Ser ou não ser escrita por Eica


Capítulo 6
Capítulo 6




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Estávamos agora em outubro. E outubro é época de Halloween. De descontos nos produtos da loja. E época de decoração. Ajudei Marcos a pendurar alguns enfeites. E como éramos os mais altos da livraria, ficamos encarregados deste serviço. Depois de terminarmos de enfeitar a loja, revisamos os enfeites para ver se estavam em ordem.

            Marcos soltou um riso.

— Ontem, dei uma olhada no meu jogo do Warcraft. Meu avô entrou no meu quarto e quis saber o que eu estava jogando. Expliquei meio “por cimão”. Ele achou bem interessante, mas não quis aprender a jogar. Ele mal consegue mexer no mouse! Disse que prefere xadrez e quebra-cabeça.

— Seu avô curte xadrez?

— Ele foi bicampeão quando era jovem.

— Sério? Que legal!

— Quando eu jogo com ele, sempre perco. Ele não me deixa nem ao menos ser café com leite.

            Ri.

— Ele é muito bom.

            Fernanda aproximou-se.

— Ficou ótimo, meninos. — Elogiou ela, sorridente.

— Você tem medo de altura, Marcos? — Indaguei.

— Não, por quê?

— Porque eu tenho.

— Mas você subiu tão destemidamente na escada.

            Ri.

— Pois é. Eu consigo disfarçar.

            Marcos afastou-se de nós e foi até o fundo da loja. Fernanda continuou perto de mim. Quando a olhei uma última vez, lembrei-me de algo.

— Como é mesmo o nome daquela outra fanfic que você me falou? Dos gêmeos.

— “O outro”. Adoro aquela fic. Está interessado em ler? Posso te mandar o endereço pelo Face’.

— É bem curta a fic, né?

— Só tem três capítulos, mas garanto que vale a pena.

            Quando virei o rosto na direção da entrada, vi uma pessoa familiar cruzá-la. Hoje, tal pessoa não usava seu uniforme, mas uma blusinha rosa de alcinha e short jeans. Uma bolsa bem grande pendia em seu ombro direito. Fernanda não a viu.

— Fernanda, posso fazer uma pergunta?

— Faça.

— Eu sou assim tão bonito quanto dizem?

— É, claro que é. — disse ela, sorrindo. — Ainda duvida? Não se olha no espelho?

— Sim, mas... está vendo aquela moça de blusinha rosa e bolsa bege?

            Quando ela a viu, contei quem era.

— Vixi! — Exclamou. — Ela veio por sua causa. De novo! Vou me afastar para ela ficar mais à vontade.

— Faz isso não, mulher!

            Fernanda se afastou de mim com um sorriso debochado. Nervoso, dei umas voltas pela livraria, fingindo não ter visto a moça. Mas ela, é claro, me viu.

— Oi. — Disse, ao se aproximar.

— Oi.

— Trabalhando bastante?

— Por enquanto o movimento está baixo. — Respondi, com simpatia.

— Hoje é meu dia de folga. — Comunicou, com um grande sorriso.

— Que bom! Passeando?

— É.

            Procurei meus colegas de serviço com prudência, para que ela não percebesse. Vi que Marcos e Nikki estavam ocupados e Fernanda conversava com Estela. Bruna olhou para os livros na prateleira diante de nós enquanto eu pensava no que deveria fazer: se me afastava ou continuava ao lado dela. Resolvi me afastar cautelosamente, mas quando me movi para dar o primeiro passo, Bruna disse:

— Há quanto tempo trabalha aqui?

— Desde a inauguração.

— Sério? Eu também comecei a trabalhar aqui desde que inaugurou o shopping. Estranho nunca ter te visto.

            Sorri, sabendo a razão disso.

— Há algum livro que você me recomendaria?

— O que você gosta de ler? Poesia, romance, fantasia, ficção...?

— Ficção. O último livro que li foi “Os nove”.

— Hm... Então você pode gostar de “Dança dos espíritos”, que inclusive é do mesmo autor de “Os nove”.

            Levei-a até o livro em questão. Ela pegou-o e o folheou.

— Não sabia que era do mesmo autor. — Disse. — Uma amiga havia me falado sobre “Os nove”. Foi ela quem me emprestou o livro para ler. Ela curte um suspense. Achei o final bastante surpreendente.

— E o DVD que você comprou? Já assistiu?

— Já! — Exclamou, com os olhos brilhando. — Foi muito divertido. Você já tinha assistido ao filme?

— Sim, no cinema.

            Ela voltou a olhar para o livro. Depois o devolveu à prateleira.

— Embora eu trabalhe aqui no shopping, vou muito pouco ao cinema. — Comentou, sem me olhar.

— Eu também. Acho que é culpa da vontade de querer ir embora logo.

            Bruna riu.

— Ou é a falta de uma boa companhia para ir com a gente. Ou é esta mesma companhia que pode não gostar do mesmo filme que a gente.

— Também tem essa questão.

            Enquanto ela olhava para outros livros ao redor daquele que havia devolvido à prateleira, ocupei-me a fazer outra coisa, não muito longe de onde ela estava para não ficar aquele momento constrangedor.

— Já vou indo.

— Tudo bem. — Sorri.

            Vi-a andar devagar em direção à porta. Vi que mexeu na bolsa por um instante, virou, voltou-se rapidamente, vindo em minha direção. Estendeu-me o folheto.

            Olhei para ele, confuso, depois para ela.

— O meu telefone está marcado em cima.

            Ela apenas me deu um sorriso encabulado e saiu a passos apressados da livraria, sem ao menos dar-me chances de despedir-me ou mostrar qualquer reação. E, de fato, como constatei ao olhar para o folheto, logo acima dele, haviam marcado com caneta azul um número de celular.

            Repentinamente, senti alguém pegar na minha cintura. Era Nikki.

— O que ela queria?

            Mostrei o folheto.

— Batons? — Perguntou, perplexa. — Ela veio falar sobre batons para você?

— Não! Ela deu o número do celular dela.

            Nikki começou a rir num ânimo descontrolado. Isto chamou a atenção dos outros dois fofoqueiros da loja. Souberam, não por mim, mas pela tagarela e inconveniente da Nikki, que a moça me dera o seu número.

— Ela está a fim de você! — Disse Marcos, fazendo um sinal de orgulho.

— Viu quantas vezes mexeu no cabelo? — Avisou Fernanda.

— Viu a forma como sorria? — Disse Nikki, ainda.

— E o jeito como mexia o corpo?

— Vocês ficaram reparando esse tempo todo? — Indaguei, pasma.

— Vai ligar para ela? — Indagou-me Marcos.

— Não! Nem a conheço.

— Mas ela quer te conhecer. Veio aqui para te dar o número dela. — Disse Nikki.

— Está sugerindo que eu ligue? — Perguntei, incrédula. — Mulheres não me interessam.

— Para você, não dá para ficar com homem. Você mesmo disse. — Argumentou Marcos.

— Continuam sugerindo... não vou ligar para ninguém. — Assegurei. — Alguém pode jogar esse folheto para mim?

— Espera! — Exclamou Marcos, enquanto eu amassava o papel. — Não posso ficar com o número dela?

— Você quer? — Indaguei, surpreso.

— Me deixa incluí-la no Whats’. — Disse ele, pegando o papel amassado da minha mão.

— Vai mesmo? — Indagou Nikki, incrédula.

— Ela está a fim do Bernardo. Não de você. — Lembrou Fernanda.

— Eu sei...

            Ele realmente pegou o número dela e depois amassou o folheto para jogá-lo fora.

— Por que fez isso? — Questionei-o, confusa.

            Marcos volveu-me um sorriso aberto cheio de malícia. O que me deixou bastante curiosa. Curioso. Após uma hora mais ou menos, Estela chamou-me um momento. Fui até o estoque.

— Como você está? Tudo bem? — Indagou-me.

— Está tudo bem.

— Precisando de alguma coisa?

— Não. No momento, não.

— Eu conheço um livro que talvez lhe interesse. É sobre um transexual que conta sua vida, desde a tenra idade já à vida adulta. É uma narrativa interessante e emocionante. Se quiser, eu posso arranjá-lo para você.

— Ah, obrigado.

            Fiquei sem graça. É claro que achei sua atitude muito bonita, embora ela não tivesse entendido o que se passava comigo. Mas tudo bem. Ela só queria me ajudar.

— Você teve o apoio de sua família?

— Minha família é complicada. — Disse, evasiva.

— Oh. Bom, se precisar de alguma coisa, pode contar comigo. Sempre gostei de você, Rafaela. Digo, Bernardo. — Disse ela, sorrindo-me ternamente. — Você sempre foi muito esforçada. Diferente de alguns por aqui que parecem estar passeando ao invés de trabalhando.

            Soltei um risinho, imaginando quem seriam esses funcionários que só passeavam.

— O que eu puder fazer por você... pode falar.

— Claro. Obrigado.


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