Sempiterno escrita por beaclep


Capítulo 1
Noite fria


Notas iniciais do capítulo

Faz um tempo desde que eu comecei a pensar em escrever essa história, amo esses dois e espero que gostem de ler também ♥3



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Suguru-

 

Sempre que o sol se põe, um novo peso é tirado dos meus ombros. Observo o tom de laranja se tornar arroxeado e descer escorrendo entre as nuvens, hoje foi um dia escuro e úmido. O vento sopra com vontade, rodopia e entra pelas mangas da minha jaqueta. Suspiro sentindo aquela sensação familiar de conforto. É solitário sentar-se em uma rua vazia, ainda mais segunda-feira. Mas de alguma forma isso me tranquiliza.

Meus sapatos são velhos e estão sujos, então evito olhar para eles. Ao invés disso foco a atenção no fim da rua onde duas crianças acabaram de descer da varanda para brincar. Há uma garota loira e um garoto um pouco maior que ela, os dois se distanciam da casa serpenteando as latas vermelhas de lixo. Tiro o cabelo do rosto passando os dedos entre alguns nós. Sempre gostei de observar pessoas, há uma certa arte na maneira com que se movem.

Passo uns bons minutos perdido nas pernas nervosas dos dois, até que alguém grita de dentro de casa e o menino puxa a "irmã" sumindo atrás da porta. Solto o ar girando o pescoço, uma dor chata atravessa meus músculos. Está ficando mais escuro, ao ponto de cada vez que eu pisco, algo em meu campo de visão é consumido pelas trevas. A rua vai começar a ficar perigosa.

 Me levanto arranhando as roupas para colocá-las no lugar. Tenho que ir para casa. A constatação bate em mim com força, derrubando meu ânimo. Vagarosamente, giro meus pés, cansado até de fugir da realidade. É melhor assim, digo a mim mesmo. Um movimento na esquina captura minha atenção, vejo um par de pernas virar e seguir na direção onde estou. Caminho ignorando a presença do estranho, o poste da rua não chega a ilumina-lo o suficiente. Ponho as mãos nos bolsos da calça e baixo a cabeça me aproximando da casa onde as crianças entraram, porém um barulho metálico me faz parar de supetão.

 Olho para frente distinguindo apenas silhuetas. O sujeito também para, meus olhos se acostumam e posso ver seu pescoço virado na mesma direção que o meu. Foi um estrondo alto o suficiente para que que a adrenalina circule pelo meu corpo. O homem então vira em minha direção, não consigo saber se olha para mim ou não pois não enxergo seu rosto, mas como a luz o favorece, ele provavelmente pode ver o meu.

 Algo se remexe na grama atrás de uma cerca e eu dou um passo para trás. Um gato corre em alvoroço pela calçada. Ele deve ter pulado do primeiro andar e caído em uma das latas de lixo fazendo aquele barulho. Sinto vontade de rir. O desconhecido parece ter chegado a mesma conclusão pois volta a caminhar na direção contraria. Decido fazer o mesmo ao sentir o uivo do vento arrepiar minha nuca, me alarmando de onde deveria estar. A lua brilha fraca acima de mim me fazendo erguer o queixo.

 O frio da cidade começa a envolver meus passos a medida que ultrapasso a Missdy, loja de doces de minha mãe. É uma rua depois da que eu estava sentado, que é uma rua antes do meu terror. Não posso deixar de fechar os punhos contendo a ansiedade e a angustia que me causa olhar esse lugar, que mesmo fechado e possuído pela magia noturna consegue ser horrível. A fachada está apagada e a parte de dentro escurecida, minha cabeça grita que ela deve continuar assim. O que me arranca desses pensamentos é o calor de uma mão no meu ombro.

 —Com licença... —Ouço uma voz e por reflexo empurro o braço rispidamente, ele dá um passo para trás e meus olhos se fixam nos seus. É o homem daquela rua. Posso vê-lo perfeitamente agora, sob a luz branca do letreiro do hotel a sua esquerda. Seus olhos são de um azul profundo e elétrico, duas esferas grandes que me fitam confusas. —Desculpa, fui muito invasivo. —Ele se afasta um pouco mais, com uma expressão envergonhada. Tento me recompor girando totalmente o corpo para trás, uma luz forte bate no lado direito do meu rosto e reflete os traços do homem detalhadamente. Seu cabelo é nevado, quase transparente.

 —Meu nome é Satoru. —Sua voz é melodiosa. —Perdão por te assustar, não pretendia chegar assim... Enfim... —Seu maxilar bate e ele me oferece um sorriso nervoso. —Por acaso você é comprometido?

 Seguro na garganta todos os grunhidos possíveis. Até os mais profundos e menos humanos. Ele fez mesmo essa pergunta? Me custa acreditar. O que eu respondo? Não deveria dizer a verdade. Ele pode estar planejando me sequestrar, quem aborda um estranho assim...

 —Não. —Digo a verdade. —Porque? —Comemoro internamente o quanto minha voz sai firme, mesmo que esteja com a respiração presa. Satoru me analisa com as sobrancelhas brancas levantadas, surpreso pela resposta. Honestamente eu também.

 —Eu... Qual seu nome? Era o que devia ter perguntado primeiro. —Ele sorri bem grande agora. Seus dentes só não se perdem na cor da pele porque seus lábios rosados o contornam. Me sinto pequeno.

 —Suguru. —Um carro passa buzinando na avenida. Olho em volta me dando conta de que estamos literalmente no meio da rua. — Então, é... Eu tenho que ir. —Não consigo encontrar nada melhor para dizer.

 —Ah claro, mas antes... —Ele inclina a cabeça um pouco, deixando uma mecha de cabelo escorrer pelo rosto. —Me daria seu número, Suguru? —Faço uma careta, ele tem uma expressão suave como se estivesse fazendo algo costumeiro.

  —Você não é nada sutil.

 —Perdão, faz parte de mim. —Eu sorrio bem pequeno. É um cara lindo, do tipo que ultrapassa qualquer pretensão pessoal que eu mantenha, fica difícil manter o fôlego. —O que me diz?

 —Eu não deveria. —Seus globos oceânicos passeiam pela expressão séria que faço questão de manter e descem pelo meu tronco. Então uma onda de derrota se instala em seu semblante. Impulsivamente, enfio a mão no bolso procurando meu celular.

—Pode me dar o seu.  —Sua mão agarra o aparelho que eu ofereço e sem perder tempo salva o contato. Ele me devolve com um sorriso doce que já percebo ser uma marca, além do brilho natural nos olhos. —Talvez eu te mande mensagem.

 —Se não mandar, saiba que não terei muito tempo de vida. —Nós dois rimos. Não sei o que deu em mim, talvez esteja mesmo muito carente para gostar dessa situação.

   As luzes do hotel piscam rapidamente e se apagam, levando embora a boa visão que eu tinha e me deixando apenas com o poste. Eu o analiso um pouco mais. O corpo esguio coberto por roupas pesadas e caras, ele é um pouco mais alto, usa um colar fino que se revela por baixo da camisa de vez enquanto. Bem arrumado, sapatos polidos que deixam os meus envergonhados. Chego a conclusão de que me deixei levar pela aparência, como sempre. De repente, me dou conta de algo.

—Como sabia que eu...

—Não sabia. —Me corta.

—Então tem sorte de não ter ferido meu orgulho, imagina se eu fosse do tipo agressivo. —Lanço para ele o olhar mais irônico que consigo.

—Realmente, fui imprudente. —Suas mãos pálidas puxam o casaco vermelho para mais junto do corpo, está esfriando rápido. —Mas você é tão bonito que valeu o risco. —Eu fecho a boca absorvendo o elogio. É impossível sustentar seu olhar sem sentir vontade de me enterrar, seu tom foi tão calmo e sincero.

  —Obrigado, bom é melhor eu ir. —Dou um passo para o lado sentindo meus tornozelos queimando de ansiedade. —Foi um prazer, Satoru. —Sorrio. —Talvez eu entre em contato...

  —O prazer foi todo meu, Suguru. —Ele diz me oferecendo a mão para apertar. O calor de sua palma causa um arrepio contra a minha pele gelada. —Estarei esperando. —Sua voz baixa um pouco e eu tenho que suportar a onda de tensão que me atravessa.

  O relógio na parede marca duas horas. O vento sopra pelas frestas da janela quebrada e me lembra da promessa que fim de concerta-la anos atrás. Pego o celular e digito coisas aleatórias no bloco de notas, é o que eu faço quando estou entediado. Então, algo me vem a cabeça. Entro nos contatos e procuro pelo nome dele. Não contenho a risada que me sobe pela garganta.

  "Satoru, o desconhecido lindo que vc tá morrendo de vontade de conhecer", foi assim que ele salvou seu número uma semana atrás. No mínimo autoconfiante. Passo os dedos pela tela nervosamente. Poderia tentar... Com certeza me tiraria do tédio. Abro o teclado e digito uma mine apresentação, já que eu não tenho foto no perfil. Aperto em enviar quase desesperadamente antes que a coragem se esvaia.

  —Ah merda. —Olho novamente para as horas. Eu realmente mandei isso as duas da madrugada?


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Notas finais do capítulo




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