A Garota Que Ficou Para Trás - EM HIATUS (JULHO) escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 12
Capítulo XI - Monções


Notas iniciais do capítulo

*As monções são ventos que alteram a direção periodicamente e provocam chuvas intensas no verão - Ou seja, causadoras de tempestades meio a bons tempos.

Boa leitura ♥



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Ponto de vista de John Winchester, 1999.

Harvey Talbot não se mexe, nem conseguiria se tentasse. Seguro-o pelo colarinho, seu rosto inchado e coberto de sangue pendendo, quase desacordado.

Ele tenta murmurar alguma coisa, mas acaba engasgando com o sangue mesclado a saliva. Ergo uma sobrancelha, genuinamente curioso sobre o que ele poderia querer me dizer a essa altura.

—O único motivo de você não estar morto agora, é porque sua filha implorou pela sua vida miserável...- Sussurro em sua orelha, entredentes, as palavras com um gosto metálico – Reze para a garota se recuperar rápido da surra que você deu nela, ou eu te caço até os confins da terra para acabar o que comecei aqui hoje.

O solto no chão, gemendo de dor e balbuciando algo inaudível. Um chiado agudo perturba minha a cabeça, enquanto minhas mãos estremecem violentamente, assim como todo o resto do meu corpo. Isso acontece todas as vezes que o meu sangue esfria e a adrenalina vai embora. Olho para as minhas mãos, e ambas estão com os nós dos dedos estourados e arroxeados. Me viro em direção a porta completamente arrombada e saio no gramado coberto por neve, me deparando com vários vizinhos horrorizados.

Dou um sorriso pequeno e escárnio, ajeito minha jaqueta de couro enquanto me viro para um senhor de idade da casa ao lado.

—O senhor já ligou para a polícia? – O velho faz que não com a cabeça lentamente, completamente confuso – E o que está esperando?! – Limpo as mãos ensanguentadas no jeans, e então me viro para um garoto que deve ter a idade de Dean. Ele é alto e magro, e tem os olhos arregalados olhando na minha direção.

—Qual seu nome, garoto? – O menino engole em seco, mas é rápido em sua resposta.

—Will Benson, S-senhor...- Ele gagueja enquanto eu me aproximo dele.

—Prazer, Benson. Sou John Winchester, e você vai me levar ao hospital mais próximo. – O garoto assente, sem hesitar, indo trêmulo em direção ao próprio carro. Quando abre a porta do carona para mim, olho ao meu redor e digo, bem alto – Se eu fosse vocês, não entraria para dentro de casa! A polícia está prestes a chegar e vocês não querem perder o resto do show, não é mesmo?

Se tem uma coisa que eu odeio é gente curiosa.

XXX

Não tenho dificuldade alguma para encontrar o quarto em que Samuel está. É o quarto cujo dois funcionários do hospital estão tentando impedi-lo de sair.

—Você precisa se acalmar, rapaz...- Um enfermeiro de óculos tenta apaziguar a situação, enquanto outra enfermeira tenta segurar a porta com força, e de lá de dentro ouço a voz de Dean:

—Sammy, você precisa se sentar...

Apoio as costas na parede, olhando a cena toda. Dou um longo suspiro e finalmente intervenho:

—Samuel Winchester, se acalme, agora. – Todos olham para mim, inclusive Samuel, que está ofegante, uma de suas mãos se apoiando levemente em um curativo em seu ombro, onde foi atingido por um caco de vidro durante a briga com Harvey. Meu filho tem sangue seco por todo o seu rosto, as pupilas estão dilatas, e Dean está ao seu lado, o segurando.

—Eu preciso saber como ela está! – Há dor em sua voz, mesclada a raiva. Cerro os olhos, porque percebo que algo está diferente. Suas veias estão saltadas, tanto no pescoço como em seus braços.

Algo está errado.

—Se você não entrar nesse maldito quarto e se acalmar, eles darão um sossega leão para você, é isso o que você quer? – Digo isso calmamente. Samuel para de se debater, e os enfermeiros parecem me agradecer com o olhar, deixando-nos a sós. Fecho a porta atrás de mim, e aponto para a maca, que é onde ele deveria estar – Você perdeu muito sangue, Samuel. Não vai poder ajudá-la se você não estiver bem!

Samuel assente, devagar e com os olhos fechados. Meu filho dá um longo suspiro e então se vira, sentando-se na maca. Olho para Dean, batendo em seu ombro.

—Por que não vai tomar um café, filho? Você também precisa descansar.

Dean vai abrir a boca para protestar, mas assim que vê meu olhar recriminatório, aquiesce obedientemente com a cabeça e se retira.

Ficamos em silêncio por um tempo, Samuel e eu.

—Ele...ele está...? – Ele questiona, os olhos verdes me encarando de maneira séria.

—Vivo. Está vivo, Samuel. – Olho para baixo, para o piso preto e branco enquanto me apoio na parede. Nunca contei isso a ninguém, mas olhar nos olhos de Samuel me deixa nervoso.

Ambos meus filhos têm os olhos verdes, mas a íris de Samuel carrega esse tom tempestuoso como o oceano, transbordando com a atitude arisca com que encara as pessoas...igual a Mary.

E esse tipo de coisa dói.

—Como chegou a tempo? Como soube que...? – Ele começa a questionar, mas sua voz morre. Passo a mão pela barba por fazer, e umedeço os lábios:

—Dean veio me procurar, Samuel. Seu irmão deixou claro que estava preocupado com o seu envolvimento com a garota, por conta do pai dela...- Dou de ombros, respirando pesadamente – Eu não pude deixar de vir conferir. E que bom que eu o fiz, não é?

Meu caçula assente, meio contrariado. Acontece que Samuel também não gosta de me olhar nos olhos.

—Filho, não posso deixar de perguntar...tinha que se envolver com ela? – Digo isso coçando a cabeça, tentando escolher as palavras certas – Quer dizer...desde o início a garota me pareceu complicada e...

— Pode parar por aí. – Samuel se levanta da maca, sua expressão coberta de irritabilidade voltada para mim. Assim como Mary, Samuel tende a enrugar o nariz quando está nervoso – Você não entenderia o que sinto por ela nem se tentasse e além do mais, não vou falar sobre isso com você.

Dou uma risada irônica, meio sem querer.

—Claro que não vai. Até porque, quem sou eu, não é mesmo? – Uso ironia em minha voz, o que parece irritá-lo ainda mais – Só quero dizer que eu te conheço, filho. Você sempre teve uma quedinha pela escuridão. Ao menos sabe se ela é confiável?

Se pudesse definir o ódio em um olhar, definiria os olhos do meu filho.

Eu sei que eu uso as palavras erradas. Eu sei que eu devo soar louco e paranoico, mas acontece que eu sou louco e paranoico. E meus filhos também deveriam ser.

Somos amaldiçoados. Não podemos nos esquecer disso, nem por um minuto.

—Você se escuta? – Ele me questiona, incrédulo – Sei lá, você presta atenção nas coisas que você fala em voz alta? – Samuel cambaleia, fraco pelo ferimento e pela perda de sangue – “Quedinha pela escuridão”? Sério?

Dou de ombros e respiro fundo, exausto.

—Não vou me intrometer mais. Só me responda uma coisa, filho. Pode ser? – Samuel está na defensiva comigo.

Sempre estamos na defensiva um com o outro. Meu filho fica quieto, aguardando minha voz romper o silêncio.

—Você a ama? – Questiono. Samuel cerra os olhos, confuso pela minha pergunta. Se ele vai se arriscar por essa garota do jeito que está fazendo, eu preciso saber se é ao menos algo sério.

—Eu a amo, John. – A raiva em sua voz deixa claro o quão irrefreável ele está sobre tudo isso.

Dou um longo suspiro. Quero dizer a ele tudo o que eu penso.

Quero dizer que, no negócio de família, namoradas não são uma opção. Porque elas acabam mortas. Tenho vontade de dizer a ele que ninguém é confiável, porque tentam matar ele desde o berço. Gostaria de contar a ele que eu acredito que algo maligno se estabeleceu dentro dele na noite em que sua mãe foi morta.

Mas não vou dizer nenhuma dessas coisas. Porque seria cruel demais. E eu já sou cruel o suficiente.

Ao invés de dizer o que penso, digo outra coisa:

— Você...você vai ficar bem? Depois de tudo isso? - Vejo lágrimas se formando em seus olhos, e ele tenta contê-las com raiva estampada em seu rosto. Sua ira parece ascender, e quando penso que talvez ele vá sucumbir e ter um surto, a raiva se dissolve.

Em desolação.

—Foi tudo tão rápido...- Sua voz é entrecortada pelo choro que ele prende na garganta, mas que parece querer fugir por entre as palavras – Quando eu fecho os meus olhos, só consigo ver os ferimentos espalhados por ela. Só consigo ver o que aquele maldito fez com ela. Eu...

Ele se silencia. A raiva volta na superfície da desolação, e ele começa a ficar trêmulo, o olhar obscuro.

—Bom, filho...o que eu sei é que os médicos não vão deixar você vê-la, não do jeito que você está...- Aponto para o seu ombro, e pigarreio, desconfortável. Eu nunca o vi com tanta dor antes, e nem estou me referindo ao machucado - Mas eu posso descobrir como ela está, quais são os ferimentos e...

Uma batida na porta interrompe nosso diálogo. Fico surpreso ao ver uma mulher ruiva de cabelos muito compridos parada na porta, com roupas que se parecem com as que eu usava nos anos 70. Ela tem uma pulseira de identificação hospitalar ao redor do pulso, e olha de Samuel para mim. Lembro dela do tribunal, é a mãe de Hazel.

—Desculpe interromper. Precisava ver como você está...- A mulher aponta para o meu filho, meio sem jeito - Hazel não está se acalmando, porque quer saber se você está bem, Sam.

Vejo o meu filho se levantar mais rápido do que um raio.

—Eu? Ela não devia estar preocupada comigo, Srta. Laverne! Eu estou ótimo! - Sam cambaleia um pouco, acho que ele não percebe o quanto de sangue perdeu quando foi atingido. A mulher olha preocupada para mim.

Ela sabe como me sinto.

—Os médicos não vão deixar vocês dois se verem, não enquanto a poeira não abaixar. Mas ela não ia sossegar enquanto eu não viesse ver você, assegurando-a que você está bem...- A mulher anda em minha direção, estendendo a mão para que eu a cumprimente – Sou Amélie, hm...mãe da Hazel, mas acho que isso ficou claro. Sei que nos vimos no tribunal, meses atrás...mas queria me apresentar da maneira correta.

Dou um sorriso torto

—Pois é, situações judiciais não são a maneira mais sutil de apresentação. A propósito, sou John Winchester...- Retribuo seu aperto de mão – Mas isso você já sabe. E como está a sua filha?

Amélie olha para baixo por um breve momento. Deve ser muito difícil para ela.

—Ela vai se recuperar. Não perdeu tanto sangue...- Amélie dá dois passos para trás, evidentemente desconfortável com a situação – O que mais me preocupa é que está em estado de choque. Mas está recebendo um bom tratamento. Estamos no quarto de número onze, aliás. Quando for possível ir visitá-la, é o quarto no final do corredor, Sam.

Vejo Samuel se retraindo.

—Diga a ela que assim que esses canalhas do hospital pararem de me rondar como se eu fosse explodir, eu vou ir vê-la. – Meu filho é firme em cada palavra. Amélie Laverne assente.

—Vou dizer. E Sam? Eu sinto muito. Por tudo...- Amélie tem lágrimas em seus olhos, fazendo seu olhar brilhar – Seu eu pudesse, teria impedido tudo.

—Sei disso, Sra. Laverne. Não se preocupe...

Ele diz isso com a voz baixa. Amélie assente, silenciosamente, e então se retira.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Foi a noite mais difícil de toda a minha vida. Quando perceberam que eu não ia pregar os olhos, me deram algo que fez tudo ficar escuro e borrado. Fiquei no soro durante a noite inteira, recebendo vários tipos de medicação. Quando o primeiro raio de sol entrou pela janela, percebi que John e Dean haviam adormecido em cadeiras de plástico.

Sem pensar duas vezes, arranco o acesso do soro e amarro um pedaço de gaze que encontro na cômoda ao redor do buraco sangrento deixado pela agulha. Quando me sento, quase gemo de dor, porque meu ombro queima de maneira excruciante, onde levei pontos. Ao abrir a porta silenciosamente, checo o corredor duas vezes e quando tenho certeza de que não há ninguém olhando, sigo sorrateiramente até o final do corredor. Meus olhos percorrem todas as portas, a procura do número onze. Sinto um calafrio quando finalmente encontro seu quarto.

Fico parado por alguns instantes, a mão na maçaneta fria.

Tenho medo de qual será a expressão em meu rosto quando eu ver cada ferimento seu. Durante tudo o que aconteceu, não tive tempo de analisar os danos com calma. E preciso ser forte para ela. Tenho medo de que, assim que eu colocar meus olhos em cada hematoma, eu vá sair por essa porta e matar Harvey Talbot com as minhas próprias mãos, ignorando toda a minha sensatez.

Ao girar a maçaneta, meu mundo inteiro se estilhaça.

Hazel está sentada em sua maca, com a roupa de hospital e com os cabelos levemente bagunçados. Seu braço esquerdo está imobilizado junto ao tórax, completamente enfaixado. Amélie deve ter ido buscar alguma coisa. Meus olhos percorrem cada centímetro de sua pele. Ambos os seus braços estão cobertos de suturas, onde ela foi claramente açoitada com algo. Suas bochechas ainda carregam hematomas arroxeados em formato de dedos, onde ela foi estapeada. Um de seus olhos está roxo, onde ela claramente recebeu um soco.

Respiro fundo com dificuldade, porque assim que a vejo, me lembro de como ela estava estirada no chão frio...só consigo pensar naquele vazio que me dominou quando pensei que ela pudesse estar morta.

Mas o que mais me apavora é o seu olhar estático para o nada. Ela sequer notou que eu entrei aqui. Está parada, e trêmula. É quase imperceptível, sua tremedeira. Eu só noto porque chego mais perto.

—Hazel...? – Digo baixinho, e ela se sobressalta bruscamente.

Seus olhos finalmente encontram os meus. Estão devastados.

—Sam...- Ela sussurra, se encolhendo um pouco ao dizer o meu nome.

Me aproximo dela, porque tudo o que quero fazer é abraçá-la. Mas quando vejo seu corpo se encolher mais, eu decido não fazer isso. E todos os meus ossos doem por saber que ela provavelmente não quer ser tocada por ninguém, não agora.

—Você não dormiu nada, El? – Quero dizer um milhão de coisas para ela, mas não sei por onde começar. Ela parece estar fechada, retraída, e eu vou ir com calma. Vou manobrar as palavras com cuidado.

—Eu não consegui dormir...- Sua voz está rouca. Aquiesço, e percebo que seu braço direito está conectado a um soro.

—Não colocaram nada para você dormir? – Questiono, e ergo o braço para conferir a etiqueta do plástico que envolve o soro, querendo saber o que estão dando para ela afinal.

O meu coração se quebra quando ela instintivamente se cobre com os dois braços, como se a sua vida dependesse disso. Tudo o que eu fiz foi erguer o braço por um segundo para alcançar o soro, e o corpo dela reagiu. Se um arpão me atravessasse, não doeria tanto como dói agora.

Travo o maxilar e engulo o choro com muita força, enquanto observo a garota que eu amo encolhida, ambas as mãos erguidas como um escudo, seu corpo tremendo por completo. Me afasto devagar, dando apenas dois passos para trás.

—Ei, El...- Uso o tom de voz mais baixo que consigo, e ela vai abaixando os braços lentamente – Me perdoe, linda. Eu só queria checar o que estão te dando. Me desculpa se meu movimento foi brusco...vou tomar mais cuidado, tá bem?

Não foi brusco, eu me movi normalmente. Mas isso não importa. Tudo é brusco para ela agora. Seu corpo está em choque.

Quando digo isso, Hazel cobre o próprio rosto com ambas as mãos.

—Me desculpe, Sam. Me desculpe...- Ela murmura isso até a sua voz morrer. Me retraio, sucumbindo por dentro. Ver o seu sofrimento está acabando comigo – Me desculpe por te envolver em tudo isso.

—Hazel, me escute... – Dou um passo para frente, mas paro por aí. A última coisa que quero fazer é engatilhá-la novamente. Ficaria a um milhão de passos de distância se fosse necessário – Nada do que aconteceu é culpa sua. Nada, me ouviu?

Se mentes pesassem, a minha pesaria toneladas agora. Porque a culpa, na verdade, é minha. Se eu tivesse ficado longe dela, desde o começo...

Mas não vou verbalizar isso. Porque sei o que ela diria. Diria que, se não fosse por mim, seu pai encontraria outros meios para ser violento com ela. E isso é verdade, eu sei que é. Mas é inevitável ser corroído por culpa tendo em vista tudo o que aconteceu nas últimas vinte e quatro horas.

—Quero que me diga, El. Quero que diga em voz alta que entende que isso não é sua culpa. Pode fazer isso, por favor? – Meu tom sai suplicante, poque de fato é uma súplica. Hazel evita os meus olhos, parece envergonhada.

—Eu...eu entendo. Que não é minha culpa...- Sua voz é quase inaudível, e ela deixa as mexas dos cabelos caírem levemente sob seu rosto, como se quisesse se esconder – Mas não consigo não me sentir culpada, entende?

—Entendo sim...- Suspiro, porque conheço a sensação bem até demais – El, posso me sentar ao seu lado? Está tudo bem para você se eu fizer isso?

Busco consentimento em seu olhar, e ela assente, devagar. Me aproximo lentamente, me sentando ao seu lado. Hazel abaixa a cabeça, mais uma vez evitando deixar seus olhos presos nos meus, e isso me destrói por completo.

—El, por favor, eu preciso que você me escute com atenção. Olhe para mim...por favor...- Meu coração está ardendo, e a minha respiração está pesada. Quero gritar, chorar, quero quebrar esse quarto inteiro. Hazel ergue o olhar para mim, timidamente – Você não está com vergonha de mim, está? – Especulo, cauteloso.

Uma lágrima brota dos seus olhos, e o meu instinto é erguer a mão para limpá-la.

Gostaria de não ter feito isso. Mais uma vez, seu corpo se retrai. Minha mão para no meio do caminho, sequer toco nela.

—Estou, estou com vergonha do mundo inteiro...- Sua voz sai completamente quebrada, meio ao choro que lhe acomete – Mas principalmente de você. Eu estou...meu rosto está...

Ela não consegue concluir sua frase.

Não derramei uma lágrima até agora, e não irei. Não na frente dela. Preciso ser a pessoa mais forte do mundo agora, por ela.

Mas juro pelo meu nome, que nunca foi tão difícil não desabar.

—El, me escute com atenção...Eu te amo, eu te amo tanto que dói fisicamente...- Aponto para o meu próprio peito, e não tiro os olhos dos dela, nem por um segundo – E não deve se envergonhar por nada, Hazel. Eu só posso imaginar como deve estar se sentindo, vulnerável e exposta. Mas por favor, não fique constrangida por estar passando por algo terrível. Quem deveria estar com vergonha é o seu pai, El. Ele é a única pessoa nessa equação que precisa sentir vergonha.

Busco entendimento no seu olhar, mas só o que há em seus olhos é dor.

—Não consigo, Sam. Não quando vi no espelho o estado do meu rosto, dos meus braços. Não suporto saber que, quando olharem para mim, saberão exatamente o que aconteceu comigo...- Sua voz embarga, e ela abaixa a cabeça mais uma vez.

—Não, Hazel. Esses roxos, eles vão desaparecer. Eu prometo a você que em alguns dias não haverá traço algum de violência em seu rosto, e eu prometo que não vou ficar olhando para eles. Só quero olhar os seus olhos, El. Só os seus olhos...- Hazel ergue o rosto, devagarzinho. Quero colocar uma mecha do seu cabelo para trás da sua orelha, mas não o faço. Sei o que isso causaria nela – Você confia em mim?

Hazel assente, limpando as próprias lágrimas com as pontas dos dedos.

—Confio. Mais do que tudo, Sam. – Sorrio, mesmo que seja um sorriso doloroso.

—Me deixe ajudar você, ok? Em cada passo, vou estar com você. Você vai superar isso, El. E não vai superar sozinha, me ouviu? – Ela assente, o olhar de dor se encontrando com o meu.

—Sam...? – Hazel suspira, e aproxima a mão lentamente da minha, que está apoiada na cama. Fico parado, observando seus dedos trêmulos se encaixarem devagar com os meus. Todo o meu corpo parece se aquecer pelo seu toque – Deita comigo?

Sorrio, me lembrando da primeira noite em que dormimos juntos. A noite em que eu prometi não beijá-la e cumpri com a minha promessa.

—Tem certeza? – Olho ao redor – E a sua mãe?

—Foi resolver umas coisas burocráticas...acho que entrou em contato com a minha avó, mas não tenho certeza. De qualquer forma, você não vai conseguir ficar muito tempo comigo. Já já algum enfermeiro idiota vai te colocar para fora, então...- Ela para de falar, e eu me deito na cama de hospital, e ela se deita em seguida, apoiando sua cabeça em meu peito, com cuidado.

O seu toque, ter ela comigo...é a única coisa que preciso.

—Posso te envolver com os braços? Prometo tomar cuidado com as suas suturas...- Sinto sua cabeça assentindo, e faço exatamente o que disse que faria. Enrolo meus braços ao seu redor cuidadosamente e evitando os ferimentos, e beijo o topo da sua cabeça. Fecho os meus olhos, e finalmente, depois de tantas horas consumido pela angústia, consigo respirar.

—Odeio que precise me perguntar isso...- Enquanto ela fala eu sinto suas lágrimas molhando a minha camiseta, atravessando o tecido e escorrendo pela minha pele – Odeio a forma como o meu corpo está reagindo a tudo ao meu redor...

—Shhh...- Sussurro para ela, bem baixinho – Não odeie nada disso. Dê um tempo para o seu corpo, El. Ele está tentando te proteger. E, por falar no seu corpo...você está com o braço quebrado? Por isso está imobilizado?

Ela demora um pouco para responder.

—Não. Estou com a costela fraturada, imobilizaram meu braço para evitar que tudo piore. – O ar parece esfriar assim que ela diz isso. Eu sei que ele a espancou, mas eu não sei os detalhes. E obviamente não irei pedir essas informações a ela, isso a destruiria por dentro...reviver tudo de novo. Mas me mata, de verdade, ficar imaginando cada uma das coisas que ele fez com ela.

Só tem uma coisa que eu preciso perguntar, uma coisa que não tem saído da minha cabeça. Mas não vou perguntar essa coisa a ela...não agora. Não tão cedo.

O fato de ela não lembrar da infância, e o fato do pai ser tão estranho com relação a ela...

Fica difícil não imaginar se...

Se...

Limpo minha mente e fecho os meus olhos. Não quero pensar nisso agora. Não posso. Não vou suportar.

Apenas adormeço com ela em meus braços.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Uma semana depois

A casa é tão silenciosa agora.

Nunca imaginei que o silencio pudesse ser tão...necessário.

Meu pai foi detido pela polícia e aguarda julgamento, em outras palavras...está preso. Por enquanto.

É claro que a mídia não nos deixa em paz. Três vezes por dia vejo algum estranho com câmeras nada discretas entocado em um arbusto da vizinhança. É óbvio que meu pai deu a versão dele dos fatos...

E é óbvio que os fãs assíduos da sua banda idiota acataram tudo. Mas a polícia não, e é nisso que estou tentando focar.

De acordo com a versão fantasiosa dele, ele me protegeu do Sam. Sam foi quem teria me agredido, ele disse para os repórteres enquanto era transferido.

Sou só um pai tentando proteger a filha de um cafajeste

Após coletar meu testemunho, a polícia desmentiu a versão dele e acatou a minha. É claro que, manchetes como:

Ex astro do rock espanca filha e é detido” estão por toda parte. Eu nem assisto televisão mais.

Por sorte, estamos na pausa das festas de fim de ano e não vou precisar encarar ninguém fazendo comentários idiotas...por enquanto.

Meu rosto está melhorando. Já não tenho mais as marcas dos dedos dele nas bochechas, e o roxo do meu olho está quase desaparecendo. Ainda estou com o braço imobilizado e já tirei os pontos das suturas. Minha mãe continua lutando pela sobriedade, e temos recebido ajuda financeira da minha avó.

Acontece que ela é muito, muito rica. E muito amargurada, também. Ouvi minha mãe no telefone implorando para que ela viesse nos visitar...aparentemente, Amélie gostaria de se reconciliar com a mãe. Mas...as coisas não saíram como ela planejou. Antonella Laverne só vai ajudar com o dinheiro, e deixou isso bem claro.

Não quero soar ingrata. Ela está nos salvando com o dinheiro, mas...gostaria que elas pudessem se acertar. E no caminho para a sobriedade, afeto é tudo o que Amélie precisa agora.

A verdade é que, seguir em frente após uma grande tempestade é a coisa mais difícil que alguém pode fazer. E eu estou cansada de monções, sempre trazendo novas tempestades. Cair é sempre mais fácil que se erguer.

Preciso desesperadamente de calmaria. Chega de monções, chega de monções, chega de monções...

Me pergunto se eu mesma não sou uma monção no verão da vida das pessoas ao meu redor.

Estou organizando os meus discos quando ouço um toque no vidro da janela. Me viro e sorrio. Sam está ali, todo agasalhado graças ao frio, os flocos de neve voando para lá e para cá. Ando na direção da janela e a abro para que ele entre.

—Sabe, nós temos porta da frente...- Ele ri quando digo isso, e ajeita o cabelo bagunçado pelo vento.

—Eu sei, mas acho mais romântico me esgueirar pela sua janela... – Ele se encosta na parede e esfrega as mãos uma na outra para espantar o frio – Eu vim lhe fazer um convite...

Sam coça a parte detrás da cabeça, meio sem jeito. Cerro os olhos, curiosa:

—Que tipo de convite? – Ele dá um sorriso meio sem jeito.

—Você já tem planos para o Natal? – Sam diz, colocando uma mexa do meu cabelo para trás da minha orelha.

—Não, minha mãe e eu não temos exatamente nada em mente. Não com toda a loucura que tem acontecido. – Sam assente, e molha os lábios antes de falar:

—Certo...sabe, Dean e eu...nós não comemoramos o Natal há muito, muito tempo. E, não sei se isso é inapropriado tendo em vista tudo o que tem acontecido...sei que comemorar qualquer coisa que seja não é bem o que vocês teriam em mente agora, mas...- Sam parece nervoso, como não soubesse muito bem o que quer dizer. Ele quase fala sem pausa, e percebe meu olhar confuso, então dá um suspiro e faz uma breve pausa – Acho que estou tentando te convidar para passar o Natal conosco. – Ele finalmente diz, com a voz meio falha.

Fico olhando para ele por alguns segundos, incerta. Eu tinha me esquecido completamente do Natal. A última semana que passou foi provavelmente a mais difícil de todas, e com o meu pai detido...comemorar o que quer que fosse realmente não se passou pela minha mente, nem por um segundo.

Sam nota minha hesitação, e suspira.

—É...eu sabia que isso não era uma boa ideia. Me desculpa, El, eu só...

—Não, não se desculpe. Você só me pegou desprevenida. Você tem razão, minha mãe e eu não pensamos em comemorar nada, mas isso não significa que estejamos certas sobre isso... – Me apresso a dizer. Seu olhar triste me quebra por dentro – Nós não merecemos ficar sofrendo pelas consequências das ações do meu pai. Tenho certeza de que, se você pedir com jeitinho e convidá-la...bom, acho que ela daria uma chance.

Seus olhos se iluminam.

—Tem certeza? Mas e você? O que você sente sobre isso, El? Você não tem que fazer isso se não quiser, sabe disso, não sabe? – Seu olhar preocupado recai sobre mim.

—Eu sei...- Digo, acariciando seu rosto suavemente – Mas eu realmente estou precisando viver algum tipo de normalidade, e comemorar o Natal me parece ser uma boa ideia para isso.

—Mesmo? – Ele especula, ainda preocupado. Ele sempre checa as coisas mais de uma vez. É um homem de detalhes.

Eu amo detalhes. Sorrio para ele, com a certeza na ponta da língua:

—Mesmo.


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Notas finais do capítulo

Capítulo transitório, eu sei eu sei...mas precisava existir.
Comentem por favorzinho inho inhoooo ♥

XOXO



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