A Garota Que Ficou Para Trás - EM HIATUS (JULHO) escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 5
Capítulo IV - Eu prometo que não vou beijá-la essa noite


Notas iniciais do capítulo

Alerta de gatilho - Violência.



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Ponto de vista de Hazel Laverne.

Dirigimos em silêncio por um tempo, até que eu não aguento mais:

—Pai, eu juro que posso explicar... – Vejo as mãos dele se enrijecendo no volante, e então ele coloca um cigarro na boca e faz um sinal para que eu pegue o isqueiro para ele. O faço, proporcionando o fogo para que ele acenda seu estúpido cigarro e fico o encarando – Pai?

—Você nunca se pareceu em nada comigo. Em nada, sabia? – Ele fala isso, parando o carro na estrada perto dos pinheiros, a mesma estrada que ontem foi tão agradável ao lado de Sam, hoje me parece assustadora.

—Você não está fazendo sentido nenhum. – É a única coisa que a minha boca consegue formular. Ele dá uma risadinha carregada de escárnio, amargura. Ele traga o seu Marlboro e tira os olhos dos pinheiros, me encarando com os olhos cheios de neblina.

—Você se acha melhor do que eu, melhor do que todo mundo. Você me olha com desprezo, e aí fica de detenção. E pior, não me conta! – Ele segura o cigarro e bate com a mão no volante – Você não é melhor do que ninguém, sabia? Caralho...você e sua mãe tem essa merda de atitude...

—Pai, o que você fez com...- Tento perguntar novamente, trêmula. Mas ele bate de novo no volante e eu fico quieta.

—Será que dá para você parar de agir como uma santinha por um momento? Se você se importasse tanto assim com a sua mãe não teria me desobedecido. O que você e o Winchester são um do outro, Hazel? Não minta para mim... – Não consigo dizer nada, porque ele ergueu a voz e, quando ele faz isso, eu fico muda. Incapaz de formular qualquer coisa. Ele se irrita comigo, com o meu silêncio estático e agarra o meu pulso com firmeza e começa a torcê-lo com toda a sua força.

Eu grito de dor, e ele me solta.

—Viu? Você é capaz de falar, tem voz aí na sua garganta. Desembucha, você e o Winchester...

—Nada, pai, nada! – Eu começo a gritar com lágrimas nos olhos de tanta dor, enquanto esfrego o pulso para tentar aliviar a dor.

—Não...grite...comigo. – Ele fala isso entredentes, e puxa o meu braço com agressividade, subindo a manga da minha blusa, seus dedos tão cravados em mim que minha pele começa a arder – Fale a verdade ou você vai ficar com uma grande queimadura nesse seu braço. É isso o que você quer? – Ele ergue as sobrancelhas para mim, e aproxima o cigarro aceso do meu braço. Eu começo a tremer, e meu corpo fica gelado.

—Ele é um amigo, pai! Um amigo. Por favor, me solta...- A minha voz começa a falhar, e o meu cérebro só consegue se concentrar no perigo, como se eu estivesse em pane.

Harvey Talbot me solta, e volta a tragar o seu cigarro, impaciente.

—Se eu souber, se eu sonhar que aquele moleque perturbado está se engraçando com você e que você está contando para ele um monte de absurdos...- Faço que não com a cabeça, desesperadamente.

—Não, eu prometo! Não tem nada acontecendo! – Harvey torna a me encarar, as lágrimas ainda me descem a face e isso parece irritá-lo ainda mais.

—Você não pensou nas consequências quando armou confusão e ficou de detenção, e agora você chora? O que aconteceu, afinal? Para você ficar de detenção? – Tento parar de chorar, tento engolir o choro, mas é muito difícil. Um bolo se forma na minha garganta, e com dificuldade eu tento explicar:

—Um idiota falou merda e eu o chutei para fazê-lo calar a boca. O Winchester...só quis ajudar. Fim da história. – Me endireito no assento e olho para frente, tentando me acalmar, esfregando o pulso com os dedos.

—Quando alguém falar alguma coisa para você, você fala para mim e eu resolvo, me ouviu? Eu sou o seu pai, eu é quem me importo com você. Esse Winchester...não gosto da forma como ele me encara. Não gosto da forma que ele olha para você. Eu falei para você ficar longe dele, e vou falar de novo. Vocês estudam na mesma merda de escola então não dá para evitar o contato por completo, mas se eu souber que você se engraçou com ele...

—Ele é só um amigo e vai continuar sendo só um amigo. – Reafirmo, nervosamente, o rosto repuxando pelas lágrimas secas e salgadas. O pulso pulsando de dor e inchando.

—Bom para você que isso seja verdade. Se não...eu te quebro, você me ouviu? Eu te quebro. — Com o olhar frio em mim, eu apenas assinto e abaixo a cabeça quando ele dá a partida no carro - E se não bastar, eu o coloco a sete palmos, entendeu?

Não respondo. Apenas confirmo com a cabeça, obedientemente.

XXX

Chegando em casa, eu vou direto para o quarto dos meus pais. Minha mãe está meio acordada, meio atordoada. A luz está apagada e está tudo bagunçado, como sempre. Me sento na beira da cama e chacoalho ela de leve.

—Mãe? Mãe? – Ela resmunga e tira os cabelos avermelhados do rosto, e se senta sorrindo e se espreguiçando.

—Que horas são? Já é de manhã? – Ela questiona, estralando as costas e cerrando os olhos para a pouca claridade que entra pela janela. Procuro em sua pele por qualquer sinal de agressão, mas não encontro nenhum hematoma, além dos antigos. Dou um suspiro de alívio.

—Já é quase noite, mãe. Você dormiu o dia todo? – Ela faz que sim, bocejando e se levantando indo em direção ao banheiro, para escovar os dentes.

—Eu compus a noite toda ontem! – Ela diz isso feliz, com um sorriso cansado no rosto – Eu sinto tanta vontade de voltar a me apresentar...- Seu olhar se perde por um momento, mas então ela chacoalha a cabeça e volta para o quarto – Mas a vida é como é, não é? De qualquer forma, eu precisava descansar. Seu pai e eu vamos a Sacramento rever uns amigos. E você, principessa? Como foi na escola?

—Foi tudo bem, mesmo. – Digo isso meio atordoada pela dor no meu pulso que parece piorar cada vez mais – Tenho muito dever de casa, então...vou nessa.

Caminho em direção a porta e atravesso o corredor. Estou aliviada por nada ter acontecido a ela, mas algo está me incomodando por dentro. Ele sempre a pune quando eu o desobedeço.

Quando chego no meu quarto, Harvey Talbot está fumando, sentado em minha cama. Meu coração acelera ao vê-lo ali.

Fico parada e sem reação por aproximadamente um minuto inteiro, enquanto ele me encara. Meu pulso está queimando e inchando a cada segundo que passa, e odeio a presença dele. Quase posso ouvir o meu coração se rasgando no meio, quando Harvey se levanta e dá um tapinha em meu ombro.

—Eu faço essas coisas porque eu te amo, ouviu? Eu te ensino as lições e as consequências. Espero que eu tenha deixado tudo bem claro... – Ele me diz, o cigarro pendendo dos seus lábios quando ele me deixa sozinha.

Me ajoelho no chão, mas não consigo chorar. E isso é muito pior, porque assim...assim a dor que estou sentindo não sangra para fora de mim. Fica presa no meu peito, me punindo.

Tento me apoiar no chão, mas sinto uma fisgada de dor muito intensa vinda do meu pulso, e mordo a manga da blusa para evitar um grito. Me sento e fico encostada na cama, olhando para o nada por alguns momentos. Não acho que eu seja capaz de lidar com a dor. E Harvey sabe disso. Sabe muito bem disso, já que a sua missão de vida parece se resumir a me odiar até os ossos e chamar isso de amor.

E isso tudo é culpa minha.

XXX

POV Sam Winchester.

Não consigo dormir. Fico rolando na cama de um lado para o outro. E então eu me levanto e encaro a janela de Hazel, procurando por qualquer sinal de perigo...mas sua casa permanece em silêncio. E embora isso devesse me acalmar...não acalma. Tem o efeito contrário.

Quando ela saiu de perto de mim daquele jeito, indo em direção ao carro com aquele maníaco esperando por ela e eu não pude fazer nada sobre isso, eu senti o meu corpo todo queimar. Uma sensação horrível me possuiu, imaginando o tipo de coisa que acontecia com ela nas mãos daquele cara. E a minha imaginação estava me deixando louco, porque se tinha alguém que sabia da capacidade humana para a crueldade, esse alguém era eu. E ninguém reage da maneira que ela reagiu hoje a não ser que algo sério esteja acontecendo. Droga! Eu sabia que ele era um idiota desde o dia do julgamento, mas eu não sabia o quão perturbado ele era de verdade, não antes. Mas ver uma garota se tremer inteira pela presença do pai me fez ter uma ideia mais clara do tipo de homem que Harvey Talbot é. Começo a roer as unhas, já passa de uma hora da manhã, e eu estou andando em círculos quando de repente vejo os pais de Hazel saindo com o carro. Me escondo atrás do parapeito para que não me vejam, e observo até que sumam no fim da rua.

Essa é a minha chance de descobrir se ela está bem.

Devo ter perdido completamente o juízo, porque coloco apenas um casaco por cima do pijama e calço o primeiro sapato que encontro no canto do meu quarto e me esgueiro para fora da janela, andando de maneira desajeitada pelo telhado enquanto torço para não acordar Dean.

Eu perdi a cabeça de vez. Estou ficando louco, não estou? Ela vai me achar um perturbado, mas eu não me importo. Enquanto eu não souber se ela está bem, não vou pregar os olhos. Me esgueiro pela rua rapidamente para que ninguém me veja, e por entre as vigas de eras que crescem na parede da sua residência, me vejo frente a janela dela. Começo a bater de leve no vidro, e meu coração começa a socar o meu peito. Suas cortinas estão fechadas, e eu não sei qual vai ser a reação dela quando me vir.

As cortinas se abrem, e quando ela coloca os olhos em mim eles se arregalam, e então ela olha para os lados e abre a janela, com o rosto meio em choque.

—Oi...- Começo, mas ela está uma pilha de nervos.

—Oi?! Oi! Você está ficando louco? Se....- Eu não consigo evitar um sorriso, porque em questão de segundos percorri meus olhos por todo o seu corpo a procura de algo errado, mas ela está aparentemente bem e meu sorriso parece fazer com que ela não consiga terminar a sua frase.

—Eu não consigo dormir. – Falo, me aproximando dela com cautela – Eu fiquei muito preocupado com você.

Ela abre a boca, o rosto ainda incrédulo virado para mim.

—Sam...você não pode se esgueirar pela rua e vir aqui, ok? Se o meu pai pega você fazendo isso...- Ela fica transtornada, mas eu me apresso a me explicar:

—Eu nunca mais vou fazer isso, sério! Eu sei que é inapropriado e eu não queria te assustar. Eu só fiquei pensando no que podia ter te acontecido, e eu não consegui esperar até amanhã. E além do mais...- Coço minha nuca, meio sem jeito – Eu só vim porque vi que seus pais saíram. Eles vão ficar fora por muito tempo?

Ela assente, de braços cruzados. Talvez ela não tenha noção, mas ela fica uma gracinha com esse shortinho curto e blusa de manga cumprida. Não que eu devia estar prestando atenção nisso, mas sinto minha boca secar por um momento.

É só um pensamento casual...claro. Que culpa eu tenho se ela é tão...linda.

—Foram rever uns...amigos. — Ela diz isso de maneira desconfortável. Parece não gostar desses “amigos” dos seus pais – Eles não moram na cidade, e eles demoram uns dias quando visitam eles assim.

As palavras parecem amargas em sua boca, mas eu não faço mais perguntas sobre isso.

—E como ele reagiu? Seu pai? Você parecia tão nervosa hoje mais cedo...- Ela dá de ombros e desvia o olhar de mim, encarando a janela.

—Bem. Ele só ficou um pouco bravo, qualquer pai ficaria...está tudo bem... – Percebo que ela está nervosa. Toda sua linguagem corporal me diz que está uma pilha de nervos.

Um pensamento sombrio passa pela minha cabeça.

Um pensamento que espero estar equivocado.

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Hazel. — Ele diz o meu nome, quase como um sussurro. Eu sei que ele sabe que estou escondendo algo. Mas preciso me manter firme – Olha para mim e me diz isso que acabou de dizer. Por favor?

 Começo a mordiscar a parte interna da minha boca, os braços ainda cruzados, o pulso estourando em dor. Encaro o chão, reunindo forças. Enquanto faço isso, Sam dá um passo à frente e ergue o meu rosto com sua mão, delicadamente. Seus olhos buscam algo nos meus, que lutam contra lágrimas. Ele sabe.

—Me diga o que acabou de dizer, diga que está tudo bem... – Ele não tira os olhos dos meus, e eu abro a boca para dizer, mas não consigo.

Simplesmente não sai.

—Hazel...o que ele fez? – Seus olhos estão encharcados em preocupação, suas sobrancelhas arqueadas para cima em uma expressão de dor. Seu olhar busca pela verdade nos meus olhos. Mas encarar ele assim... queima.

—Nada, ele não fez nada...- Eu começo a me virar de costas para ele, não consigo sustentar esses olhos. Simplesmente não consigo.

Quando me viro, ele tenta pegar no meu antebraço, para me impedir. Mesmo com o seu toque suave, seus dedos esbarram no meu pulso até então coberto pela blusa. Me contraio de dor involuntariamente e acabo soltando um gemido baixinho de dor.

—Eu te machuquei? – Ele fica confuso. Ele sabe que mal relou em mim, e eu tento arrumar alguma desculpa, mas não consigo pensar em nada. Seus olhos mudam de repente, antes, seu oceano estava confuso.

Agora, a realização do que realmente está acontecendo parece passar pelas suas ondas. Posso captar o exato momento em que ele começa a entender.

—Hazel...posso ver seu braço? Por favor? – Sua voz parece fraca. Ele parece desarmado.

—É um braço comum como qualquer braço por aí, não precisa ver. – Tento descontrair. Não adianta.

—Por favor, deixa eu tirar um pensamento da minha cabeça...- Ele se aproxima, e encosta a testa na minha.

Não sei o que fazer com essa proximidade. Meu corpo inteiro parece formigar, queimar.

De um jeito tão gostoso...

Ele sabia o que isso faria comigo. Eu me sinto uma perdedora, porque é óbvio que ele sabe exatamente o que causa em mim. Seja lá o que isso for, é forte e ele está no controle.

—Não. – Sussurro para ele. Sua respiração está muito perto da minha. Está se mesclando ao ponto de eu não conseguir diferenciar mais qual é a minha e qual é a dele. Ele se desencosta de mim, devagar, e eu quase choramingo para que não faça isso. Mas apenas fico parada, fingindo que ele não me baqueou por completo.

—Não faz isso comigo. – Suas palavras são honestas e suplicantes – Não me faz ficar imaginando o que aconteceu, sem resposta. Eu estou envolvido com isso tudo até o pescoço, sabe? Se ele fez alguma coisa, a culpa é minha. Eu devia ter te deixado em paz...mas eu não consegui. Eu acho que a gente é tão parecido e isso me apavora, porque toda vez que a gente se aproxima algo ruim acontece e eu não sei como parar isso, então, por favor...me deixa ver o que ele fez em você por minha causa...

—Não é sua culpa. – Me apresso a dizer – Não é sua culpa que ele seja assim. Você não entende...minha família não é normal, Sam.

Ele suspira, e coça a nuca.

—Se você apenas soubesse...- Seu olhar fica distante por um momento, encarando a sua casa do outro lado da rua, e então volta a me encarar – Eu garanto que sou capaz de entender.

—Mesmo que você seja capaz de entender, mesmo que a gente seja assim tão parecido, você não pode fazer nada, Sam. Me promete que não vai fazer nada! – Digo isso de forma séria. Ele cruza os braços e parece contrariado.

—Essa é a sua condição? Para me mostrar? – Faço que sim com a cabeça, impassível. Porque na realidade, não tem o que ele fazer. Ninguém pode me proteger do meu próprio pai. Seu peito sobe e desce após um suspiro contrariado, e ele faz que sim.

Estendo o braço para ele, desconfortável. Fico olhando para baixo, não sei se quero ver o seu olhar quando ele ver. Sinto sua respiração ficando pesada e rápida, quando ele segura o meu braço com delicadeza com uma mão e puxa a minha manga com a outra.

Continuo encarando o chão, sem me mexer. É como estar nua.

Não...é pior que estar nua.

Ele fica em silêncio por um tempo. Sinto, mesmo apenas por sua mão estar pousada levemente em minha pele, todo o seu corpo tensionado. Ele volta a cobrir o meu braço e me envolve com os seus braços, pousando a boca no meu ombro. Suas mãos acariciam minha cintura e então o meu torso, e sua respiração fica cada vez mais pesada. A princípio, fico tensa. Nunca fui abraçada assim por um garoto.

Mas então todo o meu corpo parece querer desabar, e afundo o rosto em seu peito, e o abraço de volta, mesmo que não com a mesma força que ele tem por estar com o pulso nesse estado.

Ele tem um cheiro cítrico e gostoso, e sua pele é quente em comparação com a minha.

E todo mínimo contato com sua pele faz com a minha o que tenho certeza que a morfina faz em uma corrente sanguínea.

Pela primeira vez em toda a minha vida, me sinto protegida. Mesmo que ele não possa me proteger de verdade, mesmo que ninguém possa.

Ele se desvencilha de mim, devagarzinho, e seu rosto está encarando o chão.

Parece afogado em culpa.

—Você tem algum kit de primeiros socorros por aqui? – Sua voz está quebrando, então ele pigarreia – Confia em mim se eu disser que sei fazer uma atadura que vai fazer você se recuperar mais rápido? – Seu olhar evita o meu.

—Tenho, no banheiro da minha mãe. Você sabe mesmo? – Ele faz que sim, a cabeça ainda baixa. Abro a porta e vou até o banheiro de Amélie Laverne, e ele vem logo atrás, ainda em silêncio. Quando começo a procurar pelo kit nas gavetas dela, percebo Sam olhando fixamente para algumas seringas usadas na pia. Ele sequer pisca, mas eu não falo nada. A essa altura, honestamente...não sei se isso importa. Quão mais cedo ele souber o quão fodida minha vida realmente é, melhor para ele decidir quando vai embora. Porque ele vai. Não há motivos para que fique.

Eu sei disso muito bem.

Voltamos ao meu quarto e eu me sento na cama, e ele se senta ao meu lado. Ele abre o kit e então me olha pela primeira vez desde que viu meu hematoma inchado.

—Vai doer um pouco, você tem analgésicos para dor? – Balanço a cabeça em negativa e ele suspira – Então amanhã a gente arruma, sem falta. Você não vai suportar desse jeito. Posso? – Ele me olha buscando permissão, e eu concedo.

Confio nele.

Ele sobe a manga da minha blusa com cuidado, e com a mesma cautela começa a fazer uma atadura no meu pulso, e eu mordo a manga da blusa do outro braço para não gritar de dor. Suas mãos começam a tremer, e abro os olhos e percebo que ele está nervoso por estar causando essa dor em mim. Sam respira fundo e parece buscar algo em sua mente para que suas mãos fiquem firmes novamente e aparentemente, funciona. Ele consegue fazer a atadura, firmando-a.

—Eu...eu preciso que você tire a luva dessa mão, preciso enfaixar até a curvatura do seu dedão, ou a atadura não vai ficar presa direito...- Seu olhar se torna especulativo. Ele sabe que eu tenho questões com isso, embora nunca tenha questionado. Eu me retraio.

—Pode me ensinar a fazer? Assim eu mesma faço...- Retiro levemente o braço de suas mãos. Ele fica contrariado, mas faz que sim, dando um sorriso fraco como se me dissesse que está tudo bem.

—Bom, você precisa cruzar a atadura assim, vê? – Ele faz o movimento na própria mão – E depois dá mais duas voltinhas. E depois preciso que prenda essa parte com o esparadrapo, ok? – Assinto. Eu sou o tipo de pessoa que aprende rápido.

Tiro minha luva, e vejo seu olhar pousando na pele da minha mão. Sam deve achar que eu escondo as mãos por ter algum tipo de cicatriz, tendo em vista o que acabou de constatar sobre o meu pai e eu. Mas ele não sabe, nem imagina, o que acontece quando a pele da minha mão toca alguém diretamente.

Ele não faz ideia. Ninguém faz.

Porque, como é que você conta para alguém que você tem super poderes bizarros? Que, quando você toca as pessoas com as mãos nuas, você tem visões do passado delas? E sente as emoções mais terríveis delas?

Não. Não dá para contar isso a ele. Nem a ninguém. Eu vou levar essa loucura para o túmulo e fim de história.

Termino de fazer a atadura, e recoloco minha luva. Um pequeno silêncio se estende por nós dois, e então eu resolvo tirar o band-aid, metaforicamente falando.

—Você não vai perguntar nada sobre isso? – Ergo minhas mãos no ar, me referindo ao meu hábito estranho de cobrir as mãos. Ele nega com a cabeça, e me olha compreensivo.

—Acho que se um dia você ficar confortável, você mesma vai me contar. Me resta respeitar, sabe...eu sei como é ter coisas em sua vida que você sente que não pode explicar. Coisas que prefere guardar consigo. Está tudo bem.

Fico surpresa com isso, e agradecida ao mesmo tempo. Assim não preciso inventar nenhuma mentira para contar a ele. Um pequeno silêncio se estende entre nós, até que eu o quebro:

—Obrigada...- Sussurro, olhando para o meu colo, sem saber muito o que dizer a partir de agora.

—Você não precisa me agradecer. Se não fosse por mim...- Ele sacode a cabeça contrariado, e seu olhar fica distante de repente. Vejo uma ira contida nele, mas ele se controla. Não sei...não sei explicar, mas existe algo em Sam....

Algo escuro, implorando para sair. E um dia ele vai explodir. Eu não sei como sei disso.

Não, eu sei sim. Sei por que sou igualzinha.

—Não adianta dizer a você para que não se culpe, não é? – Questiono – Não é sua culpa.

Ele se encosta no parapeito da janela, o olhar triste e distante.

—É sim. Mesmo que ele é quem tenha...feito isso...— Ele escolhe as palavras com cuidado. E isso é uma qualidade admirável que a maioria das pessoas não possui: Escolher as palavras com cuidado. Palavras são a coisa mais importante das relações humanas, e Sam parece entender isso – Se eu tivesse ficado longe de você, nada disso teria acontecido.

—E se não fosse por falar com você, seria por outra coisa. Você não entende, Sam? Meu pai nunca vai parar de achar motivos para me machucar. E isso nem é a ponta do iceberg...essa casa, essa minha vida...é tudo sem sentido e só vai passar quando eu sair daqui, mas não posso fazer isso no momento. Entende por que a vida acadêmica é tão importante para mim? É minha única chance de sair daqui um dia.

Ele assente, e eu logo me apresso a dizer:

—E desde o começo eu disse a você, não disse? Que não ia gostar do que ia encontrar...- Constato, querendo ficar pronta para que ele dê as costas a tudo isso e suma da minha vida.

Sam Winchester fica silencioso por um momento, e então vem até mim. Fica de frente para mim e me olha muito sério, enquanto segura o meu queixo com suas mãos:

—Eu odeio que se sinta como você se sente, mas não pense, nem por um momento, que isso é só o que eu enxergo quando olho para você. Desde aquele dia no tribunal, quando você foi tão corajosa diante de toda aquela gente...desde então eu soube que queria conhecer você. Eu soube, na verdade, desde a primeira vez que te vi, que precisava conhecer você. Eu não sei se acredita nessas coisas, Laverne, mas eu acredito que a gente tinha que se conhecer.

—Você é alguém que crê em destino? – Ele sorri de forma misteriosa.

—Eu sou alguém que crê. Ponto. Eu sou o oposto de um cético...eu acredito. Não sei explicar no que, exatamente. Mas tudo para mim tem significado e motivo. E se eu te disser que acho que sou boa companhia para você, estaria mentindo. Tem muita coisa sobre mim...coisas que eu não gosto. Esqueletos no armário, sabe como dizem? Mas eu não consigo não ser egoísta. Você me deixa intrigado demais para que eu seja altruísta e suma da sua vida.

—Depois de tudo o que você viu aqui...acha mesmo que tem algo  que possa me assustar? – Seu olhar se torna sombrio e longínquo.

—Sim. Eu acho que tem coisas aqui que te fariam ficar aterrorizada. – Tento entender se ele está falando sério ou se está brincando. Seus olhos frios me indicam seriedade.

Abro a boca para questioná-lo sobre isso, mas ele solta o meu rosto com calma e então dá as costas, abrindo a janela.

—Te vejo amanhã? – Ele se vira e me olha, dessa vez com os olhos gentis.

—Sam...você pode ficar? – Me encolho de vergonha por pedir isso. Mas a verdade é que não quero ficar sozinha nessa casa com os meus pensamentos com tudo o que aconteceu hoje. Ele parece surpreso, e também parece levemente nervoso.

—Ficar? Ficar do tipo...- Ele coça a cabeça e então a nuca, olhando da cama para mim e tentando entender minhas intenções.

—Ficar do tipo “dorme comigo?” – Ele fica surpreso com a quão direta eu sou. Nem eu entendo de onde veio toda essa coragem de repente.

—Eu fico. – Ele fala isso se aproximando de mim, se recompondo do nervosismo anterior.

Uma pena. Ele está sempre no controle, então foi divertido vê-lo perdendo a pose por um breve momento.

Ele tira os sapatos e o casaco, e então eu me apresso a dizer algo, antes que a gente se deite na cama:

—Sam? Eu preciso...você precisa, hm...por causa disso tudo, você entende que nada pode...nada nunca, jamais pode acontecer...né? O meu pai te mata. Ele é louco da cabeça, ele é perigoso...

Fico nervosa e tenho certeza de que a minha cara se tinge em escarlate por ter dito isso. Ele dá um sorriso de lado e se aproxima de mim, me segurando pela cintura com firmeza nas mãos. Seu rosto fica bem próximo do meu.

—Eu vou dizer isso da maneira mais doce que eu conseguir...eu não tenho um pingo de medo do seu pai. – Ele sussurra isso, sua mão acariciando a minha nuca e me deixando completamente entorpecida – Eu sei que tudo aponta contra...isso aqui— Ele olha para a minha boca, me deixando sem ar algum – Tudo mesmo. Mas não se preocupe, Hazel Laverne. Apesar te todos os nossos flertes óbvios, eu não vou beijar você hoje à noite.

Minha boca seca e todo o meu corpo estremece. Eu não sei o que deu na minha cabeça para insinuar que algo podia acontecer...mas o corpo dele falou comigo. Cada movimento seu desde que nos conhecemos...eu sei que ele sente essa intensidade, que eu prefiro não nomear como nada por enquanto, porque damos nomes as coisas que entendemos e eu não entendo issoE não fui eu que acabei de deixar claro que nada poderia acontecer? Por que é que agora eu vou querer argumentar?

—Não? – É tudo o que sai da minha boca. Ele sorri mais.

—Não. Eu não vou beijar você hoje. Por isso mesmo eu vou dormir no chão... – Ele vai se virando, mas eu o puxo de volta.

—Não faz isso não... – Minha voz sai como uma súplica, e ele respira fundo.

—Se eu dormir com você vai ficar difícil cumprir o que eu acabei de dizer, principalmente agora que eu sei que você também quer isso do mesmo jeito que eu quero. – Eu coro, mas não desvio o olhar do dele.

—Quem foi que te falou que eu quero? – Ele dá uma risada e passa as mãos no meu cabelo.

—Eu leio você e o seu corpo desde o momento que nos conhecemos. Eu te deixo fisicamente nervosa, lembra? Mas ei, não precisa ficar na defensiva. Você me deixa.... fisicamente nervoso também. E eu acabei de entregar que eu quero te beijar, então não sinta vergonha alguma em querer me beijar também. – Ele ergue as sobrancelhas. Acho que todo meu nervosismo está deixando isso tudo muito divertido para ele.

Fico de joelhos na cama, enquanto ele está em pé segurando o meu rosto. Não tiro os olhos dos olhos dele mesmo que isso queime.

—Então por que não me beija agora? – Ele fecha os olhos e parece debater a tentação. Ele até sorri com certa dor.

—Não vou te beijar essa noite porque é demais para mim, estando com essa cama aqui na minha frente, uma casa vazia e uma noite inteira pela frente. Não vou te beijar porque eu me conheço muito bem e seria uma tortura comigo mesmo te beijar com você estando nesse shortinho, linda do jeito que você está...e Hazel, me perdoe se eu estiver errado, mas a sua linguagem corporal deixou bem claro desde o começo que você está mais do que a vontade com a informação de que você gosta do jeito que eu controlo as coisas, então não...não dá para te beijar hoje. – Ele passa o polegar pela minha boca enquanto continua – Porque lendo o seu corpo agora...sei que vai adiante com tudo o que o meu corpo propor, e eu quero ser um bom garoto. Eu quero ser bom para você. Então não, nada de te beijar. Não assim.

Em todos os meus anos de vida, minhas pernas nunca ficaram tão moles como agora. Que merda é essa? Ele nem me beijou, e... caramba. Eu não só nunca fui beijada como sou virgem. V – I – R – G – E - M. Eu devia estar tendo um chilique agora, mas a verdade é que ele faz com que eu me sinta completamente diferente. Eu me sinto segura e o meu corpo parece importar mais do que a minha cabeça para mim. Devo ter perdido o juízo porque eu quero negociar:

— E é tão errado assim, Sam Winchester? Você seria tão, tão mau assim se fizesse todas essas coisas? - Eu o puxo com força, e ele acaba cambaleando e cai na cama, sobre mim. Suas mãos estão apoiadas no colchão, e ele mantém seu corpo sem relar no meu.

Ele encosta a testa na minha e respira muito fundo, levemente baqueado.

Levemente. Ele tem muito mais controle do que eu.

—Eu não vou beijar você essa noite e eu não vou torná-la minha essa noite. – Ele diz isso com uma de suas mãos na minha cintura, acariciando-me com o polegar. “Torná-la minha” tem o significado que eu imagino que tenha? Por algum motivo idiota, isso faz o meu abdômen queimar – Eu vou ir devagar com você, Hazel Laverne. Eu vou te levar para os lugares e eu vou conhecer você a fundo, cada pedacinho do seu ser. Eu vou aprender todas as coisas que são importantes para você, e eu vou deixar que você me conheça, também. Eu vou tentar fazer você desistir de se envolver assim comigo porque eu sei que eu não sou bom para você. E se mesmo depois disso tudo você ainda for louca o suficiente para querer isso... aí então eu vou beijar você. E torná-la minha se assim você quiser. Mas hoje não, por favor...me deixe ser bom para você.

Ele me diz isso com um olhar doce. Me dou por vencida, sabendo que ele está sendo um cavalheiro. Não quer...ir tão longe assim tão cedo. Fico com vergonha por ter deixado o tesão subir para a cabeça ao ponto de tentar fazer mudá-lo de ideia. Justo eu, que sou toda certinha.

Eu sabia que ele ia fazer isso comigo.

Que ia mudar tudo de cabeça para baixo.

Ele se deita ao meu lado, e coloca uma mexa do meu cabelo para trás. Fico olhando para baixo, meio sem jeito.

—Não fique com vergonha por me querer também. – Ele diz, segurando a minha mão. Mesmo por entre a luva, consigo sentir a eletricidade – Não se feche para mim.

Ergo os olhos para ele imediatamente.

—Sam...quando você diz as coisas...eu não consigo fazer o oposto. É físico e é como se eu não conseguisse fazer outra coisa que não seja o que você está dizendo. – Ele sorri de lado.

—Não se preocupe. Eu nunca vou pedir a você algo que a machuque. E se te deixa mais tranquila, você tem esse efeito sobre mim também. Tá vendo? Até me deitei na cama como você pediu... – Não consigo evitar um sorriso.

—Ah é? Então me beij...- Mas ele coloca o indicador na minha boca, me impedindo de continuar a frase.

—Não faz isso, Hazel Laverne. Não faz isso...

Me livro do seu indicador, com delicadeza.

—Tá bom...não vou fazer. Vou deixar você fazer todas as coisas que você disse, na ordem que você disse. – Ele sorri de maneira doce, ainda acariciando o meu rosto.

—Obrigado por isso, Hazel. E...hm, só para você saber, porque não sei se já passou pela sua cabeça ou não, porque eu não sei que impressão você tem de mim desde o início, mas eu nunca senti esse tipo de conexão com ninguém. E eu não me abro com facilidade. E eu não entro na vida das pessoas sem a intensão de...de fazer o que é certo. – Seus olhos são verdadeiros, e suas pupilas estão grandes, como as de um gato no escuro.

—Você fica falando que quer ser bom, mas eu olho para você e eu só vejo isso, que você é bom. Você já é bom, Sam. Não sei quem fez você acreditar que é mau..., mas você não é. Você é tão bom que me deixa confusa, porque todo o homem que passou na minha vida, a começar pelo meu pai, me ensinou direitinho o que esperar dos garotos. E aí chega você...e você é bom. – Ele começa a mexer no meu cabelo, me fazendo ter uma pontadinha de sono.

—Odeio cada idiota que fez você se sentir assim. Odeio de verdade...- Ele me puxa para o peito dele, me aninhando. Ele tem muito cuidado com o meu pulso machucado, e beija o topo da minha cabeça – Odeio tanto que você nem imagina o que eu faria com cada um deles se tivesse oportunidade. Mas ei...quero que você pense em outra coisa antes de dormir.

—Hm...- Resmungo, quase dormindo – No que quer que eu pense?

—Quero que pense no que está começando aqui, hoje. E nas coisas boas que eu vou fazer com você. – Ele suspira, me abraçando mais forte – E em como vou beijá-la quando chegar a hora.

—Você não é justo, sabia? – Resmungo, e ele ri.

—Tá bom, verdade. Não é bonito da minha parte te provocar assim. Durma bem, Hazel. Eu vou estar aqui quando você acordar.

—Durma bem, Winchester. E é bom que esteja...afinal, essa noite só não terminou de outra forma porque você quis “ser bom”. Não seria nada cavalheiro da sua parte sumir da minha cama amanhã cedo, não é?

—Não, não seria. E não seria parecido com nada do que eu faria. – E com seus lábios apoiados no topo da minha cabeça, caio no sono.

Caio no sono me sentindo intocada. E pela primeira vez na vida, não vejo a hora de abandonar esse sentimento.


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Notas finais do capítulo

Espero que vocês tenham gostado, hunters.
XOXO Willow.
PS: Comentem ♥



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