Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 170
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 39




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/81878/chapter/170

ARGONAUTAS

.

O gigante de armadura seguia determinado pelos movimentados corredores internos da fortaleza arrastando Autólico, que lutava para se libertar do punho de ferro que o prendia pelo braço. O status de oficial da guarda senhorial era facilmente reconhecível pelo formato do elmo e pelo brasão em relevo na placa peitoral da armadura do gigante. Tanto que, em nenhum momento, foram parados por guardas. E todos com quem cruzaram se apressaram a abrir caminho para que passassem. Ninguém ali queria atrair a ira do capitão da guarda.

A construção era um imenso labirinto de corredores largos, pé direito alto e paredes de pedra iluminadas por archotes. Corredores e mais corredores, sem qualquer sinalização. Milhares de portas absolutamente iguais, todas de estrutura reforçada. O gigante parecia saber exatamente para onde ia, não diminuindo o passo em momento algum.

Autólico, se debatia desesperado, buscando algo que pudesse usar para atacar o gigante e, ao mesmo tempo, tentando memorizar o caminho com vistas a uma futura rota de fuga. Se fosse jogado numa masmorra, ao invés de resgatar Adam, seriam dois a terem que ser resgatados. Ele notou que, à medida que avançavam, os corredores tornavam-se menos movimentados. E também menos silenciosos. As portas não eram pesadas o suficiente para abafar completamente os pavorosos gritos.

Então, sem aviso, pouco antes de saírem em uma grande câmara central, o gigante muda de direção e se oculta nas sombras, trazendo Autólico junto. Com surpresa, ele vê o gigante levar o dedo indicador à frente dos lábios, o clássico sinal para que fizesse silêncio. Em seguida, com surpresa ainda maior, vê a armadura se transformar, perdendo o elmo, os braços e a maior parte da placa peitoral. Ao final, o gigante tivera sua altura reduzida em um terço.

– PALEMON?

– Bom reencontrá-lo, Autólico. Bom ver que sobreviveu e chegou até aqui.

– Não graças a você. Eu acreditei de verdade que tinha sido capturado por alguém da guarda. Você quase me matou do coração.

– Sem drama, por favor. Somos imortais. Não morremos do coração. E, além disso, você é invulnerável. Mesmo que eu tenha exagerado um pouco na representação, sei que não se machucou. E só chegamos aqui sem sermos parados porque seu medo era real. Acha que demônios não farejam o verdadeiro medo? Não farejam nosso cheiro meio-humano.

– Garanto que ser arrastado até aqui imaginando que logo estaria sendo submetido a todo tipo de torturas não foi nada divertido. Agora, de cabeça fria, entendo que foi necessário.

– Mas também não nego que me diverti um pouquinho assustando você. Estou perdoado?

– Está, mas isso não significa que não vai ter troco. Nem que leve mil anos. Mas, isso é papo para quando sairmos daqui. É melhor nos apressarmos. Estamos perdendo tempo e arriscando sermos descobertos.

– Com dois de nós, nossas chances duplicam.

– Então, acabam de triplicar.

– Idmon! Como chegou aqui sem que o percebêssemos?

– Eu já estava aqui. Um feitiço simples de camuflagem. Estava esperando vocês. Minha visão profética me conduziu através da cidade até essa fortaleza. Os portões principais estavam fechados. Usei uma entrada lateral em um momento de distração dos guardas. Na verdade, eu providenciei a distração. Ao entrar na fortaleza, uma visão me alertou de que os encontraria exatamente aqui. Foi uma surpresa e um grande alívio. Não sabíamos o destino de vocês. Chegamos a pensar que os tivéssemos perdido para sempre. Mesmo que não estivessem mortos, que talvez não conseguíssemos rastreá-los e que acabassem presos aqui.

– Então, você nos subestimou, bruxo. E, se não sabia que conseguiríamos, sua propalada ‘visão profética’ não é tudo o que você diz ser.

– Minha visão profética tem uma lógica própria. Mostra somente o que realmente preciso saber para minha própria segurança. Não o que acho que preciso saber e, muito menos, o que quero.

– Idmon, quando disse ‘não sabíamos’ estava se referindo a quem? Onde estão os outros? Vimos Zetes e Eufemo morrerem, mas onde estão Jasão e Gabriel?

– Zetes não morreu. Ao menos, não que eu saiba. O que viram foi uma farsa que precisei levar em frente para salvar Jasão de Medeia. Acreditam que a maldita nos seguiu até aqui, assumiu a forma de dragão e quase me fritou?

– Medeia está aqui?

– Numa das minhas visões, ela queimava. Acredito que já tenha acontecido, mas não tenho a confirmação. Quando ela me atacou, eu recobri meu corpo com pedra. Zetes e Gabriel devem ter acreditado que morri e seguiram em frente. Ou isso, ou talvez Gabriel não tenha escapado da armadilha de pedra. Era para já terem chegado.

– Suas visões não deram nenhuma pista sobre aonde podem estar?

– Nada sobre o arcanjo, mas Jasão está vivo. Minha visão profética me garante que nos reencontraremos e que esse momento está próximo.

– Uma coisa está me intrigando, Palemon. Pude ver que controla a forma do exoesqueleto que criou no Hades. Mas, como conseguiu se orientar aqui dentro? É um verdadeiro labirinto e chegamos aqui sem que você mostrasse um pingo de hesitação.

– Exatamente por ser um labirinto, foi fácil. Uma vez que o padrão seja reconhecido, é fácil chegar ao centro de um labirinto. Torna-se óbvio também que aquilo que se pretende proteger esteja no centro do labirinto e, portanto, esse passou a ser o meu alvo. Admira-me é que o homem mais esperto do mundo não tenha descoberto o padrão. Esperava mais de você, Autólico.

– A única coisa que passava pela minha cabeça era como partir sua cabeça ao meio e fugir.

– Enquanto esperava vocês, explorei o ambiente. Estão vendo as escadas? Dão acesso à torre circular que podemos ver de fora. A torre vai afunilando. Parecem ser mais de dez níveis, mas não creio que Adam esteja na torre. A torre é muito vulnerável a um ataque externo, principalmente aéreo. O ponto mais seguro deve ser o segundo ou o terceiro nível da estrutura em que estamos.

– Estranho as escadas estarem desprotegidas.

– Talvez não estejam. Talvez só não estejamos vendo o que as protege.

– Bem, o que estamos esperando? Daqui, não vamos descobrir nada. O melhor a fazer é libertar de uma vez o tal Adam Winchester e dar o fora o mais rápido possível.

– Espera. Quanto a isso, estamos de acordo. Mas, e depois? Mesmo que deixemos a cidade, como saímos do Inferno? Precisamos de Gabriel para nos tirar daqui.

– Não, não precisamos. Não esqueçam que ainda estamos vivos. Estamos conectados ao plano material através de nossos corpos físicos. O chamado ‘fio de prata’. Precisamos de Gabriel apenas para retirar Adam Winchester do Inferno. Não podemos esquecer que ele é a razão de estarmos aqui.

– Como não precisamos de Gabriel? Sabe como sair daqui por conta própria?

– Estamos sob a proteção da deusa da noite. Ela vai agir como facilitadora. Mas, respondendo objetivamente a sua pergunta: quem pode nos tirar daqui somos nós mesmos. No momento em que acreditarmos que nossa missão está concluída, ou que não há absolutamente mais nada que possamos fazer para o sucesso da missão, seremos automaticamente transportados para fora.

– Quer dizer que basta qualquer um de nós desistir de lutar que será transportado para fora.

– Sim. Mas, desistir não faz parte da nossa natureza. Nós sempre vamos escolher lutar, mesmo que em desvantagem. Veja o caso de vocês. Vocês foram afastados do grupo. Mas, não se entregaram. Lutaram e chegaram até aqui. E vamos todos continuar lutando até o fim. Até sairmos vitoriosos. Ou, não seríamos quem somos. Não seríamos argonautas.

§

– Encontrei Adam Winchester.

– Onde, Zetes?

– Em uma das muitas salas internas de uma imensa fortaleza que fica bem no centro da cidade. A porta da sala é reforçada e a sala não tem janelas. Não vai ser fácil tirar o humano de lá. É um caminho longo por dentro da fortaleza. Precisa ser muito bem planejado. Já foi difícil chegar aqui sem ninguém nos perseguindo. Mas, o verdadeiro motivo para eu não ter agido, foi porque não saberia o que fazer depois de libertá-lo. Precisamos, em primeiro lugar, de um lugar seguro para levar Adam Winchester. E depois? Sem Gabriel, como fazemos para sair do Inferno?

– Um problema de cada vez. Como ele estava? O Adam?

– Estava sendo torturado. Pelo manda-chuva do lugar em pessoa. Você não imagina o que é aquele lugar. Os horrores que acontecem lá dentro. Minha vontade era arrasar completamente o lugar. Qualquer coisa que forçasse os demônios a pararem com as torturas. Até mesmo matá-los, se isso for necessário para forçá-los parar.

– Talvez seja isso mesmo que precisemos fazer depois de libertarmos Adam Winchester. Destruir Ιρονωηεελ.

§

Eufemo tinha aberto as correntes que o prendiam ao chão. Mas, ainda estava preso no interior da cela quando a lava invadiu o lugar, avançando pelo piso até cobri-lo por inteiro.

Em resposta a uma ordem não explicitada em palavras, as sandálias abertas que Eufemo usava se transformam em uma sapatilha fechada de solado alto. Isso de nada adiantaria para uma pessoa comum, mas Eufemo podia caminhar sobre água sem afundar. Descobria agora que podia igualmente caminhar sobre lava. O solado o protegia de sofrer queimaduras, mas sentia em todo o corpo o calor que emanava da lava. A temperatura ambiente de mais de 70 graus podia matar uma pessoa no plano material.

Ele tenta inutilmente primeiro derrubar a porta, depois alargar a abertura entre as grades. O nível de lava continuava subindo. A sapatilha não o protegeria quando toda a cela inteira estivesse submersa.

É quando escuta novamente a voz serena da deusa da noite.

– Eufemo, você pode. Mas, precisa acreditar. Você nunca explorou todo o seu potencial. Nunca utilizou todo o poder que herdou de seu pai, Poseidon. Feche os olhos e mentalize seu pai em todo seu esplendor. Mentalize seu pai ostentando o símbolo máximo do seu poder: o Tridente. Visualize o tridente, cada detalhe dele, tal como o viu no dia em que seu pai lhe deu o pequeno pedaço de rocha que se transformaria na ilha de Santorini. Transforme a chave que usou para abrir as algemas no Tridente de Poseidon.

.

.

CAÇADORES

.

– Tudo bem, Necker? Estou atrapalhando?

– Claro que não, Sam.

– Notei que tem estado pensativo.

– Pensando nas coisas que você falou. Sobre dar um novo rumo para a minha vida.

– Bobby e eu talvez possamos dar uma mãozinha. Mas, isso não precisa ser resolvido agora. A prioridade, neste momento, é saber o que está acontendo em Creta. Eu preocupado com a falta de notícias. Já era para terem feito contato.

– É isso que o Bobby está fazendo? Buscando notícias na internet?

– O Bobby está lendo as notícias de sites e blogs cretenses em busca de algo mais específico. Felizmente, em Creta fala-se grego com variações mínimas. Ele entende alguma coisa de grego e tem o tradutor do Google. Nos sites internacionais, as coisas são tratadas de forma muito superficial. Todos parecem concordar que o que quer que tenha acontecido, já teve seu desfecho. Mas, se houve mesmo um desfecho, porque ainda não temos notícias. É por isso estou tão preocupado. Se as coisas tivessem corrido bem, nós já saberíamos. Não me conformo de estar aqui, sem poder fazer nada para ajudar no resgate do Adam.

– O que exatamente deu na internet? O que já se sabe?

– Há uma percepção geral de que o pior já passou. A supertempestade se dissipou. O sol voltou a brilhar. As cidades estão contabilizando os prejuízos, que foram grandes. Previsões de perda de receita devido ao cancelamento maciço de pacotes turísticos para as próximas semanas. Pareceres divergentes de especialistas que estão estudando as fotos e vídeos do turista japonês. Editoriais raivosos de cunho religioso. A notícia que o japonês que fez os vídeos foi encontrado morto e que todo o equipamento dele foi destruído. Muita gente dizendo muita besteira sobre os vídeos e mais ainda sobre a morte do japonês. Fala-se também de um taxista que teria sido fulminado por um raio. A notícia que polícia local está investigando as duas mortes, mas não chegou ainda a nenhuma conclusão. Muitos depoimentos sobre os desaparecimentos misteriosos que aconteceram na ilha. A notícia do reaparecimento de várias dessas pessoas em Anogeia, uma aldeia próxima a Idaion Antron, sem que se lembrem de como chegaram lá. E o que para nós é o mais preocupante: desabamentos nas encostas do Monte Ida. Parece que a própria Idaion Antron foi afetada.

– Sam, não adianta nada se desesperar. Vamos esperar que o Hércules ou Caläis dêem notícias. Eles sabem que estou preocupados e vão ligar assim que for possível.

– Está tocando. É o telefone fixo. Rápido! Podem ser eles

– Alô! Hércules? Estou. Estou escutando. Vocês estão bem? Você e o Callum. Estão em Creta?

– (..)

– Encontrou? Sério? Em Idaion Antron?

– (..)

– O quê? Não está? Como assim não está?

– (..)

– Ela disse? E nenhum deles despertou ainda?

– (..)

– E quem é esse Gabriel?

– (..)

– Anjos? Anjos de verdade? Como aqueles da Bíblia?

– (..)

– Vimos cenas de batalha na TV e na internet. Só se fala disso. Vimos imagens da tempestade também.

– (..)

– Então o gigante azul é mesmo a deusa Kälï. E como é que ela entrou nesta história?

– (..)

– Tá, então depois você conta os detalhes. Obrigado por ligar, Hércules. Liga assim que tiver outras notícias. Outro. Bye.

– Me dá aqui esse telefone. Hércules, aqui é o Sam. O que aconte .. ceu .. Não acredito. O FDP desligou na minha cara. Ele pode ser grande, mas eu ainda parto a cara deste sujeito.

– Taí algo que eu gostaria de ver.

– Sabe de uma coisa. Seu amigo Zetes tem toda a razão de não ir com a cara deste cretino.

– Sam, depois você desconta sua raiva. E então, Necker! Desembucha! O que foi que o Hércules falou?

– O Hércules encontrou Jasão e os outros. Os corpos físicos deles, pelo menos. O de todos, menos o do Zetes. A deusa Hécate confirmou para o Caläis que o Zetes e os outros atravessaram o Hades e estão agora no Inferno.

– Então, é verdade? Jasão está mesmo no Inferno tentando libertar Adam? Eu ainda posso ter esperança de ter o Adam de volta.

– Parece que as coisas ainda estão indefinidas por lá. A deusa deu a entender que estão em grande perigo.

– NÃO! Eles TÊM de conseguir. O Adam não pode ..

A voz de Sam falha no fim da frase. Ele não consegue evitar as lágrimas.

– Necker, por favor, alguma coisa forte. Pode ser um whisky cowboy duplo. Dois, estou precisando de um também.

Bobby vai até Sam e o abraça.

– Que é isso, Sam? Eles estão lá. Jasão e cinco semideuses. Eles VÃO conseguir. É nisto que temos que acreditar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

04.12.2012



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sete Vidas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.