EU TE VEJO - Um romance com o Coringa. escrita por Eurus


Capítulo 9
Precisamos Falar Sobre o Kevin.




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''As marcas que os seres humanos deixam são, com frequência, cicatrizes.'’

John Green

A Culpa é das Estrelas

 

— Ok, você consegue… — a determinação não durou quatro segundos no rosto de Britta que se encarava no espelho do banheiro. — Merda! — Balançou a cabeça chacoalhando os cachos úmidos e voltou a se olhar. — Não tem jeito! — Apontou o dedo acusativamente para seu próprio reflexo. — Você sabe que se não fizer isso hoje, você nunca mais vai ter coragem pra ir… 

O conflito do dia: ir ou não ao Arkham. Depois de distrair ao máximo sua mente sobre o assunto, por ler com cuidado seu novo contrato com as Empresas Wayne, Britta não viu outra forma de lidar com o pensamento a não ser enfrentando-o. Tinha muitos motivos para ir, poderia por exemplo saber se Kevin encontrou Vera novamente. 

‘’Não posso mais te proteger.’’

Estava prestes a jogar toda determinação pelo ralo. Estava com medo. Medo de como Kevin estaria, medo que ele não a reconhecesse ou que a reconhecesse e não reagisse bem a sua repentina presença. No entanto, seu medo maior era que Kevin não se importasse o suficiente.

Não muito distante dali, duas viaturas e o carro do Comissário se aproximavam da vizinhança de Britta. Sozinho em seu carro particular, Gordon falava com Bruce em uma chamada no viva-voz.

— ...o Pendrive está completamente infectado de malwares, o que eu já esperava, mas é um malware tão potente que quando identificado é destruído pelo meu computador… —  Bruce tentava explicar a desventura com o pendrive do Coringa.

— Bem, então você está me dizendo que…o computador na Batcaverna não é capaz de fazer uma análise desse dispositivo e nos entregar um IP ou algo do tipo? 

Embora Gordon não estivesse tentando, Bruce se sentiu bem ofendido, mesmo porque, de certa forma, era isso mesmo o que estava acontecendo, mas ele não admitiria isso.

O que estou dizendo é que o meu sistema está destruindo os malwares impedindo-os de infectá-lo e impedindo de fazer qualquer análise. 

Houve um silêncio constrangedor. Bruce admitia para si mesmo que depois de anos afastado, tendo em mente que Blake abandonou a Batcaverna, era de se imaginar que Coringa teria acesso a uma tecnologia mais avançada e atualizada em mãos. 

— Olha só…Estou em frente ao prédio da senhorita Ledger… — disse o sobrenome com ironia. — Está saindo só agora, imaginei que já estaria no trabalho há uma hora dessas…

Bruce teve que revirar os olhos com o tom acusador de Gordon, por outro lado Bruce sabia que se Britta tivesse pedido um dia folga, pelo bem da investigação, Lucius lhe avisaria, mas achou melhor não alimentar a paranoia de Gordon.

Me avise quando tiver posse das câmeras…

— Não acho que essas evidências possam ficar por muito tempo na delegacia, seria interessante se arranjasse um espaço na caverna… — Com o telefone no ouvido saiu do carro encarando Britta de longe. Ela sustentava seu olhar desafiador. 

Perfeito — terminaram a chamada.

— Bom dia, Comissário. 

Para Gordon, Britta parecia mesmo diferente, como outra pessoa. Mesmo a atitude com a que falava com ele, como se não tivesse mais nada a esconder.

— Bom dia, indo passear? — sorriu azedo de boca fechada, o olhar morto.

— Algo me impede? — seu olhar era frio no policial.

— As manifestações na cidade, talvez — subiu uma sobrancelha. 

— Que bom que o metrô ainda funciona. 

Os policiais a alguns metros não conseguiam ouvir exatamente o que os dois estavam conversando, mas a maneira como estavam posicionados um em frente ao outro e os olhares deixavam claro que estava acontecendo um embate ali.

— Usar o metrô subterrâneo de Gotham durante uma manifestação desse tamanho talvez não seja uma boa ideia. 

— Desde o último incidente eu tenho me certificado de ter como me defender. — E lhe deu as costas.

— Senhorita Ledger — pronunciou o nome de forma significativa fazendo a moça se virar irritada. — Seria mais do que apropriado dizer pra onde está indo sozinha. 

— É um assunto pessoal — rebateu. 

— Dada as circunstâncias do incidente recente, se vai sair da sua rotina, é bom que aceite pelo menos um policial por precaução. 

Estava claro para Britta que aquela sugestão era uma forma de mantê-la sob sua vigilância cada vez mais acusativa. 

— A não ser que eu seja suspeita de algum crime, não sou obrigada a aceitar nenhum policial no meu pé, Senhor Comissário — respondeu diretamente.

Após dar tempo para uma resposta que não veio, Britta voltou a dar as costas e seguiu em direção a estação de metrô, agora mais do que nunca iria contente e decidida ao Arkham e nada nem ninguém a impediria disso. 

— Oficial Smith… — Gordon chamou a jovem policial loira sem tirar os olhos de Britta. — Siga ela à paisana, me mantenha atualizado, por favor. 

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Com uma viatura da polícia, as manifestações pelas ruas não impediram John de chegar em seus destinos. Emma Davis o recebeu no meio da manhã durante uma pausa na clínica. O sobrepeso da pediatra não diminuía em nada sua elegância e energia sensual. 

— Ah sim, eu lembro dela… — Devolveu a foto doada pela Sra. Lewis. — ...eu lembro que ela tirava boas notas, as vezes mais altas que eu! — riu bem humorada, John sorriu encantado com a simpatia e beleza da moça. — Ela era bem tímida, passava despercebida.

— Lembra se a Lena tinha alguma desavença com alguém? Talvez com uma das vítimas?

— Bem, pra ser sincera… — a moça parecia envergonhada. — ...Lena sofria muito bullying de muitos da turma, ela era muito pobre, quietinha, não tinha amigos, sabe? Cecilia Lewis era a pior de todas! — John lembrou-se de Helena Lewis chorando em sua sala. — Uma verdadeira Regina George, ela também implicava comigo por eu ser gordinha… 

— Você disse que estava no colégio no dia do massacre — John viu Emma ficar bem atenta e assentir positivo enquanto ouvia seu questionamento. — Lembra de ter visto Lena Miller nesse dia?

— Não, não…ela não era muito de faltar, eu lembro disso porque éramos uma das poucas alunas dedicadas daquele colégio…

Emma explicou que no momento do massacre durante o intervalo, estava jogando xadrez na biblioteca com os colegas. Apesar disso, ela estava confiante de que não viu Lena naquele dia. Para John era o suficiente e se despediu.

— Detetive? — chamou o fazendo se virar. — Miller não era o sobrenome do autor do massacre? — a doutora estava curiosa. 

— Isso… — respondeu. — Mais uma vez muito obrigada! — se despediu antes que a moça fizesse mais perguntas.

Sua segunda visita também foi por ali, em um salão de beleza pequeno, porém muito bem organizado e limpo. As cores claras e boa iluminação dava uma falsa sensação de ambiente luxuoso. Haviam algumas tabelas de preço pelas paredes e uma música pop tocava quase alto demais.

John observou o cabeleireiro animado praticamente desfilar em sua direção. Seu look glam punk era chocante. Por conta da bota de salto alto, os olhos de John estavam paralelos aos mamilos aparentes na blusa preta similar a uma rede de pesca. Sentado na poltrona de pelúcia rosa ele tratou de fazer perguntas mais específicas, visto que Serg se mostrou prolixo.

— ...Esquisito mas nada assustador sabe?! Eu estudei com o Kevin acho que…dois, três anos anteriores também, então, já estava acostumado, nunca imaginei que ele seria capaz de fazer aquilo — negou com uma tristeza no olhar. — Tão bonitinho…Mas é como dizem né, as aparências enganam…

— Você conheceu a Lena? Aqui. — mostrou a foto. — Ela era da turma das vítimas.

— Hm…desculpa, não me lembro dela — tentou lembrar. — Bem apagadinha né?! — fez uma careta. — E esse cabelo…misericórdia!

— Então não se lembra de tê-la visto no dia do massacre? Talvez no intervalo?

— Sinceramente… — ainda olhava a foto, pensativo. — Não lembro mesmo. Foi na hora do intervalo, não foi? 

— Sim…

— Eu lembro sim de ter visto Kevin indo pra ala desativada… — ponderou. — Mas não tinha sido a primeira vez dele lá, muitos alunos iam pra…você sabe… — balançou os ombros fechando os olhos com um bico malicioso. 

— Você foi naquele dia?

— Não, eu lembro porque eu estava ocupado demais conversando sobre uma partida de baseball com uns colegas — Serg logo explicou com um sorriso divertido. — Eu ainda não tinha saído do armário na época, e aquele era meu único jeito de ficar pertinho do Tom Baker!

— Oh…

— Oh? 

— Perdão, não é nada...

— Como assim nada? É o mesmo ‘’Oh’’ que eu faço quando Janice Jackson chega aqui dizendo que só precisa de uma hidratação sendo que claramente precisa de um peeling capilar, vela terapia e uma reza forte! 

— Baker está preso em uma penitenciária por assalto a banco — John conteve o riso.

— Não me surpreende — deu de ombros.

— É…

— Não me leve a mal policial, eu amo um uniforme mas tem algo nos badboys…

>>

O metrô estava lotado e Britta não percebeu a policial Susan Smith mesclada na multidão. Com óculos escuros aviador, a loira não tirou os olhos de suas costas. Em uma pequena estação rodoviária, Britta pegou um ônibus que fazia viagens até o limite da Rua Brown. Sentada no pequeno ônibus quase vazio, pensou em seu iminente encontro com Kevin e notou que não tinha uma boa desculpa para justificar sua ausência em todos aqueles anos. 

Um carro de aplicativo a levou até a ilha do asilo. Britta se distraiu tanto com a paisagem cinzenta que não reparou nas olhadas desconfiadas que o motorista lhe lançava. Não era todo dia que alguém ia pro Asilo Arkham. Olhando para trás viu os prédios do centro já distantes se tornando cada vez menores enquanto o carro balançava na esburacada Ponte Westward. Mais a frente o carro parou em uma guarita moderna. 

— Bom dia — o guarda sentado atrás de um computador inspecionou de longe. — Identificação por favor.

Britta sabia que seriam liberados logo já que sua visita foi agendada no dia anterior. O motorista repassou sua identidade para o guarda que não demorou muito a devolver os documentos. 

— Senhorita Ledger, você pode entrar. 

— Oh… — olhando de relance percebeu que eram alguns poucos metros até o prédio, não seria tão ruim continuar a pé. — Okay…

Britta percorreu o caminho observando o famigerado Asilo Arkham. Mal preservado, o asilo construído em 1921 era guardado pelos portões originais de grades pretas onde se lia ‘’Asilo Arkham’’. A instalação era formada por um complexo de três prédios com paredes de tijolos, janelas e portas automatizadas. Os portões demoraram a abrir pesadamente. 

Denunciando uma chuva iminente, o céu carregado de nuvens cinzas pendiam acima, atribuindo um clima soturno e sinistro ao lugar. O barulho estrondoso do portão se fechando atrás de si a fez sobressaltar e enquanto se aproximava da porta do prédio, observou os arredores completamente deserto, não haviam funcionários permeando ou automóveis estacionados. 

A porta de entrada era nova e deslizou automaticamente para a lateral lhe dando passagem. Não lhe surpreendendo, as cores entediantes da recepção iam do branco ao bege. O ar estava meio abafado, apesar do ar condicionado estar ligado, o que lhe fez pensar que haviam ligado recentemente apesar de já ser quase meio dia. A esquerda, antes do balcão vazio da recepção havia uma entrada, depois do balcão haviam dois elevadores.

— Senhora Ledger — a voz grave lhe chamou a atenção e viu um homem branco, alto e careca todo de branco ele vestia uma camisa polo por debaixo da calça jeans. Ele lhe encarava com um olhar inexpressivo. — Veio ver Kevin Miller, certo? 

— Sim…

Sem resposta o homem apenas se virou e apertou o botão do elevador. Aparentemente desinteressado em sua presença, o homem olhava para o elevador. Em outras circunstâncias Britta gostaria do pouco contato visual e postura do funcionário, mas além da ansiedade pelo encontro iminente, o ambiente lhe dava uma sensação de mal pressentimento. 

Logo o elevador chegou a um corredor, que também mantinha o estilo medíocre da recepção. O homem andava em frente a guiando em silêncio. Viraram à direita em uma porta larga e entraram no espaçoso refeitório tão vazio e quieto que os passos de ambos ecoavam pelo local.

— Ele tem recebido alguma visita recentemente? — ela perguntou quando percebeu que seria ali onde ficaria. 

— Não — respondeu simplesmente lhe apontando uma das mesas e então foi embora sem dizer mais nada.

Britta se sentou no banco ficando de costas para uma parede, incomodada com o vazio do lugar, observou a estação de distribuição de refeições mais a frente e a entrada, por onde chegou, à sua direita. A esquerda havia uma parede com uma fila horizontal de pequenas janelas retangulares extremamente sujas de onde era possível ver apenas o céu cinza. 

Com uma careta olhou ao redor. Não esperava se deparar com outros pacientes, mas não havia nem mesmo um guarda ou enfermeiro ali e ficar sozinha em um lugar como aquele estava começando a te amedrontar. Olhou o relógio no pulso esquerdo e percebeu que haviam se passado duas horas desde que saiu de casa, o que foi espantoso já que não enfrentou nenhum trânsito. 

Esse lugar é mesmo distante da cidade…

Se viu balançando a perna direita tamanha a ansiedade enquanto olhava a única entrada ali. Já estava pensando em ir embora quando ele apareceu.

Kevin andou calmamente em sua direção com as mãos nos bolsos, muito mais alto do que ela lembrava, vestia um belo terno de três peças inteiramente preto. Teve que sorrir por vê-lo tão bem vestido e tão lindo. Seu rosto não era muito diferente, uma versão mais madura onde sua maior diferença eram seus cabelos longos até os ombros.

Quando seu olhar cruzou o de Kevin, ela reconheceu o seu irmão e uma lágrima escapou. Britta levantou largando sua bolsa em cima da mesa indo apressada em sua direção. Kevin deu um sorriso contido e abriu os braços. Britta jogou os braços em seus ombros e chorou assim que ele apertou sua cintura. Ela queria falar muitas coisas mas não conseguia parar de chorar. 

— Eu estive te esperando — a voz do rapaz soou baixa em seu ouvido, quase um sussurro e Britta não continuaria sorrindo se tivesse visto a feição de desgosto no rosto do irmão.

>>>

Afastada da cidade no distrito de Old Gotham, a Penitenciária D42 foi construída após a invasão de Bane. John não ficou surpreso em saber que Tom Baker e Chris Carter foram presos por atuarem no mesmo crime em conjunto. Baker estava na solitária então torceu para que seu encontro com Chris Carter na sala de visitas valesse a pena. 

— Você lembra dessa menina? Lena — John mostrou a foto ao magrela tatuado.

— Huh! — o rapaz exclamou claramente reconhecendo a menina da foto.

— Você lembra dela — John conteve seu ânimo, foi a primeira pessoa que a reconheceu. 

— Ela não estava no colégio no dia do massacre — afirmou com certeza devolvendo a foto. 

— Você disse que não estava lá no dia, como sabe que ela também não estava? — Blake o encarou.

— Porque estávamos no mesmo lugar — a afirmação pegou o detetive de surpresa. — Tinha um grupo, alguns chamavam de Trio do Clube X, mas pra mim era só um lugar pra ficar com umas garotas, às vezes eu dormia lá, fumava com meus amigos…

— No subsolo do cinema abandonado — John lembrou do que Britta contou ao Batman. 

— Isso — Chris o olhou, surpreso por um instante. — Eu a vi lá e eu lembro bem porque foi chocante pra todos ver o Kevin levando uma garota…Ele era muito reservado, tá ligado? A gente não via ele fumar, beber, ficar com ninguém. Ele só entrava no quartinho dele e saía…

— Todo mundo tinha um quartinho nesse lugar? 

— Não, não… — o homem riu. — Só os líderes tinham direito ao quartinho, o Trio…A gente achou que eles tinham algo mas ele não demorou muito tempo lá dentro…

— Quando foi isso? 

— O dia exatamente não lembro não, mas eles chegaram na madrugada do dia que rolou a parada lá no colégio. 

— Ela poderia ter saído pela manhã então…

— Não, não…ela ficou lá dentro. Eu sei porque todo mundo estava comentando sobre ‘’a garota do Kevin’’. Ninguém sabia quem ela era…Eu não fiquei lá o dia todo mas, pelo menos pela manhã e tarde eu sei que ela tava trancada lá dentro.

O álibi de Britta estava confirmado. No fundo, John se sentiu aliviado. Os horários batiam e faziam sentido. Não havia inconsistência, pelo menos não com o que os ex-alunos lhe contaram. 

— Você disse que Kevin era líder…

— Eu não sei de muita coisa… — se apressou em justificar. — Naquela época o máximo que eu aprontava no Clube X era fumar droga e transar sem camisinha. Mas Kevin…Ele era grandão por ali, nem todo mundo sabia exatamente o que ele fazia, mas ele era respeitado. Tinha gente que nem olhava pra ele. Tinha muito boato também, mas cada um dizia uma coisa, ta ligado? 

— Tipo o que? 

— Ah…Era tudo bem bizarro, às vezes fantasioso demais, tá ligado? Mas pensando bem, depois do que ele fez com o pai… — refletiu um pouco. — Um boato é que uma vez ele estava nervoso e um menino não parava de falar alto, dizem que o Kevin mandou ele calar a boca e o garoto não gostou e começou a gritar bem na cara dele. O Kevin ficou encarando ele, por tipo, muito tempo, por tanto tempo que o carinha começou a ficar com medo tá ligado? Tem gente que disse que viu os olhos dele ficar todo preto antes dele enfiar uma caneta na jugular do guri.

— O olho todo preto? 

— É — riu pelo nariz balançando a cabeça descrente. — Esse foi um detalhe bem discutido, alguns diziam que sim e outros que não, mas ninguém discordava do resto. Também tinha um boato que ele foi o responsável por falir o cinema, enfim, várias histórias…

— Você e Tom Baker são amigos desde o colégio, soube que ele estava no intervalo no dia do massacre. O que ele te contou daquele dia?

— O Tom não lembra de nada daquele dia, deve ser porque ele ficava lá num grupinho idiota falando de baseball, futebol e essas merdas, apesar que acho que ele só fazia isso pra chamar atenção de alguns meninos, ninguém sabe mas o Tom é gay e ele tinha uma queda por Serg, um viadinho da turma do Kevin.

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Enquanto secava as lágrimas nas bochechas, Britta se sentou no banco da mesa ali. Kevin se manteve de pé com as mãos cruzadas em frente ao seu corpo a observando intensamente de um jeito que Britta se incomodou um pouco mas preferiu ignorar. Observou novamente o ambiente percebendo que não havia nenhum funcionário ao redor e voltou seu olhar para o rapaz alto e bem vestido a sua frente.

— Não vai sentar? — sorriu sem graça. 

Era de se esperar que toda a situação fosse desconcertante de alguma forma. Kevin nunca foi do tipo muito social e depois de anos, mesmo a forma como se viram a última vez, à tanto tempo atrás, haviam pontas soltas e dúvidas no ar. Para seu alívio, Kevin concordou e se sentou ao seu lado a uma certa distância com o olhar no chão. 

— Como você está? — ele a olhou curioso com a pergunta.

— Vamos falar sobre você primeiro — apesar de não soar entusiasmado, havia um brilho indecifrável em seu olhar. — Advogada. 

— É… — se sentiu constrangida, sentia que falar de suas conquistas poderia tornar a conversa desagradável. — Como você soube disso?

— Tenho minhas fontes — Britta riu sem graça enquanto ele se manteve impassível a olhando intensamente. 

Não tem um enfermeiro por perto, talvez seja porque ele não é violento...

— Vera ficaria orgulhosa — a frase pegou Britta de surpresa, estava prestes a cair na tentação de perguntar pela mulher, mas não queria passar a impressão de que estava ali por conta de uma investigação pessoal. — Acho que ela ficaria orgulhosa de mim também — o sorriso largo do moreno desapareceu tão rapidamente quanto surgiu. 

O que ele quer dizer com isso?

Pensar em Vera logo a fez retornar ao passado, especialmente os crimes cometidos por Kevin que foram cruelmente violentos. Ali, sob seu olhar intenso, Britta lembrou que não tinha noção do seu quadro clínico ou psicológico. 

— Eu fico aliviada de te ver bem… 

— Realmente — levantou de súbito fechando o botão no centro do seu terno. — Estou no melhor momento da minha vida — olhou ao redor. — Você não tem noção do quanto eu conquistei Lena — seu olhar era distante e Britta sentiu pena.

O que dá para conquistar preso em um asilo psiquiátrico?

Britta imaginava que encontraria um Kevin diferente, mas não daquela forma, tão confiante e aparentemente saudável. Sua postura lhe trazia uma elegância que lhe dava uma aparência ainda mais madura e séria. Também, Kevin parecia mais falante e apesar de sentir uma sensação esquisita com toda a situação, Britta não conseguia deixar de pensar que talvez estivesse ante a evolução de seu tratamento.

— Você deve achar que a minha prisão naquela noite foi o pior momento da minha vida…

— Sobre isso…

— Por favor — a interrompeu impedindo suas explicações. — Eu tenho esperado pelo dia em que você chegaria aqui. — Ele lhe ofereceu as mãos e Britta as segurou sendo puxada gentilmente para levantar. — Espero que apenas escute o seu irmão — foi estranho vê-lo falando daquela forma tão dócil, mas se referir a si mesmo como seu irmão era seu ponto fraco.

— Perdão, continue — sentiu ele soltar calmamente suas mãos.

— Por favor, me acompanhe… — Gesticulou para a entrada de onde vieram.

— Kevin, tem certeza que podemos… 

— Oh, não se preocupe, eu tenho acesso nos andares para onde vamos — respondeu sem olhar para trás, o andar confiante e calmo.

— Oh…okay… — pegou sua bolsa em cima da mesa metálica e o seguiu.

No corredor, Kevin a guiou pelo caminho oposto de onde ela veio mais cedo. Diferente do que imaginou Kevin se manteve em silêncio. Por todo o caminho Britta não viu um funcionário ou nem mesmo um paciente. Quando entraram em um elevador, teve que perguntar. 

— É sempre tão quieto aqui? 

— Uma das coisas que mais gosto nesse lugar. Pacífico. 

Pacífico era de longe a sensação que Britta estava sentindo. Ao mesmo tempo que se sentia aliviada e feliz de vê-lo bem, Britta sentia que havia algo errado e ainda estava confusa se era por conta da inanidade do lugar ou a postura de autoridade que Kevin emanava. Ao seu ver, um criminoso psiquiátrico não deveria ter tanta liberdade em uma instituição como aquela. Sentia que estava caminhando para uma armadilha, sobretudo quando viu que ele escolheu um andar subterrâneo. Fixou o olhar na cabeleira negra à sua frente, Kevin estava um passo à frente, mais próximo da porta e não a olhava.

— Bem, você parece gostar do lugar, o que mais gosta de fazer aqui? — disfarçadamente alcançou seu celular na bolsa. 

— Passo a maior parte do meu tempo em meus estudos.

— Estudos, sobre o que? — sem sinal no celular, tentou disfarçar o nervoso ao falar.

— Engenharia. Cálculos — ele soava desinteressado com o diálogo. 

O elevador parou, abrindo suas portas para um corredor similar a todos os outros por onde passaram, com a diferença de que tinha uma cor acinzentada e desbotada. 

— Kevin…Onde estamos? — estava cada vez mais difícil disfarçar seu desconforto.  

— Vai descobrir — saiu do elevador e virado para ela apontava com os braços para o corredor. 

E o que poderia fazer? Correr? Para onde? Mesmo sem nenhuma interferência, as portas do elevador não fechavam e o olhar intenso de Kevin continuava sobre si. 

— Kevin, eu não me sinto bem…

— Está com medo de mim — não conseguiu responder engolindo em seco. — É compreensível. Estou internado em um manicômio por todos esses anos…

— Não é isso…

— Então o que é?

— Bem…

— Não vou te machucar, Lena. Você tem a minha palavra — de repente ela lembrou da noite em que ele a resgatou do colégio. 

Britta analisou seu rosto por um instante e como sempre, a expressão fria e o olhar vazio não lhe diziam nada. No entanto, Kevin sempre foi assim e se tinha uma coisa que Britta tinha segurança era na palavra de seu irmão. Ela saiu para o corredor. 

O corredor era mal iluminado e tinha um cheiro característico de hospitais. Kevin se manteve ligeiramente mais à frente, passaram por algumas portas e o cheiro foi se tornando menos hospitalar e cada vez mais desagradável.

Que fedor é esse…

— A promotoria de Gotham queria que eu fosse para a Penitenciária Blackgate pelo resto da minha vida…Mas por eu ainda ser menor de idade e com toda repercussão na época, eu tive que ficar preso por alguns meses aguardando a decisão da promotoria para então ser julgado. — Britta reparou que Kevin parecia não sentir o fedor ou simplesmente não se importava. — Até que um doutor psiquiatra surgiu, muito interessado no meu caso. Ele me garantiu que poderia me livrar da cadeia e fez isso por provar que eu precisava de um tratamento aqui no Arkham — nesse momento ele parou em frente a umas das portas.

— É o seu quarto? — o olhou confusa resistindo à vontade de cobrir o nariz.

Kevin a ignorou, abrindo a porta do lugar completamente escuro. No mesmo instante ela sentiu o odor se intensificar exponencialmente, indicando que vinha dali de dentro. Cobriu imediatamente o nariz e a boca enquanto tentava enxergar alguma coisa e sem aviso prévio sentiu um empurrão em suas costas a fazendo entrar na densa escuridão. Se virou no mesmo instante para sair, mas era tarde demais. A porta foi fechada pesadamente. 

— Kevin? — chamou com a boca ainda coberta.

O pavor tomou conta de seu corpo. Olhava para todos os lados em busca de alguma claridade, podia sentir seu coração palpitando e uma sensação de sufocamento enquanto ficava cada vez mais difícil respirar. Era como estar de olhos fechados, sem ver ou ouvir absolutamente nada, quando de repente ela ouviu uma respiração por perto. Incerta do que fazer, ou pra onde ir, Britta abraçou sua bolsa contra o peito e lentamente tentou alcançar o celular para usar a lanterna quando foi abraçada por trás e gritou.

— Estou aqui irmãzinha… — Kevin lhe sussurrou no ouvido. 

— Kevin, o que está fazendo? — chorosa, sua voz falhou. 

— Eu prometo que te explico… — e então sentiu uma picada dolorosa no pescoço, logo em seguida uma pressão e formigamento no local. — Mas antes preciso me certificar que não vá pra lugar nenhum, como fez naquela noite.

Britta tentou falar, mas no momento que o fez, sua garganta como que fechou. O pânico lhe sobreveio em uma nova onda e teve certeza que morreria a qualquer momento.

— Eu te aconselho a ficar caladinha… — ele ainda a segurava com força por trás. — Não se preocupe, eu prometi que não te machucaria e vou manter minha palavra. Você vai sentir uma certa dificuldade para respirar porque nesse exato momento… — ele murmurava as palavras ao pé do seu ouvido. — …Cada vaso em seu corpo está sendo comprimido, logo seus órgãos vão funcionar com menos 37% da capacidade e por fim, ficará bem difícil de controlar os movimentos do seu corpo… — ele foi andando para frente a forçando a fazer o mesmo.

Britta sentiu seu pescoço ficar duro, a impedindo de se movimentar, ela chorava, mas não conseguia emitir qualquer som, sentia seu pulmão arder e o ar parecia cada vez mais escasso lhe dando uma sensação de sufocamento e afogamento ao mesmo tempo. Kevin ativou o interruptor iluminando o local.

Sua visão demorou a se acostumar, mas a primeira coisa que viu foi a porta por onde entrou. Kevin ainda abraçava seu corpo inteiramente provavelmente porque se a soltasse ela cairia no chão. Ele deu passos para trás, a arrastando consigo como quem carrega um manequim.

— Bom que se manteve em forma… — ele murmurou respirando com um pouco de dificuldade. — Trabalho braçal nunca foi meu forte… 

Ela prestou atenção ao seu redor. Era uma sala pequena, comum, com paredes acinzentadas. O pesadelo começou quando ele a fez virar. Do outro lado da sala, presa verticalmente em um suporte metálico, havia o cadáver de uma mulher, com tiras atravessando e prendendo seu corpo apodrecido. Britta não tinha visto coisa mais assustadora em toda sua vida.

Claramente nos primeiros estágios de decomposição, a pele da mulher negra era de um roxo acinzentado escuro como se sua carne tivesse sido torrada. Mas duas coisas a assustaram ainda mais. Primeiro, seu rosto estava inteiramente remendado com partes de diferentes pessoas, testa, olhos, nariz, bochechas, lábios, cada parte tinha uma cor levemente diferente. Segundo, para o completo horror de Britta, o mosaico do seu rosto era uma versão macabra dela mesma. 

Incapaz de fazer algum movimento ou expressar seu medo, Britta só pode olhar e esperar que algo menos pior acontecesse consigo. Enquanto seu peito subia e descia com mais rapidez por conta da respiração mais acelerada, as lágrimas desciam em seu rosto e Kevin prendia seu corpo em um suporte vertical igual ao do cadáver. 

Britta percebeu que Kevin falava alguma coisa enquanto a posicionava bem de frente a mulher do outro lado da sala, mas sua voz estava abafada. Eventualmente conseguiu ouvir com mais clareza.

—...De início eu passei por sessões de terapia, ele me fazia falar sobre meus sentimentos… — era palpável o nojo no tom de sua voz. — Você sabe como sempre preferi a praticidade, o silêncio e lá estava Doutor Strange cavando cada vez mais fundo.

Enquanto Kevin tagarelava energeticamente andando de um lado a outro, a cabeça de Britta girava ansiosamente, seu coração se mantinha acelerado e ela ainda ofegava em busca de ar. O choro preso escapava por seus lábios pálidos e paralisados em um chiado rouco, o resquício de sua voz. 

— Depois, fui obrigado a passar por sessões de hipnose, foi o pior de tudo, eu odiava aquela merda! — sua voz saiu grotescamente mais grave, assustando Britta que não pode se mover, lhe restava derramar as lágrimas. — Eu acordava em lugares que não lembrava de ter ido…então vieram as verdadeiras torturas…terapias de choque.

Ele parou subitamente para se aproximar e encará-la maniacamente, o olhar cheio de ódio. 

— Você sabe o que é sentir o cheiro da própria pele queimando? Às vezes eram horas e mais horas…Oh! — exclamou sorridente e alternou o olhar entre Britta e o cadáver. — Eu não a apresentei, né? Não se preocupe, ela é só uma criminosa instável. A Bárbara…Não, Alice! Bem, a Bárbara, Alice, Taylor… — explicou casualmente focando nela novamente. — Você sabe que é esse o tipo de gente que vem pro Arkham, huh? 

Britta desejou ter pensando melhor nesse fato antes de ter sequer saído de seu apartamento. Se lembrou de Gordon e sua oferta de um policial lhe acompanhar. Se arrependia amargamente de seu orgulho.

— Eu senti sua falta — o olhar maníaco de Kevin lhe fazia pressentir que o pior estava por vir. — Algo em cada uma delas me lembrava você, uma tinha seu nariz, outra sua boca, outra seus cabelos…então resolvi colocá-las todas aqui, ao meu alcance, organizadinhas…Bem não fui eu quem fez a costura, não tenho os dedos mais delicados! — balançou os dedos longos em frente ao rosto dela animadamente.

Britta o viu sumir e voltar com uma cadeira metálica onde se sentou bem a sua frente, a uma distância boa o suficiente para ela enxergá-lo sem precisar baixar o pescoço, já que isso não seria possível. O cadáver bem atrás dele. Ela preferiu fechar os olhos pois se via toda vez que olhava o corpo desfigurado.

— Gosto de você assim, caladinha, sem perguntas… — Havia uma malícia em seu olhar. — Essa é a Lena que eu conheço. Mas eu sei que deve estar se perguntando porque eu precisava de você aqui…Bem! — era óbvio seu entusiasmo. — Eu considero você uma grande parte da minha vida. Você foi o incentivo para eu me libertar naquele dia, sabia? Minha musa inspiradora…— sua voz desceu alguns oitavos e as próximas palavras soaram ameaçadoras — Eu puxei as flechas, mas você…Foi por você, Lena. 

Ouvir pela boca do próprio Kevin a confirmação que havia sido por causa dela que ele matou todos aqueles jovens fez reacender a culpa que reprimia todos aqueles anos. Por mais que nunca tenha sido a sua intenção, ela sabia que se não tivesse listando o nome de todos, dificilmente teriam um fim tão trágico. Era sua culpa, ela sabia e naquele momento, ela pagaria pelo que fez. Aquela altura Britta só esperava pela morte.

— Depois de anos de muito trabalho aqui, eu vou poder…Ir além. — Britta não viu, mas o olhar maníaco do moreno às vezes se perdia no ar. — E você aqui, presente no meu último dia no asilo, no marco do meu trunfo? É como fechar um ciclo, sabe? Mesmo o Palhaço não cumprindo com a parte dele, você apareceu! 

Ouvindo aquilo, Britta tentou abrir os olhos, mas foi necessário algum esforço, por conta da droga em seu sistema, foi como tentar abrir os olhos durante um pesadelo. De que trato ele estava falando? Como o Coringa estaria envolvido naquele pesadelo?

— Engraçado… — ele riu consigo mesmo se levantando. — Estou cumprindo um dos meus maiores sonhos e sabe no que estou pensando? O que será que Vera falaria quando nos visse juntos, dois adultos bem sucedidos, um belo reencontro entre irmãos! Elas não iriam acreditar! — riu alto.

Foi como se Brita tivesse expressado alguma confusão em seu rosto paralisado, pois Kevin se aproximou bem do seu corpo e sorriu com um olhar cruel sobre ela, claramente aproveitando o sofrimento da moça. 

— Sim! ‘’Elas’’ — Britta o viu aproximar a mão do seu rosto, mas sentiu apenas uma sensação de formigamento por conta da parestesia por todo seu corpo. — Você não a conheceu né…Eu poderia te falar sobre ela…Mas algumas coisas levam tempo, sabe? — falou num falso ânimo sem nenhuma expressão no rosto e olhou a hora no seu relógio. — Pena que não terá esse tempo porque já é hora.

Por mais que o quisesse longe de si, no momento em que Kevin se afastou fazendo menção de ir embora, Britta se viu em um novo nível de pânico. O que quer que fosse acontecer consigo, aconteceria ali naquele momento. Ela sabia. 

Elas??...

As últimas palavras de Kevin despertaram ainda mais sua vontade de viver, a vontade de descobrir de quem ele estava falando. Enquanto o viu clicar em algo em seu celular, Britta se perguntava se ele estava falando de sua mãe biológica. De repente ouviu um barulho, um som distante.

— Acho que não está ouvindo muito nitidamente ainda mas, são fogos de artifícios para celebrar o início de uma grande jornada para mim e para Gotham… — se aproximou e a beijou na testa. — Eu não conseguiria sem você…Obrigada — e sumiu de vista. 

Tudo o que Britta conseguia ver agora era o terrível cadáver da mulher desconhecida. Com muito medo, desamparada, abandonada, quase completamente paralisada num nível subterrâneo de um asilo praticamente abandonado, Britta só conseguiu chorar. 

Ali sozinha, no silêncio, sentiu o seu terrível destino lhe encurralar. As lágrimas caiam aos montes dos seus olhos a deixando com a visão embaçada. Através do embaçado dos seus olhos, o cadáver à sua frente se tornou apenas um borrão marrom que, por paranoia e pânico, Britta tinha a sensação que retornaria a vida como um tipo de zumbi.

Após alguns segundos os bombardeios distantes nos outros prédios do complexo do asilo se tornaram mais e mais nítidos ao seus ouvidos e Britta conseguia respirar melhor, o que a fez sentir o odor do cômodo novamente. Independente de qual fosse a droga que Kevin lhe deu, a dosagem foi o suficiente apenas para que ele conseguisse lhe prender no suporte vertical, visto que ela conseguia sentir a sua pele, sobretudo nos braços e pernas onde as faixas estavam bem apertadas. 

Enquanto seu corpo voltava a funcionar, Britta tentava pensar em uma forma de se soltar do suporte e fugir daquela sala. Estava claro que Kevin a prendeu ali para morrer soterrada. Uma explosão do prédio em que estava poderia acontecer a qualquer momento, talvez quando convenientemente ele não estivesse mais nas dependências do lugar.

Lembrou que seu celular estava no chão, mas ainda não conseguia mover o pescoço muito bem. Pensou em pedir ajuda, mas que bem isso lhe faria? Já estava claro que Kevin mandava em tudo por ali e se tivesse alguém por perto, provavelmente esse alguém trabalhava para ele. Quantos desses ele tinha à sua disposição? De repente se salvar parecia cada vez mais impossível e recuperar o controle de seu corpo não mais parecia grande vantagem.

— Pensa, pensa… — murmurou sozinha e se viu encarando o cadáver. — Oh Kevin, o que você fez? — lamentou.

Em meio a crise de tosse por conta da garganta seca, se lembrou do menininho pálido brincando na sala enquanto ela assistia algum desenho animado. Sentiu que cairia no choro novamente a qualquer momento. Britta não conseguia ter raiva de Kevin. Por mais cruel e perigoso que Kevin havia se tornado, ela o considerava uma vítima de sua própria mente doentia, sobretudo depois do que o tal Strange fez com ele.

Um baque do seu lado esquerdo a fez se assustar. Quando olhou para o lado não pôde acreditar em quem viu entrar pela porta.

— Você… — a voz falhou no momento que viu a tesoura de jardineiro nas mãos do outro. 

Coringa pareceu não se importar e Britta foi tomada por uma onda de pavor quando o viu se apressar em sua direção e se agachar na sua frente. Completamente em pânico, ela não conseguiu falar. Moveu os olhos para baixo e quando viu a cabeleira esverdeada não conteve o choro. O grito de desespero engasgou na garganta quando de repente ela sentiu os pés ficarem livres. 

— Consegue se mexer? — Britta o ouviu perguntar agora cortando a faixa na altura das panturrilhas.

Ela não respondeu, estava surpresa de ver o Palhaço te livrando de sua prisão em vez de lhe ferir. 

Por que? 

Sua mente a fazia questionar as motivações daquele ato, mas não conseguiu pensar em muita coisa naqueles segundos visto que, impaciente, Coringa repetiu a pergunta.

— Eu…Eu não sei… — a voz saiu num sussurro, a boca seca e a sensação de bolo na garganta tornavam difícil falar.

Ele continuou calado como se não tivesse escutado. Outro bombardeio muito mais perto fez o cômodo estremecer e o corpo de Britta tremeu junto. Quando abriu os olhos no segundo seguinte, Coringa já estava de pé removendo a última faixa que prendia apenas sua cintura e braços.

— Coloca os braços nos meus ombros. 

A pintura em seu rosto era a mesma porém desgastada, o suor escorrendo em seu rosto e a respiração ofegante denunciava que o criminoso enfrentou um tipo de maratona para estar ali. O tom claro de sua pele se mesclava ao branco. 

Distraída pelas suas observações do rosto à sua frente, Britta tombou para frente tendo a queda amortecida pelo corpo do próprio criminoso que não se moveu com o impacto. Resmungando palavras incoerentes ele a pegou no colo bruscamente e lhe encarou irritado.

— Os. Braços — repetiu impaciente. — Ombros. — Sinalizou com a cabeça para seus próprios ombros.

Assustada com uma nova explosão, Britta obedeceu apoiando os braços nos ombros largos e o abraçou ainda mais forte quando ele começou a andar com pressa para fora da sala de horror. 

O balançar enquanto era carregada e a ciência de que ainda corria o perigo de ser atingida por uma das explosões não impediu seu corpo de ser tomado pela exaustão. Os olhos pesaram, Britta descansou a cabeça em seu braço direito apoiado sobre o ombro do Palhaço quando sentiu a testa encostar na nuca dele e acabou por abrir os olhos, agora bem alerta. 

Ele está tão perto…

A sensação de tê-lo tão próximo era boa. Se sentia segura ainda que não tivesse certeza da motivação por trás do ato heroico. Coringa agora subia uma escada com pressa e Britta escutava sua respiração levemente ofegante.

Tão perto…

Seus olhos, agora pesadamente cerrados, estavam fixos na pele branca da nuca do seu salvador, inconscientemente foi aproximando ainda mais sua cabeça e sentindo o cheiro dele. Não era um perfume ou colônia, mas um cheiro natural de pele e suor. Não sabia se por causa do odor mórbido que sentiu momentos atrás, mas aquele foi um dos aromas mais confortáveis que sentiu. Estava tão inebriada em seu cheiro que não percebeu quando ele parou de se mover bruscamente.  

— Consegue andar? — sentiu a vibração da voz grave. 

— Não sei… — respondeu sonolenta e confortável como se estivesse encolhida em um edredom em um dia de chuva.

— Coloque ela no chão — a voz grave metalizada porém rouca a fez abrir os olhos imediatamente. 

Parado à frente dos dois, Batman tinha um olhar feroz sobre Coringa. Naquele exato momento Britta se alertou de uma forma que nenhuma outra explosão foi capaz de fazer. Estava ciente da impressão que estava passando. Como explicar? Ela sentia que precisava explicar.

— É o que tô tentando…

— Agora — Batman o interrompeu. 

Resmungando, Coringa a soltou de súbito como uma criança rabugenta. Britta, que ainda tinha os braços em seus ombros, pousou no chão de mal jeito, tombou pro lado e caiu pesadamente no chão ao lado direito do Palhaço. Com certo efeito da droga pelo corpo, sentiu o impacto do tombo, mas sem dor. 

O olhar de decepção do Batman sobre si a fez se sentir ofendida. Ele não fazia ideia do que tinha acabado de acontecer e não achava que ele tinha direito de julgá-la. Se encararam por alguns segundos até o Batman encarar o Coringa novamente e avançar sobre ele como um raio.

Batman rapidamente golpeou o rosto do Palhaço com o punho direito e Britta não viu o próximo golpe porque se arrastou rapidamente para o canto do hall da escada se afastando da briga. Enquanto se sentava, ouviu Batman grunhir alguma coisa para Coringa que gargalhou alto apenas para ser jogado contra a parede no outro lado. Tudo o que Britta via agora era a imponente capa negra e a parte de trás da cabeça do Homem Morcego. 

— Eu não sei, já disse… 

Batman não perdeu tempo voltando a massacrar o Palhaço em movimentos brutalmente assertivos e rápidos ignorando completamente as explosões que aconteciam do lado de fora. Agora de pé e se apoiando pela parede, Britta sentia seu coração apertar ao presenciar tamanha violência que, surpreendentemente, se tornava mais brutal a cada segundo visto que em meio aos urros e gemidos de dor, Coringa não controlava as gargalhadas o que pareciam ser combustível para o Cavaleiro de Gotham. 

— Por favor, pare! — a morena clamou e foi prontamente atendida.

— Sim, por favor, pare… — debochado, o Coringa tentou rir, sem sucesso já que o Batman lhe enforcou a garganta com uma mão para lhe segurar contra a parede.

Irritado pela piadinha, com um rápido movimento do pé direito, o Cavaleiro fez o Palhaço escorregar e cair debilmente no chão ao mesmo tempo que girou o corpo pisando em seu estômago com o pé esquerdo, o som da capa abafou a reclamação do Palhaço. Britta pode ver a tinta completamente borrada no rosto do Coringa onde recebeu a maioria dos golpes, havia vermelho por toda parte o que dificultava discernir o que era pintura dos lábios e o que era sangue. 

Depois de tensos segundos em silêncio, Batman lançou um olhar intenso de desgosto e desaprovação para Britta, que ainda olhava chocada para o estado do Palhaço. Para Bruce a forma como ela parecia tão confortável nos braços daquele verme e agora sua aparente preocupação com o criminoso, era demais.

— Kevin…Kevin fez isso… — enquanto Britta explicava, Coringa aproveitou para recuperar o fôlego sob o pé do Batman que lhe apertava o externo. — Ele me prendeu lá embaixo e iniciou a detonação dos explosivos… — nesse momento Batman moveu lentamente o pescoço para baixo encarando o Coringa acusativamente, mas voltou a olhá-la. — …A essa hora ele já fugiu daqui, ou não porque ele ainda não detonou os explosivos desse prédio. 

Enquanto sustentava o olhar do Batman, Britta torcia para que seus argumentos convencessem o herói a parar de perder tempo descendo a porrada no palhaço. Mas ele não moveu um músculo, mesmo quando uma bomba explodiu próximo fazendo o andar tremer. Britta se segurou ainda mais nas paredes e o encarou de volta apontando para o Coringa que se debatia como uma barata tentando empurrar o pé de cima de si. 

— Se quer questioná-lo, é só prendê-lo…

— Por que você se importa? 

— Não me importo. Mas eu ainda não consigo andar propriamente e sinto que é mais seguro sair daqui com você, o Kevin ainda pode estar por aí… — lembrou-se da aberração na sala andares abaixo. 

— O irmão dela a drog…

Impedindo que Coringa continuasse, Batman subiu o pé e pisou novamente com força no mesmo lugar fazendo o criminoso gemer de dor e soltar um silvo com a falta de ar ocasional. 

— Calado. 


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