Como foi mesmo que tudo passou ontem, Anne?

Lento, envergonhante, desagradável, e preciso falar mais?

Tá, tudo bem, Anne, você fez o que deveria fazer. Aliás, deveria ter feito bem pior! Onde já se viu entrar no seu território e ainda vir com a maior cara-de-pau?

Não, não. Coitado. Fui dura demais com ele. Afinal, talvez Matt só quisesse uma [re]aproximação.

Mas se aproximar pra quê então?!

Ah não, de novo não.

Me vi mais uma vez "conversando", ou melhor, "discutindo" com a parte boazinha e a... Hã, "realista" de minha consciência.

E depois de alguns instantes, não pude deixar de reparar que, embora fosse 5h35 da manhã de um domingo, eu, infelizmente, estava acordada.

Mesmo assim, era como se os lençóis fossem feitos de velcro.

Fechei meus olhos em uma tentativa inútil de voltar ao mundo da minha imaginação.

Virei para a direita.

Ouvi o barulho de algo se espatifando no chão.

"Vai, Anne, você não vai enganar a si mesma. Levanta!"

Sentei ainda com os olhos fechados.

Ops, perai. A cama não é tão baixa a ponto de eu encostar meus pés no chão.

Só então eu percebi.

Fato 1: Dormi no sofá enquanto fiquei até 2h e tantas acordada lendo. Já que me irritei com todo aquele interrogatório que Lenn iniciara logo quando a porta se fechou ao Angel, Jim, Matt e Jesi saírem, do tipo: "- Amigos de infância, hein? É... vocês são bem ligados. Não pararam de se olhar a noite toda.

- Não começa. - É, fui curta e grossa.

- Qual é? Pode dizer, que eu sei, que está insegura só porque talvez esteja querendo evitar as possíveis perguntas que viriam depois. Não, eu não vou abrir um interrogatório."

Sabe, às vezes acho que Lenn deveria ser psicólogo. Já pensei vagamente em dizer isso a ele. Mas isso não vem ao caso agora. E ele é muito bom em escrever sobre publicidade também.

"- E então?

- Então o que?

- Não vai me dizer?

- Lenn eu não tenho nada a dizer, e se quer saber, eu nem sei que raio trouxe Matt até aqui. Agora me dá licença que eu vou tomar meu banho, e fazer coisas mais interessantes do que dar continuidade a um assunto tão inútil.

E subi as escadas em direção ao banheiro, e não a suíte de Lenn."

E fato 2: O que caiu foi meu livro.

Subi tentando não fazer barulho algum, e entrei no quarto de Lenn, que obviamente ainda dormia.

Entrei em seu closet, fechei a porta, liguei a luz de lá.

Abri um espaço entre o lugar onde Lenn separou para colocar minhas coisas, e fui bem lá no fundo, onde estava uma caixinha, com quatro gavetinhas pequenininhas, e brancas, meio rosa-bebê.

Abri a terceira. Peguei um álbum de fotos, e lá estavam as memórias em imagens de Matt e eu. Eu sei que talvez não devesse guardá-las até hoje, mas é como se uma pequena parte de mim ainda não tivesse cicatrizado, e eu não deixava cicatrizar.

Fui deslizando por entre feições felizes e olhares que se encaixavam. Sentimentos que hoje já se perderam.

Parei por uns instantes em uma imagem onde estávamos em um bosque, e Matt com seus braços por volta de mim, muito próximos.

Tentei segurar uma lágrima, mas por tentar, se escorreram mais duas.

- Meu Deus, onde foi parar toda essa história? - sussurei a mim mesma.

- Só amigos não é, Anne Kehring? Então não há nada que você queira me dizer, não é mesmo?