Blade Runner 2073 escrita por Allyssa aka Nard


Capítulo 1
Acatamatesia




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“O mundo extraplanetário te espera! Pacotes a partir de 20 minutos!”, um dos painéis comerciais repetiu no interfone. O sol estava começando a subir, embora fosse difícil vê-lo na neblina distante e nos arranha-céus de Los Angeles. A rua estava vazia, exceto por um pedestre aqui e ali, e mesmo assim todos os painéis estavam acesos, brigando pela atenção de algum consumidor faminto, repetindo as mesmas propagandas: Viagens Extraplanetárias, Unidades Joi, bebidas, restaurantes, peças novas. As luzes de led competiam entre si e com a neblina para ver quem chamava mais atenção.

Caminhei pelas poças de água deixadas pela chuva da noite anterior, e desci as escadarias do metrô, passando por um replicante implorando por dinheiro, e um humano na mesma situação poucos metros à frente. Dei uma moeda para cada, e acelerei o passo ao ouvir o barulho dos ìmas e freios na plataforma. Como sempre, o trem estava lotado, com dezenas de pessoas em pé segurando nas alças do teto, empacotadas como sardinhas, enquanto a infraestrutura antiga fazia o veículo tremer. Desci no Setor Industrial, com as ruas consideravelmente mais ocupadas, e fui em direção ao trabalho. No lado oposto da rua, atrás da muralha de carros, naves e auto ônibus passando pela estrada, estava a Seletiva de Limpeza Geral. No momento que adentrei as portas da SLG, uma voz familiar se pronunciou.

“Finalmente! Já ia entrar no caminhão sem você”, Isis disse, me arremessando um uniforme.

“Bom dia pra você também”, respondi, caminhando para o vestiário. Rapidamente coloquei o macacão hi-vis e as botas de borracha, enquanto Isis se apoiava na parede de aço.

“Keef vai mandar a gente pra onde hoje?”, perguntei, vestindo as luvas de látex

“Perímetro”

“Merda, eu queria algo fácil”

“Eu também, depois do que me falaram da semana passada”

“O que aconteceu?”

“Algum idiota teve a brilhante ideia de pular de um prédio perto da antiga Wallace. O problema sendo que tava tendo uma feira de proteína embaixo, e ele caiu em cima do aquecedor. Um dos catadores falou que ainda sentia o cheiro dias depois”

“E vamos limpar os campos de batalha. Ótimo”

Levantei do banco metálico e caminhamos pelo chão polido em um corredor estreito, as botas silenciando nossos passos. Ao final estava a garagem, um monumento enorme com dezenas de caminhões estacionados. Nos aproximamos de nosso caminhão, um veículo preto meia-noite com listras roxo escuras nos contornos, uma caçamba profunda, e um espaço apertado para quatro assistentes atrás dos bancos de volante. Devido à falta de pessoal, muitos caminhões estavam desativados, e os assistentes foram promovidos a motoristas, para tentar lidar com as crescentes pendências na cidade. Agora que o trabalho era voluntário, era difícil convencer alguém a passar horas coletando destroços, peças e restos mortais, especialmente com o pagamento.

Liguei o veículo enquanto Isis colocava um mini-drive no rádio antigo ao lado do volante. Foi uma tremenda barganha encontrar uma relíquia tão antiga, e um trabalho intenso para tentar conectá-lo no caminhão, mas o resultado valia a pena. Em apenas 128 Gigabytes, havia um universo de relíquias da antiguidade guardadas, músicas de um tempo perdido, antes do Blecaute. Passamos pelas ruas lotadas, buzinando para alguns veículos automáticos bloqueando nosso caminho, notando os arranha-céus e megaestruturas lentamente diminuindo seu tamanho à medida que nos aproximávamos do perímetro. 

Chegamos no extremo nordeste, onde ficava a barragem do mar. Na direção oposta da parede marítima, a sudoeste, as ruínas começavam a ser visíveis na distância, e quanto mais nos afastamos do monolito aquático, mais sinais de poeira e radiação se mostravam. Isis colocou uma máscara de gás, enquanto eu esfregava os olhos para tentar tirar a poeira dos meus receptores.

Finalmente paramos nos restos de uma fazenda, com sinais de trincheira ainda presentes. Descemos do veículo, pegamos nosso equipamento no banco traseiro, e começamos a nos aproximar dos buracos de bomba da Terra de Ninguém. Com os bipes incessantes do detector de radiação, utilizamos pás para cobrir a enorme cratera. Um dos motivos que contribuiam na falta de disposição do trabalho no perímetro era a lentidão. Com crateras quilométricas, era difícil cobrir e purificar mais de duas por dia, e estaríamos aqui pelo próximo bimestre. Não bastasse o ritmo lento, ainda éramos responsáveis por detectar e desativar minas terrestres, fazendo com que cada passo fosse uma aposta. Mesmo com pulsos eletromagnéticos, alguns dispositivos conseguiam se manter ativos, de forma a tomar ainda mais algumas horas para cada um que encontrássemos.

Além disso, a lei requeria que separamos terra, metal e restos mortais, o que só se acumulava no tempo de trabalho. Pelo menos nas ruínas de concreto do extremo sul, era fácil separar cimento de ossos. Na terra, tudo se misturava.

Após 7 longas horas, voltamos ao caminhão e fizemos a jornada de volta. 9 procedimentos de segurança depois, fomos liberados da SDT, e decidimos passar o resto do tempo de descanso em um bar. Durante a noite, os anúncios holográficos se refletiam no chão molhado da cidade, fazendo com que ainda parecesse o dia. Entramos na Estação 25, o bar mais próximo do trabalho, e o estabelecimento estava moderadamente cheio, embora isso não impedisse que Pako nos cumprimentasse.

“Isis, Holden, quanto tempo! O de sempre?”, o homem disse, sua voz grave e tom animado ecoando no recinto.

“Isso depende. O quanto você aumentou o preço desde a última vez?”, respondi, me apoiando no balcão

“O suficiente pra evitar que vocês dois deixem meu saldo no negativo”

“Só dá pra gente o mais barato que você tiver”, Isis interviu. Pako rapidamente nos trouxe dois shots de um líquido verde fluorescente, em um copo provavelmente reutilizado.

“Pra dois meses de inferno”, ela brindou

“Dois meses de inferno”

No dia seguinte, o trabalho foi mais do mesmo: cobrir uma fração das crateras e ficar em um pedaço. Não falamos muito, gostávamos de ficar mais quietos durante o trabalho, para podermos ouvir possíveis bipes ou avisos, mas jogávamos papo fora durante os descansos. Tirando a rotina repetitiva e monótona, foi um dia bem comum. Até chegarmos na Estação 25: burburinhos pelas mesas, uma sensação de inquietação, e um olhar que nunca havia visto em Pako mesmo depois de anos o vendo: preocupação.

“O que aconteceu?”, perguntei, enquanto Isis olhava ao redor. Parecia que o bar inteiro estava em um estado de pandemônio. Pako tentava manter a compostura, mas claramente estava em pânico.

“Assassinaram um replicante aqui”


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Todo feedback é bem vindo :p



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