O começo do recomeço. 

Assim como todo fim de ano perto do Natal, as ruas lotavam e o clima esfriava de uma forma quase bela, exceto para Gojo que agora caminhava um pouco sem rumo.

Com as mãos nos bolsos e o rosto levemente tampado por conta da grossura de seu suéter, ele sentia a ponta do seu nariz ganhar um tom rosado. "Pessoas que podem aproveitar o fim de um ano tão confortavelmente com tanto mal à espreita, são realmente sortudas..."- O homem observava as crianças se apoiando umas nas outras em frente a cafeteria, como se quisessem enxergar melhor algo..ou alguém.

Ele mal percebeu quando já estava tão perto daquele lugar, as vezes tinha a sensação que algo o puxava para entrar toda vez. E seguindo esse instinto normalmente, ele se aproximou do vidro sentindo uma leve diversão ao ver os garotinhos.

—..Ei tio..!— Um garoto de cabelos pretos e pele escura apontou para ele, chamando sua atenção.

— É verdade que o moço ali tem poderes?..— Satoru arqueou as sobrancelhas com certa curiosidade, o garotinho levando um tapa de uma colega ao lado.

— Não seja tapado...era para manter segredo!— ela resmungou apenas para receber um revirar de olhos.

— Minha mãe diz que vê esse cara todo dia aqui...eu sei do que tô falando, confia Yana.- ele voltou a olhar para o homem de cabelos brancos, agora mais cauteloso.

— Então...é verdade não é?

 Olhando através do vidro, ele notou uma figura masculina de costas por trás do balcão, presumindo ser esse o rapaz que falavam.

— Bem..- Apesar de ser verdade que ele ia lá quase sempre, não estava saindo muito de casa nos últimos dias, então não o conhecia. Mas apenas para brincar um pouco, ele arrumou a postura, os chamando para contar um segredo.

— Poderes?..não sei, mas ouvi dizer que ele pode ir atrás de criancinhas que cochicham sobre sua pessoa pelas costas.- as crianças que estavam com expectativas se entreolharam antes de bufar de leve.

— Ei tio...tá brincando com a gente?— disse o garotinho de cabelos pretos, sua amiga Yana apenas o olhando com os braços cruzados.

— Ele persegue quem mente para "criancinhas" também?

Suas palavras o fazendo abrir um sorriso genuíno, ele deu de ombros sentindo elas se entreolharem novamente pela sua confiança ao dizer aquelas palavras.

— Ele está apenas blefando...não ligue.— Yana pegou a mão do outro antes de mostrar a língua para Gojo e sair arrastando o colega.

 Sentindo sua curiosidade aumentar um pouco, ele se perguntou do porquê das crianças falarem sobre poderes, aquele homem poderia realmente ser perigoso...então bem, ele iria analisar.

Ele empurrou a porta de vidro, adentrando o lugar. O cheiro de café e doces persuadindo seus instintos, lá era estranhamente quente e aconchegante.

  Uma voz soou em seus ouvidos enquanto ele ia até o balcão, olhando a vitrine de doces.

— Seja Bem-Vindo.— Uma atendente diz fazendo ele inconscientemente a encarar, cabelos castanhos e traços sutis, ele a reconheceu. 

 Kiyoko era a atendente usual daquele lugar, tendo a visto por muitos dias, tinha quase certeza que a mesma decorou os tipos de pedidos que fazia.

Atrás da moça no entanto, tinha aquele homem ainda de costas preparando alguma coisa.

A presença dele era forte demais mesmo que estivesse escondido, Gojo fez uma notação mental daquilo, mas não é como se provasse algo sobrenatural, ele fez um pedido casual para a moça. 

— Um Café espresso para viagem por favor.— Ela acenou em entendimento antes de repassar o pedido para o colega de cabelos escuros sutilmente preso e solto. Uma sensação de nostalgia começou a coçar seu coração, mas sabia que estava apenas projetando coisas. Já havia acontecido antes, ele se afastou do balcão  ficando de um lado para entrega de pedidos.

 O homem e a Kiyoko conversavam casualmente, dando algumas risadas, ele estava quase absorto naquele lugar quando a voz dele o tirou dos pensamentos.

— Qual seu nome?— Disse abrindo um sorriso educado, seus olhos eram sombrios por algum motivo, aquilo o petrificou por pequenos segundos.

—...desculpe?

— Seu nome. Eu...preciso anotar.— Disse novamente, encarando Gojo como se tentasse ler através da sua quietação, ele mostrou o copo indicando o que queria dizer.

— ..É Satoru.— Disse após guardar a carteira que segurava, quebrando o contato visual.

"Merda..como ele pode ser tão parecido?.." pensou antes de subir o olhar novamente, por algum motivo sentia o peito começar a pesar.

— Satoru?..que nome bonito.— O atendente o encarou ainda com aquele sorriso, seus olhos se fechando por um momento por conta do mesmo. Ele escreveu com certa habilidade antes de entregar o copo.

 O tempo pareceu entrar em uma confusão, barulhos de gotas começando a tocar de fundo, como uma música. Gojo sem mais nem menos, pegou o copo com um leve agradecimento e se pôs para sair. 

 Parecia com pressa mesmo que não soubesse para onde ir, ele só percebeu a chuva assim que saiu para fora.

Soltou um leve suspiro. 

"Que porra é essa agora?...ahh..devo estar louco."— Começou a se afastar do lugar com passos lentos que foram tomando ritmo.

 Se não fosse uma voz que o fizesse parar no caminho, ele olhou para trás e de repente a chuva não o molhava mais, uma sombra de guarda chuva pairou no chão.

 E a única coisa que ele encarava era aqueles olhos novamentes, olhos que eram seguidos pelo mesmo sorriso.

— Leve um guarda-chuva, Satoru.