1001 cartas para chegar até você escrita por Liliquinha


Capítulo 5
Capítulo 5 – Desejos de várias vidas




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Mônica voltava da aula, tinha sido mais um dia normal e típico. Nada que ela pudesse reclamar, mas também não agradecer... Passou pela caixa de correio, onde ficou os olhos por um tempo. Apenas por curiosidade. Ou porque ainda pensava nas vidas passadas do sapateiro que o fizeram ter uma dívida com a Fada. Estava lá, a quinta carta, para seu alívio. Ela já tinha se acostumado com elas, nem pareciam mais tão especiais assim. No entanto, como era bom receber a continuação da história e, por Nossa Senhora da Bicicletinha, que ele não parasse sem antes completar! A verdade é que perderam o ar de novidade, de modo que Mônica já esperava por elas todo dia. Até quando? A voz da mãe a despertou enquanto entrava em casa. O almoço já estava no forno, daqui a pouco ficava pronto. A jovem sorriu e respondeu que já ia descer, assim que colocasse a mochila no quarto e desse uma olhada no projeto escolar... Sentou-se na cadeira e começou a ler a carta, precisava acabar logo com isso:

***

Halam Al-Hakim, filho de Asmar, neto de Salim, mercador de Zenóbia, ao estender a narrativa pelo quinto dia, provocava a ira da Princesa Layla Al-Jamila. Por mais que tivesse concordado em ceder seu tempo, mais quantos dias ainda a Princesa teria de conceder ao mercador para ouvir o desfecho? No conto, o sapateiro já tinha chegado ao Palácio de Cristal, onde a Fada lhe ordena que execute uma missão, mas antes terá de ouvir sobre suas vidas passadas... Halam Al-Hakim abusava da boa vontade da Princesa... Um de seus sábios Conselheiros Imperiais propôs que abandonassem a ampulheta, assim o mercador não teria de pausar a narrativa. A Princesa sarcástica, então rebateu: “Se eu assim fizer, respeitável Abu Faruk, ficaremos a escutá-lo dias inteiros seguidos... Além disso, devemos todos admitir que a divisão em porções degustáveis da história torna mais satisfatória a experiência.”

“Se a história tivesse uma resolução rápida, não justificaria cobrar um preço equivalente a um tesouro.” Concluiu outro sábio. Um terceiro Conselheiro, em tom desesperado, pediu: “Vossa Alteza, dizei se a história do mercador até o presente momento vos agrada.” Furtiva, a Princesa Layla Al-Jamila manteve-se calada. “Vosso silêncio é aterrador, Alteza. Ignorais a promessa de pagar a ele um tesouro, Venerada Soberana?”

Subitamente, a Princesa elevou-se de seu trono para dirigir ao insolente Conselheiro seu olhar fulminante e suas duras palavras: “Não havemos de preocupar com pagamento de dívidas, ainda a história não é terminada.” Abu Carim Said Al-Nur, o sábio mais antigo da corte pondera: “Ainda que não seja a hora da efetiva negociação, a cautela exige reflexão, que demanda tempo. Vossa Alteza, não adieis o inevitável, por mais que as horas estejam a vosso dispor.”

Enquanto discutiam, uma serva humildemente aproximou-se para comunicar à sua senhora que o mercador já havia chegado e aguardava sua presença. Ordenou-a que servisse ao convidado a mesma refeição de sempre e fizesse-o esperar uns instantes que logo estaria com ele. Aos Conselheiros, prometeu que refletiria sobre o que conversaram e ofereceu que viessem ouvir com ela a continuação da narrativa do mercador. No salão, Halam Al-Hakim aguardava imóvel a presença da Princesa. Ela cumprimentou-o, posicionou-se em seu trono e comandou à serva que girasse a ampulheta fazendo-o prosseguir com sua história:

               No salão principal do Palácio de Cristal, a Fada Jandira Al-Nour começava a relatar o primeiro encontro que teve com o jovem Farhad Al-Naim. Escolhendo as melhores palavras, sua voz era fria e suave como o vento que traz as vozes dos contadores de histórias:

               “Farhad Al-Naim, filho de Nerum, neto de Samael, sapateiro de Girah, esse é o nome pelo qual agora atendes. No início dos tempos, porém, não eras assim chamado e nem este corpo sustentavas. Na tua primeira vida, não tinhas nome, como todos iguais a ti. Vieras a meu encontro em uma manhã ensolarada, quando tinhas o coração pesado e cheio de esperança. Sem descanso, andaste quase todos os meses do ano até chegar ao meu Palácio de Cristal. Enfrentaste uma viagem extenuante que quase te levara à morte. A única coisa a te mover era o desejo insistente de teu coração. Por isso escutei atenta: ‘Ó, Fada Jandira Al-Nour, sois a única que podeis consolar minha dor e atender ao meu apelo. Como vedes, sou minúscula formiga, porém meu tamanho não condiz com os anseios de minha alma. Não encontro júbilo nos meus dias por ser escrava do trabalho contínuo que a natureza me impôs. Sou forçada a participar de um ciclo infinito, a cumprir uma função que não escolhi. Um dia, como toda criatura amaldiçoada, olhei para o céu e vi as infinitas estrelas. Diante da imensidão, desejei mais. Sentia-me desprezível, uma insignificante formiga igual a tantas outras que carregam folhas até o formigueiro... Percebi que estava aprisionada a uma forma que me obrigaria viver para sempre esta existência condenada, onde não encontro contentamento algum. Quis então o caprichoso destino zombar-se de mim: traiçoeiras vozes ao vento trouxeram-me Vosso Nome e a promessa de realizar meu desejo. Vim então até vós rogar ajuda. Dizei-me, Venerável Fada, se possais me salvar.’ Diante de tamanha dor, não pude recusar-lhe o pedido. Respondi: ‘Formiga, tua súplica chorosa é suficiente para que me apiede de ti. Tornaste merecedora por meio de teu brutal esforço e de tua perseverança. Diga-me então que forma teu coração pede. Qual é a vida que ele deseja?’”

               Ainda narrava: “A formiga não soube responder e humilde disse-me: ‘Fada Caridosa, não conheço mais do que minha condição insignificante e minha impotência diante dos mistérios do mundo. Vós que sois mais sábia que eu, dai-me o corpo que julgareis digno e capaz de satisfazer-me os anseios, a vós imploro. Desejo uma forma que me possibilite viver a modo de a vida conquistar, não acatando passiva o que o destino me reservar.’ Após essas palavras, ofereci meu dedo para trazê-la mais próxima de mim e para que nossos olhos estivessem à mesma altura. Encarando-a, disse: ‘Expira agora teu último suspiro, pequenina, que tua vida agora se esgota após um sacrificante ano de busca. À luz de nova vida, quando abrires os olhos, verás novo mundo onde bem viver. Que minhas bençãos te acompanhem sempre.’ Findadas as palavras, desvaneceu-se.”

O relato trouxe uma lágrima discreta ao olho da Fada Jandira Al-Nour e o coração de Farhad Al-Naim sentiu pesar. Ela continuou: “Na procura de seu lugar no mundo, a formiga entregou-se à roda da fortuna. Assim viveu várias vidas, desde o início dos tempos. Sua busca infinita por saciar o interminável desejo obrigava-a a assumir uma diferente existência. A cada corpo, tinha a chance de nova vida, mas esta era finita. Procurei encontrar-me com aquela que um dia fora a formiga a cada morte. Atraia-me a derradeira hora, quando buscava no fim descobrir se aquela forma de vida satisfizera seu pedido. Não me adiantarei muito, direi a tu, Farhad Al-Naim, algumas poucas para que desvendes um pouco da tua essência e talvez entendas finalmente o que procurava desde tempos imemoriais.”

Continuou a narrar: “Na encarnação seguinte, quis a Roda da Vida que a formiga fosse um pássaro. Quando pousado em uma árvore, encontrei-me com quem ainda não tinha nome. Cumprimentou-me satisfeito o pássaro gorjeando, pareceu-me feliz. Estávamos no alto de um belo pinheiro centenário quando lhe perguntei se, na nova forma, encontrara a felicidade. O pássaro olhou-me com o ar enfadado e triste respondeu-me: ‘Querida Fada que os bons ventos trazem, queria eu ter algo bom a vos dizer sobre a nova vida que me proporcionastes. No entanto, de vós não posso esconder as verdades de meu coração. As asas que esta vida me deu proporcionam-me imensa alegria, mas cobram-me igual preço. Com elas, alcanço longos voos, e por mais alto que voe, nunca chego aonde realmente quero. Os mistérios do mundo ainda me tornam pequeno, mas com tantos prazeres, não maldigo meu tamanho. Agora, porém, outra tristeza me assola. Não encontrei nesta vida um ninho. Se com o sabor do vento me vou, é também ele que não me permite pousar. Todo dia, nova morada. Se às vezes encontro-me em um bando, não são unidos como erámos no formigueiro. Aqui estamos cada um por si. Sinto-me tão só nas minhas horas do dia. Nasci de um ovo com mais três ao lado, no entanto, quem me deu a vida entregou-me ao léu. Perdido no acaso, não encontrei um ninho nem uma companhia. São tantos os predadores também: serpentes que comem os ovos, gaviões que apanham as aves menores em pleno voo, as armas e prisões dos caçadores que nos pegam desprevenidos... Vivo atormentado pela ansiedade e inquietude que os ventos do amanhã trazem.... Dói-me dizer-vos que aqui também não fui feliz.’ Quando ele terminou de falar, tinha eu também o coração pesado.” A Fada pausou por um instante, relembrando o encontro.

Continuou: “Respondi-lhe: ‘Anima-te, passarinho. Se esta vida não te trouxe alegria plena, não me custa ajudar-te novamente. Teus minutos em breve se esgotam, vim ver-te, porque supunha ter encontrado seu lugar e seria esta nossa despedida. Agora entendo que virei te ver na tua próxima vida, que ela te traga a felicidade que esta não pode te dar.’ Com o corpo pousado em minhas mãos, novamente fechou os olhos. Expirou pela última vez e seu corpo dissipou-se nas areias do tempo, sendo reclamado pela roda da fortuna.”

               Suspirou e retomou o relato: “No rochedo de Alcanir, no meio do mar gélido, sentei-me a esperar o peixe que viria a ser o homem chamado Farhad Al-Naim. Atendendo ao chamado de nosso encontro, colocou sua cabeça para fora da água e sorriu-me. ‘Ó Fada Abençoada, como estou feliz em ver-vos. Agora sei que não me falta muito tempo nesta vida. Não vos esconderei nada, porque sabeis todos os segredos do meu coração melhor que eu mesmo. Supôs que seria feliz, sendo filho do imenso mar, também me tornei parte dele, como as pequenas estrelas formam o céu. As ondas são como o vento, levam-me para onde querem, apesar de agirem com mais tirania. Nadar contra elas é praticamente impossível. Na imensidão azul, ainda que fosse minúsculo, vi-me parte integrante de algo extraordinário: meu cardume. Aqui tive família grande: parceiras, filhos, amigos... Nunca fui só. Todos os dias senti-me abraçado e acolhido. Supus ser feliz. No entanto, quando nos atacavam os predadores, era certo que morte reclamava ao menos um de nós. Não me preocupei tanto com morrer quanto me doeu a perda dos que amei. Nas inúmeras viagens, encontrei tesouros. Fico ainda maravilhado com tanto que ainda há para se descobrir além da superfície. Mas nem tudo é bom. Julguei ter me acostumado ao frio e ao escuro: o corpo sim, a alma não. Há lugares onde a noite reina sem cessar. As embarcações que naufragaram contam-me que o mar é viagem e descoberta, mas também a sepultura de muitos mortos. Na escuridão profunda, grutas entre as pedras são esconderijos tanto para a presa se esconder quanto para o predador esperar. E aqui a morte espreita com olhos bem brilhantes e atentos. Não tenho coração que suporte... Por isso, imploro-vos, dai-me a chance de ser mais feliz de outra forma.’ Atendi ao seu pedido e como espuma do mar se dissipou.”

               Novamente a Fada pausou para rememorar as palavras e preparar-se. De volta ao presente, tornou a narrar: “Na vida seguinte, entre a densa folhagem e o cheiro de chuva na relva, encontrei abatida a criatura que um dia fora a formiga. Sua perna traseira estava presa a uma cruel armadilha. No entanto, seu olhar pesava com a dor maior que a física. A tigresa não me viu quando me aproximei. Toquei-lhe a cabeça, a qual levantou para encarar-me ainda triste. Sentei-me a modo de que pousasse o queixo em meu colo, convite que aceitou depois de muito hesitar. Perguntei-lhe: “Pequena, diga-me o que te assola o coração. Não foste feliz nesta vida?’ Hesitou bastante entre suspiros antes de me responder. Afagava sua cabeça, esperando resposta. Por fim, respondeu-me: ‘Vivendo no papel de presa indefesa por tantas vidas, julguei que o predador se eximia do sofrimento. Aqui precisei caçar, matei para sobreviver... A fome de carne e sangue obrigou-me a destruir vidas. Meu coração ainda tem por elas consideração, e agradeço a cada uma por ter me cedido a carne para sustentar meus filhotes e a mim. Aqui, encontrei um macho, cuja única contribuição foi dar-me a prole. Finalmente entendi o sacrifício da mãe que antes não conhecera. Dei à luz a três pequenos a quem muito amei... O primeiro não resistiu a um embate com um tigre adulto, que me queria fértil. Ataquei seu assassino, mas isso não trouxera de volta à vida meu pequeno. Consegui somente proteger os outros, afastando a ameaça da toca. Não ficamos muito por lá, forcei-os a longa jornada quando mal tinham aprendido a andar. Fizemos longas viagens, sem rumo certo, procurando sempre abrigo e comida. A cada presa fui grata por dar a vida para que meus filhotes crescessem e eu pudesse estar junto deles. A segunda que perdi era uma fêmea, que pereceu após o combate com a presa. Era jovem demais para lutar contra o animal. Não a culpo, os olhos da fome cegavam-na e por isso subestimou o oponente. Os chifres perfuraram-na e a ferida infeccionou. A morte não lhe fora rápida o suficiente, mas deu-lhe alívio final... O terceiro, quando grande, ganhou mundo. Não sei se é vivo ou morto, há muito nos perdemos um do outro... E os caçadores aumentaram muito nesta região... No corpo, tenho marcas disso...’ Pausou um instante, seus olhos tinha uma amargura que só a decepção traz. Prosseguiu: ‘Se agora encontro-me com vós, Fada Maravilhosa, é porque meu fim se aproxima, não? Dou graças. Esta vida também não me trouxera a felicidade. A violência me fez forte, mas não me tornou imune. A morte é eterna companhia: é cúmplice aliada quando se está no lugar do caçador; mas espreita inimiga perigosa para quando se é presa. Não há sossego. Aqui mais ensinou-me a morte sobre a constante luta entre os seres que querem viver a qualquer custo. Pergunto-me se o desejo do meu coração é tão somente mudar de forma, testando novas formas de viver, se nem a vida mesmo entendo... Não seria menos doloroso juntar-me às estrelas e assim nem viver mais para não sucumbir... Seria eu mais feliz como uma pedra? Uma árvore? Ou espuma do mar?’ Encarava o nada.”

A Fada calou-se pensativa, mas continuou: “Disse a ela: ‘Querida tigresa que já vivera tantas vidas, falas com a voz do desconsolo. Assombra-te que até mesmo o predador perece. Não sucumbe frágil como a presa, mas a mortalidade humilhara-te. Mesmo grande, caçaram-te; mesmo poderosa, sucumbiste. Na maternidade, sentiste contente, mas quis a vida que teus filhotes fossem uma lição sobre efemeridade. Não suportas a falta que te fazem, por isso quer se isolar, evitando no futuro encontrar dor semelhante. Quer ter a forma que julgas não estarem tão vivas, como as estrelas, as árvores e as pedras. No entanto, ignoras que cada uma delas tem seu lugar no mundo, suas lutas diárias e sua morte. Não creio que essas tuas palavras representam o que verdadeiramente sentes. Reflete, pequena, o que realmente teu coração quer.’ Olhava para ela com pesar, ansiosa por uma resposta.”

A Fada interrompeu a narração por alguns instantes, absorta pela dor da lembrança. Bebeu um gole do chá que tomava, para lavar o amargor da boca. Seguiu: “A respiração da tigresa era fraca, não reagia aos meus afagos, talvez distante demais para que eu a alcançasse. Insisti: ‘O que teu coração pede?’ Senti suas lágrimas molharem meu colo: ‘Não penso em outra coisa do que o consolo da morte e o vazio... Apaga de mim as memórias desta vida, não suporto essa dor...’ Com ela, chorei também. Advoguei: ‘Tigresa, tua dor arde em meu peito, é o sofrimento que toma tua voz. Consola-te, pequena. Deixa-me abraçar-te e se queres, chora. Alivia a alma das mágoas, mas pede nova vida. Deixa que a luz do novo mundo brilhe novamente em seus olhos e encontre felicidade que aqui fugiu de ti.’ A tigresa olhava para o nada, bastante triste. Sabíamos as duas que ela sentia dor. A armadilha tinha dentes grandes agarrados à perna dilacerada e ela perdera muito sangue já. Queria que me respondesse que quisesse a nova vida para que pudesse dar-lhe.” Pausou por uns instantes.

“No entanto, ficou quieta. ‘Criança, peça-me’, supliquei-lhe. Ela nem levantou a cabeça: ‘Fada Querida, há de me supor ingrata, não quero pedir-lhe mais, meu coração não se satisfaz em mundo tão atroz. Dai-me a morte em vez de nova vida.’ Não quis lhe atender o vil pedido. Não queria que se fosse do mundo com a alma tão pesarosa e infeliz.” A Fada novamente interrompia com lágrimas nos olhos. O semblante dela mudou repentinamente ao seguir com a narração: “Um gênio cruel, Muhtal Al-Jinni, aproximou-se de nós com seu largo sorriso. Tentei afastá-lo em vão, permaneceu a encarar-nos curioso e divertindo-se. Com sua voz zombeteira, disse: ‘Ora, Fada, não seja cruel, dê à criatura o que ela pede. Deixa que a morte se encargue da alma e que o corpo esteja à disposição dos famintos.’ Encarei-o com raiva, a tigresa não reagiu às palavras. Gritei com ele: ‘Vá, criatura maligna, você não tem o que fazer aqui.’ Ele gargalhava mostrando os afiados dentes. ‘Não tem como realizar o desejo que não pediram, Fada. Não seja desleal, dê à ela o que pede.’” Mais uma vez interrompeu, sentindo a raiva subir-lhe à face. Falou: “Talvez reprovarás o que te direi agora, Farhad Al-Naim, mas não me arrependo do que fiz, ainda que tenha agido por impulso e sem respeitar o pedido. Ignorando Muhtal Al-Jinni, coloquei a mão na cabeça da fera abatida, levemente afagando-a, e decretei: ‘Que a luz de nova vida dê a ti a paz e a satisfação que esta te negou. Minhas bençãos te seguirão e te acolherão pelos caminhos que trilhares. Vai, pequenina, encontrar a felicidade em uma nova existência.’ Com um beijo em sua testa, a criatura fechou os olhos e expirou. Fiz com que seu corpo fosse dissolvido para que o gênio malvado não pudesse devorar dele parte alguma, restando só a armadilha ensanguentada. Enquanto agia, Muhtal Al-Jinni encarava-me jocoso e desafiador. ‘Até a próxima, Fada.’ Disse-me por fim antes de desaparecer no ar.”

               O relato foi para a Fada bastante fastidioso. Farhad Al-Naim portava um semblante indecifrável. Parecia absorver o peso das palavras. Ela engoliu um gole a mais do chá. E suspirou profundamente...

A ampulheta, repararam todos, tinha se esvaziado novamente. A Princesa Layla Al-Jamila encarava o mercador, procurando decifrar as intenções. No entanto, ele apenas encarava o vazio do chão, submisso. Ela abriu um singelo sorriso: “Se a história ainda não terminou, Halam Al-Hakim, mercador de Zenóbia, deverá voltar para conclui-la amanhã. Aguardaremos.”

***

O relato sobre a tigresa trouxera-lhe lágrimas aos olhos de Mônica. Que dor profunda sentia a pobrezinha para nem mais querer viver? Levantou-se com o chamado da mãe. Seria uma nova vida capaz de compensar tamanho sofrimento? Abraçou as folhas, procurando conforto, de alguma forma queria abraçar a criatura. A mãe a tirou dos pensamentos, quando apareceu na porta para chamá-la para o almoço.


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