A Garota Que Ficou Para Trás - EM HIATUS (JULHO) escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 3
Capítulo II - Finalmente ela me chama pelo meu primeiro nome


Notas iniciais do capítulo

Vocês estão preparados? Sentadinhos com suas bundinhas bem confortáveis em suas cadeiras?
Migalhas de romance. Não vou falar mais nada.

ALERTA DE GATILHO - Uso de drogas e o capítulo aborda, em alguns momentos, pensamentos suicidas.

Boa leitura.



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Ponto de vista de Sam Winchester, 1999.

Ficamos sentados olhando para o nada e em completo silêncio por alguns minutos, já que Sr. Riggs nos deixou aqui e saiu resmungando, e eu só conseguia pensar que se eu não tivesse enfiado um soco na cara daquele idiota, não estaríamos aqui. A sala era pequena e sem graça, e eu nunca havia visto esse lugar. Eu era o tipo de aluno invisível, ou ao menos, tentava ser.

Com o passar do tempo ocioso na espera do diretor, tentei não encará-la, mas foi impossível. Havia um magnetismo que a rodeava, como um mistério sem solução ou um poema interminado. Eu não conseguia parar de pensar que, a alguns dias atrás, ela havia tentado tirar a própria vida. Isso estava me assombrando...e se ela tentasse de novo? Enquanto a fitava, percebi que ela tinha tirado o gesso do braço, e sua cicatriz que ia do ombro ao pescoço parecia estar diminuindo. 

Ela parecia estar se recuperando bem...por fora.

Como será que estava se sentindo por dentro? No tribunal, enquanto sua família acusava a mim, ninguém pareceu se importar com os fatos. Não pareceu relevante a eles que ela praticamente admitira que havia tentado se matar? Queria demonstrar que eu achava isso tudo importante. Que sua vida importava

—Sei que você sabe o meu nome, por conta das circunstâncias judiciais ao qual nos conhecemos...- Comecei a falar enquanto pensava em tudo isso, sem muita certeza do que estava tentando fazer com minhas palavras - Mas eu nunca tive oportunidade de me apresentar direito para você. Eu sou Sam Winchester. - Estiquei a mão para cumprimentá-la, sem entender de onde vinha tanta formalidade de repente. Ela pareceu se questionar a mesma coisa, pois esticou a mão com um ar de incerteza. Ela usava luvas...novamente

Olhei para o sol irradiando pela janela, mas resolvi não fazer nenhum comentário a respeito disso.

—Hazel. - Ela disse, apenas. Em poucas letras, cinco para ser exato, pude prestar atenção no som suave da sua voz, completamente cadenciada. 

—Olha, eu sei que...- Comecei a falar enquanto coçava nuca, muito confuso sobre o que estava tentando comunicar, mas ela abaixou o rosto por um momento e deu um suspiro.

—Winchester, eu sei o que você vai dizer. - E então ela ergueu os olhos. Agora, de tão perto, eu pude finalmente vê-los em detalhes. Os tons de verde musgo se mesclavam a raios em tons de aveleira, e a moldura da íris era seu formato amendoado. 

—Hm...sabe? - Nem eu sabia, como ela podia saber?

—Sei. E você não precisa dizer nada, de verdade. A confusão toda foi inevitável, e a culpa não foi sua. - Ela tornou a baixar a cabeça. Sempre que o fazia, seus cabelos castanhos lhe cobriam o perfil, indo até sua cintura fina. Ela vestia uma camiseta na cor creme, com alguns botões na frente dos seios pequenos, como tudo nela. Ela era estreita e delicada, como se fosse de porcelana.

 Após alguns segundos ponderando, percebi que ela realmente sabia onde eu queria chegar antes mesmo que eu soubesse. Eu me sentia culpado pela confusão.

—Aquele cara é um idiota, Hazel. Ele...ele mereceu. Mas eu não acho certo você estar aqui, você não fez nada além de se defender. Aliás, belo chute aquele, ãn? Eu pagaria para ver de novo. - Dei um sorriso sincero, porque era verdade. Há poucas coisas que eu gosto na vida, e uma delas definitivamente é ver idiotas tendo exatamente o que eles mereceram.

Ela riu por um breve momento, mas então um ar confuso tomou conta de sua expressão, tão rápido quanto um eclipse.

—Winchester...por que você está fazendo tudo isso? - Sua voz assumira um tom mais sério, e havia mais em seu olhar do que seu tom desafiador e desconfiado. Havia...confusão.

—Tudo isso o que? - Me ajeitei na cadeira, as mãos suando pelo rumo da conversa. Não era assim que eu imaginava o tom da conversa. 

Não que eu tenha ficado imaginando nada.

—Você sabe sim. Me ajudar. Por que você está me protegendo? Nós nem nos conhecemos. - Abri a boca para falar, mas acabei fechando e travando o maxilar. Ela prosseguiu, se ajeitando na poltrona - Primeiro no...acidente. - Ela abaixou ainda mais o tom de voz quando pronunciou a palavra. Sabia que isso era um tópico sensível para ela, e era para mim também - Não consigo entender por que está fazendo essas coisas. Qual o motivo?

"Ah sim, bom...eu sinto uma estranha conexão com você e também me enxergo para caralho em você pelos problemas que você está enfrentando, e talvez, só talvez, eu já tenha pensado em me matar uma vez ou duas e ter visto alguém tentar chegar as vias de fato me deixou perturbado, especialmente depois da premonição sobrenatural que tive. Ah é! E deixe-me acrescentar, tenho pesadelos com imagens do seu pescoço quebrando e seus olhos sem vida e isso está me deixando louco, e com todas essas coisas acontecendo eu sinto que preciso muito, muito, muito te conhecer"

Não podia dizer essas coisas. Ela havia me protegido perante as autoridades uma vez, mas se eu dissesse essas coisas, talvez ela mesma chamasse a polícia agora.

—Eu não fiz nada demais. - Foi o máximo que saiu da minha boca, mas ela não me pareceu convencida, então molhei os lábios e continuei - Escuta, eu...eu realmente queria conseguir te explicar, de verdade. Mas eu não consigo, então vou colocar da seguinte forma, eu simplesmente me importo.

Tive vontade de me enfiar debaixo da terra. Eu não havia dito nada conexo, e ainda por cima tinha deixado claro que haviam coisas se passando comigo, coisas que eu não conseguia explicar para ela.

Ela pareceu entrar em conflito dentro de si, como se eu a perturbasse.

E talvez fosse verdade. Talvez eu a perturbasse..., mas ela também me perturbava. De um jeito estranho e agridoce, mas ainda assim perturbador. Eu não a conheço. Essa é nossa primeira conversa real desde toda essa torrente de acontecimentos, e cá estou eu, sentindo que somos parecidos para caralho.

Sem explicação alguma.

—Eu não consigo entender. Não consigo dormir desde então, pensando em uma resposta plausível para justificar o que você fez. Por que e, nem vamos focar em "como", mas por qual motivo um completo estranho se importou se eu morreria ou não? - Ela estava mais que incrédula. Estava atormentada - E eu sou uma excelente leitora de pessoas, Winchester. Procurei motivos horríveis em você..., mas não tem nada disso. E eu não posso acreditar que você simplesmente se importa. Não faz sentido.

—Por que não? E se eu te disser que é simples assim? - Assumi um tom sério. Todos deveriam se importar se alguém morreria ou viveria, isso sempre havia estado claro na minha cabeça.

—Se você me disser isso, vai ter sido a primeira pessoa a se importar de verdade comigo. Antes até que meus pais. E essa é uma verdade dolorosa que eu não estou pronta para lidar agora.

Depois de me contar isso, ela pareceu se arrepender profundamente. 

—Eu nem sei por que estou te contando isso. - Ela acrescentou, desconfortável - Eu não...eu não sou de falar muito com as pessoas, especialmente sobre esse tipo de coisa.

Algo acendeu dentro de mim. Talvez...ela sentisse a mesma coisa que eu? Essa identificação sinistra entre nós dois. Uma conexão. 

—Sei que a gente nunca conversou antes de...bom, essa é a primeira vez, para falar a verdade. Mas eu acho que sobreviver a um acidente juntos, enfrentar um tribunal e a escola inteira no nosso rabo, nos deu certa proximidade, você não acha? - Mesmo atordoada, tão atordoada quanto eu diante de tudo isso, ela sorriu.

Um sorriso pequeno e discreto, talvez imperceptível aos que não prestassem atenção. Mas ainda assim um sorriso.

—Talvez você tenha razão. Mas não acha estranho que, todas as poucas vezes que interagimos, as coisas acabaram...

—Em confusão? - Completei. Ela assentiu, e eu dei de ombros - Sim, eu acho muito estranho. Mas talvez se eu pudesse te contar sobre mim mesmo um dia desses, veria que tudo ao meu redor é bem esquisito.

Senti minhas bochechas arderem, porque eu havia acabado de sugerir que gostaria de falar com ela mais vezes. Ela também assumiu uma postura desconfortável, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, o diretor entrou pela porta com os passos duros e a careca brilhando de suor.

XXX

Detenção por um mês, fora uma suspensão para mim por ter agredido o idiota do Gary. A boa notícia é que ele não havia escapado impune, a má notícia é que passaria as detenções conosco. Ótimo.

Depois que fomos dispensados, seguimos pelo corredor estranhamente silencioso. Como havia passado muito tempo do término da aula, a escola havia assumido aquele ar estranho de lugares que só conhecemos com um mar de gente e, que sem elas, parece até mesmo assombrado. Caminhando ao lado dela, notei que ela acariciava um livro que trazia junto ao corpo, nervosamente. 

—Qual o nome desse livro? - Questionei a ela, tentando quebrar o gelo e descobrir se ela estava se sentindo muito mal pela detenção.

Mas ela não mordeu a isca.

—Winchester, eu não sei como te dizer isso... - Ela parou de andar, abruptamente. Eu fiz o mesmo, e fiquei a encarando. Ela parecia ter dificuldade para falar o que quer que fosse. 

E então minha ficha caiu. Me lembrei do que seu pai havia dito no tribunal, e a julgar pelo jeito agradável e são daquele homem bêbado, não acho que seja simples para Hazel se encrencar na escola.

Não sei que tipo de consequências ela pode ter.

—Eu posso falar com o seu pai. - Ofereci, e então pigarreei - Explicar o que o idiota fez, e...

—Isso é gentil da sua parte, mas seria pior, muito pior. - Ela muda o peso de uma perna para a outa e então continua - Para o meu pai você é um lunático que quase causou a minha morte, entende? Ele não sabe ou não se importa com o fato de que...

Mas sua voz morreu. 

—Eu não quero causar problemas para você, de verdade. - Me apressei a dizer - Mas eu não vou conseguir dormir tranquilo se não explicar para o seu pai que toda essa merda de hoje foi culpa minha, e não sua. - Dei um sorriso meio de lado enquanto falava - Depois, se você quiser, eu te deixo em paz! - Disse isso meio da boca para fora. A verdade é que queria muito conversar com ela, descobrir tudo o que me deixava intrigado. Mas eu claramente estava dificultando as coisas, talvez até mesmo a atrapalhando.

E isso não era sobre mim. Ao menos não deveria ser, isso era sobre ver ela bem e segura. Apenas isso.

Era isso o que eu havia aprendido a fazer a vida inteira.

E porque, então, era tão difícil ceder e me afastar?

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Seus olhos verdes tempestuosos como o oceano me encaravam em uma mescla de expressões ao qual eu encontrava dificuldade para decifrar. Aparentemente, conseguíamos adivinhar o que o outro estava pensando com apenas uma conversa, mas eu não conseguia entendê-lo. E isso estava me deixando louca.

As pessoas eram muito fáceis de se ler. Aprendi rápido, para a minha própria sobrevivência. Mas não Sam Winchester.

Ele era ilegível.

—Eu vou dar conta de conversar com ele, mesmo. É só que...ele te disse para ficar longe de mim, lembra? - Ele assentiu, a cabeça um pouco inclinada. Ele se encosta em um armário, meio que ponderando toda a situação. 

—Lembro. E eu disse a ele que ficaria, não disse? - Novamente, seus olhos pareciam indecifráveis. Eram melancólicos, mas ele tinha essa mania de sorrir de lado com a boca, causando uma covinha discreta na bochecha e apertando um pouco os olhos. Era terno e soturno ao mesmo tempo. Como conseguia?

—Você disse... - Concordei com ele, e mesmo incerta se devia dizer o que estava prestes a dizer, completei - Mas por algum motivo eu sinto que você não pretende cumprir com essa palavra.

Seu sorriso aumentou consideravelmente. Tentei abaixar a cabeça, porque encará-lo estava me deixando nervosa e irritada. Fugi de garotos a vida inteira, porque sabia muito bem no que eles se tornavam.

Pais bêbados que batiam nas filhas e nas esposas.

E nunca havia tido esse tipo de conversa com ninguém. Porque é tão fácil e tão...inevitável, com ele? Eu não podia permitir esse tipo de contato. Amizade. Sabe-se lá o que pode se chamar essa coisa estranha e não dita entre dois estranhos aparentemente perturbados.

—Seria tão ruim assim? Se eu não cumprisse? - Quando ele disse isso, dei um passo para trás. Seu jeito suave de falar baixo comigo não era justo. Eu havia visto o que era capaz de fazer, mais de uma vez. Era capaz de se arriscar na rodovia para tentar me impedir do suicídio, e era capaz de quebrar a cara daquele idiota com facilidade, como se não fosse nada. Que tipo de garoto de dezessete anos teria facilidade em passar por situações tão extremas como essas e sair praticamente ileso? E pior ainda! Parecendo estar acostumado a assumir riscos? - Seria tão horrível se eu quisesse ao menos te conhecer? - Ele molha os lábios ao terminar de falar.

Não podia ser boa notícia. Ele não podia ser boa notícia. Não sorrindo desse jeito.

—Seria. Seria péssimo! Você não percebeu que a gente aparentemente só causa confusão? E se quer tanto me conhecer, você vai se decepcionar, sabia? - Me encostei no armário, assim como ele. Todo o esforço que estava fazendo para sobreviver a essa nossa interação intensa estava me drenando - Eu não sei o que você pensa que vai descobrir. Mas o que vai encontrar...não é nada bom.

—Isso é melhor ainda, Hazel. Porque, caso queira me conhecer também, talvez você encontre coisas em mim que não são nada boas. E talvez causemos mais confusão. - Ele se aproximou um pouco, talvez apenas um centímetro. E eu prendi a respiração - Você não acha que vale a pena arriscar?

—Você acha que vale? - Devolvi a pergunta para ele, porque não conseguia raciocinar direito. Queria sair correndo e fingir que nunca tinha visto ele na vida, mas algo fazia com que meus pés parecessem presos no chão.

—Eu acho que só tem um jeito de descobrir. - Ele se desencostou do armário, e ajeitou a mochila muito gasta em sua jaqueta de couro antiga - Não é como se você pudesse fugir da detenção, então vai me ver mais vezes do que gostaria. Não é melhor se puder ao menos me conhecer? Aí você decide se valeu a pena.

—Você não desiste, né? - Questionei. Ele fez que não com a cabeça, seus cabelos castanho-escuros levemente lhe cobrindo os olhos - Mas meu pai não pode sonhar que a gente se fala, tá me entendendo? Você não o conhece. Ele é...intenso.

Um calafrio me cobriu como um manto. Intenso era uma palavra simples demais para definir o meu pai e as coisas que ele faz. Mas não podia me abrir tanto assim. Ele já sabia coisas demais sobre mim. Eu estava em desvantagem.

Da água para o vinho, ele assumiu um tom sério.

—Eu prometo ser discreto. Mas eu ainda estou contrariado, sabia? Realmente queria que ele soubesse que não foi sua culpa. - Sacudi a cabeça em negativa.

—Por favor. Me deixa lidar com isso sozinha, ok? - Mesmo insatisfeito, ele concordou, sem muita opção.

—Tá bom. Mas se mudar de ideia...é só me falar. - Assenti. Voltamos a caminhar, até que finalmente saímos da escola direto para o estacionamento. Passamos por Gary, que tinha um olho roxo e um saco de gelo nas mãos. Vi que Sam o encarou como se pudesse matá-lo, e isso me deu um calafrio. Seus olhares eram intensos e mudavam drasticamente. Havia uma chave dentro dele, eu podia sentir isso. 

A pergunta que me assombrava era, ele estava no controle dessa chave ou não?

Pensando nessa dualidade que ele apresentava, me toquei que morava em frente sua casa e que estávamos andando na mesma direção, e um pequeno pânico invadiu o meu peito. Não sabia mais quanto tempo podia aguentar esses diálogos intensos que ele parecia trazer consigo.

—Você realmente podia me dizer o nome do livro, sabia? - Ele quebrou o silencio - Você sempre agarra os livros, pertinho do peito. Não dá para a gente ver o título desse jeito. 

—Você gosta de ler? - Questionei. Ele riu, enquanto o pôr do sol rosado refletia em sua pele durante nossa caminhada devagar e quase preguiçosa. 

—Você gosta de respirar? - Foi sua resposta. Sorri para ele.

—Entendi, você gosta... - Estiquei o livro para que ele o pegasse, e ele o fez.

—"Mentes criminosas" - Ele leu o título em voz alta, intrigado - Você gosta de investigação criminal?

Olha, é bem mais complexo que isso, pensei.  

—Aham - Me limitei a dizer - Que tipo de coisa você gosta de ler?

—Ãm...eu não sei se eu tenho um gênero favorito. Eu gosto de literatura antiga, mas também gosto de ler sobre o espaço e sobre idiomas estrangeiros. Eu gosto de como soam, de como os significados parecem mudar. - Ele parecia pensativo. Sorri por um momento.

Non sapevo ti piacesse studiare le lingue. - Assim que falei, ele ergueu as sobrancelhas, impressionado.

—Você fala italiano? - Assenti. Ele riu e coçou a nuca. Ele parecia fazer isso com frequência, principalmente quando estava confuso - Se importa de traduzir, per favore? - Seu sotaque americano ao dizer isso é adorável.

—Eu disse que não sabia que você gostava de estudar línguas. A maioria das pessoas daqui não está nem aí para porcaria nenhuma que não seja dita em inglês. - Ele parou de andar, e me fitou com curiosidade.

—E você não é americana? - Revirei os olhos.

Norte americana - Eu o corrigi - Sou metade. A outra metade é italiana. Acho que aprendi o italiano antes do inglês. Minha mãe cantava na língua nativa quando eu era pequena, o tempo todo. 

—Estou impressionado. Eu só sei latim, o que...bom, não é tão legal assim já que é uma matéria da escola. Mas eu realmente aprecio o idioma. E agora que você me disse suas origens, tudo fez sentido. - Cruzei seu olhar sem entender, na expectativa de uma explicação. Ele sorriu e relou levemente na parte superior da minha bochecha - Suas maçãs do rosto são altas, e você cora fácil.

Inclusive ele acaba de fazer isso acontecer. 

—Eu coro fácil porque você fica falando umas coisas estranhas, não porque sou italiana. - Tentei disfarçar o nervosismo e o choque completo que havia sentido só com seu toque em meu rosto, mesmo que suave. 

—Hmmm, eu não acho. Eu acho que é porque você é italiana. - Ele ajeitou novamente a mochila nas costas. Ela parecia muito pesada.

—O que você carrega aí dentro? - Apontei para a mochila e questionei, na esperança de mudar o rumo da conversa. 

—Tralha. E livros...- Senti que ele quis desconversar, e eu permiti isso. Passamos por uma rua cheia de pinheiros, e eu fechei os olhos para sentir o cheiro das pinhas e da grama recém cortada. Ele percebeu que eu parei de andar, e também parou. 

—Eu amo esse cheiro. - Verbalizei, caso isso não tivesse ficado claro. Abri lentamente os olhos e vi que ele sorriu para mim.

—Já sei três coisas novas sobre você, Hazel Laverne. É italiana, gosta de ler sobre caras malucos e criminosos e que se amarra no cheiro das árvores. Sobre o que te disse mais cedo, se achava que valia a pena, acho que tenho minha resposta. 

Que inferno de garoto. Desviei o olhar dele, e continuei andando, devagar. Ele me acompanhou, ainda me fitando. Ele não tirava os olhos de mim. Isso fazia o meu sangue ferver, e eu não sabia definir se isso era bom ou profundamente terrível.

—E eu não sei quase nada sobre você, exceto que é bom de briga. - Parei e o encarei, tentando sustentar seu olhar tempestuoso - Eu acho que tenho direito de te perguntar algumas coisas. 

Ele pensou por um momento. Parecia decidir se queria isso.

—Ok, mas e se houver algo que eu não quero responder? - Suspirei. Ele ia dificultar as coisas, é claro. 

—Então você me dá o direito de não te responder algo que venha a perguntar. - Propus. Isso estava virando um jogo? Ele ergueu as sobrancelhas e deu de ombros, aparentemente convencido.

—Parece justo. Mas nós vamos intercalar. - Oh sim. Isso havia virado um jogo.

Assenti em concordância.

—Você nasceu aqui em Lawrence? - Sam fez que sim com o rosto, franzindo um pouco o cenho.

—É. Em oitenta e três. Mas passei a maior parte da vida por aí. - Ele deixou essa informação meio vaga, mas seu olhar indicava pouca probabilidade de ele se aprofundar no assunto - E onde você nasceu?

—Bronx, Nova York, em oitenta e cinco. Mas como você, não passei muito tempo na minha cidade natal. Morei na Califórnia durante a infância e bom...o resto você deve saber. - Coloquei uma mexa do cabelo para trás da orelha, fazendo uma careta por lembrar de toda a exposição da mídia ao qual eu estava exposta. É claro que, depois do dia no tribunal e do escândalo com o meu pai alegando que ele era um stalker maluco, a essa altura Sam Winchester com certeza já sabia o que a maioria das pessoas sabiam. 

—Eu sei pouco, e eu não sabia, antes de...bom. Você sabe. - Ele se apressou a dizer como se adivinhasse meus pensamentos, e me disferiu um olhar sincero - Eu não tinha ideia de quem você era ou quem eram seus pais. 

Um pequeno silencio se forma entre nós, mas eu o preencho com palavras:

—Próxima pergunta. Você mora com quem? - Sam deu um longo suspiro.

—No presente momento, com meu irmão mais velho, Dean. Meu pai viaja muito a... trabalho - Ele pareceu engolir seco por um momento. O-ou. Sam Winchester tem Daddy issues? 

—Acho que já vi Dean, de relance. Ele é bem...marcante. Seus pais são separados? - Quis saber. Primeiro ele fez uma careta, que podia ou não estar relacionado ao fato de eu ter insinuado que seu irmão era gato. Fiz isso de propósito, sabe-se-lá-por-qual-motivo. E então ele sorriu para o chão enquanto andávamos, com uma expressão de desconforto.

—Então nem você é imune ao meu irmão, né? Bom...ele é muito mais velho, e embora não pareça, ele tem uma bússola moral decente. - Eu fiquei feliz por ele ter dado a isso atenção até demais. Mal sabe ele que eu o acho mil vezes mais atraente que o irmão mais velho. - Sobre meus pais...passo. Próxima pergunta...- Assenti e percebi os fones de ouvido pendurados em seu pescoço e peitoral.

—Qual foi a última música que você ouviu? - Ele buscou o walkman dentro dos bolsos da jaqueta, e tirou os fones do pescoço.

—Posso colocar em você? - Ele ofereceu. Fiz que sim, e ele colocou os fones na minha cabeça, gentilmente. E ficou me olhando nos olhos enquanto apertou o play.

It doesn't hurt me
       You wanna feel how it feels?
       You wanna know, know that it doesn't hurt me?
       You wanna hear about the deal I'm making?

—Eu conheço essa música! Só que não nessa voz...- Disse a ele, quando apertou o pause. 

—É um cover que uma banda que eu gosto fez, e eu preferi essa versão. Tá bem, minha vez...- Delicadamente ele retira os fones de mim e os recoloca em seu pescoço - O que está achando de Lawrence?

Franzi o nariz. Ele riu.

—Odeia tanto assim? - Ele quis saber. Suspirei e cocei a cabeça.

—É quente demais, o Kansas inteiro é tão...árido. Eu gosto de chuva, de frio...mas tenho que admitir que estou me acostumando com a vista...- Olhei para uma colina que se estendia a beira da estrada que estávamos pegando. Silenciosamente, havíamos pego o caminho mais longo e sem sentido para casa - Minha vez. Você percebe que a gente tem uma conexão estranha?

Não sei por que fiz essa pergunta. Quase me arrependi de tê-la feito.

Quase. Porque estava morrendo para saber se ele havia reparado.

—Então não estou ficando louco. Você também notou. - Sam ergueu os olhos para mim, e sem avisar, caminhou até a beira da estrada e se sentou no meio fio, que dava para a vista de um vale de pinheiros e um riacho logo abaixo da encosta. Caminhei até onde ele havia ido e me sentei ao seu lado, com alguma distância entre nós.

—É. É esquisito.— Completei. Seus olhos agora estavam fitando a natureza não tão longe de nós. Parecia pensativo.

Novamente, ilegível.

—Estranho para caralho... - Ele acrescentou.

—Perturbador, também. - Acabei falando, e nós rimos. Foi uma risada curta e que partiu do constrangimento de temos ambos notado essa ligação estranha. 

Ao menos eu não era a única maluca.

Um pequeno silêncio começou a nos espreitar novamente, e o cheiro do entardecer estava se fazendo presente, embriagando meu olfato.

—Hazel...- Sua voz era tão suave quando dizia meu nome. Ninguém nunca o havia pronunciado daquela maneira. Acho que nunca nos damos conta da beleza do nosso nome até que alguém o diga como ele fazia - Eu quero te perguntar uma coisa, mas eu não quero que fique brava comigo. E não quero que você tenha o direito de pular.

Franzi o cenho para ele, confusa.

—Não é essa a regra. - Ele assentiu.

—Eu sei, e eu volto atrás e te explico sobre meus pais. Mas por favor, me responda. Eu preciso que você me responda. - Seus olhos eram sérios e traziam preocupações em suas ondas. Engoli em seco. Não estava certa sobre essa situação, mas não podia negar que queria saber mais sobre a família dele, então apenas concordei, insegura. Sam suspirou, parecia lutar para encontrar as palavras certas. Após molhar os lábios, ele se aproximou de mim, tirando a pequena distância entre nós que eu havia proporcionado. Senti um arrepio ao sentir sua jaqueta roçando meu braço e o calor que seu corpo irradiava - Eu sei que é cedo demais para exigir de você a razão pelo qual você tentou...- Sua voz morreu por um momento, mas ele se esforçou - Se ferir. - Foi o mais próximo de "se matar" que ele conseguiu verbalizar - Eu não vou te perguntar isso ainda. Mas por favor...preciso saber se você desistiu da ideia.

A expectativa e a súplica em seu olhar eram vorazes e pareciam me cortar. Senti a pele do meu rosto se tingir de carmesim, envergonhada por lembrar que ele sabia desse episódio da minha vida. Não só sabia como havia testemunhado e impedido

Sei muito bem que o impacto pode ter mudado o curso das coisas. Eu provavelmente estaria morta agora.

—Eu fui impulsiva. Eu não entrei no carro com essa intensão, eu juro. - Não sei por que estava tentado me justificar, mas ser compreendida por ele parecia ser vital naquele momento - Eu estava transtornada. Quando vi a rodovia se estendendo e me lembrei que...bom, não tenho carta e mal sei dirigir...sei lá, a possibilidade me pareceu elegível e tentadora. E então me pareceu ser a resposta.

—Não é, não é a resposta. - Ele se apressou a dizer, quase em um sussurro - Você entende isso agora, né?

Olhei para o chão, pois não acho que conseguia sustentar seu olhar.

—É complicado, Winchester...- Comecei a enrolar a ponta de uma mexa do meu cabelo em meus dedos, como fazia quando me sentia encurralada - Eu não vou fazer nenhuma besteira. 

Ele processou as minhas palavras e as digeriu. 

—Eu quero que saiba que não precisa passar por seja lá o que for, sozinha. - Foi tudo o que ele disse.

Um bolo se formou em minha garganta. 

Ninguém jamais havia me dito algo sequer parecido. 

Afastei um choro que parecia querer irromper e pigarreei:

—Me conta sobre os seus pais? - Assim que meus olhos encontraram os seus, vi sombras se formarem em sua íris. Sua pupila, antes contraída, se encheu. Seus músculos se tencionaram.

—Minha mãe morreu quando eu tinha seis meses de vida. - Sua voz saiu fria, pela primeira vez. Não em direção a mim. A frieza parecia ser um escudo dele para seu passado. 

—Sam...- Comecei. Mas não sabia o que dizer. Ele deu um sorriso triste.

—Então você finalmente me chamou pelo meu primeiro nome. - Sorri de volta. 

—É...acho que a gente é meio que íntimo agora, não é? - Ele assentiu, e então olhou para o horizonte.

—Eu odeio dizer o que eu vou dizer, mas eu preciso te levar para casa, está anoitecendo. Não quero que você tenha ainda mais problemas com o seu pai. Vem...- Sam se levanta e me estende a mão.

A seguro, e meu estômago se revira, mesmo só por sentir a palma de sua mão através do tecido da minha luva. 

Parte de mim se sentiu aliviada por ele não ter feito nenhuma pergunta com relação a isso. Mas eu sabia que, se continuássemos com...isso, seja lá o que isso fosse, essa pergunta eventualmente seria feita. E eu não poderia lhe dizer a verdade.

Jamais.

Afastei esse pensamento, e o acompanhei.

Caminhamos envoltos por um silêncio confortável e pacífico por aproximadamente meia hora, até que chegamos em nossa rua.

—Você vai primeiro. Eu vou em direção a minha casa depois de uns minutos, ok? - Ele propõe. Me encolho, me sentindo mal por precisar fazer isso.

Mas qualquer coisa é melhor do que enfrentar a ira de Harvey Talbot. Qualquer coisa.

—Ok. Acho que...até amanhã? - Digo, ajeitando minha mochila nas costas. Sam Winchester sorri gradualmente enquanto me encara. 

—Nada de "acho", Laverne. Definitivamente até amanhã - E ele dá as costas, sem dizer mais nada.

Observo seu corpo alto se afastando de mim, para que eu vá para casa. Caminho com o olhar para frente, sem olhar para trás. Sei que isso é estranho, mas...sinto seus olhos me encarando, mesmo sem virar para ver.

Simplesmente sei, pelo fervor que sinto na minha espinha, que Sam Winchester está acompanhando com o olhar cada passo meu.

XXX

Ponto de vista Sam Winchester.

Nada de bom pode sair dessa proximidade. Eu já me esqueci do tanto de coisas horríveis que acontecem para pessoas que se aproximam de mim? Sou idiota e egoísta ao ponto de me aproximar dela?

Entro em casa e me jogo na cama, extremamente enraivecido comigo mesmo. Hazel já foi machucada demais, dá para perceber isso só de olhar nos seus olhos.

Porra! Em uma tarde com ela pude perceber que ela tem coisas demais dentro dela. Eu não sei quais são os horrores em seu passado, mas eu definitivamente não posso me tornar uma mancha em seu futuro. 

Minhas premonições tendem a piorar. Meu pai pode estar perto de encontrar algo sobre o demônio de olhos amarelos, e eu não sei quanto tempo tenho em Lawrence, antes que ele me force a entrar naquele bendito Impala e me faça entrar para o negócio de família. Caralho! Há água benta, cordas, sal e um facão enorme na porcaria da minha mochila.

E ela teria caminhado tão segura ao meu lado se soubesse que tenho uma arma escondida no cós do jeans? Eu não sou boa companhia para ela. Eu não sou boa companhia para uma garota como a que eu havia finalmente conhecido de verdade, pelo ao menos um pouquinho, hoje. 

Caralho...e eu ainda flertei com ela.

Coloco a ponta dos dedos sobre meus lábios, e fecho os olhos. Eu a toquei com essa mão. 

Essa mão que já caçou espíritos vingativos e atirou em criaturas perturbadoras antes mesmo dos quatorze. 

Dou um longo suspiro, o mais longo que consigo.

Preciso ficar longe dela.

Não consigo ficar longe dela.

Não vou ficar longe dela.

Preciso desesperadamente decifrá-la e impedir que ela se machuque.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

 Decido não comentar sobre a detenção, especialmente depois que entro na cozinha e encontro Harvey cheirando uma carreira de cocaína enquanto minha mãe usa um isqueiro para ferver um líquido âmbar em uma colher de prata.

—Você chegou tarde demais. - Meu pai diz, passando as costas da mão no nariz avermelhado. 

—Estava tentando conseguir alguma eletiva e acabei adiantando o dever de casa. - Minto enquanto ando em direção a geladeira, buscando por água gelada. 

—Está gostando da escola, principessa? - Pergunta minha mãe, enquanto desamarra uma borracha na base do seu braço apressadamente, tentando disfarçar o óbvio.

Como se eu não soubesse do que se trata.

—Estou sim...- Digo olhando para baixo, para o chão de linóleo.

—Espero que aquele moleque problemático tenha ficado longe de você. - Meu pai diz isso enquanto se levanta e chega perto de mim. Seu cheiro é um misto de whisky e cigarro, e seus cabelos compridos e pretos estão bagunçados, sob um chapéu preto. Ele coloca a mão cheia de anéis prateadas em meu ombro.

—O que, o Winchester? Nem o vi por lá, pai. - Digo isso me desvencilhando dele. Ando em direção a mesa, me sento do lado da minha mãe e a observo preocupada. Está mais magra que o costume, os cabelos ruivos gigantescos e lindos estão desgrenhados, e seus olhos tão parecidos com os meus estão cobertos por olheiras - Mãe, você comeu hoje?

Ela parece desconcertada. Amélie Laverne se sente desconfortável quando fica claro que ela estava se drogando, embora eu não entenda o motivo. Seu vício nunca foi um segredo para mim...sei muito bem o que ela acabou de injetar em suas veias, provavelmente momentos antes de eu entrar por aquela porta. Abaixo os olhos para seus braços e vejo, horrorizada, o hematoma que está se formando em decorrência das suas picadas.

—Comi, e comprei pizza para você. Está no forno. - Ela passa a mão ossuda e gelada no meu rosto. Vejo que ela tem um hematoma novo nos pulsos, marcas de dedos.

Ela percebe minha preocupação e me beija na bochecha.

—Você devia comer e ir dormir, Hazel. Você não tem prova amanhã? - Vejo o desespero em seu olhar para tirar meu foco dessa casa de horrores que é nossas vidas. Engulo o choro entalado na minha garganta e sigo sua encenação:

—Você tem razão. Tenho sim...- É tudo o que consigo verbalizar. Pego um pedaço frio de pizza e saio da cozinha, fingindo que isso foi uma conversa normal entre pai, mãe e filha.

Me tranco no meu quarto, e finalmente deixo as lágrimas caírem.

Eu cresci assim, vendo isso e coisas muito, muito piores. Não devia me surpreender nem me afetar. Mas, como minha mãe gosta de me dizer em uma das músicas de ninar que ela mesma criou para mim...

She has a bigger heart than bones to protect it from harm.

(Ela tem um coração maior do que ossos para protegê-lo do mal)

E é verdade. Cada palavra. 

Ao olhar pela janela, para a casa da frente e me lembrar de todas coisas que senti hoje, tenho a certeza absoluta que não há nada, nem ninguém, que irá me proteger de sentir, seja lá o que for, um turbilhão de coisas pelo meu vizinho aparentemente problemático e gentil demais para seu próprio bem.

Houveram duas colisões problemáticas até agora, causadas pela simples proximidade de nós dois.

Qual será a terceira...?

E mais importante ainda...eu estou pronta para aguentar a próxima catarse? 


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Notas finais do capítulo

Estou amando escrever essa história. Penso nela dia e noite, elaboro tudo, me mato de anotar ideias mesmo com privação de sono e toda vez que posto sinto uma exaustão e um sorriso enorme nos olhos.
Sim, nos olhos! Já sorriram com os olhos? Vocês deviam tentar!

Minha história tá tomando forma, gente!

Comentem, ok? Não sejam fantasminhas. Quero muito saber quem é que tá na estrada até aqui.

XOXO
Willow.



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