de sua camisa. Uma hora antes, quando ele se enfureceu com a chegada da presença, Jane Doe estralara os dedos e seus pulsos tinham sido rasgados, três fundos arranhões em cada um. Tinha sido uma dor excruciante, e ele não se importou em implorar para que fizesse aquilo parar. A mulher, satisfeita, diminuiu um pouco os cortes, tirando o risco de vida. Mas deixara claro que podia fazer isso e muito mais se quisesse. Como o que ela fizera com seus pais.

 

            - Você... Matou os meus pais? – indagou, ainda se recusando a encará-la.

            - Ah, aqueles velhos chatos? Sim! – riu Jane Doe, segurando o queixo do garoto com os dedos frios e o forçando a olhá-la diretamente para seu rosto perturbador. – Não se preocupe, você nem vai ter tempo de lamentar por eles. Vai estar muito ocupado me ajudando.

 

            Michael não suportava olhar para aquela horrível criatura. Ao vê-la pela primeira vez, quando surgira em seu quarto no meio da noite, o rapaz até a achou bonita. Veja bem, não é sempre que uma mulher nua aparece no nada no quarto de um garoto de dezesseis anos. Sua pele branca, rodeada por uma leve fumaça transparente, parecia perfeita, exceto pelo longo corte que se estendia da garganta até a virilha, como se cortasse seu belo corpo em meio. Seus cabelos, totalmente negros e cacheados, batiam até os joelhos, mantendo-se suspenso enquanto ela se agachava sobre o garoto. Suas unhas – das mãos – eram compridas e negras, como garras afiadas. Não possuía olhos, apenas espaço vazio nas órbitas. Ao que parecia, isso não a impedia de vê-lo. Ao sorrir, pequenas e afiadas presas ficaram visíveis.

 

            - M-mas... Eu não sei quem matou você! – se esganiçou o rapaz. – Eu não sei quem você era! Eu juro!

 

            O riso frio de Jane Doe voltou a tomar o ar, fazendo Michael se retrair, mesmo sendo segurado por ela. – Eu acredito em você. Mas mesmo assim, você viu o que aconteceu, me viu no dia em que morri. Vou fazer você se lembrar. Você tem uma semana.

            - E... – o rapaz engoliu em seco. – E se eu não conseguir?

            - Eu vou garantir que você consiga. – o tom dela ficou repentinamente gélido e as unhas se fincaram em seu rosto. Pensativa, Jane Doe puxou-o mais para perto, como se analisasse alguma coisa em sua face. Quando voltou a sorrir, Michael soube que estava perdido. – Mas quem olhos bonitos que você tem, Michael... Acho que vou levá-los comigo.

 

            O rapaz entrou em pânico, tentando soltar a face. A mulher abriu mais o sorriso cruel e passou o outro braço em suas costas, o puxando contra seu corpo frio com uma força inumana. Michael recomeçou a chorar, incapaz de acreditar no que estava acontecendo. Antes ele rezara para que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo, mas a dor era real demais, e sua mente jamais seria capaz de criar uma criatura como Jane Doe. Calmamente ela aproximou as longas unhas do olho direito do garoto, limpando as lágrimas que desciam dele antes de forçar sua pálpebra a abrir. Congelado pelo medo, ele nada conseguiu fazer para deter a mulher quando ela ergueu as longas unhas e, rápida como uma cobra, as lançou contra seus olhos.

            Essa foi a última visão de Michael Hunt.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Jane Doe" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.