Capítulo 3: Votação e Chantagens

Uma hora tinha passado e reinava a maior confusão dentro da cabine dos capitães. No tombadilho, a tripulação aguçava o ouvido tentando descobrir o que se passava.

- Eles falaram em qualquer coisa da Páscoa. – Pintel disse enquanto colava o ouvido na porta.

- Páscoa? – Raguetti coçou o olho inexistente. Depois de Barbossa libertar Calipso, Raguetti conseguiu roubar um novo olho de vidro a um pedinte em Tortuga. – Mas nós nem estamos na Quaresma!

Pintel encolheu os ombros e ambos continuaram escutando.

- Ora seus coscuvilheiros sem vergonha! Não sabiam que nunca se deve escutar atrás das portas? – Grace resmungou com ar bravo.

- Eu acho que o Barbossa e o Jack estão tramando alguma. Nós só estamos a ouvir porque parece que o Sparrow está levando um sermão da capitã Lara! – Pintel exclamou rindo.

Grace ficou com cara de caso.

- Saiam da frente. – Disse afastando-os com os braços e repetindo o mesmo gesto destes. – Parece que a menina Lara está furiosa. – Disse, depois de escutar a voz exaltada desta.

Na cabine…

- TU ESTÁS LOUCO! – Lara berrou para Jack. – Já disse que naquela ilha não existe nada. Só vamos perder tempo e habilitarmo-nos a levar com tempestades e ataques de outros piratas e da marinha!

- Love, tu já foste a tal Ilha da Sexta-Feira Santa? – Jack perguntou.

- É PÁSCOA! – Lara exclamou. – E nunca lá fui. Mas sei que não existe nada a não ser um paraíso para turistas.

- Lara, talvez até seja divertido mudar de ares. – Alicia apoiava a cabeça num braço e batia os dedos na mesa. – Afinal estamos há cinco anos nas Caraíbas. Parecemos umas baratas tontas, sempre navegando pelos mesmos sítios.

- Ela tem razão. – Jack disse rindo divertido.

- A Ilha de Páscoa fica do outro lado do mundo. – Lara disse sentando-se na cadeira. A conversa tinha descambado e dera origem a uma discussão entre si e Jack. Enquanto isso, os restantes permaneciam em silêncio. Barbossa rolava os olhos enquanto comia uma maçã, Alicia estava na mesma posição enfadonha e Gibbs permanecia sem falar e de boca aberta.

- Lara, nós estamos habituados a navegar até ao fim do mundo. – Barbossa disse. – E não vão ser outros piratas e as marinhas nacionais que nos vão acobardar.

Lara suspirou. Parecia que todos estavam contra si.

- Vá lá, darling! – Jack exclamou. – Sabes que discussões conjugais não levam a lado nenhum.

- É por isso que nunca me casei. – Barbossa constatou.

- Mas isso não o impede de levar com o rolo da massa de vez em quando. – Lara resmungou referindo-se a Grace e deixando Barbossa estranhamente envergonhado.

- Posso dizer uma coisa? – Gibbs perguntou.

- NÃO! – Os quatro exclamaram em uníssono.

- Oh… só queria dar uma opinião. – Gibbs fechou a cara.

Permaneceram em silêncio olhando o mapa até Jack berrar.

- Tenho uma ideia! – Exclamou enquanto os outros olhavam para si. – Porque é que não ouvimos o que o Gibbs tem a dizer?

- Lá vamos nós de novo… - Alicia enfiou a cabeça nas mãos.

- Mestre Gibbs, qual era a sua opinião sobre isto tudo? – Barbossa perguntou.

- Bem… - Gibbs chegou-se para a frente. - … eu acho que deveríamos ir atrás da tal ilha. Eu acho que nunca será em vão porque pelo caminho podemos pilhar, saquear, encontrar outros tesouros. – Gibbs fez uma pausa e Barbossa pediu para que prosseguisse. – Não sabemos se a ilha tem mesmo um tesouro. Por isso acho que devíamos ir lá. Assim tira-se as dúvidas e mesmo que não haja olho de leão…

- Tigre. – Lara corrigiu.

- Ou isso. Mesmo que não haja nada, a tal ilha é recém-descoberta. Ninguém garante que não terá algum ouro escondido! – Gibbs exclamou.

Barbossa olhou para Jack. Jack olhou para Barbossa e ambos se levantaram e confidenciaram a um canto. Quando voltaram Gibbs e Alicia olhavam com ansiedade e Lara com raiva.

- Tomamos uma decisão. – Disseram em uníssono.

- E qual é? – Alicia perguntou.

- O plano do Gibbs faz sentido. – Barbossa disse, deixando o mestre orgulhoso. – E a Alicia também tem razão. Há muito tempo que não fazemos nada verdadeiramente digno de piratas.

Lara estreitou os olhos. Sabia muito bem qual a razão. Não pilharam nada quando a sua gravidez estava quase no fim. Depois de Mary Rose nascer, passaram quase um ano recolhidos na baía do pântano de Tia Dalma. Depois, Mary começou a andar e a falar e decidiram que era hora de voltar a navegar. No entanto, nestes últimos quatro anos, o Black Pearl limitou-se a navegar em águas caribenhas e a pilhar aqui e ali. Nada de grandioso. Jack passou as últimas semanas a dizer que Mary já podia participar em algumas aventuras, que quanto mais cedo aprendesse a ser pirata melhor. Um clique passou pela cabeça de Lara. Quase de certeza que Jack e Barbossa andavam a tramar aquela aventura há mais tempo do que diziam. E isso deixou-a à beira de um ataque de nervos.

- Mas como existe gente que é contra esta cruzada, decidi que deve haver votação. – Jack disse.

- Votação? – Lara disse secamente. – Só podes estar a gozar.

- Não. Longe de mim. Mas não quero que ninguém diga que foi arrastado para esta aventura obrigado. – Jack sorriu. – Ora, logo à noite iremos convocar uma reunião com toda a tripulação, informando sobre tudo e procedendo-se à votação.

- O Will vai estar presente, certo? – Alicia perguntou. – Afinal ele acompanha-nos quase sempre. Não seria justo.

- Oh… - Jack coçou a cabeça. Tinha-se esquecido completamente do capitão eunuco.

- O Capitão Turner estará presente, sim. – Barbossa confirmou.

- Ok. A mini reunião acabou. Podem todos voltar aos seus postos. – Jack levantou os braços sorrindo.

Alicia levantou-se mas Lara continuou sentada sem se mexer um milímetro.

- Acho que precisas de ter uma conversa muito séria… - Barbossa arregalou os olhos para Jack e este sorriu amarelo.

Depois de todos saírem, Jack sentiu como se tivesse a ser vigiado numa prisão de alta segurança. Lara olhava-o como se o fosse matar a qualquer momento.

- Love, pensa pelo lado positivo. – Jack disse aproximando-se. – Chegaste a dizer que os mistérios te fascinavam. Este é um dos grandes. – Jack sorriu. – E mesmo que não haja nada de especial, ao menos podes conhecer a tal ilha!

A piada de Jack não resultou e Lara levantou-se com a mesma cara.

- Já paraste para pensar no facto de termos uma criança a bordo? – Lara perguntou e o sorriso de Jack desvaneceu-se.

- A Mary será uma pirata, Lara. E ela vai precisar saber se defender. Um dia… - Jack aproximou-se de Lara. - … este navio será dela.

- Isso se ela quiser e continuar filha única! – Lara exclamou.

- Não me digas… - Jack arregalou os olhos e abriu a boca.

- Não. – Lara disse secamente. – Mas ela é muito pequena, Jack. Daqui até à Ilha de Páscoa demorará quase um ano. – Lara suspirou. – Sabe-se lá o que encontraremos no caminho.

- Love, nós somos bons piratas. – Jack agarrou-a pela cintura. – Aliás, os melhores. E o Pearl é o navio mais rápido e forte que existe. Há também o eunuco, que quando não está levando as almas para o outro lado, é uma ajuda preciosa.

Lara rolou os olhos e começou a quebrar.

- Ficas a saber que eu sou contra. – Comunicou virando costas. No mesmo instante Mary rompeu pela porta acompanhada pelo macaco Jack.

- Minha princesa, não tens medo desse macaco nojento? – Jack disse, deitando a língua de fora.

- Ele é meu amigo. – Mary subiu para uma cadeira. – Quando é que vamos atrás do tesouro?

- Quem te disse isso? – Lara olhou para Jack e este encolheu os ombros.

- Tia Licia. – Mary sorriu.

- Ainda não sabemos se vamos, Mary. – Lara afagou o cabelo da filha. – Além do mais, vai ser muito perigoso. Não gostarias de ver monstros desconhecidos pois não?

Mary olhou para a mãe e depois para o pai. Jack semicerrou os olhos para Lara. Então era isso. A chantagem tinha entrado no jogo. Que assim seja.

- Minha princesa… - Jack agachou-se de frente para a filha. - … há perigos imensos sim. Mas também há muitas surpresas boas! Imagina, ilhas cheias de animaizinhos fofinhos… - Jack sabia o quanto Mary adorava animais. - … tesouros brilhantes e dourados.

Mary abriu um sorriso. Essa sim, era uma autêntica Sparrow.

- Além do mais… - Jack retirou a sua bússola da cintura e abriu-a. - … prometo que serás tu quem nos guiará. Ficarás com a bússola até acharmos a ilha!

Mary agarrou na bússola e abriu a boca de espanto atirando-se para o colo de Jack.

- Isso não vale! – Lara exclamou. – Vislumbraste-a. É chantagem!

- Love, era exactamente o mesmo que estavas a fazer! – Jack sorriu maroto e saiu levando Mary consigo e deixando Lara bufando.

Horas mais tarde…

A noite tinha caído e como combinado, o tombadilho do navio reunia toda a tripulação, mais Will Turner e Bootstrap. Barbossa explicou tudo sobre a Ilha de Páscoa, sobre o Olho-de-Tigre e sobre os perigos que poderiam passar, sendo interrompido inúmeras vezes por Jack.

- Essa viagem será demorada. – Bootstrap disse.

- Iremos parar em Tortuga para abastecer e depois atravessaremos o Atlântico. – Barbossa explicou.

- Depois faremos uma escala na Ilha de São Tomé e dobraremos o Cabo da Boa Esperança. – Jack acrescentou.

Will e Bootstrap olharam um para o outro.

- Sabes que a passagem pelo Cabo das Tormentas será bastante custosa. – Will avisou. – Muitos naufragaram lá. Os que tiveram a sorte de sobreviver dizem que lá vive algo que não é "natural".

Lara engoliu em seco.

- Referes-te a quê propriamente? – Alicia perguntou.

- A algo tenebroso que vive naquelas águas. – Will disse. – Sinceramente, não acho essa viagem boa ideia.

- Sempre podemos passar pelo estreito de Magalhães e desembocar directamente no Oceano Pacífico. – Lara opinou.

- Nem nos meus piores pesadelos eu passaria por lá! – Jack exclamou. – Além do mais, quer haja monstro ou não, eu já passei no Cabo inúmeras vezes e uma delas foi aquando do Vértice Temporal, lembram-se?

- Mas não quer dizer que por não ter aparecido, que não exista! – Lar exclamou. Por momentos lembrou-se do deus Oceano e dos Insectos Gigantes.

- Vamos arriscar. Isso se a votação for favorável. – Barbossa disse. – Depois de passado o Cabo vamos abastecer a Madagáscar.

- Madagáscar… - Jack sorriu. - … o paraíso dos piratas! Já agora podemos aproveitar e fazer uma visita a Singapura. Não há nada mais bonito e excitante que Singapura.

- Não me digas. – Lara fulminou Jack.

- Hector, dá logo início a essa votação antes que eles comecem a discutir de novo. – Grace pediu.

- Muito bem. Quem é a favor da viagem até à Ilha da Páscoa coloque o dedo no ar. – Barbossa disse.

Toda a tripulação do Pearl, incluindo Jack, Barbossa e Alicia votaram a favor.

- Quem está contra? – Jack perguntou. Lara, Will e Bootstrap colocaram a mão no ar.

- Will? – Alicia olhou-o desconsolada.

- Desculpa, mas tanto eu como o meu pai achamos essa viagem de loucos. – Will explicou.

- Que seria de nós se não fossemos loucos, rapaz? – Jack perguntou.

- Eu estou farta de andarmos a passear pelas Caraíbas. Toda a acção é bem-vinda. – Alicia disse. – Quer dizer que não vens connosco? – Alicia colocou a sua melhor cara de criança chorona e triste.

- Alicia… - Will foi desarmado como sempre. Olhou para o seu pai e este encolheu os ombros.

- Tu és o capitão. Tu decides. – Bootstrap disse.

- Eu vou. Mas não pensem que sou a favor do que vão fazer. – Will disse com cara séria. – Além do mais, como de costume estarei ausente duas vezes por semana, para cumprir a minha tarefa. Terão de se desenvencilhar sozinhos nesses dias.

- Will, tu não eras nascido e eu já tinha levado dois tiros. – Jack disse e toda a tripulação olhou para si. – Quer dizer, quase que levava. Passaram de raspão.

- Não votou em nenhum dos casos, Grace. – Barbossa disse.

- Eu abstenho-me. – Grace disse. – Embora tenha receio no que isto irá dar.

- Sendo assim, todos aos seus postos e rumo a Tortuga! – Jack exclamou. – De lá sairemos para a aventura das nossas vidas!

Lara caminhou até Alicia. – Parece que todos adoptaram a profissão de chantagistas.

- Ai Lara. Deixa de ser careta. Não querias que esquecesse o tal assunto? – Alicia perguntou. – Esta será uma boa maneira de ocupar os pensamentos!

- Will. – Bootstrap chamou o filho à parte. – De certeza que vamos alinhar nisso?

- Não posso amarrá-los a um coqueiro pai. – Will disse. – Além do mais, para nós não há mal nenhum.

- Mas para eles sim. Não te esqueças que são simples mortais. – Bootstrap afirmou.

- Por isso mesmo. Não os posso abandonar. – Will olhou para Alicia e depois para o Holandês. – "Te pito o Te henua."

- O que é que disseste? – Alicia ficou curiosa com a frase noutra língua.

- Quer dizer para onde vamos. Para o "Umbigo do Mundo". –Will explicou.

Continua…