Eu sempre pensei que fosse morrer antes de completar 20 anos, mas agora estou aqui com os meus 32 anos, pronto para enfrentar novos desafios.

Zoro chegou em casa com um bolo e uma vela. Depois de cantar os parabéns, ele pediu para que eu fizesse um desejo quando a pequena chama se apagasse e o apartamento entrasse num breu absoluto se não fossem a luz da lua e a da cidade vindas da janela.

— Por que achava que fosse morrer antes dos 20? — Perguntou Zoro, depois de dizê-lo essa curiosidade irônica na minha vida. Nós estávamos na sala do nosso apartamento, Zoro deitava no divã e bebia cerveja, já eu fumava escorado no batente da sacada. Havíamos ligado o projetor idiota que um amigo pilhado nos deu; luzes coloridas se projetavam e circulavam sobre nossas peles e roupas para "animar" o clima quase morto de dois caras que passaram o dia trabalhando exaustivamente. Certo momento, Zoro praguejou por meu aniversário ter caído numa terça-feira, ele queria poder beber mais — mas só estava de charme, porque sei que ele não sentiria ressaca mesmo se extravasasse além da conta.

— Talvez eu pensasse que 20 anos fosse muita idade. — Eu respondi rindo, segurando o cigarro entre os dedos. Zoro também riu.

— É engraçado isso né, quando somos jovens achamos qualquer idade muita coisa.

— Sim, imagina eu voltar no tempo e falar pra aquele Sanji de antes, que sua fisionomia só começou a mudar um pouco a partir dos 27 e que assiste Digimon todas as noites antes de dormir.

Zoro virava a garrafa de cerveja e não conseguiu conter uma risada ao ouvir "Digimon" na minha fala, acabou se engasgando e depois de pigarrear disse: — Sempre me pergunto se você começou a ver Digimon pra, sei lá, voltar ao tempo de antigamente, não tem?

— Você está insinuando uma espécie de crise de meia idade? — Perguntei e ele riu meneando a cabeça. — Até queria... mas como, marimo? Eu não vi Digimon quando era criança ou adolescente.

— Então, você é estranho. — Constatou e rimos. — Mas se você pudesse voltar no tempo, mudaria alguma coisa?

Eu estreitei o olhar, porque comecei a pensar e resolvi parar de fumar por enquanto. Fechei a porta da sacada e me sentei próximo ao divã em que Zoro estava deitado. Ficamos quietos por uns segundos, talvez ele esperasse minha resposta, mas eu só fiquei hipnotizado com as luzes do projetor dançando no seu rosto tão bonito. Talvez eu não devesse ter chegado tão perto, porque poderia ficar excitado e fazer com que aquela conversa terminasse em sexo.

— Não, senão qualquer passo falso feito por mim poderia fazer com que não te conhecesse.

Zoro piscou os olhos e eu entendia a sua surpresa, não tinha o costume de ser carinhoso como devia com ele, às vezes pensava que o marimo merecia alguém muito melhor do que eu.

— Mesmo tendo essa vida de agora?

Revirei os olhos. — Não vejo problema na nossa vida e nós dois trabalhamos duro, ninguém é encostado em ninguém. Estamos construindo o nosso futuro aos poucos.

Zoro soltou um suspiro e resolveu se sentar, deixando a garrafa vazia do meu lado e colocando as mãos nos joelhos. Ele pensava em algo e eu fazia ideia do que era. — Não é a mesma coisa... eu e você, sabe? Você é muito talentoso-

— "E merece mais que o mundo"? É isso que quer me dizer? — Ele sempre soltava essa frase quando tínhamos esse tipo de assunto. — Fique sabendo que não quero o mundo, só um marimo é o suficiente pra mim.

Ele deu um sorriso com o bico que eu fiz e esticou as pernas. — Por que não escutamos um disco?

— Acho bom, essas luzes não estão sendo o suficiente pra animar a festa. — Comentei, rindo.

— Sério? — Zoro escolhia um disco na nossa estante, correndo o dedo até que parasse em um. — Elas ficam bonitas refletidas no seu rosto.

 Eu ri, porque havia pensado a mesma coisa sobre ele... nessas horas, não tinha dúvidas de que fomos feitos um para o outro.

— Tá bom The Freewheelin'?

— Sim.

Zoro colocou a agulha no disco e se sentou ao meu lado no chão. — Eu não sabia que nunca havia visto Digimon... dai eu pensava que você queria voltar a um tempo em que tudo era mais fácil quando via um episódio, não tem? E nesse tempo eu não estava ainda na sua vida.

Eu peguei sua mão e a apertei firme. —  Nunca estive mais feliz do que estou agora. Trabalhar atrás do meu sonho, ter meu próprio dinheiro, não precisar fumar mais escondido — Zoro riu com essa. —, ter um apartamento e ainda namorar um rapaz muito bonito — Lancei um olhar presunçoso e terminamos dando uma risadinha de constrangimento. — Mas o mais importante é eu poder ser eu mesmo.

Havia contado a Zoro que meu pai não me "aceitou" muito bem na época que confessei ser gay.

— Por que voltaria, marimo?

Zoro parou de me encarar e eu não pude mais ver as luzes dançando em seu rosto. — Pra mim também não foi fácil.

— Sim, você perdeu uma amiga importante...

— E por mais que minha família aceitasse, ainda assim sofri preconceito de quem era de fora. Mas agora tá tudo tão bem, é claro que ficamos exaustos como agora: estamos em plena terça-feira e já queremos que chegue sexta! Mesmo assim é a melhor fase da minha vida e eu fico com medo de tudo acabar porque você saiu por aquela porta e nunca mais voltou...

— Se eu sair por aquela porta e nunca mais voltar, te digo que não acabou. Qual é, você tem 32 anos, sua vida só está começando! Ou tá achando que não vem nada depois como pensava com 18 e achava que tudo iria acabar nos 20?

Zoro riu. — Tem razão. — Ele se levantou. — Vou pegar mais bebida, tá a fim de beber um-

Ele nem completou sua frase porque o puxei pelo braço até que pudesse alcançar os seus lábios para lhe dar um beijo furtivo e gostoso. — Mas, só pra deixar claro, eu nunca vou te deixar.

Zoro estava deitado no chão numa posição ruim para que ficasse em meus braços, ele corou com que eu disse. — Não foi uma má ideia Luffy ter dado essas luzes idiotas. — Aposto que ele também ficava hipnotizado e por isso voltou a me beijar.