Shimmer escrita por scarlite


Capítulo 10
Capítulo 10




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CAPÍTULO 10: O gosto das notas

As pessoas assumem matizes diferentes em momentos diferentes. Pessoas são como cores; Cores não mudam se misturam.

Havia o chão.

O acariciar da grama na pele fina.

Uma partitura em branco e uma poção de rabiscos...

- Dó... Sustenido... Encaixa aqui... – Uma diversão estranha para uma menina de poucos anos. 

Mas, seu sorriso branco fazia transparecer o prazer solitário que a tarefa lhe oferecia.

Esquecera até mesmo da aula com a gorducha professora Phittgard, escapando pelos ponteiros do relógio minuto após minuto, ali no campo de futebol.

Estava totalmente absorvida pela atividade; no entanto enganchada quase despencando pela sua mente, estava a apreensão que alguém aparecesse.

Ultimamente seus colegas lhe deram umas “férias” de sua habitual tortura cotidiana. No topo de sua frustração não estava a mofa e humilhação; ela parecia não se importar minimamente com esses conceitos. O problema era de fato, a interrupção de sua vida.

Era assim que pensava sobre.

Eram avessos à sua natureza os intentos escusos de garotinhos ansiosos pelo troféu, pela oportunidade de fazer os outros rirem.

Mesmo ela ria em alguns momentos; mas, tudo que desejava era ficar em paz e pensar.

Na maior parte do tempo os minutos se arrastavam na escola, e o momento mais empolgante acontecia quando seus primos a pegavam. Era hora de ir para casa.

Um projétil interrompe o tecer da caneta sobre o papel desenhando um risco horrendo onde deveria estar uma clave.

Apertando os olhos contra o sol vê ao longe a figura de um garoto mais ou menos de sua idade e estatura.

Os cabelos de penugem dourada se espalham com o vento à medida que ele se aproxima.

Inconscientemente ela se encolhe.

Sequer ergue o rosto quando um par de surrados tênis aparece a sua frente. Recolhe as folhas juntando-as sobre o peito.

- Oi!

Nada.

- Oi, você tem alguma coisa errada? – O garoto de cabelos plumados se abaixa e gira a cabeça para ver o rosto da menina.

- Porque você não diz “oi”? Ora, vamos! Não custa nada não é? – Ele era um bom garoto devo admitir. Estava realmente sendo simpático com uma compatriota no ofício de burlar as aulas.

Nada.

- Tudo bem. – Coçou a cabeça, resignado já se erguendo com sua bola oval nas mãos. -Em todo caso, desculpe pela bola... – Dito isto correu de volta para sua brincadeira.

Nesse momento a garotinha levantou as vistas tendo um vislumbre do pequeno “Interrompedor”.

Ele se afastava gritando como se houvesse mais pessoas disputando com ele pela posse de bola; quando tudo que existia era o menino e o campo quase vazio. Exceto pelos olhos curiosos da menina.

***

- Cinqüenta e cinco dólares.

- Meu filho, isso é muito caro! – Uns olhos cinzentos e cremosos me olhavam por cima do balcão.

- Me desculpe senhora Jones, é máximo que posso fazer. – Um sorriso simpático. Mais uma vez ela me olhou com o mesmo espanto de minutos antes.

- O que foi isso no seu rosto querido? – Ela mexeu nos pequenos óculos e me examinou com mais esmero.

Mais um sorriso, só que não tão simpático. (Ou pelo menos não tão espontâneo)

A senhora Jones sofria de uma amnésia persistente, por causa da idade avançada. Vivia sozinha com seu American Curl, um belo felino de pelo branco e olhos cor de céu.

Então toda semana, sobe a pequena ladeira de sua casa até a clínica veterinária para que o trate – mesmo quando o gato está perfeitamente bem -; no fim da incursão, acaba levando variados produtos para o animal. Sua casa deve estar de par em par ocupada por sabonetes felinos, pratos para ração e brinquedos diversos.

- É uma longa estória senhora Jones. – Ultimamente tenho repetido demais esta expressão.

Depois de acordar com uma dor de cabeça persistente e ter de explicar com mais detalhes o ocorrido, estou eu na clínica. Afora os citados incômodos, o dia passa tranqüilo.

- Bom, até mais meu filho.

- Até mais Senhora Jones. Cuidado com o degrau. – Levantei brevemente a voz enquanto colocava o dinheiro no caixa.

Minhas tarefas ali iam desde examinar animais a cuidar das vendas. O lucro era bom; além de cuidarmos dos animais das fazendas vizinhas, ainda havia os prédios.

- Hey, filho preciso dar uma saída; volto logo. – Meu pai fala apressado enquanto larga o jaleco branco de qualquer jeito em cima do balcão.

- Tudo bem pai. – Tinha que inspecionar a mercadoria; isso teria que ficar para depois.

Nossa muito competente ajudante pedira dispensa pelo dia alegando problemas de saúde. Provavelmente queria mais um dia de folga depois do feriado.

Umas caixas se espalhavam pelos cantos da loja, com medicamentos e produtos diversos. Para espantar o tédio, comecei a empilhá-las e organizar tudo nas prateleiras.

Decidimos omitir a parte do esquecimento da cadela na praia de Bella. Quando questionada do porque de termos saído naquela altura, minha mãe respondeu que eu havia deixado cair minha carteira, ou algo do tipo.

Ao que parece, Bella caiu no conto, pois não me abordou com nenhuma especulação. O que de bom grado recebi.

O incidente no feriado quase esquecido como uma neblina dissolvida. Porém, volta e meia alguém me questionava o que houvera com meu rosto ao que respondia com ar cansado e sorriso empurrado um “É uma longa estória...”

Lógico, todos demonstravam espanto e desconfiança; estaria o Edward envolvido com problemas sérios? Estaria ele se transformando num arruaceiro? Será que resolveu sair da redoma e se divertir, entrando em confusão nalgum bar?

Todas elas perguntas veladas que pulavam pelo balcão ou através da porta sobre mim.

Mas, quem se importa? Que pensem o que quiserem...

Algumas meninas até passam duas ou três vezes no mesmo espaço de um quarto de hora olhando-me pelo vidro da loja.

Cidades pequenas...

Suspiro, e continuo fingindo indiferença.

O saldo do meu momento heróico foi relativamente pequeno. Poderia ter sido pior considerando o tamanho do meu oponente.

MALFADADO ESPÓLIO:

01 Olho roxo.

01 Corte no supercílio

01 Corte no lábio

01 Bochecha meio inchada

O pior é que eu nem conhecia direito o desgraçado. Sabia vagamente que já tinha visto em algum lugar. Mas, até onde sei, ele é novo na cidade; vindo de Nova York direto para a tranqüila Forks.

De sua testa o nome “Problemas” parecia brilhar em neon. O pior de tudo: ele começara o Hight School no mesmo colégio de Bella. Como recolhi estas informações?

Não, Edward Cullen não é um lunático vingativo nem nada. Quando fui deixar minha prima na escola o vi entrando lá cercado pela sua recente vassalagem. Oh como eu agradecia por ter atravessado sem problemas esta fase! E como eu sentia por Bella que ainda teria de suportar mais um ano daquilo.

Pela manhã, lá estava Bella sentada à frente da janela olhando sabe-se lá o que.

Ovos mexidos, café quente, conversa na cozinha, reclamação de Esme e estávamos prontos para sair.

Alice parecia ainda dormir quando atravessou a porta da frente. O que dizer? Eu não estava com sono, mas, relutei no arco da porta, olhando para os lados. O primeiro a reparar na minha cara esfarrapada foi nosso vizinho Fred.

Enfim...

Cinco dólares;

Setenta e seis dólares...

Continuei minha tarefa sem me dar conta de que entravam pessoas na loja. Até tomar um enorme susto.

Duas mãos de proporções exorbitantes se postaram sobre o balcão, e uma cabeleira negra pareceu reluzir pelo reflexo de sol.

Um sorriso rasgava o rosto moreno.

Fiquei parado, parecendo uma menininha assustada olhando fixo para o Golias a minha frente.

Uma gargalhada profunda soou e uma das mãos me foi ofertada.

-          Hey Edward! Sou Billy Black o responsável indireto pela sua concepção. Prazer em conhecê-lo.

Um sorriso afável desenrolou-se enrugando sua face nas extremidades dos olhos meio puxados.

- Olá Billy, ouvi, realmente muito sobre você! – Ofereci meu reconhecimento ao amigo antigo de meu pai.

Um aperto firme.

- Soube do acontecido de ontem pelo seu pai. E digo que faria a mesma coisa filho.

- Bom, não seria imprudência. Mas, no meu caso, resultou nisso. – Apontei para o meu próprio rosto.

Mais uma risada e ele sentou-se numa das cadeiras estofadas.

Uma balbúrdia se formou na frente da clínica/loja e olhei rapidamente para o pequeno grupo que se aproximava.

- Leah! Solta isso! É meu!

- Deixa de encher o saco sua idiota!

Duas garotas.

Uma mais ou menos da minha idade, aparentemente. Cabelos curtos e negros, olhos intimidantes; um rosto extremamente mal humorado. Olhar para ela era como mirar uma tempestade daquelas.

A segunda, baixinha e franzina. Lembrou-me Bella quando criança, a não ser pela pele morena, a semelhança da primeira, e cabelos curtos.

Billy exalou uma risada gutural, e piscou para mim.

- Edward eis minhas educadas e simpáticas, filhas.

A pequenina se aproximou de onde estava o pai, e eu dei a volta no balcão para falar mais apropriadamente com todos.

Sorri para a menorzinha e ela me devolveu o cumprimento silencioso.

Seus olhos pareceram me analisar timidamente; agarrou a mão do pai.

- Olá – Estendeu a sua própria.

- Olá... – Inclinei minha cabeça fazendo ver que desejava saber o seu nome.

- Rebeca. – Um sorriso com enorme janela.

- Olá Rebeca, meu nome é Edward Cullen. – Acolhi sua mão que pareceu minúscula nas minhas. Ela deveria ter uns oito a nove anos de idade.

Toquei seu nariz com a ponta do meu indicador e ela riu abertamente.

- Espero não estarmos atrapalhando. – Billy ofereceu.

- De forma alguma, não se preocupe. O dia está fraco hoje. – O que não era uma mentira polida.

Olhei em direção a moça parada e carrancuda a nossa frente e o enorme amigo de meu pai pigarreou olhando para ela com expressão sisuda.

A atitude do pai pareceu acrescentar algumas toneladas de mau humor a montanha já excessivamente recheada.

Apesar de tudo, sorri para ela. Não custava nada e quem sabe assim ela se envergonharia e obedeceria ao pai. Na verdade queria evitar presenciar uma discussão entre pai e filha, o que me deixaria bem mais desconfortável do que a aversão da garota.

- Leah. – Cuspiu as palavras com desgosto, virando o rosto para o meu sorriso. Pobre dele estava ali no meu rosto por tão boa causa. Ignorando o clima denso, estendi a mão.

Quase pude sentir o olhar de Leah como facas pontiagudas no meu rosto. Pensei em recolher a palma estendida, mas, detive minha covardia a meio caminho da consumação.

Seu queixo subia e descia enquanto fitava da minha mão para a minha face. No fim, a cortesia (ou a ira paterna) venceu a competição. Agarrou rapidamente meus dedos cruzando os braços logo depois.

- Desculpe, o mau humor é herança da mãe. – A garota revirou os olhos teatralmente e saiu do meu campo de visão.

***

Tempestade.

Era assim que a garota definia sua própria existência.

Estava enfadada com tudo:

O pai excessivamente animado,

Os irmãos caçulas... Tudo.

E acima de tudo essa maldita idéia de viver em Forks. Ela sabia no fundo de sua mente que a viagem para a fria cidade não eram apenas férias. As pessoas saem de férias para Miami, não para uma cidadezinha filha da...

Pedia a si mesma para se acalmar e não dar a mínima. Era assim que deveria ser. Mas, simplesmente não suportava o pai querendo lhe incluir no ridículo joguinho de “vamos ser uma família unida e feliz”. Droga! será que só ela sentia falta da mãe?

No fundo de si carregava uma vontade absurda de gritar e...

Olhos verdes.

Queixo proeminente e forte.

Cabelos desorganizados.

Alto, postura segura...

Oh, meu Deus!

É de um cérebro adolescente que estamos falando. E ele sempre consegue focar nas coisas certas no quesito encantamento.

Ela ficou por bons minutos só observando a figura – que ganhava características quase míticas nas suas fantasias – através da vidraça.

Tão absorta estava nos movimentos, no rosto e no sorriso do estranho que conversava com seu pai, que não reparou na pequena Rebeca se aproximando perigosamente no momento certo de seu encantamento.

Tomando um enorme susto quando a garotinha lhe tocara o ombro.

- O que você está olhando Leah – E ela conseguiu interceptar o volver de vistas da pequena irmã. Tomando das pequenas mãos o ipod.

Um suspiro de alívio.

Estaria em maus lençóis por um bom tempo se Rebeca a visse de olhos presos num rapaz.

Digo-lhes uma coisa. Uma confissão, e uma pergunta: Já se encantou alguma vez?

Aquele professor lindo, ou o menino taciturno que senta ao seu lado na escola; o homem do anúncio de cuecas; o ator; cantor... Aquela pessoa que agarra seus olhos e faz deles joguete; que leva sua imaginação a tecer as mais lindas cenas de romances que nunca se concretizam?

São bem comuns cenas dessa natureza na adolescência. Eu diria que é nessa fase da vida em que descobrimos os prazeres visuais. Esse dom - de colher a beleza e admirá-la - permanece na ponta de nossas mentes até a adultês. A diferença é que, quando crescidos, ele se torna apenas isto: devaneios.

A jovem amargurada parecia sentir os efeitos de uma sessão de eletro choque ao olhar para o sorriso do rapaz a sua frente.

Começava a reconsiderar seus planos de não ir ao jantar com os Cullen.

***

- Olá família! – Gritei da porta da frente. Vinha carregando minha pasta e um enorme pacote de ração para cães.

O delicioso cheiro da comida de minha mãe escorria pela porta da cozinha alcançando a sala de estar.

Fechei os olhos, deliciado com a mistura:

Madeira

Tempero

Livros

Lavanda

Um pouco de poeira.

Era o cheiro de casa.

Abandonei minha pasta no sofá e me dirigi para o abraço acolhedor da cozinha de Esme. Ela estava de costas para a porta, cantarolando alguma música por mim desconhecida.

Encostei um ombro no arco e sorri observando-a cortar alguns legumes.

Era muito fácil se sentir calorosamente abraçado apenas fitando-a. Era um tipo amoroso, daquelas que sabiam disciplinar, mas logo a noite estava ali a beira da cama cobrindo-lhe e contando histórias.

UMA ADVERTÊNCIA:

As mães realmente fazem falta...

- Olá meu filho?! – Senti seu riso através da voz suave e despreocupada.

- Como sempre sabe que sou eu? – Me aproximei dela depositando um beijo em sua testa. Roubei um pedaço de cenoura e ela me olhou com os olhos semi cerrados.

- Conheço o cheirinho que cada um de vocês tem. – Com um impulso subi no balcão ao lado da pia ficando de frente para minha mãe e para a porta.

- Como foi o dia na clínica? – Seus cabelos balançavam graciosos enquanto ela girava a cabeça de mim para a faca.

- Foi bem parado na verdade. Mas, tive alguns visitantes interessantes. – Ela ergueu as sobrancelhas.

- Alguma garota? – Sorriu matreira. Pobre mamãe, tão esperançosa de que chegasse ao meu primeiro amor. Em seu íntimo, creio que esperava que eu encontrasse logo a menina certa e me casasse. Apenas uma exigência: Que fosse de Forks. Nunca falaria, mas, todos nós sabíamos dos seus temores internos de que “sumíssemos no por do sol”.

Meneei a cabeça.

- Algo como “responsável indireto pela sua concepção” faz sentido para a senhora? – Ergui as sobrancelhas enquanto ela processava a informação.

- Billy! Aquele maluco! – Seu riso leve tilintou através do cômodo.

- Onde estão as meninas – Uma mordida sonora na cenoura afanada.

- Alice está tomando banho, e Bella deve estar... – Mamãe ergue os olhos para o andar de cima e me fita sorrindo.

- Fazia tempo que ela não tocava – murmuro surpreso. Enquanto os sons meio abafados pelo concreto e madeira ecoam pelos corredores chegando languidamente até nós.

- Sim, parece que ela está compondo algo novamente.

- Nem há como saber, ela esconde as partituras. Mas, vi-a com umas folhas em branco hoje quando voltei para casa.

Alice segurava uma felpuda toalha – rosa – sobre a cabeça, secando-o e respingando sobre a parede da cozinha no processo.

Descansou o tecido sobre o espaldar de uma das cadeiras e estendendo os braços dramaticamente...

- Estou pronta para ter explorados os meus dotes culinários! – Soltei uma gargalhada alta; se há algo que Alice nunca teve tato para, foi em cozinha.

Uma tapa sonora em meu braço e uma ardência leve no local.

- Ouch! Alice, não vê que eu já apanhei o suficiente?! – Fiz cara de magoado.

Desço do meu local de assento improvisado e roubo outro pedaço de legume. Desvio das pequenas garras de Alice quando passo por ela.

- Tem correspondência para você Edward, está em cima da cômoda. – Esme grita para mim que já estava na escada para o quarto. Ambicionando um bom banho.

Subo os degraus vagarosamente, quando chego ao topo, tiro os sapatos.

Só de meias sigo para o corredor dos quartos; sorrateiro, sinto-me o verdadeiro Ethan Hunt.

Primeiro os sons, depois a garota.

Bella está sentada a frente do piano: Coluna ereta, mãos fugidias de um lado ao outro deslizando pelas teclas, olhos fechados, depois concentrados.

Nesse momento ela parece grande, enorme! E invencível.

Se havia algo como dons, diria que o dela certamente era música. Desde muito cedo em sua vida, Bella sentiu na pele a inclinação nata para ela: a musicalidade.

Toco piano, mas, nem de longe tão bem quanto minha prima.

De fato havia muitas coisas que Bella fazia melhor do que nós, mais velhos; desde sua irritante cultura e verborragia, de uma precocidade absurda, que até me irritava às vezes; até sua aversão a pessoas. Não existia ninguém com tamanhas habilidades para escapar de visitas.

Porém, sempre que ela dizia ou fazia algo incomumente fora da realidade dita normal no quesito habilidades (seja em que área fosse), o seu olhar de desculpas vinha em seguida, geralmente acompanhado mesmo por palavra.

E então eu me sentia ridículo por ficar enciumado de uma coisa dessas; não era intencional a forma como ela arrebatava as atenções para si. Fazia parte de quem ela era se destacar.  E tudo sempre terminava com ela me beijando as bochechas, e rindo da minha cara de bobo. Foi assim quando descobrimos seu primor para a música.

            Eu fazia aulas de piano há muito tempo, desde que era apenas da altura da cintura de minha mãe. Sim, apesar de pequena e afastada, a provinciana Forks dispunha de um professor de música. O velho senhor Parkes gabava-se de ter tocado nas melhores e maiores orquestras sinfônicas da Alemanha e EUA.

Era um homem alto e magro, de feições graves. Os cabelos pareciam penugens envelhecidas de milho. Brancos e espalhados. Seus óculos pendiam a frente do nariz, ele sempre nos olhava por cima deles; e quando criança me perguntava qual sua função se ele não olhava através das lentes.

Quando Bella entrou como um meteoro na família Cullen, eu já era considerado um bom aluno. Ensaiava continuamente, louco para manter o status de melhor da turma; o que deixava sempre um sorriso nos lábios dos meus pais e um ego inflado em mim. Bella ainda bebê, (com dois anos), permanecia na minha porta observando-me ensaiar enquanto agarrava seu velho boneco do Barney.

            Ela não falava muito. As únicas coisas que dizia eram “mom”, “Al”, “Edu”... E outros sons de bebê. Mas, olhava-nos com seus grandes olhos castanhos como se soubesse exatamente o que queria e o que se passava ao redor. Era apegada a nós, seus “irmãos”, adorava quando Emmet a jogava de um lado para o outro. Nunca foi uma criança agitada demasiadamente. Era quieta e estranhamente consciente, porém, muito afetuosa. Alice tinha um verdadeiro caso de amor com Bella, sendo como eu, cinco anos mais velha que ela, adorava ser intitulada como cuidadora da pequena. Cunho que, quando usado pela mamãe a deixava orgulhosa de si.

            Pela décima vez naquele dia, errei a seqüência de acordes do piano. O que me fez bater com o punho fechado na tampa mogno.

- Droga! – Eu ia praguejar mais quando ouvi o ranger da porta.

- Bella, o que você faz aqui? Já é hora de estar na cama. - Com os braços estendidos à frente do corpo, a pequena veio em direção ao banco do piano, com passos vacilantes, e suas meias listadas vermelhas até acima do joelho, ainda arrastando o boneco velho.

Ela praticamente trombou com minhas costas no banco; com dificuldade a puxei para cima do estofado e, imediatamente ela me olhou como sempre fazia quando queria alguma coisa, mas, tinha medo de pegar. Olhei-a interrogativo, ela apontou para o teclado do instrumento.

- Dá?!

- Dá o que Bells?

- Dá, Edu?! – Batendo no tampo da banqueta ela exigia algo que eu nem entendia o que era.

- Você não pode mexer no piano Bells, vai quebrá-lo. – Ela me olhou com os olhos marrons enchendo-se de água, e eu previ o berreiro que sairia em seguida.

- Tá bom, mas, se você bater eu te levo de volta para o seu quarto okay?!

Eu ainda sorri com incredulidade para ela que estava sentada ao meu lado.

Com cuidado, ergui-a colocando-a no meu colo; assim que ficou na altura das teclas Bella tocou levemente com a ponta do dedo sobre uma delas. Quando ouviu o som que produziu, olhou para mim com um sorriso esplêndido iluminado seu rosto.

Ocasionalmente, meus pais foram atraídos pelos sons das risadas e do piano que fazíamos.

Em alguns momentos ela apenas me ouvia encadear os sons das teclas em uma melodia.

Em certa altura deixei que Bella “tocasse” livremente o piano, e, o que se seguiu me deixou boquiaberto: Ela reproduziu uma pequena parte do que descrevi anteriormente.

E ela gostou do som. Geralmente, Bella ficava muito agitada com barulhos, creio que era essa a única exceção ao seu comportamento sempre tão quieto e reservado.

Por sua causa Alice teve que moderar-se muito em seus hábitos. No entanto, quando ouvia o piano, ela permanecia parada movendo-se para frente e para trás levemente, como era hábito seu. É até hoje, a música, uma boa forma de fazê-la relaxar.

Minha mãe e pai que estavam discretamente nos observando à porta também ficaram mais que surpresos com aquilo.

Novamente ela repetiu a melodia, um tanto atrapalhadamente, já que tocava com apenas a ponta dos dedos indicadores. Óbvio que não era perfeito, porém, nada mais incomum do que aquilo, ela distinguiu alguns sons e as teclas que eu havia pressionado.

            A partir daí, minhas sessões de treinos eram sempre acompanhadas por ela. Bella aprendera música antes mesmo de falar propriamente.

A mente viaja a velocidades surpreendentes...

Uma última seqüência de teclas pressionadas, um suspiro e um sorriso pressionando seus lábios.

Bati palmas e sorri afetuoso.

Ela olhou para mim, e sorriu tímida.

- Senti falta disso. – Confessei em tom baixo de voz. Aproximei-me do banco e me sentei ao seu lado.

- Fazia tempo que você não tocava. – Bella apenas confirmava com a cabeça. Por um momento, sua expressão pareceu decair e uma névoa de tristeza tomou o sorriso anterior fazendo-o diluir-se.

Olhava para o seu rosto procurando bobamente, encontrar a resposta para duas perguntas.

PERGUNTAS

Por quê?

Quem?

Se há uma realidade sobre Isabella é que não há nada que perturbe seu estado de espírito. Apenas pessoas e o que elas fazem.

Coloquei meu braço em seu entorno, e ela descansou sua cabeça no meu ombro aspirando profundamente.

- Gostou da minha fragrância especial de suor e ração de cachorro? – Sorri e ela também.

- Usada somente pelos melhores. – Ela respondeu risonha.

Ficamos uns instantes em silêncio.

- Há algo errado? – Esperançoso inquiri.

Um menear de cabeça.

- Algo errado na escola? – Sabia que ela não me diria mesmo que fosse.

Acariciei seus cabelos distraidamente. Minha mente passeava por todas as possíveis formas de distraí-la ou animá-la.

No mesmo instante, uma coisa me ocorreu...

Desvencilhando-me dela, estalo meus dedos e posiciono as mãos no piano erguendo as sobrancelhas; modelo meus bigodes imaginários encurvando-os para cima como Salvador Dali. Seu rosto se desenrola como um dia nebuloso se abrindo ao sol.

Uma tecla.

Depois outra.

Um sorriso cada vez mais aberto.

Uma das primeiras composições que aprendemos.

Como quando crianças, eu toco a parte grave e ela os arranjos sobrepostos. Um trecho de Carmen: L'amour est un oiseau rebelle: Habanera de Georges Bizet.

Os ombros se tocam e o som continua misturado harmonicamente aos risos.

Tocamos até o escuro tomar por completo o retangular desenho da janela; até que minha mãe enviou Alice para nos “ordenar” um banho e um “preparem-se para o jantar”. Bella suspirou contrariada.

Hora de conhecer melhor os Black. 


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