Utopia escrita por dastysama


Capítulo 22
Capítulo 22 - O Despertar




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Ele sabia onde estava o quadro logo que acordou naquela manhã fria e com a janela cheia de gotículas de orvalho por causa da temperatura que cada vez ficava mais baixa. Parecia tão claro agora, como se o sonho que ele tivera o guiasse agora na realidade.

Lá estava o guarda-roupa imenso de madeira escura. Pelo jeito ele estava há séculos ali, tão conservado que talvez todos os donos daquela casa tiveram dó de jogá-lo fora. Bill abriu as portas do guarda-roupa e viu todos os cabides lotados com suas roupas preferidas e casacos caros. Mas não era uma peça de roupa que procurava.

Agachou-se para ver o fundo negro do guarda-roupa, e tentou forçar o fundo falso que havia ali. Depois de muito esforço, conseguiu retirar a tampa de madeira grossa que se instalava no local. Tateando pelo buraco, conseguiu sentir uma caixa ali, então a puxou com todo o cuidado do mundo.

A caixa tinha alguns mofos em um canto, parecia bastante envelhecida e ele temia pela situação do quadro. Abriu cuidadosamente e sobre seus dedos sentiu a textura da moldura trabalhada enquanto puxava o quadro aos poucos. O seu coração batia descompassadamente, dedurando a ansiedade que sentia dentro dele. De todas as coisas no mundo que já quis, essa era a mais incrível que já vira e pudera querer e ele nem ao menos sabia o por que.

O quadro estava bastante velho, mas dava para ver claramente os contornos de Johanna nele. Não era a mesma coisa que vê-la ao vivo, mas lá estavam os “resquícios de sua companhia”, os olhos acinzentados observando tudo como se estivessem realmente vivos e os lábios torcidos naquela expressão desconfortável. Quando deu por si, Bill estava sorrindo, se lembrando do modo impertinente com que ela falava.

No fundo, só ele sabia o que estava acontecendo de verdade. William Baumgärtner estava completamente apaixonado por ela, mesmo que não demonstrasse por causa de sua arrogância. Will não estava acostumado a ser repreendido, ainda mais por uma garota mais nova e suposta meretriz, mas ao mesmo tempo ela era encantadora e não falava como as moças daquela época.

Por incrível que pareça, Bill se sentia exatamente como ele, como se ambos fossem a mesma pessoa. E agora não se sentia mais como um louco, afinal ali na sua frente estava uma prova concreta de que todos os seus sonhos tinham um pouco de verdade. Ele só precisava procurar mais informações, será que os sonhos ajudariam? Afinal ele não tinha a mínima vontade de contar a alguém sobre o quadro que acabara de achar. Ele sabia que ninguém entenderia ainda, nem ele mesmo compreendia o que estava acontecendo. Mesmo assim ele iria fazer um esforço para compreender e descobrir a verdade por trás de todo o ocorrido.

Bill olhou uma última vez para o quadro, como se pudesse sentir Johanna mais perto de si. O estranho era sentir aquele vazio, saber que ela viveu em uma época muito distante da atual e que não tem a mínimas chances de estar viva. Então ele guardou novamente o quadro na caixa e colocou no fundo falso do guarda-roupa. Encostou sua cabeça na superfície do guarda-roupa e fechou os olhos esperando que voltasse para seus sonhos, mas sabia que isso não acontecia só por querer.

 

 

 

– E aí pessoal? – Biene exclamou entrando na cozinha, saltitante como sempre – Esqueci de avisar vocês, há tanta coisa na minha cabeça ultimamente, amanhã vai ser o aniversário da cidade!

– Legal – Gustav disse piscando perplexo para Biene, afinal isso talvez fosse importante para ela, mas para eles não tinha nada demais.

– Legal? – ela exclamou – Quando é o aniversário da cidade, há uma enorme festa. Pensei que vocês gostariam de ir, já que ficam trancados o tempo todo aqui. Mas acho que não interesse já que...

– Festa? – exclamou Tom pulando da mesa – Está brincando? Vai ter uma festa aqui? Do tipo que reúne muitas pessoas e tem muitas garotas da região?

– Sim! – ela disse sorrindo satisfeita – É uma festa bonita, tem uma espécie de feira pela cidade, têm danças, bailes e até fogos de artifício. Vem um bocado de pessoas, principalmente de cidades vizinhas. Então? Vocês topam?

– Estou dentro! Pode contar comigo – Tom disse olhando para Georg e Gustav que também acenaram positivamente.

– Cadê o Bill, afinal? – Biene disse olhando para todos os lados, esperando que de repente ele aparecesse de algum canto.

– Ele está dormindo, ultimamente ele anda dormindo até mais tarde. Talvez seja hora de acordá-lo – Tom disse se levantando.

– Eu faço isso, não se incomode. Preciso falar com ele mesmo.

Ela sorriu para eles e caminhou para o Hall com sua bolsa cheia de miçangas chacoalhantes. Biene havia descoberto algumas coisas enquanto vasculhava nos documentos da família dos Gietzen. Eles eram simpáticos e não se importaram nem um pouco em deixá-la dar uma olhada, tanto que até contaram milhares de histórias para ela sobre seus antepassados.

Segundo o que ela lera em alguns diários e algumas informações que os Gietzen haviam conseguido, Biene descobrira que a família realmente já foi amiga dos Baumgärtner, mas em um passado muito distante. Parecia que depois do ano de 1863, as famílias se distanciaram sem um motivo aparente, ou pelo menos eles não relataram realmente o que acontecera. Talvez se ela se aprofundasse um pouco mais, ela conseguisse achar mais coisas sobre os Baumgärtner.

– Hey, Bill? – ela perguntou batendo na porta dele com cuidado – Você já acordou? É que eu descobri algumas coisas sobre os Baumgärtner, não é grande coisa, mas já é um começo...

A porta se abriu no mesmo momento, antes que ela terminasse de falar. Pelo visto, Bill já havia acordado faz tempo, tanto que até já tinha tomado banho por causa dos cabelos pretos que grudavam em seu rosto. Ele usava suas calças jeans apertadas como de costume, mas não usava camiseta, mostrando os poucos músculos que se estendiam pelo seu corpo magro.

– Ah, me desculpe – Biene disse engolindo seco – Eu volto depois...

Mas ele não respondeu, seus olhos amendoados pareciam estar foscos, como se não pudessem a ver. Biene pensou seriamente em abanar sua mão na frente do rosto dele, só para conferir se ele não virou um zumbi ou alguma criatura maligna dos filmes que geralmente assistia.

Então ele pegou o braço dela e a puxou para dentro, ela realmente não esperava que ele tivesse tanta força assim. Trotando, ela entrou no quarto tentando não cair, enquanto a porta as suas costas se fechava rapidamente. Biene estava totalmente confusa, tentando se recompor da quase queda e olhando para Bill que estava totalmente estranho, com uma expressão dura e vaga.

– Bill? Você está bem? – ela perguntou piscando atônita.

– Por que eu não estaria? – ele disse com uma voz astuciosa e seus olhos brilharam de uma maneira sombria.

Então ele a puxou para si, fazendo Biene entrar em contato com seu corpo, seus olhos fixos nos dela como se uma corrente elétrica passasse dele para ela. Não houve tempo para pensar nem agir, Bill levantou o rosto dela com seu polegar, acariciando levemente seu rosto até seus lábios tomarem os dela.

O coração de Biene batia rapidamente enquanto sua mente tentava entender o que estava acontecendo. Mas nada adiantava, afinal parecia que seus pensamentos ficavam cada vez mais inebriados enquanto o beijo ficava mais intenso. Os braços de Bill a envolviam em um abraço terno e inexplicavelmente cheio de sensações que se apoderavam de ambos. A língua tenra dele passava pela sua, com uma fúria quase corrosiva de tanto deleite.

Ambos pareciam se querer tanto como se isso tivesse acontecido desde a primeira vez que haviam se visto. Nenhum parecia resistir enquanto o desejo tomava conta de todo o ar como uma fragrância enjoativa e viciante. Até que uma faísca de realidade passou pela cabeça de Biene e ela pensou o que diabos estava acontecendo. Então subitamente empurrou Bill para longe de si até que o beijo se cessasse.

Biene se afastou dele ofegante e percebendo que ele parecia mais lúcido do que antes. Ele olhava meio atônito para ela, como se tentasse entender o que havia acabado de acontecer. Ela nem esperou pela resposta, correu até a porta e saiu o mais rápido dali, com sua cabeça explodindo em milhões de informações que cada vez pareciam menos coerentes. Mas mesmo quando desceu a ladeira com sua bicicleta, naquele frio, ela ainda sentiu os toques quentes dele, queimando em sua pele.


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