A Garota Que Ficou Para Trás - EM HIATUS (JULHO) escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 6
Capítulo V - Eu toco nele


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♥



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Ponto de vista de Hazel Laverne.

Me remexo na cama, levemente atordoada pela luz da manhã que invade o quarto através da janela. Ao me mexer, sinto braços me apertando de leve, como se quisessem evitar que eu saísse de onde estou. Abro os olhos e me lembro da noite passada.

Sam está me abraçando por trás, sua boca na minha nuca. Suas pernas atrás das minhas, me envolvendo por completo.

Começo a entrar em um debate na minha cabeça, as emoções todas confusas e misturadas.

Me lembro de quase implorar a ele que me beija-se. E mais.

Uma vergonha me cobre por completo, mas ao mesmo tempo, o frio na barriga por estar assim tão pertinho dele me consome.

—Hm...- Ele resmunga baixinho - Que horas são?

O-ou. Ele acordou. Não queria tê-lo acordado.

—Quem liga...- Resmungo com a voz firme, fingindo que não estou morrendo de vergonha dele- É sábado.

Ele me abraça mais, enfiando o rosto no meu ombro, como se ele se encolhesse, passando um de seus braços por debaixo do meu pescoço, me abraçando com a mão depositada no meu ombro.

—Você dormiu bem? Como está o seu pulso? - Sam Winchester tem a voz muito rouca ao acordar. Isso mexe comigo.

Mas o que não mexe, não é mesmo?

—Estou bem. - Minto. Meu pulso ainda lateja muito. Ele se ajeita na cama, quase se sentando e dá uma olhada na atadura, que ainda está firme.

—Preciso arranjar uns analgésicos para você. Tenho alguns em casa, vão ajudar com a dor. - Eu me sento na cama e o encaro.

—Não está doendo tanto assim. A atadura ajudou muito, e Sam...não é como se eu não estivesse acostumada. – Digo a ele porque é verdade. Já lidei sozinha com hematomas muito, muito piores. Se ele visse as minhas costas...

O olhar de Sam se torna sombrio.

—Mas eu não estou. Nem nunca vou me acostumar. Você não vai permitir que eu te leve ao hospital, não é? - Balanço a cabeça em negativa - Me deixe cuidar de você, então. Eu vou para casa, vou pegar os analgésicos e vou te entregar em cerca de uma hora e meia.

— Nossa, que precisão. O que tem em uma hora e meia? - Um sorriso vai crescendo devagar no rosto dele.

— Em uma hora e meia você vai saber. Me encontra na biblioteca municipal, tá bem? O único motivo pelo qual eu não te levo é para que ninguém da vizinhança veja a gente saindo daqui juntos. Temos que tomar cuidado com tudo isso. Seu pai não está na cidade, mas vai saber quem ele deixou de olho em você.

Faço que não com a cabeça:

— Meu pai não tem amigos em Lawrence. – Constato. Sam se levanta e calça seus sapatos e seu casaco.

— Isso é o que ele quer que você pense. E todo cuidado é pouco. Não se atrase, El. - Ele se apoia no batente da janela, e eu me levanto e o encaro, os braços cruzados e o corpo encolhido pela lufada de ar que invade o recinto.

— El? - Questiono. Ele aquiesce, como se fosse óbvio.

— Haz...El. É a parte mais doce do seu nome. E algo me diz que nunca te chamaram assim, porque seu nome é curto e as pessoas são preguiçosas.

— Você tem razão. Nunca me chamaram assim. – Acabo sorrindo para ele. 

— Então, até breve, El. E não se preocupe! Eu não vou ser visto... - Ele dá uma piscadela e desaparece pela janela, sorrateiramente.

Quando ele se vai, me deito na cama ainda quente, onde ele estava a alguns segundos atrás. Fico olhando o teto tentando entender tudo o que aconteceu. Nunca me senti tão vulnerável em toda a minha vida, porque nunca deixei que chegassem no meu coração.

Quando você assiste de camarote o que o amor pode fazer na vida de alguém, como eu fui expectadora do "amor" dos meus pais, você não pensa nele de maneira positiva.

Eu nunca pude confiar em ninguém. Não devia mesmo, se fosse prudente.

E aí...ele aconteceu. Ele se deslizou por meus muros sem que eu visse e acabou bem aqui, na minha cama. Retiro as luvas porque estou sozinha e segura, e passo os dedos pela minha boca.

Intocada. E então passo os dedos por partes de mim onde ele me tocou, me traçando como um mapa: Primeiro pelo ombro, depois pela cintura, e quase posso sentir uma corrente de eletricidade deixada pelo seu toque. Isso é o tamanho do controle que ele exerce fisicamente sobre mim.

Onde eu estou com a cabeça? Seja lá o que for que está começando aqui, é perigoso demais. Não só pelo meu pai, mas porque...quem vai catar os meus pedacinhos se ele me machucar? Meu coração é maior que os ossos que o protegem, mamãe sempre disse naquela música.

Eu vou acabar com isso antes que seja tarde. Certo? É só não aparecer em biblioteca nenhuma em uma hora e meia. É só nunca mais falar com ele.

XXX

Estou pronta para encontrá-lo. Meu corpo faz tudo o que a minha mente falou para que não fizesse.

"Não vá, Hazel" enquanto eu penteava o cabelo e escovava os dentes. "Vai dormir que passa e você nem sente" enquanto eu me vestia e observava as folhas de outono voando violentamente lá fora. 

"Pare!" Quando fui caminhando até a biblioteca, um passo após o outro. O meu pulso lateja e arde, como um lembrete dos riscos que estou correndo.

Eu perdi o juízo.

Eu perdi a cabeça.

E devo estar prestes a perder muito mais se deixar isso continuar.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Quando cheguei no meu quarto, encostei as costas na parede e fiquei imóvel por um tempo.

Tive que controlar o impulso de pegar uma arma e sair atrás do maldito Harvey e acabar com tudo. Queria fazê-lo pagar caro por ser um monstro. Tudo o que consigo pensar é no pulso dela, na dor que está sentindo...

"Não é como se eu não estivesse acostumada " ouvi ela dizer. Aquilo fez o meu sangue ferver e o meu coração, se quebrar.

Quantas vezes ele a machucou? Quantas vezes ela precisou dormir sozinha depois de passar por algo terrível nas mãos de quem deveria lhe proteger? E aquelas seringas no banheiro...

— Sammy? - A voz de Dean me desperta do meu devaneio. Dou um leve sobressalto e o encaro, os olhos verdes muito preocupados comigo - Você...o que aconteceu?

Dou de ombros e franzo o cenho, tentando disfarçar meu estado transtornado.

—Como assim? Nada. Não aconteceu nada. - Ele, que antes se apoiava no batente da porta, entra no meu quarto e se senta na minha cama perfeitamente arrumada.

— Então por que você está chorando? - Um vinco se forma em minha testa, e eu esfrego o rosto, confuso. Minhas mãos se molham e só então eu percebo que estava realmente chorando, sem nem perceber de tão absorto que estava em meus pensamentos. Dean continua me encarando e após pigarrear, continua - Você pulou a janela ontem à noite. E posso jurar que vi você se esgueirando ali na residência da frente. Quer elaborar?

— Não tem o que elaborar... - Faço uma negativa com a cabeça, e abro o meu guarda-roupa, como se estivesse procurando alguma coisa só para não ter que encarar o meu irmão mais velho.

Dean suspira fundo, e se levanta, ficando ao meu lado.

— Eu estava lá, sabia? No tribunal. E posso jurar que ouvi o pai dela gritando com você, sendo bem claro para que você ficasse longe dela.  Ou você já se esqueceu o tamanho do problema judicial envolvendo o acidente?

— Não sei por qual motivo você está me dizendo essas coisas... - Tento me fazer de louco. É claro que sei porque está me dizendo tudo isso. Dean fecha meu armário para que eu o encare.

— Sammy, você está se metendo com gente perigosa. Aquele cara...aquele cara não bate bem da cabeça. - Dean está muito sério.

—E você acha que eu não sei? - Me viro para ele, irritado.

—É por isso que estava chorando? Aquele idiota encostou a mão em você? - Dean percorre os olhos por mim, mas eu dou um passo para trás.

—Não. Não em mim. - Dou ênfase nisso. Vejo seus olhos expressivos entendendo o que eu quis dizer, então ele esfrega as têmporas e dá um suspiro.

—Sammy, eu sei que você quer ajudar a garota. E eu sei que...tendo em vista todo o tipo de confusão que você já se enfiou por causa dela, você se importa com ela. Mas...pensa direito. Isso não vai acabar bem! – Sei que ele está dizendo todas essas coisas porque se importa comigo. Mas não vai adiantar de nada, e eu sei que ele sabe disso tão bem quanto eu.

—Você confia em mim? – Pergunto a ele, colocando a mão sobre o seu ombro e lhe encarando seriamente – Confia que sei o que estou fazendo?

—Não! – Ele responde rápido demais – Você é só um adolescente, é claro que não sabe o que está fazendo! Mas...não adianta. Eu não vou te impedir, mas ouça bem, Sammy: Eu vou estar de olho em você. No menor sinal de perigo eu acabo com essa palhaçada de romeu e julieta do século XX, ok? – Dou uma risadinha.

—Fico surpreso por você citar uma referência literária. Fico tocado, sério...- Ele fica meio confuso e coça a cabeça.

—Tem livro disso, é? Eu só vi o filme que tem o Dicaprio no elenco...Mas o que conta é que você entendeu. E, Sammy...gosta tanto assim dela? – Olho para baixo, porque não sei admitir nem para mim mesmo o que estou sentindo. Não consigo decifrar em palavras, eu só consigo sentir. E é tudo tão novo...ele nota o meu silêncio e sacode a cabeça de um lado para o outro, me deixando sozinho.

XXX

Estou com uma cartela de analgésicos dentro da jaqueta preta, vagando pelo corredor de ficção da biblioteca. O frio começa a apertar nessa época do ano, o outono se esgueirando por todo o Kansas. E então eu a vejo...

Está com uma blusa de manga longa que é transparente e preta e por baixo há uma regata na mesma cor, jeans apertados e os cabelos muito longos e com um laço preto de seda segurando algumas das mechas castanhas. Me encosto na prateleira, observando-a se mover para dentro da biblioteca, claramente sem saber por onde me procurar. Está tão linda, que dói fisicamente. Na verdade, está tão, tão linda que faz com que eu queira jogar todos os meus princípios pelos ares e beijá-la bem aqui, no corredor. Não, melhor, beijá-la naquela mesa de mogno ali...

Sacudo a minha cabeça e afasto esses pensamentos. Aceno para ela, que já se distraiu com alguns jornais em exposição na mesa da bibliotecária. Quando me vê, seu rosto fica vermelho e ela anda até mim timidamente.

—Você lê jornal, é? - Provoco ela, tentando quebrar o gelo. Ela coça a nuca e fica vermelha.

—Eu adoro a sessão de crimes e acontecimentos bizarros...é quase como ler um thriller, se você parar para pensar. - Assinto, e chego mais perto dela.

—É, faz sentido. Bom...mudando de assunto, me diga uma coisa, Hazel...- Começo a dizer após molhar os lábios, encarando seus olhos – Onde acha que eu te vi pela primeira vez?

Ela fica pensativa por um momento, e então parece se lembrar de algo.

—No refeitório da escola. Eu...eu pelo menos te vi pela primeira vez ali, me encarando enquanto eu fazia anotações... – Ela provoca, mas faço que não com a cabeça.

—Está enganada, foi nesse corredor aqui. Estava chovendo e trovejando – Começo a andar pelo corredor, passando as mãos nos livros – E eu estava bem ali, na sessão de astronomia. – Aponto para o outro corredor, e depois me viro para ela novamente – E você estava com um livro maior do que seus braços podiam suportar. E eu fiquei intrigado, porque até parecia que o mundo ia cair com a chuva e você não estava dando a mínima. E eu decidi que precisava saber o nome do livro, então me aproximei...e adivinha? Você não deu a mínima. De novo.

—E você conseguiu? Descobrir o nome do livro? – Ela fala isso sem me encarar, está nervosa.

Está tensa.

—Não, nunca descobri. Será que você pode me ajudar? – Peço a ela, que me olha e então começa a passar as mãos pela prateleira, até que encontra o livro.

—Crime e castigo. Ficção policial, mas é mais que isso...também é filosofia. É difícil explicar...- Pego o livro enorme em mãos, surpreso.

—Então esse é o livro culpado por não me permitir que eu te conhecesse naquele dia...agora posso descansar em paz! – Devolvo o livro na estante, e torno a encará-la – Por isso queria me encontrar com você aqui, para você perceber que quero te conhecer há muito tempo. Mas, ei...tem algo mais que eu estou morrendo para te perguntar...

Ponto de vista de Hazel Laverne.

—Pode perguntar, eu acho...- Troco de peso, de um pé para o outro. Estou tão nervosa.

Quando olho para ele, tudo o que consigo pensar é em como eu disse para ele na noite passada:

“E por que você não me beija?”

E tenho vontade de sair correndo.

Ele se aproxima de mim, e usa o seu olhar preocupado enquanto fala:

— Quero saber como você está se sentindo...em relação a ontem à noite – Ótimo. Agora eu estou definitivamente sem jeito algum. Não faço ideia de como elaborar para ele como estou me sentindo.

—Eu...não sei o que deu em mim. Eu não quero que você pense que eu sou uma...sei lá. Eu estava realmente...

Mas a minha voz morre.

—Tem nome, sabe? Para o que você sentiu... - Ele me provoca, com um sorriso doce.

—Eu sei. Mas eu não vou dizer - Ele sorri mais ainda, divertindo-se com a minha falta de jeito.

—Começa com T....- Ele provoca. Se ele soubesse como é injusto ele fazer isso enquanto usa essa jaqueta de couro...

—Eu sei - Censuro ele com o olhar, meu rosto ardendo - Eu era a única?

Ele sacode a cabeça devagar, colocando o olhar na minha boca.

—Não. Você não faz ideia de como foi difícil. Você quase me matou de tesão ontem à noite, Laverne... - Meu rosto queima. Ele sabia que eu ficaria mais sem jeito ainda ao dizer isso, sei disso pois vejo seu sorriso crescer ao conseguir esse efeito sobre mim - Mas eu sabia que ia ser melhor assim, que era a coisa certa a se fazer. E sobre a paranoia que deve estar na sua cabeça agora...não acho nada, ok? Não pensei nada de você, não se preocupe. Você queria, e eu queria. Não há pecado em querer as coisas, sabe? Não faz de você...seja lá o que você tem medo de ser. – É tão difícil me expressar para ele, então o fato de ele simplesmente parecer adivinhar o que eu sinto e penso, ajuda muito.

—Sam, eu não sei. Você mexe comigo. Eu não...eu não sou assim...eu nunca dormi com ninguém... e eu nunca sequer...deixa para lá. E ontem eu parecia...- Começo a falar rápido demais, e ele sorri para mim de um jeito terno.

—Ei...se acalma. Respira, ok? - Ele coloca uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, fazendo o meu corpo inteiro se arrepiar com o seu toque gentil - Foi...foi intenso. Foi novo para mim também. Mexeu comigo também. Eu também nunca havia dormido com ninguém, antes de ontem. Isso para mim...isso é muito íntimo para mim, Hazel. Você não faz ideia do quanto, para falar a verdade...- Seus olhos se tornaram sombrios por um momento, como se ele se lembrasse de algo, mas logo ele pareceu afastar seus pensamentos e tornou a me olhar no fundo dos olhos com preocupação – Eu só quero ter certeza de que você se sentiu bem, com tudo. Não quero que fique desconfortável comigo por termos compartilhado uma noite juntos... – Concordo com a cabeça, um pouco mais tranquila por saber que ele não teve a impressão errada de mim - Agora que está tudo esclarecido, vamos. Tenho que te mostrar qual o melhor café da cidade...- Ele segura a minha mão e eu faço uma careta, e ele fica confuso por um momento – O que? Vai me dizer que você não gosta de café?

—Antes que você jogue três pedras em mim, como todo mundo gosta de fazer com não-bebedores-de-café, não tenho culpa. O gosto simplesmente não faz sentido para mim. – Ele fica perplexo e coloca a mão no coração, de forma dramática, a outra mão ainda segurando a minha.

—Acho que essa doeu. Mas ei, todo mundo tem que ter defeitos, não é? Até mesmo uma garota bonita como você...- Tento ignorar o meu rosto queimando, e sorrio olhando para o chão enquanto o acompanho.

—Eu tenho uma porção de defeitos, Winchester...

—E eu não vejo a hora de descobrir cada um deles, Laverne. – Ele me diz, quando deixamos a biblioteca.

XXX

Decidimos andar pelo parque preservado de Lawrence, onde não há um grande fluxo de pessoas que poderiam nos conhecer, mesmo que só de vista. Desistimos da ideia de ir até o café, mas ele me fez tomar um daqueles analgésicos antes de qualquer coisa. Por um tempo, só andamos de mãos dadas enquanto observamos os pinheiros ao nosso redor, o lugar parece mais vazio que de costume hoje. 

Fico tão nervosa com cada pequeno contato físico que acontece entre nós...e mesmo assim, me sinto segura quando ele segura a minha mão. Não entendo como posso sentir tantas coisas ao mesmo tempo. Não tenho controle de nada.

É assustador perder o controle. Então, porque é tão gostoso que ele pareça estar no controle de tudo? Como um oceano revolto onde eu sou apenas um barquinho a deriva. 

É considerado masoquismo gostar da sensação de se afogar em alguém?

—Eu quero voltar a jogar o jogo das perguntas, El. Se você não se importar. – O encaro, e dou um suspiro demorado, saindo dos meus devaneios.

—Com as mesmas regras? – Ele balança a cabeça em negativa.

—Não. Não quero que você possa pular nenhuma pergunta, nem eu – Ele percebe a minha cara de negação e segura o meu rosto com suas mãos – Espera, deixa eu explicar. Você se lembra do que eu te disse ontem? Eu preciso te conhecer por completo. E você precisa me conhecer por inteiro também, precisa ver o quão perturbado eu realmente sou. É a minha última esperança de colocar juízo na sua cabeça. – Ele se coloca na minha frente, as duas mãos nos bolsos.

—Ah, é. Aquele seu papo de “fazer com que eu desista disso e se for louca o suficiente aí você vai...” – Fingindo que paro por um momento tentando me lembrar a ordem das palavras. Eu sei tudo de cor e salteado, mas quero ter o prazer de ouvir de novo – Como é que você disse mesmo?

Ele dá aquele sorriso de lado e diz:

—Daí sim eu vou te beijar e te fazer minha se você assim quiser. Acho que foi isso que eu disse, nessa ordem. – Um fio elétrico parece percorrer todo o meu corpo, mas tento não demonstrar. Já basta o fato de que ele parece saber exatamente o que faz comigo – Não se preocupe. Não vou perguntar a você sobre as luvas. Sei que é um tópico sensível – Ele acrescenta, com cuidado. Isso me desarma um pouco e ele percebe. Então continua – E só tem uma pergunta que você não pode me fazer...

Sei exatamente o que ele vai me proibir de perguntar.

— Não quer que eu te pergunte sobre como foi que você me salvou aquele dia, não é? – Ele assente. Fico decepcionada, isso estava no meu top dez de perguntas mais importantes de se fazer para ele. Mas vou me contentar, por enquanto – De resto...vale tudo?

Vale tudo. – Ele diz, se sentando na beirada de uma fonte cheia de ladrilhos e peixinhos. Me sento de frente para ele – E você começa. Você tem a vantagem de três perguntas iniciais e seguidas, Laverne. Porque eu sei que você sente que está em desvantagem com as informações que eu tenho sobre você – Concordo com a cabeça. É exatamente como me sinto. Conhecimento é poder, e quanto mais alguém sabe de você...bom. É auto explicativo, não é? Mais poder sobre você ela tem.

—E você realmente está. – Afirmo – Já que eu começo...então vamos lá. Você tem problemas com o seu pai? – Pronuncio toda a pergunta de maneira baixa, como se tivesse medo da reação dele. Mas foi ele mesmo quem disse que valia tudo...espero enquanto ele parece ponderar essa questão por um momento.

Parece machucá-lo, pensar nisso.

— Sim. Eu tenho problemas sérios com John Winchester. Ele nunca está em casa e eu não poderia ser mais diferente dele do que já sou. Não o odeio...- Ele se apressa a dizer, e pigarreia antes de continuar – Não nos damos muito bem, acho que isso resume.

—E qual a sua relação com o seu irmão? – Ele sorri, olhando para os peixinhos.

—Eu admiro Dean por tudo o que ele é e faz por mim. Acho que é provavelmente o meu melhor amigo, embora eu o ache insuportável as vezes. – Sorrio ao ouvir isso. Sempre quis ter um irmão ou uma irmã, alguém para dividir o fardo.

Na verdade, esse vazio parece ficar grande demais as vezes. Quase como se eu tivesse tido um irmão e ele tivesse sido tirado de mim. As vezes sonho com ele. Não faz sentido, eu sei. Mas eu não me lembro muito da minha infância, é tudo um borrão. Então sinto que minha mente inventa coisas as vezes, só para compensar.

—E por qual motivo você acha que não é bom para mim? – Ele torna a me encarar. Seu olhar fica muito sério.

—Porque tenho horrores no meu passado. E no meu presente também. E eu juro que queria muito te explicar em detalhes, mas sei que se eu fizer isso vou te enfiar em algo que, vai por mim, você não quer participar. E porque eu nunca sei quando...uma dessas coisas ruins vai acontecer e virar tudo de ponta cabeça. E acima de tudo... – Ele acrescenta, roçando os dedos nos meus – Porque eu morro de medo de te machucar. Ou de algo machucar você.

—Algo? – Fico levemente confusa e assustada. Ele fala como se sua família tivesse um segredo obscuro demais para a minha compreensão. Quero entender tudo isso, desesperadamente, mas não vou pressioná-lo.

Eu sei que não vai adiantar nada pressionar ele.

Algo. – Ele diz, com amargor – É por isso. Você correria perigo ao ficar comigo, não só pelos motivos óbvios. E mesmo assim... não consigo ser altruísta o suficiente para me afastar de você. Viu? Sou egoísta. Não sou bom para você.

—Sua vez... – Digo, ainda pensativa com tudo que acabo de ouvir.

—Qual a sua banda favorita? – Ergo as sobrancelhas. Não achei que ele fosse me perguntar algo tão leve.

Mazzy Star. Adoro o som letárgico e sonhador deles – Concluo, sem tirar os olhos dos dele e resolvo perguntar algo trivial também, só para variar – Qual o seu filme preferido?

Um corpo que cai, de 1958. – Fico surpresa porque adoro cinema, mas não demonstro para que isso não lhe suba a cabeça – Você já se apaixonou alguma vez, Hazel?

Ele olha dos meus olhos para a minha boca, lentamente. Me sinto queimando por completo.

—Nunca deixei acontecer. – Digo a ele – E você?

—Nunca tinha me acontecido antes. – Ele ajeita sua postura. Não sei se ele quis dizer o que acho que ele quis dizer, mas é inevitável não ficar mexida com isso. Ele fica visivelmente tímido de repente e se apressa a perguntar, querendo tirar o foco disso – Com quem foi o seu primeiro beijo?

Ah. Ele tinha que querer saber? Não queria parecer tão inocente aos seus olhos.

Mas fazer o quê. Fico meio desconcertada, e ele percebe.

—Eu não...eu nunca beijei ninguém. – Ele fica confuso a princípio, depois surpreso.

—Sério? – Ele interrompe o jogo por um momento – Nunca deixou acontecer?

—Não, nunca deixei acontecer...- Ele parece tentar disfarçar uma felicidade, mas falha miseravelmente com o seu sorriso – Que foi? - Questiono, muito sem jeito por sua reação.

—Não queria que alguém tivesse te beijado, e agora que sei que ninguém tocou em você desse jeito eu fiquei feliz...eu te disse, eu sou egoísta...- Ele fica pensativo, e fica mais pertinho de mim – E por falar nisso, eu queria muito te beijar agora...muito mesmo.

—Mas não vai. – Digo, olhando para a boca dele instintivamente – Não é?

Ele chega mais perto, com um olhar obstinado e passa as mãos pelos meus cabelos. Sua testa se encosta na minha, sua boca a centímetros da minha. Uma sensação me percorre o corpo inteiro, a partir do abdômen. Mal consigo respirar, o coração socando o meu peito, e acho que até sinto a minha boca secar.

—Não olhe para a minha boca desse jeito, Hazel Laverne... – Embora seja uma ordem, seu tom é suplicante – Há um limite para o meu controle. E você está pisando nesse limite quando olha para a minha boca desse jeito. E você disse que ia deixar eu fazer todas aquelas coisas naquela ordem, certo? E as perguntas só estão começando...

—Eu sei. Mas não é só o seu controle que tem limite... – Acrescento, ainda torcendo para que ele jogue essa ideia toda para o alto e me beije muito, aqui e agora. Sam respira muito fundo e me olha nos olhos antes de afastar o rosto do meu com uma aparente dificuldade.

—É sua vez de perguntar, El. – Tenho vontade de estapear o rosto dele por me provocar da maneira que está provocando. Mas vou jogar o jogo dele.

Até porque...não é como se eu tivesse escolha.

—Com o que o seu pai trabalha? – Questiono, especulativa. Ele engole em seco, parece desconcertado de repente.

—Ele é mecânico. Por isso ele viaja muito, caçando peças de carros raros por aí... – Não consigo explicar, mas assim como ele, meu corpo também consegue ler o dele. E nesse exato momento, ele está mentindo para mim.

—Não vale mentir no jogo! – Digo, surpreendendo-o. Ele suspira, desconfortável.

—Como é que você sabe? – Dou de ombros.

—Do mesmo jeito que você parece saber sobre mim. Eu só...sei. E então, não vale mentir... – Ele respira fundo, nervoso. Vejo suas mãos inquietas, seu corpo todo fica inquieto.

—Ele caça – Seus olhos ficam sombrios – Ele é um caçador.

O analiso, e dessa vez, é verdade. Sinto que há informações de fora, mas deixo passar.

—Como foi a sua infância? – Ele usa uma voz cautelosa ao me perguntar isso.

Fico em silêncio por um tempo, tentando achar uma resposta digna. A verdade é que a maior parte das minhas lembranças foram apagadas...acho que o meu cérebro achou melhor assim.

—Eu não lembro quase nada do Bronx, que é onde nasci. Mas me lembro muito da Califórnia...o sol, o ambiente arenoso de onde a gente morava...e depois tenho muitas lembranças de sair pelo país, quando meus pais faziam parte de festivais menores, por estarem falindo – Contar isso para ele é quase como ver um filme na minha cabeça, um filme incompleto que só vem em flashes. Ele ouve atentamente – Meus pais já eram viciados e problemáticos quando eu nasci, mas meu pai era...ele era melhor. Ele até cantava para mim, sabia? Quando as coisas ficaram feias, aí eles entraram para a “família universal. Lá...lá tudo virou de ponta cabeça. Havia uma promessa nessa organização, de recuperação "financeira e espiritual". Um monte de mentiras...e então o George White...

Minha voz quebra de repente. Uma sensação de vazio me invade por dentro como se tudo ficasse árido e seco no meu interior...como se eu fosse preenchida por areia, e Sam tenta me levar para longe dessas lembranças:

—Você quer dar uma volta? – Ele me olha preocupado. Mas eu faço que não com a cabeça, embora esteja hiperventilando.

—Não, está tudo bem, sério. A verdade é que eu fico transtornada porque, quando chega nessa parte, eu travo. Fica tudo escuro – Me levanto, e começo a ficar irritada comigo mesma – Eu não consigo lembrar. Eu só sei que é mau, Sam. Muito mau mesmo. Eu não lembro de nada com precisão. Eu só sei que, depois de lá...George White destruiu os meus pais. E aí...eles me destruíram.

Sam Winchester se levanta, e me puxa para o peito dele. Suas mãos acariciam o meu rosto, e as minhas costas.

Seu abraço me traz de volta para a superfície. 

—Fica calma...você está bem longe desse...homem. E nunca mais vai vê-lo na vida – Ele fala isso baixinho, e fecho os olhos esperando que ele esteja certo.

Vou me acalmando aos poucos, meu corpo vai parando de formigar. Eu não sei por que isso aconteceu. Me desvencilho dele aos poucos, e então eu peço:

—Me conta da sua infância? Me sinto em desvantagem de novo...- Ele assente, o olhar triste.

—Como eu te disse outro dia, minha mãe morreu quando eu tinha seis meses...e eu não me lembro de absolutamente nada sobre ela, é claro. E nem o meu pai nem o Dean falam sobre ela. Tudo o que tenho é uma foto muito gasta, e é só. Embora essa casa aqui em Lawrence seja nossa, a maior parte da minha vida foi dentro daquele Impala. Meu pai e o meu irmão caçando, pelo país. As poucas partes boas eu devo ao Dean... – Seu olhar ferido vai se recuperando aos poucos conforme ele acaba de falar. Um pequeno silêncio acontece, e eu resolvo voltar a me sentar na fonte. Retiro uma de minhas luvas para tocar a água, faço círculos nela, isso ajuda. O frio da água ajuda.

O frio sempre me desperta, e eu aprecio estar desperta.

—Você acredita em algo? – Sam me pergunta de repente, cortado o silêncio, ainda em pé.

Dou de ombros, ainda fazendo círculos com os dedos na água.

—Não sei. Eu acredito que existam coisas...que eu não compreendo. Mas se quer saber se acredito em um deus ou coisa do tipo, acho que não. E você? – Olho para ele, e ele sorri.

—Eu? Ah...eu acredito em tudo. – Seu olhar fica longe por um momento.

—Tudo? Como assim tudo? – Fico intrigada.

—Tudinho. Tudo que há. – Ele responde, como se fosse óbvio.

—Até em lobisomem, é? – O provoco.

Ele começa a rir como se eu tivesse dito algo muito engraçado.

—Vem, Hazel. Quero dar uma volta com você... – Ele fala isso sem me responder. Rolo os olhos, porque ele prefere agir todo enigmático. Ele estica a mão para me ajudar a levantar, e tudo o que se segue é rápido demais.

Por impulso, me esqueço que a mão que estava na água está, obviamente, nua. E é essa a mão que segura a dele.

E quando eu me dou conta, é tarde demais. Tudo fica escuro.


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Notas finais do capítulo

Comentem por favorzinho, ok? Não há outro jeito de saber a opinião de vocês, não é mesmo?

Carry on, Hunters XOXO



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