Ela gritava para mim enquanto minhas mãos estavam cheias de sangue. Eu não sei o que fazer, mas a todo momento ela pede para que eu faça algo. Sinto que não estou em um momento bom e que a vida ali está esvaíndo aos poucos, como se alguém estivesse próximo da morte. O despertador toca, e me pego todo suado e ofegante como nos últimos dias; esse sonho se repete sem parar. Só basta fechar os olhos, e lá estou eu naquele momento novamente.

Levantei como todas as vezes e caminhei até o banheiro. Tomei um banho lento enquanto a imagem dela viajava pela minha mente. Ao sair do banheiro, senti o frio na espinha. Ao lado da cama, as malas estavam bem arrumadas, e um chocolatinho ficava por cima de uma delas. Vesti uma calça jeans qualquer e um moletom preto que tinha sobrado no fundo do guarda-roupa.

Desci as escadas sem ânimo e vontade de viver, observando tudo completamente pela última vez antes de ir embora para a nova escola. Ao entrar na cozinha, me deparei com meu tio e tia sorrindo e conversando:

“Felizes? Eu estou indo embora já já. Todos os convidados da festa que vão dar quando eu sair já estão em seus lugares?” - Falei com um tom de sarcasmo.

“Como sempre cortando o prazer do cafezinho das seis. Esse teu sobrinho é um pé no saco.” - Meu tio comentou enquanto sorria, devolvendo minha fala.

“Vocês dois parem de brincar e vão comer. Alexander, eu quero que você vá buscar suas malas rápido que logo logo o ônibus chega por aí.” - Ela falou em um tom sério.

“Eu posso evitar ir buscar, atrasar e acabar não indo.” - Falei sorrindo.

“Você vai, nem que eu te coloque nesse ônibus sem nenhuma mala mesmo.” - Meu tio retrucou.

“Tenta a sorte, velhote” - Sorri.

Uma buzina toca várias e várias vezes em frente à porteira da Fazenda Madeira Escura. Levantei em um salto, subi às pressas e desci tão rápido quanto subi. Em frente à porta estavam meus tios me olhando de uma forma que eu já tinha visto antes; era um misto de “Tá tudo bem, Alex” com um “Tome cuidado, filho, vamos sentir sua falta”.

“Não precisa disso tudo, em um ano eu tô de volta… se eles não me matarem primeiro” - Falei os encarando e sorrindo.

“Você não vai ser morto, só tome cuidado, não dê trabalho.” - Meu tio falou saindo logo em seguida.

“Isso que ele falou, tenha cuidado que tudo irá ocorrer bem, tenha fé” - Disse minha tia enquanto abaixava para me abraçar. Ela voltou a dar um sorriso acolhedor e então saiu da frente da porta.

“Até logo, eu vou tentar… você sabe… me comportar” - Falei com dificuldade.

Abri a porta rapidamente e a buzina ecoou novamente. Encarei o ônibus que tinha um aspecto meio futurista; ele parecia vir de um filme do Star Wars. Pensei rapidamente em algo como “Que tipo de escola é essa?” Sorri e apressei o passo, correndo até ele na maior velocidade que consegui. Joguei as malas em um compartimento que ficava ao lado, foi quando pude ouvir murmúrios vindos ao longe. Quando me virei, vi alguns dos garotos com quem briguei na semana passada; um deles sorria, e os demais me encaravam com ódio.

“Até mais, imbecis, foi um prazer os momentos que vivi com cada um de vocês. O soco na costela ainda dói?” - Gritei enquanto ria.

“Você não vai ficar longe para sempre, Alexander. Se não morrer na nova escola, pode ter certeza que te matamos quando você voltar” - Um deles gritou de volta.

Caminhei até a entrada do ônibus e observei os garotos antes de subir. Mostrei o dedo do meio e voltei a berrar.

“Até mais, debiloides” - Subi no ônibus já para não ter que ouvir as respostas deles, e então as portas se fecharam; um ar frio soprou no meu rosto, e todo o barulho que soava era o de lá de dentro.