Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 108
vida 4 epílogo capítulo 1




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Enquanto observava Dean profundamente relaxado, aparentando uma paz profunda, sentado com as pernas cruzadas, tronco ereto, olhos fechados, na clássica posição de meditação, Sam alternava entre o preocupado e o profundamente irritado.

– Ele está nesta mesma posição há mais de quatro meses.

– Ele está bem. Provavelmente está se familiarizando com seus novos sentidos ampliados.

– Ele não dormiu nem comeu nada esse período todo.

– Ele não precisa. Nem você. Você come apenas porque é o que estava acostumado a fazer e reluta em abandonar os hábitos de sua antiga vida.

– Quando eu mais preciso dele ..

– Você não está sozinho.

– Esse é o problema. É horrível se sentir um nada. Ser apenas uma parte ínfima de um outro ser.

– Você não é uma parte ínfima de mim. É uma parte importante. Fundamental. Você é mais importante para mim, do que eu posso vir a ser para você. Você estava harmonia com a sua condição humana. Com o inevitável processo de envelhecimento e morte. Com a perspectiva de continuar existindo num plano espiritual após a morte do corpo físico. Eu é que não me acostumaria mais a ter a minha consciência habitando solitária o núcleo do planeta. À permanente escuridão. Aos ciclos do tempo geológico.

– Você não entende. Claro, como poderia? Eu me sinto esmagado. É tudo muito diferente. São sensações muito estranhas. Emoções muito fortes. Emoções destrutivas que eu sei que preciso sufocar dentro de mim. Eu preciso me manter o tempo todo concentrado. Eu sinto que qualquer descuido, eu vou explodir. Tenho muito medo de perder o controle. Medo de fraquejar e extravasar toda a minha fúria. Isso seria catastrófico. Pessoas morreriam. Mas, por outro lado ..

– Fale, Sam. É importante que ponha em palavras. Que entenda o que está sentindo.

– O peso da responsabilidade por todas estas vidas é insuportável. Eu digo para mim mesmo que não é isso que eu quero, mas me pego toda hora desejando que morram. Que morram todos. Só para me livrar deste peso que colocaram sobre meus ombros. Então, eu me sinto culpado e me obrigo a me conter mais ainda. Para resistir ao desejo de destruir a tudo e a todos a minha volta. Me sinto horrível. Teria sido muito melhor eu ter morrido na queda.

– Não era somente a sua vida que estava em jogo. Eram as vidas de todos no planeta.

– Sei disso. Mas, mesmo assim, eu deveria ter sido consultado. O Dean não tinha o direito de decidir por nós dois.

– Teria sido diferente? Escolheria condenar todo o planeta?

– Não sei. Acho que não. Acho que acabaria sendo como foi. Afinal, ao dizer ‘SIM’ eu não saberia o que me esperava. Não saberia da dor da transformação. Que seria queimado vivo. Que teria cada partícula arrancada do corpo. Que teria cada célula explodida. Foram algumas horas, mas pareceram séculos de dor indescritível.

– É tudo muito recente. Você não teve tempo para se acostumar com esse novo corpo. A explorar seus novos sentidos. A descobrir as maravilhas de que é capaz. Precisa acalmar sua mente. Acredite, vai passar.

– Você diz isso porque não sabe o que estou sentindo.

– Claro que sei. Nós compartilhamos o mesmo corpo. Eu compartilhei e compartilho de todas essas dores, de todas essas emoções. E elas não são novas para mim. Elas estão comigo há um tempo tão longo que você descreveria como uma eternidade. E você não as está segurando sozinho. A maior parte da carga está comigo. Pode relaxar. Ninguém vai morrer. Eu não vou deixar.

– É isso que me espera? Sofrer por toda a eternidade?

– Seria se estivesse sozinho como eu estive um dia. Mas não é da sua natureza ter sentimentos destrutivos. Você vai dominar esses sentimentos negativos. E, ao se libertar, vai me libertar também. E, um dia, estaremos tão integrados que seremos um só. Você vai se acostumar com o som do lento fluxo de metal derretido no interior do planeta. Com as flutuações do campo magnético terrestre ao interagir com o Sol. Com a violenta colisão das massas continentais. Vai ser tão natural quanto era sentir o sangue fluindo pelas suas artérias. Quanto era escutar as batidas do seu coração.

– Que eu não tenho mais. Não existe mais sangue fluindo no meu corpo. Não existe mais um coração dentro do meu peito.

– Não, não existe. Mas você ainda pode amar. Igual a antes. Mais do que antes. Você amava seu irmão e, por mais que esteja com seus sentimentos em turbilhão, ainda o ama e, através de você, eu também posso amar meu irmão.

– Sim, meus sentimentos estão embaralhados. Eu não me reconheço mais. Não sei mais quem eu sou ou o que eu realmente quero. Se me perguntassem nesse momento, eu diria que não amo ninguém. Pelo contrário. E também não me sinto nem um pouco amado.

– Seu irmão agiu pensando no que era melhor para você e no que era melhor para o mundo.

– Não. Até pode parecer que foi uma decisão altruísta, mas não foi. Foi uma escolha egoísta DELE. ELE não queria se sentir sozinho. Fez por ELE mesmo, não por mim. Não pelo mundo. EU estou pagando o preço. Para ELE parece estar sendo muito fácil. ELE está em paz. Olhe para ele, ELE está muito bem e está pouco se importando em como eu estou.

– Sam, você está ressentido. A mudança foi traumática. Está passando pelo estágio de negação. Se aceite como é agora. Volte a se amar. Me aceite como parte de você.

– Aceitar? Sim, devo me aceitar como sou agora. Aceitar meu destino como Deus da Escuridão. Aceitar que existo para confrontar a luz. Aceitar que os deuses da luz e da escuridão estarão sempre em conflito. Eternos inimigos. Esse é o meu destino e eu o aceito.

Não, Sam. O seu .. O NOSSO destino não é esse. Esse destino já foi mudado uma vez. E juntos nós vamos mudá-lo de novo. Os deuses da luz e da escuridão vão ser mais uma vez o que foi determinado que seriam no nascimento. Irmãos. Apenas irmãos.




– Sam?

– Dean, você voltou?

– Eu vi com meus novos sentidos. Eu posso ver o que acontece em todos os lugares. Aqui, na Lua, nos limites do espaço. E eu vi. Numa cidade pequena do Oregon. Um rapaz, que eu tenho certeza que nunca vi antes. Olhando com tristeza, talvez saudade, uma foto minha. Dos tempos da Global Rescue. Enquanto olhava para a minha foto, deixou escorrer uma lágrima e me chamou de pai. Eu preciso saber quem ele é.


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Notas finais do capítulo

23.07.2011