A Rainha das Criaturas escrita por Sorima


Capítulo 2
A pequena Sylvia


Notas iniciais do capítulo

Custei, mas não desisti da história, vou lançar um capítulo por semana, todo sábado.

Boa leitura!



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Sylvia espichava todo o corpo e ficava na ponta dos pés para observar os clientes por sobre o balcão da taverna. No auge dos seus oito anos de vida, ela achava pura diversão observar os viajantes que passavam por ali. Daquela vez um grupo de marinheiros bebia alegremente ocupando metade das mesas e enchendo o lugar de música, risos e histórias das aventuras que desbravavam.

— O Mar do Norte é um dos mares mais seguros para viagens, seja por lazer ou para levar mercadorias, mas se nos aproximarmos demais da Beira do Precipício ainda é possível dar de cara com algum antigo monstro do mar, com dentes afiados e um corpo alongado e forte que consegue destruir embarcações inteiras – o capitão da tripulação dizia com uma caneca de cerveja na mão e um pé sobre uma das cadeiras, os olhos brilhando de empolgação -, terríveis! E agressivos. Lutei com alguns para conseguir vender seu couro resistente e dentes afiados.

Os marinheiros o saudaram com algumas exclamações de concordância. Ele bebeu um longo gole da caneca e voltou-se com um olhar misterioso para seus ouvintes.

— Mas não tanto quanto elas... As sereias da Baía do Paredão. Não, senhores, são poucos os terrores que um mostro consegue causar perto dessas Criaturas do mar.

Parte do som das risadas baixou com aquela fala. Sylvia se espichou um pouco mais, atenta na história que mencionava as Criaturas.

— Elas tem a beleza das mulheres mais cobiçadas e vozes encantadoras, ah, e como são encantadoras! Mulheres quase perfeitas, não fosse a parte que as torna Criaturas... Metade peixe, senhores, e a cauda não é nem o pior; elas possuem corpos fortes e andam em cardume, como se precisassem disso já que só uma delas é capaz de afundar um barco sozinha.

O capitão abaixou a voz, fazendo com que sua audiência, que havia crescido significativamente, se inclinasse para mais perto em expectativa.

— Porém, a parte mais preocupante dessas mulheres-peixe nem é sua capacidade física... Caros senhores, se um dia quiserem morrer lentamente recomendo que as encontre com tampões nos ouvidos, assim terão tempo para aprecia-las ao invés de caírem em seus encantos e morrerem inconscientes de suas ações.

Ele bateu a caneca vazia sobre a mesa assustando os mais próximos que a rodeavam. Um dos marujos engoliu em seco e perguntou meio abobalhado pela bebida:

— Já encontrou uma sereia antes, senhor?

— Oras, marujo! Só vou ao encontro de uma dessas terríveis beldades quando descobrir como mata-las, porque o tanto... – ele fez o sinal do dinheiro com os dedos – irá nos deixar ricos para o resto da vida.

Ele gargalhou e toda a tripulação acompanhou. Sylvia franziu o nariz, aquela caça a enojava, aquilo não fazia sentido algum, já que as Criaturas que tinham salvado os humanos nos reinados antigos.

— Mais uma rodada de cerveja para todos! – o capitão falou fazendo com que novos gritos de concordância soassem pelas mesas.

De cara emburrada, Sylvia respirou fundo se preparando para confrontar o homem com a verdade sobre as Criaturas, mas uma voz soou firme próxima a sua orelha, o bafo quente fazendo seus pelos se arrepiarem.

— Sylvia, o que está fazendo aqui? Já passou da sua hora de ir para cama! – a mulher com cabelos castanhos presos em um coque no alto da cabeça chamou sua atenção.

— Ah, mãe... – fez manha esquecendo-se momentaneamente da discussão que iria iniciar.

A mulher estreitou os olhos; sua mãe parecia tão assustadora quando ficava brava.

— Sem discussão, já para a cama! – ela mandou virando-se para atender as mesas de canecas vazias.

Fazendo beicinho, Sylvia a seguiu:

— Deixa eu te ajudar a servir as mesas! Tem tanta gente hoje...

— Não! Você não vai aguentar carregar esse jarro cheio de cerveja para todos esses homens. Você é pequena Syl, isso é trabalho para adultos. Você já nos ajudou mais cedo, agora é hora de ir para cama!

Sylvia torceu o nariz de novo. Antes que pudesse tentar argumentar ela foi içada do chão por mãos fortes e quando deu por si estava nos ombros de seu pai.

— Eu vou levar a Sylvia para cama e já volto, Cíntia. Cuide dos nossos clientes de hoje – o dono da taverna indicou fazendo a mulher sorrir agradecida e se encaminhar para as mesas dos marinheiros.

— Vamos lá, mocinha – falou se encaminhando para as escadas.

— Ah, papai, deixa eu ajudar...

— Aqui nesta casa sua mãe tem poder absoluto sobre o que você deve fazer, se está te mandando para cama é para lá que você vai – respondeu com simplicidade. 

Sylvia bufou, finalmente vencida, o pai apenas sorriu. Aquela menina tinha uma personalidade e tanto, qualquer pai ficaria orgulhoso.

— Pai, por que todo mundo odeia as Criaturas? Elas não salvaram a gente dos monstros?

Seu pai parou no último degrau. Fez a pergunta seguinte com suavidade:

— Quem te falou que as Criaturas nos salvaram de monstros, Syl?

Sylvia piscou e franziu a testa. Ela tinha certeza de que aquela era uma informação verdadeira, mesmo que todos falassem o contrário.

— Eu sei que eles não são maus, papai.

— Eu espero que você nunca descubra o quanto que as Criaturas podem ser cruéis, Syl.

Ele voltou a caminhar para onde era o quarto de Sylvia.

— Eles só atacam porque são atacados! – falou num rompante quando o pai a colocava na cama.

Por isso mesmo, viu a expressão do pai se fechando. Ele apoiou suas mãos nos ombros da filha e disse sério:

— Eu não estou brincando, Syl... Essas Criaturas não são amigos, são demônios! Você tem uma ideia muito bonita de tudo isso, mas não corresponde com a realidade. Está me entendendo?

Suas mãos apertaram o ombro de Sylvia diante da urgência que lhe acometeu. A garota franziu o cenho antes de concordar com o pai e se deitar. Parecia o melhor a se fazer já que seu pai estava tremendo.

Sylvia acordou com sede no meio da noite. Todo o barulho da noite tinha silenciado, o que indicava que seus pai podiam já ter ido para a cama. Por isso, a garota saiu tateando as paredes para fora do quarto até chegar nas escadas, as quais desceu cuidadosamente.

Sua visão já tinha se acostumado com a pouca luz, o que facilitou que chegasse até a cozinha. Pegou uma das canecas de madeira que já tinham sido limpas e foi até o barril que guardava a água. Soltou um gemido quando percebeu que tinha outro barril no meio do caminho. Como serviria a água? Seus pais tinham falado mais de uma vez como que  os barris eram pesados, mas movê-los seria a sua única opção para chegar até a água.

Deixou a caneca de lado no chão e envolveu da melhor maneira possível o barril em seus braços curtos. Pressionando-o assim colocou toda a força dos seus músculos em atividade para tentar levanta-lo. E quase caiu sentada no chão quando este facilmente foi movido. Abafando um pequeno grito de surpresa ela se reequilibrou e girou o corpo devolvendo o barril para o chão onde não atrapalharia sua passagem.

Sorriu satisfeita. Que sorte a sua que o barril estivesse vazio! Bebeu água até ficar satisfeita e ia se retirar da cozinha quando a voz sonolenta de sua mãe a chamou em um sussurro:

— Sylvia? O que está fazendo aqui?

— Eu estava com sede – respondeu no mesmo tom piscando quando seus olhos encontraram a luz da vela no castiçal que a mãe carregava.

— Você conseguiu beber água? Acho que deixamos algo pesado no meio do caminho – falou se adiantando para liberar a passagem da filha.

— Não se preocupe mamãe, eu já tomei água – falou satisfeita consigo mesmo – o barril que estava no meio do caminho estava levinho.

Cíntia parou surpresa. O barril estava leve? Ela podia ter se confundido, achando que tinha deixado um barril lotado no meio do caminho. Ainda assim, mesmo um barril vazio pesava bastante.

— É mesmo?

— Sim!

— Então você está voltando para cama?

— Vou – Sylvia respondeu no meio de um bocejo.

— Bom descanso, meu bem – Cíntia lhe desejou.

Assim que Sylvia saiu na cozinha ela se aproximou do barril que tinha sido visivelmente retirado do caminho, tentou movê-lo. Impossível, estava muito pesado. Sua boca ficou seca de repente. O que aquilo podia significar? Seu coração apertou.

— Ah, Syl... – lamentou-se fechando os olhos. Talvez fosse melhor fingir que apenas deixou o barril fora do caminho da filha.


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