The Devil Next Door escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 11
Capítulo 11




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          Na cabeça do publicitário, eras se passaram antes que ele pudesse pensar em alguma coisa para dizer ou falar, mas na realidade, haviam sido apenas alguns minutos. Sentindo algo ir de encontro à sua costela, Kaoru pensou em protestar e gritar com Die como sempre por causa da cotovelada, mas viu os olhos de sua mãe sobre si. Silenciosamente, ameaçou o ruivo com os olhos, antes de sorrir de uma forma um pouco artificial para sua mãe.
          - E então, Kao? Como vai sua vida em Tokyo?
          Vendo que sua mãe estava decidida a conversar, o jovem de vinte e seis anos suspirou, gesticulando e pedindo que todos se sentassem, comando que Toshiya e Shinya obedeceram. Daisuke não.
          Por que diabos Ando Daisuke tinha sempre de ser diferente do resto das pessoas?
          Ignorando o vizinho teimoso, Kaoru sorriu de novo, sentindo-se sob a lente de um microscópio. Niikura Fumiko poderia estar ficando com problemas de visão advindos da sua idade, mas certamente o conhecia bem e poderia facilmente detectar seu desconforto. Era hora de agir como um perfeito ator.
          - Muito bem, okaa-san. Bom, já apresentei todos a você, mas não disse que são colegas de trabalho. Toshiya, ou Hara Toshimasa que é seu verdadeiro nome, senta logo ao meu lado no escritório. - o homem de cabelos roxos gesticulou na direção do seu companheiro de divisória.
          - Toshiya. Bonito nome.
          - Arigatou, Niikura-san. - o outro sorriu empolgado - Kaoru é excelente companhia no serviço! Muito mais divertido do que o meu colega anterior!
          - Ah, Kaoru nem sempre fez amizades tão fácil... - a mãe do mesmo suspirou, seus olhos de repente se focando em um ponto no teto - Mas quando ele estava no primário, eu lembro que ele chegou chorando em casa depois da aula, porque uma menina da escola ignorava a existência dele. Aí ele decidiu que daquele dia em diante, ele iria...
          Vendo o sorriso nada inocente que se formava, para variar, no rosto de Die, o publicitário correu para cortar sua mãe e impedir que mais memórias embaraçosas da sua infância fossem divulgadas na frente do ruivo:
          - Okaa-san, por favor. Não terminei as apresentações.
          - Ah, verdade. - ela arregalou ligeiramente os olhos - Me desculpe. Por favor, continue.
          - Hai. Bom, este é Terachi Shinya, o secretário do meu chefe.
          - Muito prazer em conhecê-la, Niikura-san. - Shinya fez uma mesura delicada, sorrindo polidamente. A mãe de Kaoru pareceu adorar o gesto, retribuindo.
          - Secretário do chefe do meu filho?
          - Exatamente. Hayashi Yoshiki é o chefe de Kaoru, e posso dizer que, como seu secretário, nunca ouvi nenhuma reclamação a respeito do trabalho de Kaoru no escritório. A transferência foi de grande valia.
          Juntando as mãos como se fosse bater palmas, Fumiko não as desgrudou, balançando a cabeça afirmativamente e sorrindo:
          - Fico feliz em ouvir isso! Está sendo difícil ficar em Hyogo, porque meu marido faleceu há algum tempo e Kao é filho único.
          - Ah, filho único. Entendo, a falta de companhia deve ser cruel.
          Todos se viraram para Daisuke, autor da última frase. Por instinto, Kaoru sentiu seu sangue gelar; toda vez que seu amado vizinho abria a boca, aquilo acontecia com ele. O ruivo simplesmente não conseguia se manter longe da sua vida ou parar de lhe causar problemas, e qualquer frase, mesmo das mais simples, quando vinda de Daisuke poderia resultar na sua morte social.
          - E este é Ando Daisuke, okaa-san. - Kaoru finalizou as apresentações, com um tom ligeiramente mais amargo.
          - Muito prazer, Fumiko-san. Sou o chefe interino de Kaoru.
          O ruivo andou até o meio da sala, pegando a mão da única mulher presente e beijando a mesma, como se estivesse num filme ocidental antigo. Durante todo o processo, os magníficos olhos de Die ficaram presos nos da matriarca da família Niikura, fazendo Fumiko sorrir com o gesto e logo depois corar um pouco também.
          Aquilo não era possível. Ando Daisuke estava dando em cima da sua mãe.
          Ou pelo menos era o que parecia. De qualquer maneira, o ruivo acabava de provar que nem idade nem sexo eram obstáculos para exercer o seu fascínio habitual e encanto costumeiro. Isso deveria ser ilegal, deveria ser punido. Duramente. Mas a realidade era cruel com Kaoru.
          O publicitário fechou a boca que estava aberta, limpando a garganta e conseguindo a atenção de todos mais uma vez, embora Die tivesse se afastado de sua mãe e estivesse com apenas um sorriso misterioso no rosto agora. Kaoru se sentia corar também, mesmo sem saber porque, de forma que ele balançou a cabeça antes de prosseguir.
          - Hayashi-sama está viajando, e Daisuke assumiu seu posto enquanto isso.
          - Mas que maravilha! Tão jovem e tão bem-sucedido! Quantos anos você tem, meu querido?
          - Vinte e cinco, senhora. - ele sorriu.
          - Quase a mesma idade do meu Kao! E já tão amigos... Fico realizada em ver que esta viagem está valendo a pena.
          Todos na sala sorriram, e Kaoru fez o mesmo mecanicamente. Por dentro, no entanto, ele queimava; a última coisa que Daisuke Ando era para ele seria... Um amigo. Die não se portava como um amigo, não falava com um amigo e muito menos agia como um amigo. Sobretudo suas ações destoavam das de um amigo de verdade. Ações... Deliciosas ações...
          Kaoru foi trazido de volta para a realidade com uma pergunta de sua mãe:
          - Kao?
          - Okaa-san?
          - Você se lembra de quando estivemos em Mie?
          - Mie? - Kaoru puxou pela memória - Não...
          - Ah, mas é uma região fantástica, Fumiko-san! - o ruivo pareceu se entusiasmar com o tópico, e sentou-se na beirada do sofá que a mãe do publicitário e Toshiya ocupavam, Shinya em uma outra poltrona como Kaoru - Devem voltar lá um dia, se puderem. Minha família teria muito prazer em acolher vocês.
          - Mas que oferta generosa, Ando-san!
          - Por favor, me chame de Die.
          - Die? Muito bem, Die-san. Você é realmente muito gentil.
          - Imagine, Fumiko-san. São seus olhos.
          Kaoru não podia acreditar que o ruivo havia usado aquela frase tão velha.
          - Die-san! - Fumiko riu de um jeito recatado, colocando a mão na frente da boca - Não estou mais na idade de ouvir esses gracejos.
          Kaoru não podia acreditar que o ruivo havia usado aquela frase tão velha e conseguido o efeito desejado com ela.
          - Mas que grande tolice, senhora Fumiko! Se me permite o atrevimento, o porteiro do prédio a anunciou como uma bela mulher, e de fato é isso que a senhora é.
          Sim. Die, de fato, estava dando em cima da sua mãe. Só isso explicava a cena que se desenrolava na frente dos seus olhos, e a julgar pelas expressões nos rostos de Toshiya e Shinya, eles provavelmente achavam a mesma coisa.
          De repente, o interfone tocou novamente, e Kaoru prontamente se retirou do aposento para atendê-lo. Agora sim eram as pizzas pedidas, e o publicitário anunciou a notícia, abrindo a porta do seu apartamento para pegá-las.
          Quando estava prestes a fechar a mesma, viu os olhos de Die grudados no seu rosto, de uma forma tão intensa e tão cheios de promessas que ele sentiu suas pernas oscilarem, como se ele repentinamente não fosse capaz de ficar em pé. Fechando a porta rapidamente, Kaoru se escorou na mesma do lado de fora, respirando fundo.
          Aquele olhar... Die surtia um efeito peculiar nos membros da família Niikura. Se tivesse sido dirigido à sua mãe, ela provavelmente teria desmaiado. E o mesmo não estava muito longe de acontecer com ele, se o ruivo não parasse com aquela provocação silenciosa.

          Uns bons quinze minutos após Kaoru ter descido para pegar as pizzas, os quatro homens e a matriarca da família Niikura encontravam-se na mesa da cozinha, já sentados e devidamente prontos para começar a comer. A mãe do dono da casa foi instalada ao lado do filho, colocando Shinya e Toshiya mais juntos para a outra ponta da mesa; Kaoru não escapou de ter Die do seu lado.
          Enquanto comiam, a mente de Kaoru viajava para muito longe; sua mãe e o ruivo não paravam de rir e conversar animadamente, enquanto Toshiya e Shinya ocasionalmente colocavam uma ou outra idéia no diálogo dos dois, mas o publicitário passou a maior parte do jantar tentando entender o que Die tinha em mente.
          Já fazia algum tempo que Kaoru havia notado que seu vizinho não dava passos sem cuidadosamente os planejar antes, o que fazia a sua situação piorar; afinal, se já era complicado escapar dos encantos do morador do 305, o que dizer dos estratagemas pensados por ele então? E por mais que sua cabeça admitisse, embora a contragosto, ter desenvolvido uma certa atração pelo ruivo, o seu orgulho e senso comum diziam para que continuasse o mais longe possível do seu chefe interino.
          O mais longe que vizinhos pudessem ficar, claro.
          - Ka-chan? Você não está comendo?
          Se havia algo que Niikura Kaoru positivamente odiava era quando sua mãe o chamava daquele jeito na frente de visitas. Ele nunca gostara muito de apelidos, e ter a sua própria e santa mãe falando aquelas coisas... Era desconcertante.
          - Impressão sua, okaa-san.
          - Mas você ainda nem tocou no seu pedaço, Kao.
          Dessa vez, a voz de Die fez com ele encarasse seu próprio prato, de fato o único da mesa com um pedaço de pizza ainda inteiro. Piscando, ele percebeu que nem havia tocado nos seus talheres, lutando bravamente para não corar com a sua estupidez.
          - Você está bem, Kaoru?
          - Sim, okaa-san. Só estou cansado...
          - Ah, então durma cedo hoje, Ka-chan.
          Evitando uma careta por causa do apelido, o dono do apartamento apenas cortou o primeiro pedaço da sua pizza.
          - Vou dormir, okaa-san. Aliás... A cama do quarto de hóspedes está desmontada, então a senhora dorme no meu quarto que eu fico com o sofá.
          Para ênfase, o publicitário colocou o primeiro pedaço da sua pizza na boca, já fria mas não por isso menos ardente. Sentindo seus olhos encherem de água por causa da pimenta excessiva no pedaço em questão, ele rapidamente estendeu o braço, pegando o copo de água que estava na sua frente.
          - Mas isso é uma pena. Se Kaoru quisesse, ele poderia dormir em casa, tem espaço para ele passar a noite confortavelmente lá.
          - Mas que gentileza a sua, Die-san! Não seria incômodo demais?
          O dono do apartamento engasgou feio com a água que bebia, arregalando os olhos e fazendo de tudo para que a água não voasse na direção de Shinya, logo na sua frente na mesa, ou saísse por outros furos do seu corpo. De repente, sentiu um tapa nada gentil nas suas costas, que o fez jogar o corpo repentinamente para frente, quase enterrando a cara no seu prato.
          - Melhorou, Kaoru?
          A voz de Toshiya vinha de algum lugar detrás do seu corpo, e com medo de um segundo tapa educado, ele apenas sacudiu a cabeça, finalmente engolindo a água e conseguindo respirar e falar melhor. Seus olhos continham uma raiva fulminante, de forma que ele tomou o cuidado de deixar algumas mechas de cabelo na frente dos mesmos antes de encarar sua mãe.
          - Okaa-san, eu não acho que devemos incomodar Daisuke...
          - Ora, Kaoru! - o ruivo falou, conseguindo um olhar sem ressalvas de Kaoru e que era puro ódio agora, enquanto um sorriso cortês se descortinava no seu rosto. O publicitário desejava que ele pudesse remover aquele sorriso a socos - Não é trabalho nenhum para mim e depois, sua mãe e você poderão dormir confortavelmente.
          - Você tem muita sorte de ter um vizinho como Die-san, Kaoru.
          Toshiya havia voltado para o seu lugar e assim como Shinya apenas observava a cena que se desenvolvia entre os outros três componentes da mesa. Kaoru sentia que seu sangue estava fervendo por dentro; sua própria mãe o estava colocando em uma encrenca sem precedentes! O quê havia acontecido com as mães boazinhas que salvavam seus filhos de problemas?
          Não era possível que nem mesmo sua mãe conseguisse escapar do agente corruptor que era Ando Daisuke, dono do sorriso mais perfeito, dos toques mais exatos, das palavras mais bem escolhidas...
          O publicitário voltou para a realidade quando sentiu a voz da sua mãe de novo, ecoando na cozinha e ligeiramente alta. Piscando, Kaoru viu que sua mãe agora gritava, e para seu horror, não era porque ela tinha descoberto que seu vizinho era um crápula, mas sim porque havia um inseto sobrevivente dos tempos jurássicos terrestre passeando pelos ladrilhos da sua cozinha.
          Suspirando pesadamente, o homem de cabelos roxos mal teve tempo de se levantar para exterminar a barata, ficando sem ação quando viu o ruivo levantar da sua cadeira e matar o pequeno bicho em segundos, rapidamente se livrando dele. A mãe de Kaoru começou uma série de agradecimentos que mais parecia um mantra, deixando o publicitário congelado na cadeira.
          Ele poderia jurar que até mesmo o ato do ruivo liquidando a vida de uma barata havia tido um quê de sensual, por mais bizarra que a idéia soasse para sua própria cabeça.
          - Muito obrigada, Die-san! Eu não posso ver baratas, elas são coisas tão asquerosas...
          - Eu entendo a senhora perfeitamente, Fumiko-san. Também não gosto delas por perto.
          - Ah, se você não tivesse terminado tão rápido com ela, eu não sei o que teria acontecido!
          Kaoru, desde criança, se acostumou com a idéia de que sua mãe não tinha medo, mas sim uma estranha e assustadora fobia de baratas. Qualquer outro tipo de inseto não era problema, até porque eles moravam longe de centros urbanos, mas baratas eram seu fraco. De repente, o homem de cabelos roxos percebeu, horrorizado, que aquele simples gesto havia feito Die conquistar a confiança de sua mãe para todo o sempre.
          Arriscando um olhar com o canto do olho esquerdo para Die, o dono do apartamento teve certeza de que o ruivo também sabia daquilo.

          - Eu quero deixar uma coisa bem clara.
          O ruivo que guiava Kaoru pela sua própria casa parou, esperando que o publicitário concluísse seu raciocínio. Para tanto, Die estendeu o braço esquerdo, colocando-o contra a parede do corredor do seu apartamento e ficando daquele jeito até que o homem de cabelos roxos voltasse a falar.
          Aquilo definitivamente fez a respiração do mais velho dos dois ali se complicar, quase provocando um engasgo no final. Um mero gesto de Ando Daisuke estava sendo o suficiente para que uma das atividades mais essenciais na vida de qualquer ser humano, respirar, fosse comprometida. A camisa do ruivo parecia querer abrir sozinha, seguindo o primeiro botão que há muito estava desfeito.
          - Sim, Kaoru. Quantas coisas você quiser.
          Apertando as coisas que trouxera do seu apartamento contra o peito, o publicitário respirou fundo, fixando seus olhos nos de Die e rezando para que conseguisse manter seu auto-controle; ele tinha que conseguir.
          - Se você fizer qualquer coisa fora do normal, Daisuke... Qualquer coisa. - Kaoru enfatizou - Eu volto para o meu apartamento e destruo a imagem que você construiu de si mesmo em segundos.
          - Hmmm... Ameaçador, mas não se preocupe, Kaoru; vai apenas passar essa noite aqui. Amanhã sua mãe volta para Hyogo e você retorna ao seu apartamento, sem problemas. Não é o que você espera?
          Todas as palavras que escaparam dos lábios perfeitos de Die foram prontamente ignoradas pelo publicitário; elas simplesmente não condiziam com o sorriso no seu rosto, muito menos com a sua postura corporal. Ele não era um idiota, e sabia que o ruivo estava mentindo.
          - Você foi avisado, Daisuke.
          Usando aquela frase de impacto, Kaoru passou rapidamente pelo outro homem, detestando o fato como o corredor parecia pequeno demais para os dois e consequentemente forçando um contato entre os dois corpos, mesmo que breve. Prendendo a respiração, o homem de cabelos roxos entrou correndo no banheiro que já havia usado na vez em que seu amado vizinho havia cortado sua luz, tempos atrás.
          Ele tinha o pressentimento de que aquela noite não acabaria nada bem.

          Quando o publicitário saiu do chuveiro, já era bem tarde da noite. As horas haviam passado rapidamente, entre comer, engasgar, ser expulso do seu próprio apartamento por causa de um plano bem montado por Die e tomar banho.
          Ele começava a acreditar que até mesmo a inocente barata que havia aparecido na sua casa havia sido uma armação do ruivo. Ele nunca havia visto uma na sua cozinha antes, o que reforçava a sua teoria da conspiração de Ando Daisuke. Bom, depois de ter sua luz cortada em casa, ser preso no escritório por uma falsa queda de força e ingerir sonífero contido em um bolo, não necessariamente nessa ordem, Kaoru se dava o direito de ficar um pouco paranóico.
          Exatamente o motivo que fazia com ele não acreditasse nas boas intenções de Die para aquela noite.
          Vestindo uma calça de moletom velha e desbotada e uma camisa de mangas compridas, o publicitário destrancou a porta do banheiro, cheio de vapor d'água cobrindo o espelho e os azulejos do mesmo. Seu cabelo ainda estava úmido, mas ele não iria conseguir fazer milagre sem um secador de cabelo, apetrecho que o ruivo não possuía.
          Quando ele passou para o quarto, seus olhos imediatamente procuraram o dono do mesmo. Ao invés de presença humana, a primeira coisa que ele detectou foi a mudança feita na cama: várias almofadas e travesseiros dividiam a cama no meio, deixando claro que uma metade seria ocupada por ele e a outra pelo próprio dono do apartamento.
          A noite estava ficando cada vez mais estranha.
          O publicitário mal havia largado as suas coisas do banho em uma cadeira quando a porta do quarto se abriu, admitindo Die. Ele terminava de comer alguma coisa, lambendo os dedos da mão direita logo depois com uma cara de quem tinha absolutamente adorado a refeição. Não que Kaoru tivesse prestado atenção aos gestos do ruivo, claro. Ou no fato de que Die já estava pronto para dormir e não usava camisa. Todos aqueles sinais eram irrelevantes, ou assim o homem de cabelos roxos tentava se convencer.
          - Já dividi a cama. Pode escolher seu lado.
          Com os olhos cheios de suspeita, o publicitário rondou a cama, escolhendo o lado que ficava mais próximo da porta do quarto, fechada naquela hora. Olhando para o ruivo, ele não viu nenhum gesto que evidenciava desgosto ou prazer pela escolha do lado da cama que ele havia feito, e preferia que ficasse daquele jeito.
          Com apenas a luz de um abajur acesa, o ruivo mexia no seu armário, parecendo dobrar camisas ou procurar algo no meio delas. Enquanto isso, Kaoru olhou o relógio, assustado com o horário para depois lembrar de que era sexta-feira, o que significava que ele não teria de ir trabalhar no dia seguinte.
          Mas claro que ele não ficaria dormindo até mais tarde ali, na cama de Die. Tinha de voltar para casa o mais cedo possível. Nesse exato momento, o telefone ao seu lado na mesinha de cabeceira tocou, fazendo o publicitário tomar um pequeno susto.
          - Atende para mim, Kao.
          - É Kaoru.
          - Tanto faz. O telefone continua tocando.
          Suspirando ante a clara falta de educação do ruivo, ele tirou o telefone do gancho, revirando os olhos antes de emitir um sonado "Moshi moshi".
          - Ka-chan? É você?
          - ...Okaa-san. Você descobriu o telefone do Daisuke?
          - Ah, não. Quando você estava no banho, nós conversamos um pouco e ele me passou o número, para eu poder ligar e desejar boa noite. Eu não ia conseguir dormir sem desejar bons sonhos para você, Kaoru.
          O homem de cabelos roxos sentia que o ruivo estava olhando para ele, e corou antes de responder ao que sua mãe havia acabado de falar:
          - Arigatou, okaa-san. Boa noite para você também.
          Die se manifestou no fundo, dizendo algo sobre o amor entre mãe e filho, mas Kaoru não prestou atenção nele.
          - E Ka-chan! Die-san nos convidou para ir a Mie no próximo final de semana. Não é adorável? O que você acha da idéia? Faz realmente muito tempo desde que fomos a Mie...
          - NÃO!
          A voz muito mais alta de Kaoru assustou sua mãe, mas dessa vez, a risada do ruivo no quarto não pôde ser ignorada; Die com certeza sabia que Niikura Fumiko iria perguntar aquilo. Tudo havia sido planejado, como de costume. O publicitário se sentia como um inseto capturado na teia de uma aranha, indefeso.
          - Mas Kaoru, o quê aconteceu? Por que toda essa hostilidade?
          Nesse momento, o homem de cabelos roxos sentiu alguém respirando na sua nuca. Arrepiado e tendo tomado um susto com tal movimento, ele se virou para trás, a tempo de ver Die saltar da cama e caminhar na direção da porta, as suas costas largas e masculinas perfeitamente visíveis.
          A força com que Kaoru segurava o telefone aumentou.
          O seu vizinho se virou lentamente, mostrando algo entre os dedos indicador e polegar da mão direita. Uma chave. Franzindo a testa, o publicitário acompanhou os movimentos vagarosos de Die, que passou a chave na fechadura e depois a retirou de lá, testando a porta; a mesma estava trancada agora.
          As juntas dos dedos de Kaoru começaram a ficar brancas por causa da pressão que ele aplicava ao telefone, nem ouvindo mais os chamados da sua mãe do outro lado da linha.
          No entanto, o show ainda não tinha acabado. Agora sorrindo com um misto de crueldade e prazer, o seu chefe interino deslizou a chave que simbolizava as suas chances de sair daquele quarto pelo seu tórax indefectível, logo em seguida puxando o elástico da calça do seu pijama e deixando que o pequeno objeto caísse para dentro da sua roupa de baixo.
          O telefone caiu da mão de Kaoru, batendo no carpete do quarto.
          Em segundos, o ruivo havia voltado a cama, usando os joelhos e as mãos para se apoiar no colchão, aproximando os lábios da orelha do publicitário; o ar quente que saía da boca de Die era exatamente o oposto do frio cortante que parecia ter congelado Kaoru em um estado de puro choque e horror.
          - Ouça minhas instruções, Kaoru. - o seu nome na boca do outro parecia mel, sendo pronunciado com leveza e doçura de um jeito que encobria a verdadeira ameaça que estava por debaixo das gentilezas - Você vai pegar o telefone do chão, acalmar sua mãe e aceitar meu convite. Ou então... Vai ter que lutar para recuperar a chave para poder escapar do quarto. Pode arriscar saltar do terceiro andar também.
          Era isso que Die estivera procurando no guarda-roupa. A chave do maldito quarto. A mente do publicitário, sempre tão criativa, trabalhava a mil em busca de soluções para aquele problema, provavelmente o pior que já cruzara a sua vida. No entanto, quando os lábios úmidos e cálidos de Die foram de encontro ao seu pescoço, murmurando para que ele cumprisse logo as ordens dadas, qualquer embrião de idéia que Kaoru pudesse ter formado foi dizimado, e ele não viu escolha a não ser obedecer.
          Com movimentos quadrados e mecânicos, o publicitário pegou o telefone do chão.
          - Okaa-san.
          - Kaoru, o que aconteceu? Você me deixou falando sozinha!
          - Gomen nasai, okaa-san. Eu estava falando com... Daisuke.
          - Ah, sim. Está tudo bem mesmo?
          Kaoru engoliu em seco.
          - Hai.
          Uma mentira deslavada. Ainda bem que era por telefone.
          - Então, o que me diz do convite de Die-san?
          - ...Aceito.
          - Muito bem! Falarei com ele amanhã para agradecer tudo. Está confortável? Quentinho? Vai dormir bem?
          - Vou sim. A senhora se cuide também.
          - Claro, Ka-chan. Oyasumi nasai.
          - Oyasumi.
          Kaoru desligou o telefone, ainda gelado com os acontecimentos recentes. Ele não viu a luz ser apagada de repente, e a figura do ruivo se deitando ao seu lado.
          - Durma, Kao. - veio a voz do outro lado da cama - Amanhã é um novo dia...
          Em silêncio e ainda se movendo como se fosse uma máquina, o publicitário fez o que o ruivo havia sugerido. Mordendo o lábio inferior, ele tinha vontade de gritar, de ligar de volta para sua mãe e explicar tudo, voltar no tempo e jamais ter aceitado a transferência, se ele soubesse que tudo terminaria daquele jeito.
          Mas a única coisa que saiu da sua boca foi:
          - É Kaoru.
          E ele perdeu o sorriso sinistro de Ando Daisuke no escuro.


Continua...


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora, mas TDND (The Devil Next Door) foi finalmente atualizada. :3 Muito obrigada pelo apoio e pelos elogios enviados até o momento! *hearteia*

Beijos!
Mari-chan.