A Garota Que Ficou Para Trás - EM HIATUS (JULHO) escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 2
Capítulo I - O acidente


Notas iniciais do capítulo

PS: Tem uma frase que eu coloquei no capítulo que é na verdade um trecho da letra "Running up that hill", escrita pela Kate Bush. Casou com o sentimento do personagem.

É isso, boa leitura : )



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05 DE SETEMBRO, PONTO DE VISTA - SAM WINCHESTER.

 

Meus braços estão rígidos e doloridos, os nós dos dedos perdendo a circulação enquanto aperto o volante com força e piso no acelerador sem muita prudência. Consigo ouvir a música que os pneus cantam em contato com o asfalto e isso faz meu coração acelerar.

Preciso alcançá-la. Ou isso vai me assombrar pelo resto da vida.

O Mustang branco deve estar a oitenta por hora, então chego a cem. Posso ver pelo retrovisor meu irmão Dean, parado no meio da rua com as mãos na cabeça, sem entender nada do que está acontecendo. Não demora até ele desaparecer, pois já estamos muito longe.

É uma rodovia que corta a cidade, portanto não há curvas a serem feitas. Finalmente, meu carro alcança a velocidade do Mustang, e eu abaixo o vidro com dificuldade e sem tirar o olho da estrada. Tento impedir minhas mãos de tremerem, mas nunca dirigi tão rápido na vida. Não posso perder o controle do carro...

—Abaixa o vidro! – Grito para a garota, pela janela – Ei! Pare o carro! – Fico olhando dela para a estrada, em pânico.

Pela primeira vez, ela tira os olhos vidrados da estrada e parece se assustar comigo, fazendo com que o seu carro quase bata no Impala. Seus olhos estão com pupilas enormes, o choro lhe escorrendo o rosto em pânico. Sua expressão marejada e afogada em desespero é assustadora de se testemunhar. Na minha premonição, não entendi direito o que estava acontecendo. Não tive tempo de processar as informações. Agora, com seu olhar e sua expressão, consigo entender o que ela está tentando fazer.

Não posso deixar isso acontecer.

—Abaixa o vidro, garota! – Grito mais uma vez, o coração saindo pela boca. Não sei se ela consegue me ouvir ou ler os meus lábios, mas ela faz que não com a cabeça.

O rosto de um lado para o outro. Sua sentença.

Não, não, não...

Ela pisa no acelerador, e eu faço o mesmo.

Merda! – Grito, batendo no volante com raiva. Estou levando o carro ao limite, mas novamente consigo alcançá-la. Dessa vez, viro o volante e faço a porta raspar levemente em seu carro, só o suficiente para fazer com que ela volte sua atenção para mim. Ela me olha, novamente assustada, tentando entender o que estou tentando fazer. Será que me reconheceu da escola? Da biblioteca? Será que isso importa, eu ser um rosto conhecido ou não? — Para o carro! – Volto a gritar, a plenos pulmões. – Por favor! Para esse carro agora! Eu só quero conversar com você!

Ela fica ponderando, entre seu pânico, seu desespero e o seu medo. Vejo todas suas expressões faciais mudando, quase posso ouvir seus pensamentos, as engrenagens colapsando. Eu nunca vi alguém atingir o próprio limite como essa garota.

É desesperador.

Ela me olha, e então faz que sim com a cabeça, os cabelos cobrindo um pouco a sua face, os olhos pedindo socorro. Ela vai parar.

Ela vai parar.

Suspiro de alívio ao ver que, de alguma forma, tudo isso não foi em vão. Talvez minhas premonições não sejam um fardo tão horrível, talvez eu possa fazer algum bem com elas.

Mas então, tudo acontece muito rápido. Quando a garota tenta pisar no freio, o carro vai perto demais do Impala. Ela tenta evitar, mas é tarde demais e ela perde o controle do volante. O Mustang se choca na porta do Chevy Impala 67, em alta velocidade. Tento apertar com força o freio, tento ter algum controle sobre a situação.

Mas não há nada a ser feito. O barulho estrondoso dos dois carros se chocando se faz presente, tão alto em meus ouvidos que me deixa tonto. Vejo tudo girando, sinto solavancos e trancos nos meus músculos enquanto vejo a noite de maneira turva, como uma paisagem através da janela que se estilhaça em mil pedacinhos. Pouco antes de apagar, vejo a garoa da noite cobrindo a rodovia. Vejo o Mustang branco de ponta cabeça, com a garota desacordada no banco da frente. Sangue por todo lado.

Muito sangue.

O manto preto do nada cobre meus olhos.

Não sei se a morte me engoliu ou não.

Mas por um milésimo de segundo, desejo que, se alguém tem de sair vivo dessa situação, que seja ela.

Que eu morra por uma boa causa.

Ela não pode estar morta, ela não pode estar morta, ela não pode...

Se eu apenas pudesse fazer um acordo com Deus...fazê-lo trocar nossos lugares...

Deus, troque nossos lugares.

Eu achei que poderia salvá-la. Mas talvez....

Talvez eu tenha a sentenciado a morte.

XXX

05 DE SETEMBRO, HOSPITAL DE LAWRENCE.

Ouço ruídos de pessoas conversando, de passos no chão. Do bip bip bip de uma máquina. Tento abrir os meus olhos, mover a ponta dos dedos. Sinto o frio.

O ar parece pesado demais. Pesa toneladas.

Volto ao sono profundo.

XXX

Consigo recobrar a consciência por um breve momento. Meus olhos se abrem com dificuldade, o quarto branco de hospital ao meu redor vai se formando enquanto minha visão tenta focar em algo, mas por enquanto é tudo um borrão.

Percebo meu irmão Dean dormindo em uma cadeira ao meu lado, um copo descartável de café quase pendendo das suas mãos. Vejo a porta aberta, e de rabo de olho consigo identificar John Winchester discutindo com um homem. A discussão parece acalorada, de maneira que Dean desperta do seu cochilo e vai em direção ao corredor, e tudo o que vejo antes de cair no breu novamente é a visão embaçada do meu irmão tentando separar uma briga que se forma entre John e o homem.

XXX

06 DE SETEMBRO.

É de manhã. Sei disso pois os raios de sol beijam a minha pele por através do vidro da janela enorme do hospital. A sensação quente é gostosa, parece um abraço.

Sorrio de olhos fechados. Não me lembro de muitas coisas da minha infância. Nunca conheci minha mãe. Então, aos cinco anos, inventei que o abraço de uma mãe deveria se parecer com os raios de sol no rosto. Às vezes ficava magoado quando entardecia e o sol se punha.

Se os raios solares eram o abraço de Mary Winchester, a noite fria era a sua ausência.

Abro os olhos, dessa vez sem visão embaçada. Pisco algumas vezes e tento me sentar na cama de hospital. Vejo que estou com soro ligado ao meu braço, e que minha pele do braço direito tem alguns cortes causados, muito provavelmente, pelo vidro estilhaçado das janelas do Impala. Minhas costas doem, e dou um gemido quando tento me mover. Noto o gesso na minha perna direita, e sinto uma dor excruciante nela. Em quantos pedaços será que está quebrada?

E então, quando olho para frente, meus olhos cruzam com a íris castanha como carvalho de John Winchester.

Droga.

—Samuel. – Odeio quando ele diz o meu nome completo. Sei que ele sabe disso, mas por algum motivo sei que não faz isso por mal. Nós nunca fomos...próximos. Nunca conseguimos. Sempre tornei as coisas difíceis para ele, e ele para mim. – Como está se sentindo, filho?

—Quebrado. – Faço uma careta de dor. E logo essa careta se transforma em uma expressão envergonhada. Como vou explicar toda essa loucura? Como vou fazer sentido? Mas então outro pensamento muito mais importante me invade e eu arregalo os olhos, o coração gelado por nervosismo– Pai...John, a garota, ela...?

—Está viva, se acalme...- John dá a volta na cama e confere o meu soro, evitando contato visual – Está relativamente bem. Ela...vocês dois, tiveram muita sorte.

Suspiro aliviado. Ela está viva.

Minha premonição serviu de alguma coisa. Talvez eu não esteja fadado a ser um expectador das desgraças do mundo, um turista macabro. Talvez eu possa fazer uma diferença, mesmo sendo uma aberração.

Mas meu alívio some assim que John abre a boca para começar o questionário que eu sabia que me aguardava:

—O que você tinha na cabeça, Samuel? O que estava pensando? – O olhar dele cai sobre mim, o cenho franzido, cansado. Fico em silêncio – Dean chamou a ambulância a tempo. Roubou a bicicleta do vizinho e conseguiu alcançar vocês, mas quando chegou...o acidente já havia acontecido. – Ele molha os lábios e passa a palma da mão no rosto, ajeita o cabelo mal cortado para trás e se senta na cadeira ao lado da cama, ainda me fitando – Você pode me explicar o que houve?

As palavras me fogem. Minha garganta parece secar, parece encolher. Como explico a ele que seu filho problemático tem visões paranormais?

Seja lá o que está dentro de mim for...é sobrenatural. E minha família caça o sobrenatural. Não. Não posso falar sobre isso com ninguém.

—Eu acordei assustado. Acho que devo ter ouvido o barulho do carro dela de tão acelerado que estava. Tentei ajudar. E...achei que podia impedir seja lá o que...

Meu pai dá uma risada curta de descrença, e se levanta.

—Pare por aí. Você quer mesmo que eu acredite que você ouviu o barulho de um carro, lá do segundo andar de casa? No meio da noite, enquanto dormia? E que você, logo você...teve a brilhante ideia de seguir uma desconhecida e “impedir” alguma coisa? Samuel, você não pode estar falando sério. O que realmente aconteceu?

Tento abrir a boca e ver se as palavras saem. Se consigo arrumar uma explicação. Os olhos de John estão impassíveis, me fitando e buscando pelo cerne da minha mentira. Mas então, a voz de Dean se faz presente no quarto:

—Não precisa me proteger, Sammy. Vou contar ao pai o que realmente aconteceu... – Meu irmão mais velho está encostado no batente da porta, e não sei quanto da conversa ele ouviu. Ele caminha para dentro do quarto e olha com a cabeça meio baixa para o nosso pai, e então começa a contar uma história que em nada bate com a realidade – Eu estava acordado, havia chegado a pouco tempo em casa. Da sala, pela janela, vi a garota aos berros com os pais dela que também estavam aos berros...achei que alguém ia se ferir ou coisa do tipo, então fiquei olhando tudo, só por garantia. – Dean umedece os lábios, suspira rapidamente e então continua olhando de John para mim – Foi quando ela teve um surto e pegou o carro e saiu em grande velocidade. Vi que os pais continuavam discutindo no andar de cima, pois dava para ver tudo da janela do quarto deles. Nem notaram a filha saindo.  Fui acordar o Sammy, porque imaginei que talvez ele a conhecesse, afinal a maioria dos adolescentes do nosso bairro vão a mesma escola...o acordei porque queria saber se ele tinha o número da casa dela, queria poder ligar para os pais dela, alertá-los..., mas o Sam...você conhece o Sam! Ele teve um surto de heroísmo e correu desgovernado ao ver o que estava acontecendo. Foi tudo muito rápido, pai...Não entendi o que ele pretendia fazer até que já estava dando partida no carro.

Fico boquiaberto. O olho incrédulo, mas ele me censura com o olhar. John fica pensativo, ponderando a situação toda. Por fim, parece comprar a história de Dean, muito mais do que a minha versão. Ele coloca a mão no ombro do meu irmão, respira fundo e diz:

—Vocês dois precisam ter mais juízo, os dois. Eu sei que por saber as coisas que sabemos...- Ele abaixa o tom de voz, temendo que alguém nos ouça, mesmo que não haja ninguém no quarto além de nós – Nos sentimos responsáveis por todo mundo. Achamos que podemos impedir desastres...Eu entendo. Mas foi muita, muita burrice dos dois. Muita irresponsabilidade. – John censura Dean com o olhar, que abaixa a cabeça.

Dean sempre agiu como um soldado diante do nosso pai. Meu sangue ferve, mas quando Dean percebe que vou abrir a boca, volta a me censurar com os olhos, me calando.

—Eu só fico grato que você esteja vivo, filho. E claro, a garota..., mas nós iremos conversar sobre tudo isso depois. Eu, hm...tenho algumas questões para resolver com a polícia.

Franzo o cenho, e busco respostas nos olhos de Dean, que se apressa a dizer:

—O pai da garota prestou queixa, Sammy. Acusou você de algumas coisas, ãn...acontece que os pais dela foram famosos nos anos oitenta, uma banda de rock ou coisa assim... – Dean suspira antes de prosseguir. Vejo em seus olhos como está cansado e preocupado - Acham que você a seguiu por ser um fã maluco ou coisa do tipo. Pelo visto coisas do tipo já aconteceram com a menina, ser seguida, importunada, coisa e tal...

—Estou dando duro para provar que foi tudo um mal-entendido, filho. – John pega uma jaqueta de couro preta que antes estava em uma cadeira e a veste – O pai dela não é muito razoável. É um sujeito agressivo e lunático.

Problemas com a justiça. Essa era a última coisa que nossa família precisava. Esfrego o rosto com a mão, transtornado por toda essa situação.

Mas se esse foi o preço de evitar o pior, que seja. Acredito no “efeito borboleta”. Acredito que talvez, com a colisão dos nossos carros, o curso do acidente tenha mudado. Não pude salvar o garotinho e seu pai de um wendigo, nem outras pessoas de monstros muito piores em premonições horríveis. Mas pude salvar a garota da casa da frente.

—John...eu sinto muito. Eu sinto muito mesmo. Eu só queria evitar o pior. Eu concerto o Impala...eu...- Dean me interrompe.

Você?! Com uma chave de fenda na mão?! – O sorriso debochado do meu irmão deixa o clima mais leve – Baby não merece isso, Sammy. Eu vou concertar ela, mas antes precisamos ter a certeza de que você não será preso. Eu não tenho intenção de passar os feriados visitando você na penitenciária para jovens transviados, Sammy. – Sei que suas frases estão carregadas de humor, mas é tudo muito sério. Ele sabe, meu pai sabe...e eu sei que estamos em maus lençóis.

—Há algo que eu possa fazer? – Olho suplicante para os dois, e John se apressa a responder.

—Nesse momento, repousar. Depois que tiver alta a gente vê...- John Winchester abre a boca, parece que vai dizer algo. Mas então desiste.

Desiste de dizer seja lá o que fosse dizer, e então vira as costas e sai pela porta. Dean me olha no fundo dos olhos, e eu abro a boca para dizer a ele que ele não precisava mentir por mim.

—Dean, você...

Mas então o meu irmão sente o momento emocional vindo, e como sempre, o desvia. Ele bate de leve com a mão no meu gesso, me fazendo gemer de dor. E então ele dá uma risada e diz, antes de se retirar:

—Fecha o bico, Sammy. Me deixe desenhar um pênis no seu gesso e estaremos mais do que quites! – Antes que eu possa protestar, Dean já me deixou sozinho, e sua risada no corredor é a última coisa que ouço antes de ficar solitário novamente.

Desenhar um pênis no meu gesso...só por cima do meu cadáver.

XXX

13 DE SETEMBRO.

Se antes a escola era um purgatório, agora é um inferno.

Não demorou para que as notícias do acidente se espalhassem. Eu já era o “esquisitão” antes de toda essa história, mas agora...

—Ei, ei! Cuidado Jimmy! – Diz um cara de topete e uma expressão de falso medo no rosto ao passar por mim com seus amigos, e então eles fazem um barulho com a boca que imita o som de pneus em alta velocidade – Ele vai bater! Ele vaaaai bater!

—Saiam do caminho, pessoal! O Winchester está passando a 200km! Protejam-se! – O tal Jimmy completa o teatrinho ridículo. O grupinho de garotos cai na gargalhada, assim como alguns transeuntes. Outras pessoas apenas me olham com pena.

Não sei o que é pior. Deboche ou pena.

Finjo que não é comigo enquanto me apoio na muleta, em frente ao meu armário. Eu queria mesmo era enfiar a cabeça na parede e gritar. Mas ah, não posso me atrasar para a aula de história, não é mesmo?

Os gritos ficam para mais tarde.

XXX

Sentado em minha carteira, fico olhando pela janela. Não consigo prestar atenção em nada mais ultimamente. Fico revisitando o processo judicial na minha cabeça, como um disco riscado que não para de se repetir.

Meu pai me defendendo, assim como o meu irmão. O pai da garota gritando como um louco, a mulher dele completamente silenciosa. E então a garota testemunhou ao meu favor.

Alegou que me conhecia da escola. Que éramos até amigos. Que sabia que eu estava tentando evitar algo ruim.

O juiz, que já estava sem nenhuma vontade de prosseguir com o caso, aplicou uma multa para cada família e eu perdi minha licença. A garota sequer tinha uma.

Ninguém pareceu entender ou se importar com o fato de que ela havia tentado se matar. E isso me incomodou profundamente, a indiferença dos pais dela quanto a esse pedido de socorro.

Depois de horas fomos enfim liberados.

Mas antes que pudéssemos respirar aliviados e nos retirar de toda essa insanidade, o pai da garota foi muito claro quando enfiou o dedo indicador na minha cara e disse, com seu hálito de whisky:

—Fique longe da nossa filha! Está me ouvindo, rapaz? Fique longe dela!

A garota me encarou, e não consegui decifrar sua expressão facial. E então, olhando-a nos olhos, respondi para seu pai:

—Sim senhor. Ficarei bem longe.

—Sr. Winchester! Está prestando atenção? – Acabo despertando para a realidade quando a Sra. Watson diz o meu nome. Pigarreio e me ajeito na cadeira:

—Sim, senhora. Estou.

17 DE SETEMBRO.

A garota voltou para a escola. Bom, agora ao menos sei seu nome. Hazel Laverne.

O seu braço esquerdo foi fraturado em duas partes e ela tem um corte costurado que vai do seu pescoço ao ombro direito. Eu só a vi de longe, no corredor. Nem olhei nos olhos dela. Só vi sua silhueta pelo canto dos olhos.

Às vezes durante a noite tenho pesadelos com seu pescoço quebrado, como na visão de antes do acidente. E fico grato por ela ter escapado só com ossos fraturados e uns arranhões. E tudo isso me deixou mais preocupado...o que está acontecendo comigo? Essas visões...as terei para sempre?

Passei os dias buscando em livros de demonologia e coisas do tipo por respostas, por qualquer pista que fosse que pudesse explicar o que estava havendo comigo.

Nada.

É claro que meio a toda essa turbulência eu pesquisei sobre o que Dean havia dito sobre a família dela, também. Descobri quem são os nossos vizinhos, afinal, fui acusado de seguir a garota. Acontece que Harvey Talbot e Amélie Laverne fizeram parte de uma banda de rock psicodélico que teve seu auge do fim dos anos setenta ao fim dos anos oitenta. Eles viviam por aí em turnê.

Aparentemente, a garota teve uma vida conturbada. Escândalos rodearam sua vida como um furacão. As principais notícias são dos pais dela usando drogas e perdendo dinheiro em apostas em Las vegas. A clássica decadência americana. Nunca se casaram, portanto, Hazel carrega apenas o nome da mãe. Não encontrei o motivo disso nas notícias.

A banda, chamada “The church” declarou seu fim oficial em 97. E então, vieram morar em Lawrence. Bem em frente à minha casa.

E é claro que eu tinha de ter uma premonição sobre a garota filha de pais famosos. É claro que eu tinha de tentar salvá-la.

Os comentários sobre ela cresceram. Aparentemente, ela estava conseguindo manter sua anonimidade muito bem antes disso tudo. Agora, tudo o que se fala é sobre a fama de seus pais, sobre coisas grotescas que envolvem o passado da banda deles, e sobre como ela devia ser tão problemática quanto os pais.

As pessoas são como abutres. Quando identificam pessoas quebradas em meio ao bando, se apressam a bicá-las com suas palavras venenosas e rasas.

Hazel e eu somos o foco dos abutres agora.

XXX

13 DE OUTUBRO.

Está ensolarado, e eu finalmente tirei aquele gesso ridículo da perna, e embora eu ainda sinta algumas dores estou me sentindo melhor, principalmente porque estamos passando o intervalo do lado de fora da escola nas mesinhas de madeira. Fazia um longo período que só chovia, então a escola nos deu essa chance de aproveitar o sol.

Estou ouvindo uma banda chamada Placebo, que descobri por acaso em uma loja de fitas e CDs na semana passada. Preciso comprar fones de ouvidos menores, mas não tenho dinheiro para isso agora. Meu pai foi embora novamente, caçar um fantasma vingativo.

Dean terminou os consertos do Impala, que ele insiste em chamar de baby.

As coisas parecem estar voltando ao seu lugar.

Estou fazendo minhas anotações da última aula ao som de “Running up that hill”, uma releitura da banda placebo sobre a música da Bush, quando noto Hazel, de longe.

Ela está sentada em uma mesa não muito longe da minha, e está lendo um livro muito menor do que aquele outro que nunca tive oportunidade de descobrir o título. Seu cabelo está solto, e ela parece mais silenciosa do que já era. Os olhos verdes concentrados nas páginas, como naquele dia da biblioteca.

Eu nunca descobri o nome daquele livro...

Mas não posso falar com ela. Não devo.

O pai dela foi bem claro. E para ser honesto, depois de tudo, não acho que ela queira falar comigo.

Mas tem algo que tem me incomodado, que eu estou morrendo para saber. Por que ela me defendeu, testemunhando ao meu favor e mentindo para o juiz? Será que sabia que eu estava tentando salvá-la?

O dia parece tranquilo, então tento afastar todas as preocupações.

Mas então essa leveza do dia se esvai. Um garoto chamado Gary se aproxima da mesa de Hazel. Eu o conheço de vista, e sei que é um completo idiota. Ele se senta ao lado dela, interrompendo sua leitura. Retiro os fones do ouvido e fico atento a cena que se desenrola.

Por algum motivo, me sinto protetor com relação a ela. Acho que por notar que ela tem problemas demais...

Acho que me enxergo um pouco nela.

—Hey, você sabia que sua mãe já saiu na playboy? — O idiota diz isso o mais alto que consegue, para chamar a atenção de todo mundo. Ele então joga uma revista na mesa, bem na frente dela. Ela fecha o livro e o encara com um olhar afiado, como se provocações do tipo não lhe fossem novidade. Ele então passa seu braço pelos ombros dela, a deixando visivelmente desconfortável – Vocês são parecidas? Quer dizer...lá embaixo?

Ela se desvencilha dele, com raiva. Meu sangue começa a ferver.

Não posso me envolver. Não devo me envolver. Fique quieto onde você está.

Quando ela se levanta, Gary a segura pelo braço. Todos continuam observando, mas ninguém faz nada. Alguns dão risada, outros se aproximam para pegar a revista na mão. Hazel se vira para o idiota e tenta se soltar, mas não consegue.

—Me solta, seu idiota! - A voz dela é firme, mas ele não dá o braço a torcer.

—Ei! Você não sabe brincar? É só uma piada! – Isso acaba sendo a gota da água. Garoto nenhum deve relar em uma garota sem seu consentimento. Quase de maneira automática me levanto rápido demais e vou em direção aos dois com o punho fechado, as unhas quase encravadas na minha carne.

—Solta a garota. – Falo, semicerrando os dentes. Encaro-o nos olhos, e ele dá um sorriso idiota, com a mão ainda segurando o braço de Hazel.

—Ohhhh, eu não sabia que você já tinha namorado, Laverne! Foi mal! – Gary diz isso de maneira debochada, os demais continuam rindo. Ele a solta, e continua me encarando – Será que você pode confirmar, Winchester? Elas são parecidas?

Quando estou pronto para perder a cabeça com esse desperdício de carbono, para a minha surpresa e para a surpresa dos demais, Hazel lhe dá um chute bem forte no meio das pernas. Nunca vi alguém chutar com tanta força e tanta raiva.

Gary geme e cambaleia para trás. Todo mundo começa a rir, e eu a olho nos olhos para tentar entender se ela está bem, porque se alguém tivesse feito o que acabaram de fazer com ela, comigo, eu estaria péssimo.

Mas ela começa a rir da cara do Gary. E isso acaba me fazendo rir também. Porque ele é um idiota e porque ela o colocou no lugar dele. Mas isso acaba provocando o ego gigantesco do imbecil que se recompõem e faz uma postura de quem vai ir para cima dela.

—Sua vadia! – Ele grita, com uma pose agressiva e perto demais dela, que dá um passo para trás. Eu que já estava louco por uma desculpa para quebrar esse otário, fecho meu punho e o acerto com um soco.

Bem no meio do rosto.

Sem pensar duas vezes.

Todos que estavam rindo, passam a olhar a cena com outros olhos. Sem que eu tenha calculado isso direito, um círculo de pessoas começa a se formar ao nosso redor.

Merda. Esses idiotas querem ver uma briga.

Gary cospe o sangue ocasionado pelo meu soco, e arruma sua postura.

—Você está perdido, Winchester. – Ele tenta retribuir o golpe, mas eu desvio.

Esse idiota não tem a mínima ideia de como eu fui criado.

Lhe passo uma rasteira, e ele bate o queixo no chão. As pessoas incentivam a briga, algumas dando risada e outras empolgadas com a violência. Eu só quero sair daqui.

Droga, eu não preciso de mais confusão.

Olho para Hazel que está no meio das pessoas que se amontoam para assistir a briga. Está claramente preocupada. Ela deve achar que essa confusão é culpa dela.

Aliás, os olhos dela sempre parecem estar impregnados de culpa.

Mas só tem uma pessoa para se culpar aqui, e esse alguém é o otário que eu acabei de fazer beijar o chão. Antes que ele se levante, a multidão de alunos vai se dissipando quando o inspetor, Sr. Riggs, irrompe do meio do círculo:

— Que é que está acontecendo aqui? Quem começou essa palhaçada? – Sr.Riggs é um senhor curvado sem muita paciência e dois dentes lhe faltam na boca. Um dos amigos de Gary aponta para Hazel, e então para mim. Antes que um de nós abra a boca para nos defender e explicar como tudo aconteceu, o inspetor ergue a mão, nos interrompendo – Vocês dois, venham comigo! Vocês podem guardar suas explicações para o diretor. Alguém leva o menino para enfermaria? – Duas garotas se voluntariam, quando Hazel e eu seguimos Sr. Riggs sabendo que nos metemos em uma fria. Sabendo que não temos escolha.

Hazel talvez não saiba, mas o nome completo do idiota que a desrespeitou é Gary Adams. Filho de William Adams, mais conhecido como o diretor dessa porcaria de escola.

Pessoas como Gary sempre se safam de tudo.

No caminho para a diretoria, seguimos em silêncio enquanto Sr. Riggs fica resmungando sobre como a nossa geração está perdida e blá blá blá. Fico olhando para Hazel durante todo o caminho, sabendo muito bem que todas as palavras horríveis e provocações que ela tem ouvido devem ser insuportáveis de aguentar.

Tenho a plena certeza de que devia me afastar. O pai dela foi bem claro e, para ser sincero, poucas as vezes que tentei fazer algo por essa garota acabamos no hospital e agora na diretoria.

Não sei se o destino está querendo me dizer algo, mas é como se tudo ao meu redor gritasse “Se afaste”. E eu sempre me senti contagioso. Uma aberração, um causador de problemas. Um perturbado.

Mas tem algo nela...algo que faz com que eu me identifique. Nunca conversamos apropriadamente, não faço ideia de como a cabeça dela funciona, não a conheço de verdade. Mas eu vi algo nos olhos dela, durante a premonição. E vi essa mesma coisa na noite do acidente, e tornei a ver agora a pouco, durante toda essa confusão.

Eu não sei nomear o que eu vi. Mas faz com que eu queira entende-la.

Faz com que eu queira conhecê-la.

A questão é...ela quer me conhecer?


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Notas finais do capítulo

Eu sei que ficou muito longo. Eu não sei se gostei de como o capítulo ficou, mas eu garanto que trabalhei muito, MUITO, nele!
Começo de história é meio chatinho, eu sei. É muita introdução, explicação...mas sem isso, o resto da história não faz sentido!

Fiquem comigo e me dêem feedbacks.

Abraços, xurubibos!
XOXO Willow.



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