Margaery Tyrell: A Rosa Dourada de Highgarden 🌹 escrita por Pedroofthrones


Capítulo 34
Demônios internos




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Daenerys estava diante do mapa, iluminado por velas de sebo que estavam sobre castiçais de bronze. Ao seu lado, estava Jon, em sua figura pálida e sinistra, com a íris do único olho inteiro se tornando cada vez mais vermelho. Do seu outro lado, estava Sor Jorah e Bosta de Escaravelho. Os lordes do Norte, das Terras Fluviais, do Vale e das Terras da Tempestade estavam à sua volta, com Sansa e Arya na posição oposta a de Dany, bem na sua frente. Stannis estava em uma das beiradas, com os olhos azuis e profundos fitando o mapa de forma minuciosa. A coroa de ouro vermelho em sua fronte brilhava ainda mais, graças à luz bruxuleante das velas, que batiam e refletiam na superfície dourado-acobreada.

O castelo do tio de Sansa nunca teria capacidade de suportar praticamente três reinos inteiros, de modo que o exército estava praticamente inteiro do lado de fora. Não obstante, lordes menores também não puderam entrar no local, pois era simplesmente desnecessário apertarem tantas pessoas num espaço daqueles.

— Exércitos são praticamente inúteis contra um dragão — o rei Jon disse. — Se aquele dragão, que não é nem metade do dragão da rainha, conseguiu tomar Harrenhal sem problemas, o exército que nós temos é inútil contra tal criatura, deixemos que Daenerys derrote o dragão de Euron.

Meu filho, pensou Dany, abalada com a ideia de ter que ir contra o próprio filho. Só podia rezar para que não terminasse em morte.

— Enquanto a luta do céu acontece — Stannis começou a explicar —, nós iremos atacar o exército inimigo em terra. Jon irá liderar uma parte, e, eu, a outra, pelos flancos.

— E quanto a questão da frota? — indagou Lorde Edmure. — Sei que Daenerys poderá queimá-los, mas ela estará ocupada até lá, e eles ainda podem atacar pelo rio. A frota que nós temos não tem tempo de dar uma volta tão grande e adentrar o Água Negra até chegar ao Olho de Deus, ainda mais com as forças de Aegon estando por lá.

— Deixem isto para os cranogmanos — Pediu Howland Reed. Levou um dedo pequeno e ossudo até a imagem que representava o Olho de Deus. — Nós e os filhos vamos achar caminhos, túneis, para ser mais exato, que nos ajudarão a chegar até lá mais rápido. — Continuou: — Os filhos e o meu povo tem suas finalidades com a água, além de sabermos certos truques, que vão nos ajudar.

Lyle Crakehall pareceu não ter fé nas palavras do Lorde do Gargalo, dando um som de desdém e dizendo:

— E que garantia temos de que os comedores de rã vão conseguir fazer algo? — indagou ele com um tom óbvio de escárnio. — Seu povo não é guerreiro.

Ocorreu algum murmúrio irritado no Grande Salão, mas Lorde Howland não pareceu nem um pouco abalado.

— Meu povo deteve invasores durante milênios — retrucou. — É verdade que muitos hão de preferir cavaleiros do sul, em suas galantes armaduras e cavalos lavados, mas nenhum deles jamais passou pelas terras do Gargalo sem permissão. — Olhou fixamente os olhos escuros de Crakehall, sem se abalar, com os seus pequenos olhos verdes. — Se não nos acha temerosos, pergunte aos mortos de Fosso Cailin, que sofreram para manter aquelas torres tortas.

Sor Lyle não pareceu gostar da resposta, mas, antes que ele falasse algo, Sansa se interpôs na conversa:

— Sor Lyle — disse-lhe ela —, sei que está entre os escolhidos para fazer parte deste plano, e que faz por valer a sua glória ao defender as Gêmeas dos invasores, mas Lorde Reed é o fiel apoiador de meu irmão, o seu rei, assim como um fiel amigo de meu falecido pai, e tanto Vossa Graça quanto eu temos total confiança em sua capacidade de atacar o inimigo. — Finalizou: — Se não tem capacidade de ouví-lo, pode retirar-se do salão de meu tio, e fazer companhia para a sua esposa grávida.

Percebeu que alguns a olhavam com certa surpresa no olhar e um murmúrio bem baixinho começou a rodar no salão, indo de boca em boca. Não era de se esperar que Sansa estivesse ali, muito menos que fosse ela quem iria rebater as palavras de Sor Lyle. Mas ela estava farta dele e de sua prepotência arrogante: piadas sobre os cranogmanos, suas constantes vanglorias sobre ajudar os Frey contra os Lannister e, depois, contra os Greyjoy, sendo que ele parecia esquecer que apoio Joffrey quando a sua vitória parecia certa, mudando de lado apenas quando as tropas Lannisters começaram a ruir.

Ele não tem nada além de Darry, pensou, e Darry agora está arruinado. Um sorriso quase surgiu aos seus lábios ao pensar que estava em dívida com os Dothraki de Daenerys por isso. Sor Lyle não seria bem visto no Oeste após traí-los, mas tampouco conseguiria muito no Tridente, pois demoraria gerações para que Darry se recompusesse. Aquele lorde era o lorde de nada. Mais valia ser sem terras do que ter cinzas e prejuízo.

O maxilar de Sor Lyle ficou comprimido, e ele pareceu fazer tanta força na mandíbula que parecia que logo quebraria os dentes.

— Com todo o respeito, princesa — disse Sor Lyle —, mas defender terras já mortas, sem nem sequer sair do lugar e ficar escondido, é muito fácil. Os Greyjoy estavam presos no castelo, em terras desconhecidas, cercados de envenenadores… Mas agora? Agora eles estão no mar, e os Cranogmanos não são destas terras e águas. — Virou-se para os monarcas. — Majestades, fui eu quem mais lutou contra os Greyjoy; se as Gêmeas estão a salvo agora é por minha causa, e de minha valentia. — Virou-se para Lorde Edmure e disse: — Valentia esta, que me fez tomar partido contra os meus outrora líderes, os Lannisters, e a derrubar eles e os Freys que uniram-se a eles.

Sansa viu Sandor Frey encolher-se, e alguns lordes bradaram em concordância com as palavras de Sor Lyle.

Sansa não abalou-se. Ainda encarando o lorde de Darry, disse:

— Pois eu digo que os Cranogmanos são mais capazes e dignos de confiança do que você.

Desta vez, ela o irritou mesmo, como imaginou que iria. Viu a ira em seus olhos escuros quando o homem virou-se para encará-la. Ele fechou a mão, fazendo um punho cerrado e ela percebeu que seu lábio tremeu, como se um palavrão estivesse quase se insinuando para fora.

Vamos, diga! Ela estava ansiosa para tirá-lo dali.

Bufando, Sor Lyle disse, entredentes:

— E desde quando mulheres dão pitaco em assuntos de guerra? — ele indagou com cólera.

Imediatamente, Grande Jon Umber deu um passo à frente, estava na borda oposta a de Sor Lyle, com a mesa e o mapa os separando.

— Agora, fique quieto, Sor Lyle! — bradou Jon Umber. — Você pode ter sido o escudo de defesa desse sangue sujo daqueles traidores das Gêmeas, mas o Norte se lembra de que é das terras Lannisters, e de que, não muito tempo atrás, lutou contra nosso povo.

Sor Lyle franziu o cenho e fez uma cara feia para Jon Umber, mas, antes que pudesse falar algo, Alys Mormont, guarda costas de Sansa, disse:

— Mais valia a pena ter deixado as Gêmeas queimar — bradou. — Pois lá foi derramado muito sangue de entes queridos.

Sandor Frey deu um passo para trás e Sansa viu que ele engoliu seco. Vendo que aqueles lordes estavam indo na direção oposta a que queria, e que, se algo desse errado, seria culpa sua, ela levantou a mão, para chamar a atenção, e disse de forma calma:

—  Existem Freys e Freys, não podemos brigar contra aqueles que são aliados pelos crimes de seus parentes, ou nem sequer todas as casas estariam unidas agora. — Virou-se para o irmão. — Mas, não importa a opinião de nenhum de nós, apenas a dos nossos líderes.

Jon assentiu e depois varreu o grande salão com os olhos inumanos, fitando cada um dos rostos que ali estavam, como um lobo analisa sua alcateia e a sua presa.

— Lorde Reed tem a minha confiança — declarou o rei do Norte. — Assim como tinha a confiança de meu pai, e de meu irmão após ele.

Silêncio. Ninguém falou nada. Ninguém ousaria falar algo contra.

Ele faz bem em falar de nosso pai, analisou Sansa. Ned Stark fora amado no Norte, e no Vale antes disto. E Robb era a memória vingativa que sobra dele, e que guiou Nortenhos e pessoas dos rios. Era importante lembrar sempre da memória deles aos vassalos que os seguiram até o fim.

Lorde Lyles assentiu, carrancudo.

— Precisamos deixar o passado para trás — disse Bran, sentado numa cadeira na ponta da mesa —, mas, entretanto, também devemo-nos lembrar dele, para não criar os mesmo erros. — Olhou para os lordes no salão. — Sei que todos nós lutamos uns contra os outros há apenas alguns anos… outros até há menos de uma volta da lua ou duas… Mas é necessário olharmos para a verdadeira ameaça que vamos ter, e, para matá-la, vamos ter de sermos todos irmãos e irmãs de ventres diferentes.

Os lordes olharam uns para os outros, e alguns até murmuraram algo, e, no fim, todos acenaram com a cabeça, embora fosse clara a discordância e a confusão em seus rostos.

Que filhinho estranho você foi parir, hein, Cat?, Edmure pensou, achando que Arya já não era a mais esquisita entre os sobrinhos que tinha. A voz de Bran era jovem, mas ele a usava como se fosse um antigo erudito. Era estranho.

— Sor Lyle não fez uma desfeita a irmã do Rei — lembrou-os sor Mychel Redfort. (agora lorde Redfort, visto que seu irmão faleceu havia menos de dois dias, devido a doença e maus cuidados.) — Ele deve saber seu lugar e respeitar as de sangue nobre.

— Aye! — gritou um nortenho, seguido de outros.

Sor Lyle ficou um tanto exasperado ao ver os gritos de concordância ao que Lorde Mychel havia dito.

O rei Jon bateu algumas vezes o seu cálice na mesa, pedindo silêncio. O arauto real também batia com um bastão no chão, assim como o Arquimeistre Marwyn. Demorou, mas logo o som que eles ribombavam foi percebido e as vozes murmuradas foram diminuindo até finalmente sumirem. Quando os lordes se silenciaram, Jon foi monarca a falar:

— Minha irmã tem língua afiada quando quer, mais afiada até que a minha espada, admito — falar isso fez alguns risos surgirem no salão —, mas ela não disse mentiras e nem destratou as vitórias de Sor Lyle. — Olhou para o cavaleiro. — Entretanto, o mesmo não pode se dizer de você, milorde, que tratou com desrespeito a nobreza.

Sor Lyle pareceu um tanto surpreso com a afirmação de seu rei.

— A princesa…

—... A princesa Sansa não falou nada que qualquer um com cérebro já não soubesse — ralhou Stannis. — Não há confiança em torno de alguém que parece que venderia a própria mãe por um pote de ouro, e você, Sor, me parece ainda menos confiante.

O queixo de Sor Lyle tremeu de indignação, e ele parecia não ser capaz de responder a ninguém. Até a mão tremia, e, ao ver que era do lado de onde ele deixava um punhal no cinto, Sansa e Arya se viram perguntando se ele estava a lutar para não agarrar o cabo da arma e lutar.

— Está conversa é pífia demais para extendermos — disse Daenerys, achando que tudo aquilo era uma grande pantomima sem graça, distraindo-os do verdadeiro objetivo em questão. — Sor Lyle, peça desculpas a princesa, e vire seus calcanhares para fora daqui.

Desta vez, o rosto de Sor Lyle ficou em pura fúria, que franziu o cenho e rangeu os dentes, fitando Daenerys com seus olhos aracnonegros. Sim, ele tinha veneno no olhar, isso era visível.

Ele só desconta seu odio quando é para partir para cima mulheres, percebeu Sansa. Fazia sentido: em todos os seus anos como refém e/ou bastarda, ela percebeu a maneira diferenciada que ela e outras mulheres eram deixadas de lado ou criticadas: ela devia sofrer agressões pelas vitórias de Robb, devia aguentar as mãos bobas de Petyr e Robin, além de comentários degradantes dos lordes do Vale; quando viu o tratamento de outras nobres, percebeu que Joffrey ignorava a mãe — sua regente — quando bem queria, e que Myranda foi deixada de lado pelo pai apenas por não ser virgem.

Era bem pior para aquelas que não tinham um sobrenome bom como escudo: Mya era vista como uma prostituta no Vale; Jeyne foi dada a Ramsay e Alayne Stone era alvo de comentários impertinentes sobre seu corpo — na verdade, se o falecido Lothor Brune não a tivesse salvado, Sansa já teria perdido sua virgindade ao maldito cantor Marillion, e sabia que muitos a culpariam por isso.

Vamos, diga o que não deve, Milorde. Desafie a rainha Dragão, critique Jon por dar ouvidos a duas mulheres, pragueje contra mim…

Daenerys não abalou-se ante o olhar colérico de Sor Lyle. Ela havia visto a loucura de homens piores bem cedo na vida.

— Peça desculpas, sor. — A voz de Dany era firme. Ela não seria desafiada. Não por alguém como aquele homem pífio a sua frente.

— Ande, Sor — pediu Sandor Frey, impaciente e nervoso.

O homem segurou-se o que quer que estivesse louco para falar e apenas assentiu em direção a Dany, virou-se para encarar o rosto pétreo de Sansa e disse:

— Desculpe-me pela ousadia princesa.

Sansa assentiu.

— Agora saia daqui — ordenou ela, fria.

O rosto de Sor Lyle avermelhou-se mais ainda, mas ele acabou por bater as solas das botas para fora dali, empurrando homens em seu caminho, cutucando-os com os cotovelos enquanto seus passos fortes ressoavam pelo local.

Edmure balançou a cabeça.

— Que grande salvador da pátria…

— Deixemos este absurdo de lado — Jon disse, recompondo-se, e fazendo todos voltarem-se para ele. — Ouvi que Euron não estava sozinho no dragão. — Seus olhos desiguais encontraram os olhos cinzentos da irmã. — Diga-me o que viu, irmã.

Arya sentiu os olhos postos sobre ela. Edric estava de um lado, e Gendry, noutro. Sabia que este mandava um olhar duro para quem o criticasse com fitadas duras de reprovação, mas Arya ainda se preocupava de até onde aqueles lordes poderiam ir para deter Gendry.

— Bem, eu vi uma mulher com ele — disse Arya. — Não estava perto, mas estava no alto, e pude ver um pouco dela: loira, clara e, eu diria, alta. — Deu de ombros. — Não sei no que isto pode nos ajudar, mas foi o que pude ver. — Ao lembrar-se de mais um detalhe, acrescentou: — Ah, e era ela quem tocava aquele maldito berrante.

Arya tinha boa visão, isto ela bem sabia, mas imaginava que os lordes iriam custar a acreditar que ela viu uma figura como aquela que ela acabou de descrever a vários metros de distância.

— Qual o sentido de quem monta? — indagou Brynden Tully. — O dragão queima a todos de qualquer forma.

Daenerys resolveu responder:

— Apenas aqueles com o sangue de valíria podem tocar o berrante — explicou Dany. Acrescentou: — E este dragão é um dos meus — ela lembrou a todos no local. — Quem quer que tenha montado-o e o usado para fazer caos, irá responder a mim.

Silêncio.

E o caos que você fez no Norte?, Sansa quase perguntou, mas controlou a língua. Sabia que os outros pensavam o mesmo. Daenerys era obviamente uma aliada, por agora, mas nenhum nortenho jamais iria esquecer que ela tinha o sangue deles na mão.

Torcia para que aquele dragão não sobrevivesse batalha. Se Daenerys tinha mesmo que ganhar e viver, que pelo menos perdesse mais uma de suas criaturas.

— Eu garanto que eles vão responder por isso — Jon prometeu a Daenerys. Fitou a imagem de Harrenhal, desenhada no mapa pelas mãos hábeis e peludas do arquimeistre Marwyn. — Harrenhal não é longe daqui, logo, podemos ser alvo do ataque, caso nós mesmos não os ataquemos primeiro. — Ergueu o olho verdadeiro e falso, fitando cada um dos lordes no local. — Temo-nos que atacar, Milordes, e, para tal, eu enviarei Lorde Reed na frente, com o seu povo e as Crianças da floresta, mais o povo livre, liderado por Tormund, que sei que estão acostumados com o clima frio. — Continuou: — Stannis e seus homens, junto do exército da Mão Ardente, irão atacar pelo flanco esquerdo, e Sor Jorah, o direito, liderando os Dothraki. Enquanto eu, vou liderar todo o resto para bater de frente a Harrenhal, e Daenerys será nossa guia, servindo de batedora no céu.

Arya e Sansa perceberam um detalhe interessante do plano: o exército de Stannis era quase todo de apoiadores do R’llhor (ou, pelo menos estavam acostumados com tais apoiadores) e não teriam problemas em ficar com os sacerdotes vermelhos; Sor Jorah ficaria com os selvagens Dothraki, que já liderara antes, e ficaria longe dos outros lordes de Westeros.

Deveras um rei, pensou Arya, orgulhosa e impressionada com o modo como o irmã estava a lidar bem com todos aqueles exércitos.

— Como pode ter a certeza de que Olho de Corvo não vai atacar primeiro? — indagou Brynden Tully.

— Ele não vai — Era Bran quem lhe dava a resposta. — Olho de Corvo não comanda o dragão, ele usa sua comcubina para tal, e ela o escraviza com o berrante. Mas ele, apesar de seu grande ego, não é totalmente tolo: ele sabe que os navios com arpões são um perigo para seu dragão dourado, mas, mais do que isso, ele sabe que não tem como a bela criatura derrotar o dragão negro e vermelho da rainha. — Olhou para Daenerys, fitando-a com os seus olhos azuis: — Não pode hesitar, entendeu? Ele conta com o seu amor de mãe, mas você tem que superá-lo, entende? Precisa disso para salvar-nos.

Um múrmurio voltou a tomar conta do salão. Todos se olharam, perdidos nas palavras.

— Meu príncipe — disse Edmure —, precisa ser mais claro; se sabe de algo…

— Euron está por aqui agora — Bran revelou. — Ele nos vê, através de sua simples vela.

Desta vez, as vozes foram mais fáceis de ser ouvidas:

— Que absurdo está dizendo?

— A muralha e suas terras selvagens o deixaram louco…

— Pelos Deuses, que droga o prícipe está a falar?

— A Casa Stark é de um bando de malucos!

O arauto real bateu o bastão, mas nada os calava. Bran, sem se abalar, falou:

— Revele-se, Olho de Corvo.

Daenerys olhou para Jon, exasperada com a ridícula situação que o irmão dele estava fazendo-os passar, mas Jon apenas chacoalhou levemente a cabeça, e fixou o olhar no irmão mais novo.

— Eu sinto uma presença… — cochichou Melisandre ao ouvido de seu rei. — O menino diz a verdade…

— Silêncio — ordenou Stannis, franzindo o cenho, olhando o rapaz na beirada da enorme mesa.

Sansa e Arya trocaram um olhar nervoso, depois dirigiram o olhar para Jon, mas logo perceberam que ele nada faria. Sansa, nervosa, deu alguns passos em direção ao irmão mais novo e tocou-lhe o ombro.

— Bran, acalme-se — pediu ela —, está a delirar, não fala coisa com coisa…

— O garoto diz a verdade — declarou Benerro, saindo das sombras da parede do salão e indo até a mesa onde os monarcas estavam. Suas tatuagens brilhavam de forma fulgente com a luz das velas e candeias. — Eu sinto a presença dele.

Todos os lordes começaram a falar ao mesmo tempo, com as vozes reverberando pelo local, e fazendo um som disforme e ensurdecedor.

— Isto é ridículo — declarou Holland Waynwood, agora lorde Waynwood, empurrando os homens de forma indecorosa e traçando caminho até perto da grande mesa. — Que palhaçada é essa? Estamos aqui para travar uma guerra, não ouvir balbucios de uma criança!

— Quieto! — repreendeu Sansa, defendendo o irmão mais novo, embora soubesse que Holland estivesse certo.

— Talvez o seu poder não seja potente — Bran começou a dizer. — Talvez eu o tenha superestimado, tal qual o antigo corvo fez há muito tempo…

Então, um riso ecoou pelo salão, vindo de todos os lugares. Um frio percorreu a espinha de Sansa, que retraiu o braço no ombro do irmão. Todos os lordes se calaram, e olharam para todos os lados, buscando a origem da cruel risada.

— Ninguém é melhor do que eu — disse a voz. — Seu falecido mestre era um fraco, rapazinho. Ele tentou me controlar… Eu sou incontrolável! — Finalizou: — Vou dar aos seus amados lordes um tiquinho de meu poder.

A voz simplesmente sumiu. Apenas o crepitar do fogo permaneceu.

Gendry e Ned retiraram as espadas da bainha, de forma rápida. Jon e Stannis fizeram o mesmo, e Sor Jorah colocou-se perto de Daenerys e segurou o cabo da espada. Alguns outros lordes fizeram o mesmo. Os lobos dos Starks eriçaram os pelos e mostraram os dentes para o nada.

Todos estavam esperando, ansiosos e temerosos, pelo que viria a acontecer. 

Silêncio.

Sombras surgiram e dançaram em volta de todos no salão: imagens retorcidas e sinistras, que locomoviam-se num nada como peixes nadam em um rio. Homens gritaram, o raspar de aço foi ouvido, e alguns até tentaram apunhalar as feras negras que ali haviam.

Mas as feras não eram reais. Eram visões, visões intangíveis. Tinham forma, som e cor, mas não eram sólidas. Quando os homens tentaram golpeá-las, apenas cortavam o ar… Ou a pessoa ao lado.

Um corte rápido e surdo soou no salão, cortando o ar e atravessando tecido, carne e músculos rápidos. Lorde Hornwood gritou de forma agonizante e seu braço saltou para fora de seu ombro e o sangue espirrou no chão do salão de forma violenta.

— Pelos deuses… — Falou Lorde Lyonel Corbray, ao ver que sua espada valiriana estava empapada de sangue, fixando um olhar arregalado e assustado na lâmina escura e manchada. Lorde Hornwood ainda gritava, caindo de joelhos, mas ele nem parecia ouvir, assim como não ouvia os outros gritos — Eu não queria… — Sua voz era um suspiro de horror.

O pobre lorde Hornwood pareceu tentar tapar a ferida, levando a mão até o buraco da ferida, mas foi um gesto desesperado e débil, e acabou por perder todas as forças e cair.

— Parem! — berrava Melisandre, balançando os braços pálidos e fazendo as mangas bocas de sino se agitarem e fazendo um farfalhar em longas e sinuosas linhas escarlates. — Não acreditem no que veem!  

Lorde Bracken jogou se para trás, sobressaltado, ao ver uma forma de peixe-humano arregalar os dentes em sua direção, como que para abocanhá-lo. Infelizmente, isto fez ele esbarrar em quem estivesse atrás dele, e o pobre Sor Justin Massey e um escudeiro qualquer, ambos distraídos e apavorados pelas falsas criaturas, acabaram por serem empurrados e perderem o equilíbrio. O servo não se machucou ao cair no chão, mas Sor Justin acabou por cair em cima das chamas da lareira que ficava no centro do salão, que rapidamente consumiram o seu manto com forro de pele castor. A lenha quebrou-se com o impacto, fazendo com que faíscas saltassem. O homem começou a gritar, debatendo-se em agonia, com um bater de braços e pernas agitados, enquanto sua carne era escalada pelo calor.

Ninguém poderia ajudar Sor Justin, pois continuavam distraídos e apavorados com as feras feitas de pura escuridão.

Brynden Blackwood pegou um archote da parede e apontou para as criaturas, tentando, sem sucesso, afastá-las, mas isto em nada era útil. Quando ele resolveu atacar uma sombra que passou perto dele, apunhalando-a com as flâmulas do archote, apenas serviu para que a ponta se chocasse contra o galante Marq Piper, que tem sua barriga atingida pelas chamas e logo tem seu gibão queimado. A queimadura não foi grave, e o impacto apenas o fez cair de bunda no chão, fazendo com que nádegas doessem horrores.

Antes que o belo Sor Marq Piper pudesse se erguer, e tentar entender o golpe que o havia acometido, viu um rápido relance fulgente indo contra ele, se atracando contra o couro cabeludo e a bochecha. Antes que pudesse entender o que era, sua cabeça sentiu uma dor lancinante, e, de repente, metade de seu rosto começou a arder, com seus belos cachos acobreados parecendo brilhar ainda mais, até que viraram fogo.

Sor Marq caiu de lado e começou a gritar, enquanto uma luz fulgente o cegava. E queimava.

Quando uma fera humanóide com cabeça de peixe aproximou-se de Arya, esta foi rápida em pegar uma jarra de vinho e jogar contra a fera. O objeto atravessou a criatura como se ela não estivesse lá. Sim. Arya estava certa: as criaturas eram uma ilusão, por isso ninguém as atingia.

— São falsas — disse Arya, alertando aqueles próximos a ela. 

Gendry a olhou e franziu o cenho.

— E o que diabos tá fazendo isso? — ele indagou.

Verdadeiras ou falsas, as criaturas eram realmente assustadoras, pois o pobre Meistre Vance, que por anos serviu os Tully, acabou por arregalar os olhos e perder o ar de tanto pavor. Os gritos e corridas dos seres irreais se provaram demais para o pobre homem, que logo sentiu uma dor excruciante apertar-lhe no peito e percorrer pelo seu braço. Gemeu de dor e choque, rapidamente seus joelhos se dobraram, perdendo as forças que lhe restavam, e logo tombou de vez, fazendo os elos de sua corrente de meistre começarem a tilintar.

Grande Jon Umber deu um grito de dor, seguido de um grunhido, ao lado de Jon, que virou-se, confuso, para o nortenho que caia de joelhos, com uma expressão de dor e cuspindo sangue. O imaculado que protegia Daenerys — Bosta de Escaravelho — torceu e retirou uma lança ensanguentada das enormes costas de Grande Umber, que caiu de bruços no chão, jorrando sangue do enorme buraco em suas costas. A ponta negra da lança que lhe desferiu um golpe estava rubra e com pequenos pedaços de carne.

Daenerys quase deu um grito ao ver o imaculado virar e girar a lança em suas mãos, apontando a ponta de ferro ensanguentada em sua direção, pronto para desferir um golpe nela. Sor Jorah a empurrou com o ombro e desembainhou a espada, pronto para defendê-la…

Mas não foi necessário, pois Jon Stark passou a lâmina em um aro rápido, cortando o ar, e cortando o pescoço do imaculado, como uma faca passando pela manteiga, e decapitando-o.

Sansa se encolheu para perto de Bran, apavorada com as criaturas e as mortes, mas tentando manter a mente limpa.

— O que é isto? — ela indagou para Bran.

— É o olho de Corvo, Sansa — ele retrucou, como se fizesse algum sentido para ela. — Ele quer mostrar o seu poder, mas ele tem apenas sombras. Eu tenho o poder.

Agonizada, sem entender nada, Sansa olhou para baixo, e viu que os homens no salão estavam a apunhalar uns aos outros. Virou-se para o irmão, assustada, apavorada!

— Então use este poder! Faça o que precisa!

Bran sorriu para ela. Um sorriso de piedade, que chocou-a. Ele entendia o terror de Sansa, e se compadecia com as mortes. Mas era importante que aquilo estivesse acontecendo: os lordes precisavam ver a ameaça de Euron para entender tudo aquilo que estavam prestes a enfrentar. Era horrível, mas era o destino. Bran sabia, sabia e sofria por aquilo.

Um dia, pensou o rapaz, tristemente, Sansa irá me odiar por isso, mas não importa agora.

Uma forma formou-se em pé da mesa por cima do mapa. Edmure deu um passo para trás, assustado. Os três monarcas e os outros Stark o fitaram.

Ele era alto, esguio, de pele azulada e cabelos negros. Havia um tapa-olho no olho esquerdo, e o outro, o olho normal, tinha uma íris azul-escura, quase violeta, e até o branco do olho estava ficando azulado. Por cima dos cabelos ralos, havia uma coroa de prata, com dentes afiados de tubarão. Seus lábios eram de um azul-escuro, que contrastava com o azul-claro do restante do corpo. Havia um riso travesso naqueles estranhos lábios.

Ao vê-lo, Daenerys percebeu que já havia visto aquela figura antes, na Casa dos Imortais: azul, com olhos sem vida. Aquele homem havia bebido muita sombra da tarde pelo que ela pode perceber; não iria tardar para perder todo o cabelo e a pele parecer couro azul-escuro murcho.

— Olho de Corvo… — disse Arya, que apertou mais o cabo da agulha. (Sabia que não ajudaria, pois imaginava que aquele estranho homem não estava realmente lá.)

O homem dirigiu o olho bom para baixo, fitando a moça. O seu olho desbotado pareceu brilhar de malícia.

— Ah, a menina lobo — comentou o estranho homem. — Aquela que se perdeu… Diga-me, ainda se lembra de quem é? Pois, após tantas vidas e rostos diferentes, eu imagino que seja difícil. Imagino que os pesadelos logo vão voltar?

Gendry e Edric se olharam de soslaio. Arya pareceu ter ficado abalada ao ouvir aquilo. Sansa pode perceber o horror no rosto da irmã, que arregalou os olhos cinzentos.

Euron riu da expressão dela.

— A assassina de parentes vai se perder tanto quanto a mãe que matou — avisou ele. 

— Deixe minha irmã — Jon disse, chamando a atenção de Euron. — Seu problema é comigo!

Euron virou-se e encarou o Rei do Norte. Não sorriu, parecendo desagradado com o homem.

— Ah, você… Outro irritante discípulo daquele corvo… Até parece com ele, inclusive. — Virou o rosto e fitou Bran. — Mas você é o novo corvo de três olhos. — Deu de ombros. — É só um rapaz. Eu sou um kraken.

Bran o olhou sem medo.

— Você não vai ganhar — disse. — Brynden errou ao ter achado que havia algo em você, e errou novamente, ao deixá-lo viver. Eu vou remediar este erro.

Desta vez, o olho bom de Euron Olho de Corvo brilhou de malícia, divertido.

— É o que veremos — Euron retrucou. — A profecia dos feiticeiros está se concretizando a meu favor, rapaz. — Virou-se para fitar Daenerys, que tremeu perante a sua figura sombria. — Poderíamos ter tido um casal, mas você preferiu o seu parente morto… Agora, terá de matar o seu próprio filho para ganhar.

Dany fechou a mão, formando um punho.

— Eu vou te dar de comer ao meu primogênito!

Euron riu de suas ameaças.

— Você não vai fazer nada! — disse Euron. — Você e seu grupo de salvadores não fazem ideia do que estão prestes a enfrentar. — Virou-se para a Sansa, que rapidamente teve a visão barrada por Alysanne Mormont, de forma protetora. (Euron pareceu achar isso engraçado.) — Oh, como são ferozes esses guerreiros… — Seu olho cintilou de novo, malicioso. Olhou de soslaio para Jon. — Mas não podem proteger você de verdade, assim como não conseguiram proteger seu irmãozinho selvagem de mim!

Jon arregalou o olho bom, que deixava o cinza e dava espaço para o vermelho, e parecia mais chocado do que curioso.

— Ah, espere! — disse Euron, num tom de falsa confusão. — Mas aquele selvagem não era seu irmão, não é?

O rosto de Jon anuviou-se. Sua pele pareceu ficar mais pálida ainda e seus olhos arregalaram-se. Era possível ver o choque e surpresa em seu rosto, após tanto tempo de autocontrole. Mas havia outra coisa também: medo.

Euron jogou a cabeça para trás e riu novamente, parecendo mais um uivo.

— Ora, que grande família de salvadores é essa! Todos vocês têm segredos, tem pecados! — Varreu-os com seu olho azul-sobre-azul, admirando o rosto confuso de cada um deles. — Não existem messias bons, porque ninguém é bom, não realmente.

Ninguém fez nada. Não havia o que fazer: Euron prendeu a todos 

— Agora! — Bran berrou e a figura de Euron o olhou, confuso.

De repente, o corpo do Rei das Ilhas de Ferro pareceu explodir em mil labaredas, e todas as cores do salão brilharam de forma incandescente, cegando quase todos no local por um tempo.

E, tão abrupto quanto vieram, Euron e suas criaturas simplesmente sumiram. Apenas a luz das velas e archotes continuaram.

Os lordes do salão, após poderem abrir os olhos e voltar a enxergar, olharam ao seu redor. Haviam homens no chão, fossem eles feridos ou mortos. O chão do local estava quase todo sujo e rubra.

— O que fizemos? — indagou Sor Tytos Blackwood, enquanto observava a lâmina de sua espada, onde o gume estava empapado de sangue.

Sor Brynden, filho de Tytos, largou o cabo do archote, assustado ao ver o corpo de Lorde Piper estatelado de costas no chão, com o rosto enegrecido e deformado. Uma parte da pele estava rosada e deformada, e um olho cego o fitava, de forma acusadora.

O Rei Jon, após ver os homens se recompondo no salão, olhou diretamente para Bran.

— Que houve aqui? — Exigiu saber, sua voz ficou levemente irritada.

Bran o encarou por um tempo, até finalmente responder:

— Euron perdeu sua vela de vidro — respondeu, como se isso explicasse algo. — Eu sabia que seu ego jamais o permitiria perder a chance de se revelar e dar um susto em todos nós. Ele queria nos amedrontar, mostrar seu poder… — Acenou para Melisandre, depois para Benerro. — Sua magia é mais forte, ainda mais com a bruxa de torralta e os magos.

Dany arqueou as sobrancelhas brancas ao ouvir aquilo.

— Magos Qarth? Fala de Pyat Pree?

Bran deu de ombros.

— Sei que tem magos — explicou —, eu vi algo assim em um sonho.

Stannis se intrometeu na conversa.

— Devemos conversar depois — ele disse. — Tem que ser logo, mas não agora. — Acenou com menear da cabeça para os feridos no salão. — Nosso povo precisa de nosso apoio.

Todos se viraram, vendo os feridos. Jon assentiu para Stannis e disse que deveriam cuidar dos vivos primeiro, depois, os mortos. Virou-se para as irmãs, abaladas.

— Jon — disse Sansa, recuperando os sentidos. — O que Olho de Corvo quis dizer com…

— Vão para os seus aposentos, eu irei vê-las lá. — Jon disse, ignorando a irmã, e se dirigindo para os dois amantes de Arya e Alysane Mormont. — Cuidem bem delas, e alguém leve o príncipe também.

— Levem-me para o bosque — Bran pediu. — Preciso rezar.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Sansa, ainda abalada, sentou-se em uma poltrona, ao lado da lareira, nos aposentos da Lady de Correrrio. Cynthia lhe deu uma taça de hipocraz aquecida, e Wylla jogou um xale vermelho sobre os ombros da princesa.

— Está bem princesa? — indagou Bárbara Bracken. — Parece ter visto um fantasma!

Vi algo pior.

Estava tensa. Não sabia o que pensar do que havia acabado de ver: o salão ensanguentado, a figura fantasmagórica de Euron, as criaturas que gritavam em sua mente…

Mas o que mais lhe assustou era o irmão, Bran: sua frieza, seus segredos, sua calma perante as mortes…

Ele sabia da ameaça de Euron, pensou, ele sabia que ele era capaz de fazer aquilo; deixou pessoas morrerem…

Perguntou-se quantas pessoas Bran estaria disposto a deixar morrer.

Enquanto divagava em seus temores horríveis, uma filhote da loba Nymeria foi até Sansa, e pousou o queixo peludo em sua perna. Sansa olhou para o animal e sorriu, acalmando-se com seus olhos dourados. Aquilo a lembrou de Lady, sua loba. Fazia anos desde que perdera a companheira, e, mesmo assim, ainda sentia falta dela.

Fez um cafuné na cabeça felpuda do animal.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Arya estava claramente nervosa. Ao chegarem no quarto deles (um simples quarto grande de Correrrio, embora nem de longe do tamanho da Lady de Correrrio), os dois companheiros fecharam a porta e Gendry selou a passagem com uma tábua de madeira, passando-a por atos de metais que haviam na porta. (Nymeria não estava com eles, pois Arya a deixou no bosque sagrado, onde poderia comer um pouco de carne.)

Arya parou de andar pelo quarto e virou-se, nervosa, e estranhou a atitude de Gendry.

— Que deu em você? — indagou ela.

— O que deu em mim? Que deu em você?

Arya olhou para Gendry, depois para Edric e para Gendry novamente. Ambos a olhavam com estranheza e preocupação.

— Não tem nada comigo — disse ela.

— Arya — Ned a chamou —, você ficou nervosa, eu vi. Gendry viu. Todos viram.

— Ele sabe… — Arya disse, abalada. — Não sei como, mas ele sabe…

Gendry tentou acalmar ela:

— Ele sabe, mas mais ninguém sabe além de nós — lembrou-a. — Thoros e os outros estão mortos, Edric e eu nunca falaremos nada.

Edric assentiu.

— Gendry tem razão, Arya, nós não vamos falar nada.

Ela ainda parecia perturbada. A loba dentro dela pareceu se eriçar e querer rosnar. 

— Arya — Gendry a chamou, vendo que a companheira estava nervosa e com o olhar anuviado —, você está exausta. Descanse.

Arya bufou.

— Eu tenho dormido!

— E tido pesadelos — ele retrucou.

Arya mordeu o lábio. Não eram pesadelos, eram memórias. Memórias de vidas mortas, vidas essas que invadiam a sua mente: uma cortesã cheia de volúpia (provavelmente era ela quem fez Arya se sentir tão confortável com ter dois homens ao mesmo tempo), uma jovem cujo pai espancara quase até à morte, uma simples e despreocupada jovem, ou a ladra de coisas…

Todas aquelas mentes ainda tinham uma conexão com ela, mesmo que Arya já não usasse o rosto delas. Talvez tivesse como resolver isso, mas ela não sabia como — apenas a casa do preto e branco teria a resposta, e ela havia fechado aquelas portas para si. Ninguém em Westeros sabia nada sobre aquilo.

Estava sozinha. Sozinha, com seus fantasmas.

— Talvez pudéssemos pedir para o meistre dar algo a princesa… — Ned começou a sugerir.

— Não! — ela esbravejou. — Não preciso de ajuda!

Gendry franziu o cenho, mas foi Ned quem disse:

— Você não tem dormido, princesa. Tem dias que parece ter pesadelos horríveis, às vezes até acordada.

— E seu humor está a variar — ralhou Gendry. — numa hora, está alegre, noutra, a Arya de sempre. Pelos Deuses, o que há com você?

Arya franziu o cenho. O lobo dentro de si estava maior do que as outras mentes. O sangue de lobo dos Starks corria em suas veias, tão quentes quanto sangue de dragão.

— Saiam! — ordenou. — Saiam daqui, agora!

Os rapazes se entreolharam, mas não fizeram nada para sair.

— Saiam agora! — repetiu, pegando o punhal valiriano pelo cabo e o retirando da bainha.

Ned levantou as mãos e deu uns passos para trás. Gendry demorou, mas fez o mesmo, com um cenho franzido.

As mãos calosas do Touro retiraram a madeira da porta e eles saíram do local.

Quando eles se foram, Arya rapidamente correu até a porta e a trancou com a placa de madeira. Respirou fundo.

Ainda podia ouvir Euron em sua mente. Podia ouvir seus risos malévolos, rindo dela, de forma cruel. Lembrava-se do brilho cruel em seu olho roxo.

 Tirando a camisa de couro cozido e curtido, Arya se jogou no colchão, cobrindo-se com os lençóis, tentando afastar os maus pensamentos de sua cabeça.

Mas não conseguia. De alguma forma, todas as mentes dentro dela estavam vindo até ela.

Via rosto quebrado da Menina Feia, viu o rosto arredondado de uma cortesã, viu a face de Mercy, com seu famoso olhar de despreocupada…

E então vieram as outras faces.

O menino no estábulo que ela matou, ele fora sua primeira vítima; o soldado dos Bolton, com a sua garganta furada de onde cuspia sangue negro; o maldito cantor Daeron e seu irritante sorriso; a pobre Jeyne, que ela havia torcido seu pescoço…

Mas o pior de tudo foi a voz de sua mãe: não era o olhar doce dela, com seus olhos azuis amorosos: era a Coração de Pedra. Os olhos eram duas pedras de ódio cinza, a pele era esponjosa e podre, e os cabelos acobreados eram fiapos acinzentados.

Voltou a ouvir o risinho de Euron, e viu seu rosto azulado e inumano. Lembrou-se dele dizendo que ela logo iria se perder, e Arya se perguntou se também iria perder a humanidade dela, assim como sua mãe e Olho de Corvo.

Sou Arya, disse a si mesma, sou Arya da Casa Stark de Winterfell.

Era uma loba. Sim, uma loba. Era isso que ela era. Não uma menina assustada, não uma cortesão folgosa, nem a atrapalhada Mercy… uma loba. Podia se ver correndo nos bosques frios, podia sentir a relva em seu focinho e cheirar a carne à sua frente. Uma lebre. Uma suculenta lebre, cujo sangue enchia sua boca, e a carne era macia e felpuda…

Uma dor atingia seu estômago e ela se contorceu. Quanto mais comia, mais sua barriga doía e gritava. Levou as mãos até a barriga, sentindo seu vibrar esfomeado.

Foi então que se lembrou: Nymeria estava comendo, não ela.

Atordoada, Arya empurrou os lençóis, sentou-se na cama e olhou para o seu corpo, analisando-o. Estava magra, e suas pernas estavam quase sem carne.

Sim, era como temera: voltou a esquecer-se de comer, como quando era jovem. Havia esquecido de ser Arya.

Deu um gemido de dor ao sentir uma nova onda de fome apertando a sua barriga.

— Mãe, me salve… — pediu, pensando na mãe e em suas mãos macias e cálidas. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto, ardendo.

Mas, não impprtava quantas vezes tentasse pensar no rosto delicado que sua mãe havia tido em vida, sempre acabava virando o rosto sinistro que ela havia tido em morte. O rosto fitava Arya, com ódio.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Daenerys e Jon estavam em seu aposento. Não era um aposento enorme, digno da nobreza, mas Jon insistiu que Edmure poderia permanecer no cômodo onde estava, e Daenerys não viu problemas.

Daenerys havia retirado o vestido e colocado um roupão rosa, amarrando o cinto e deixando os cabelos de prata soltos. Estava ainda um tanto nervosa, mas Marwyn lhe deu um pouco de sonodoce — apenas o bastante para acalmar-lhe, não dormir.

Jon não tentou apaziguá-la em nenhum momento.

Jon sentou-se na cama, juntou as palmas das mãos e fez as laterais dos dedos tocarem nos lábios. Seus olhos incompatíveis fixaram-se nas chamas alaranjadas da lareira. Assim ele ficou, desde que haviam saído do horror do salão.

Apenas o crepitar da lenha fazia algum som.

 — Jon — Dany o chamou, quando sentiu que tudo estava quieto demais.

— Hmm…? — Ele nem a olhou.

Dany suspirou e balançou a cabeça.

— Jon, precisamos conversar — disse Dany, sentando-se ao lado dele do colchão.

Jon desviou o olhar colorido das chamas e fitou a rainha.

— Os lordes…?

—... Estão bem, er, eu acho.

Haviam falado com os lordes — bem, aqueles que viveram — e dito para eles se acalmarem e que logo eles deveriam unir as forças para a marcha.

(Eles falaram tudo isso após retirar todos do Grande Salão e levá-los para o pátio do castelo, que estava cheio de gente, mas era melhor do que um lugar cheio de corpos.)

— Euron sabe de tudo sobre nós — lembrou Dany. — Sabia onde seu irmão estava, sabia do meu berrante, sabe da… — hesitou. — Sabe sobre a sua origem.

Jon assentiu e voltou a fitar a lareira em chamas.

— Ele sabe coisas sobre meus irmãos que nem eu sei — disse Jon. — Me pergunto como vamos lidar com ele, pois temo não ser assim tão fácil…

— Teremos de matar ele o mais rápido possível — Dany respondeu, rapidamente. — Temos de garantir que ninguém vai saber…

Jon assentiu, mas ele parecia distraído.

— Devo ver meus irmãos — Jon disse, levantando-se.

Dany o olhou, incrédula.

— Não pode sair assim!

Jon virou para encará-la.

— Eu devo ficar com a minha família…

— Não irá contar nada a eles, não é? — ela indagou, percebendo o próprio desespero. — Não irá falar sobre… — hesitou novamente.

Ao ver o que a perturbava, Jon voltou-se a sentar no colchão e fitou os olhos desiguais e frios nela.

— Daenerys, nada lhe ocorrerá de ruim, eu juro…

— Sua irmão me odeia! — ela o lembrou. — As duas! E vários de seus lordes também!

Jon assentiu, mas antes que ele falasse algo, Dany fechou a cara e disse:

— Não sou tola, Stark — Dua voz voltou a se endurecer —, se algo for dito a alguma de suas irmãs, e eu ficar sabendo…

Jon levantou a mão.

— Acalme-se — pediu ele. — Nada será dito, eu prometo.

Dany pegou a mão dele. Estava sem luvas, revelando a escuridão dos dedos duros, e ela sentia a frieza áspera neles.

— Jon… — Ela aproximou-se, perto o bastante para sentir a respiração quente dele. (Não havia respiração alguma.)

Vendo a inércia e desconforto de Jon, Dany afastou-se e aprumou-se. Vendo que sedução não funcionaria — nem era necessária — ela disse:

 — Precisamos focar no herdeiro de tudo que estamos construindo. — Apertou a mão dele, sentindo sua frieza mórbida. — Sei que não me ama, e sei que nada sinto por você nesse nível, mas…

Jon fez uma expressão de desconforto, parecendo mais uma careta, de dor.

— Aaaah… Daenerys?

— Sim? — ela indagou, impaciente.

— Infelizmente, eu temo dizer, que não tenho disposição para tal…

Dany suspirou exasperado.

— Jon, sei que logo vamos nos casar, e que não tem atração por mim, mas eu não me importo em nada com isso. — Continuou: — Se nós apenas…

— Não, Daenerys… — Ele massageou o nariz, parecendo cansado e estressado com tudo aquilo. — Olha, eu… O problema não é você, eu ficaria muito feliz em lhe dar prazer e ter filhos legítimos, e tenho certeza que você merece alguém assim, mas… — Deu de ombros. — Não posso. Não consigo, pelo menos não mais.

Dany franziu o cenho.

— O que está dizendo?

— Que sou infértil — disse. — Na verdade, mais precisamente, incapaz de consumar o ato.

Dany arregalou os olhos e o fitou com o púrpura de seus olhos.

— O quê? — Sentiu as bochechas arderem, não de vergonha, mas de ódio. — Por que não me disse antes? Eu precisava saber! Eu…

Jon ergueu as mãos, pedindo que ela se acalmasse.

— Espere, espere… — ele pediu. — Não posso lhe dar filhos, é verdade… — Ficou quieto por um tempo, parecendo temer o que estava para dizer, e buscando forças para o fazer mesmo assim. — Mas sei que, se por o acaso tiver um filho, eu posso confirmar, mesmo que não seja meu.

Dany franziu o cenho, olhando-o de soslaio.

— O que quer dizer? — ela indagou, embora soubesse o que ele queria dizer.

Jon levantou-se, foi até a porta de uma saleta, e bateu nela algumas vezes. Virou-se e fitou Daenerys.

— Sei que não posso lhe dar um filho — disse —, e sei que… Minha aparência está mudada… Mas sei que muitos podem aceitar que um filho meu pode ter a aparência parecida com a antiga…

— Fale de uma vez!

Jon assentiu, pegou na maçaneta da porta, começou a girá-la, e disse:

— Posso não ser capaz de dar prazer, ou mesmo um filho, minha Rainha — Jon disse, enquanto abria a porta. — Mas sei de alguém que pode fazer isso… Bom, pelo menos o último ele pode fazer, eu espero.

Um frio subiu pela espinha de Daenerys e ela se abraçou, segurando os cotovelos, como que para esconder o corpo. Tremeu.

Por favor, que não seja o Sor Jorah, por favor, que não seja o Sor Jorah, por favor, que não seja o Sor Jorah, por favor, que não seja o Sor Jorah…

Ao abrir a porta por completo, Dany viu um homem nu à sua frente. (Se tivesse visto apenas o rosto, bem poderia ter achado que era uma garota.). Suspirou, relaxando, aliviada que não era Sor Jorah, depois balançou a cabeça, pensando que a situação ainda era muito absurda.

Ela fitou o homem. Ele era alguns anos mais velho que Jon, mas parecia vários anos mais novo. Os cachos eram negros e encaracolados, brilhantes, e perfumados, parendo mais o cabelo sedoso de uma mulher. Os olhos também, com cílios longos e escuros, e íris que eram duas esferas negras e molhadas.

Dany não o achava atraente. Pelo menos não para ela, mas não fez nada para impedir aquilo — embora fosse uma situação humilhante para ela.

Se a irmã de Jon não tivesse marado Daario, eu poderia estar carregando um filho dele neste momento.

Mas Daario estava morto, tal qual Sor Barristan, Verme Cinzento, Belwas, e tantos outros… Duvidava até que Missandei estivesse viva.

Suspirando, Dany acenou com a cabeça, embora soubesse que sua expressão mostrava o quão desagrada estava.

Cetim olhou para Jon, parecendo nervoso, e Jon acenou para que ele fosse até Daenerys. Cetim deu um passo débil, depois outro, e mais outro…

O homem claramente estava nervoso. Seu falo estava empinado, mas Dany imaginou que não era por ela.

Ao dirigir o olhar para Jon, ela percebeu que ele estava retirando seu gibão negro e percebeu que não estava certa ao ver que não era ela quem Cetim queria.

— Vossa Graça — o homem começou a gaguejar —, e-eu…

— Que seja — disse Dany, levantandi, desamarrando o cinto do roupão e o abrindo, revelando os seios pequenos.

O patrulheiro ficou vermelho de vergonha e esbugalhou os olhos.

Ele não gosta disso tanto quanto eu, ela pensou, mas sou eu quem mais irá sofrer com esta bobagem.

Imaginava que Jon tivesse algo com o patrulheiro, ela aceitava isso… Mas era humilhante colocar ele naquela situação, de qualquer forma.

Dany deitou-se de costas e olhou para cima, para o dossel da cama, evitando olhar para o rapaz de cabelos escuros ali com ela.

Vai acabar logo, disse a si mesma.

Estava acostumada com aquilo: seu falecido irmão a vendeu para Khal Drogo, depois, Dany casou-se com Hizdahr, mesmo não o suportando, e, após deixar Essos, casou-se com o seu suposto sobrinho, e deixou ele tomar seu corpo. Quando firmou um acordo com Jon, já esperava ter de repetir isso… Só que imaginava que o faria com o próprio Jon.

Rainhas são feitas para sofrer, pensou, mesmo que tenham dragões para se defender.

— Eu fui treinado para dar prazer, Vossa Graça… — o amante começou a falar, ainda nervoso, mas Dany nem quis saber. — Acredite, eu… Er, em Vilavelha…

— Faça isso logo — ela ordenou. Por sorte, não estava chorando. Talvez estivesse mais acostumada com aquilo do que imaginava.

Alguém deitou na cama, movendo o colchão e os cobertores de pele. A palha farfalhou sob o peso. Imaginou ser Jon, pois sentiu um toque feio quando o corpo esbarrou no dela, mas ela nem virou para ver quem poderia ser.

Cetim colocou-se por cima dela. Seu corpo era quente, macio e perfumado, diferente do corpo sempre frio e duro do futuro consorte de Daenerys.

Pelo menos isso Dany podia agradecer.

Eu sou do sangue do dragão, disse a si mesma, e o sangue do dragão não chora.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Os Stark voltaram a se reunir no escuro do bosque sagrado. As negras e cinzentas nuvens se afastaram, dando espaço para o brilho de prata da lua, que iluminava o ambiente.

Sansa usava um vestido escuro, que fazia um farfalhar leve pela relva. Arya usava um manto cinza-escuro, de capuz largo, que cobria todo seu rosto. Jon usava um gibão preto, mas seus cabelos brancos, agora parecendo fios de prata pelo brilho do luar, caiam pelos ombros, revelando quem ele era. Seu lobo albino, Fantasma, também parecia ser feito de prata, e movia-se, em silêncio, na noite. 

Bran estava sentado de costas ao represeiro, sentido sua madeira dura e pálida em suas costas, sentindo as mil mentes na árvore. Seus sussurros eram um farfalhar uníssono de mil e uma vozes que se foram há tempos, unidas em uma só mente e voz. O brilho da luz pálida da lua batia em seu corpo, pintando o príncipe quebrado de branco-prateado, fazendo a cor de sua pele confundir-se com a cor do tecido do gibão. Sua pele estava tão pálida e brilhante quanto o tronco do represeiro. E seu cabelo acobreado estava desbotado, assim como as folhas do represeiro, que perderam o vermelho-sangue característico e parecendo mãos frias.

— E então? — indagou Sansa. Suas damas estavam longe, assim como Alysanne. Foi difícil, mas ela conseguiu se livrar delas.

— Eu e os outros iremos à guerra amanhã. — A voz de Jon era um sussurro grosseiro na noite.

Arya afastou o longo capuz, revelando o rosto longo. Suas bochechas estavam magras, a pele parecia meio sem cor e o cabelo estava trançado. Havia fúria em seu olhar acinzentado. A luz nacarada da lua iluminava a sua figura, fazendo Arya parecer uma estátua de mármore branco. As sombras dos galhos da árvore se estendiam até ela, parecendo cobras negras cobrindo seu corpo.

— Eu quero ir — disse ela. Não era uma pergunta.

O irmão mais velho a olhou e a analisou por um tempo. Seu olho cinza parecia agora uma bolsa de sangue.

— Não. — Foi tudo o que respondeu.

Arya fez um som irritado, semelhante ao rosnar de uma loba irritada, ameaçando quem se aproximasse.

— Me deixe matar o Olho de Corvo, irmão — Pediu Arya. — Deixe-me banhar em seu sangue, seja ele vermelho ou azul.  — Os olhos cinzas de Arya estavam lívidos. — Prometo-lhe entregar a cabeça de Euron Greyjoy em uma bandeja de prata, e nós poderemos colocá-la em uma estaca em Winterfell.

Jon, mais uma vez, a olhou em silêncio por um tempo, estudando aquilo que ela lhe disse.

— Faça o que quiser então, princesa — Jon lhe respondeu, de forma ríspida. — Embora, eu tema dizer, pareça tão morta quanto nosso inimigo.

A princesa se retraiu ao ouvir aquelas palavras. Voltou a cobrir o rosto com o capuz grosso.

— Não tem graça…

— Não era pra ter — Jon retrucou.

Sansa estava farta daquele assunto sem sentido.

— Jon — ela o chamou —, não nos chamou aqui para avisar que vai partir amanhã, isto já era óbvio. — Por fim, fez a indagação que queria: — O que Euron quis dizer quando disse que você não é irmão de Rickon.

Ao ouvir a indagação da irmã, o rosto de Jon pareceu um pouco surpreso, depois, anuviou-se. Por fim, disse:

— Olho Corvo brinca com seus inimigos, só isso…

— Não minta, Jon — avisou Arya. — Eu e Sansa vimos o seu rosto quando Euron disse aquelas palavras. Você ficou apavorado. — Continuou: — Eu sabia que havia algo que você estava escondendo, sabia que tinha algo que você e a Rainha estavam escondendo de todos, mas imaginei que era apenas um filho bastardo, mas logo me vi perguntando: por qual motivo estavam tão dispostos… e nervosos… em esconder que Daenerys estava grávida, sendo que logo vocês dois se casariam? E por que você teria um leve olhar de culpa aqui e ali? Uma ansiedade?

Por fim, avisou-o, caso seu irmão mais velho voltasse a tentar mentir para ela:

— Você pode mentir para os lordes, pode mentir para Sansa, pode até mentir para si mesmo, mas não para mim, Jon, eu sei ver as mentiras em seu seu rosto. Seu rosto é mais difícil, mas ainda é uma página que eu posso decifrar, por mais que tenha mais dificuldade do que com as outras faces.

Jon cerrou as mãos, formando punhos. Fantasma mostrou os dentes para a Arya.

— E por que não veio ver-me? — indagou Jon, com um pouco de ressentimento. — Por qual motivo não perguntou para mim? Logo eu, seu irmão, aquele que sempre fez de tudo para você?

Arya ficou quieta por um tempo, mas virou um pouco o rosto escondido pelo capuz, como se as indagações do irmão a envergonhasse.

— Por que eu não tenho mais certeza de nada — respondeu. — Eu não sabia se estava paranóica ou não… Talvez eu só não quisesse duvidar de meu irmão.

O rosto do irmão mais velho ficou anuviado.

— Arya — disse Sansa, temerosa pelas atitudes da irmã mais nova —, o que houve?

A irmã apenas meneou a cabeça, indicando que Sansa deveria ignorar aquilo e não se intrometer em seus problemas.

— Por favor, irmã… — pediu Sansa, sentindo o coração doer ao ver Arya naquele estado.

— Todos temos nossos problemas, Sansa — respondeu Arya. — Talvez seja melhor que alguns fiquem em segredo…

Aquilo a irritou, e Sansa fez uma cara feia.

— Segredos! Humpf! — Olhou para os irmãos, um à um, varrendo suas figuras com os olhos azuis. — Todos vocês tem seus segredos e pecados, e escondem eles de mim!

— Pare de bancar a santa, irmã — disse Jon, deixando a voz um tanto mais alta. — Você enviou nossa irmã numa missão idiota, e ainda enviou Asha para as ilhas de ferro, sem nem me dizer nada. Não pode nos julgar.

— Como se atreve? Eu apenas tentei conseguir uma refém valiosa. E Asha em nada era útil como prisioneira, solta ela…

—... Poderia dar ajuda? — Seu irmão deu um sorriso de escárnio. — E que grande ajuda tela em sido. — O ódio pareceu voltar e Jon dilatou as narinas. — Hoje mesmo, você deixou a raiva falar e irritou o Sor Lyle!

— Ele tem razão nisso, irmã — Arya concordou, para a grande irritação de Sansa, que a olhou com irritação e surpresa. — Deixou sua amargura falar mais alto, e isto não é de seu feitio... Está guardando muita coisa para si, mas, acredite quando eu lhe digo: esse caminho apenas irá te destruir.

Sansa franziu o cenho.

— Ah, olha quem resolveu dar lição de moral sovre autocontrole! — Ralhou ela.

Arya pareceu se retrair ainda mais ao olhar colérico da irmã, que voltou a fitar Jon Stark.

— Vamos, Jon, bote para fora! — instigou ela, colérica. — Diga como acredita que eu só atrapalho, sendo que eu defendi o Norte, e os lordes e o povo comum lutavam com afoito, enquanto você planejava dormir com ele.

Após tanto tempo de calma, a face de Jon finalmente ficou franzida, cheia de rugas de expressão. O olho vermelho vermelho e o negro fitavam-a, raivosos. Até mesmo fantasma deu um passo para frente, voltando a mostrar os dentes.

— Isto não é justo! — Jon decretou. — Eu confiei em você, deixei Winterfell em suas mãos, e apenas fiquei com Daenerys para salvar os nossos rabos! Para evitar a grande ameaça!

A irmã sabia que havia verdade ali… Mas também havia ressentimento, de ambos os lados. Daenerys matou nortenhos, e isto nunca seria esquecido. Nem por Sansa, nem por nenhum nortenho. Mas Jon passou por cima disso, passou por cima da dor e do luto de vários vassalos. Sansa o apoiou, mesmo assim, mas a amargura ainda fincava seu coração.

Ele ainda me acha uma jovem indefesa, pensou com asco, acredita que ainda preciso de ajuda. Talvez acredite até que sou culpada por não tomar conta de Harry e deixar Petyr fugir.

— Eu o segui em tudo, irmão — Sansa disse. — Mas, acredite, eu não confio, de fato, em sua esposa. Se você confia nela, a dou o dom da dúvidas… Mas, se estiver errado, e Daenerys se provar uma ameaça, eu estarei do lado do Norte, e eu o defenderei contra a tirana. — Finalizou: — E contra você, se isso mostrar necessário.

Ela achou que o Jon ficaria furioso com o que ela disse. Esperava de tudo: xingamentos, olhar rançosos, talvez até a prisão e/ou ameaças…

Mas o que aconteceu de verdade a pegou de surpresa.

A expressão de Jon foi mágoa, como se a irmã o tivesse machucado de forma grave. O canto de sua boca tremeu.

— Sansa eu nunca lhe faria mal algum! — ele disse, e ela pode sentir a dor em sua voz, fazendo-a sentir-se culpada. — Eu nunca faria mal a nenhum de meus irmãos! Mataria por vocês! — Ele franziu o cenho e fez uma expressão de descrença. — Depois de tudo não confia em mim? Não me conhece?

— Nenhum de nós nos conhecemos — Disse Arya, distante de todos, longe da luz da lua e perto das sombras. O capuz largo cobria sua face e seu rosto parecia ser feito de sombras. 

Nymeria saiu das sombras, enorme, com olhos de mel, e Arya afagou o topo de sua cabeça. Os pelos eram macios.

— Nenhum de nós é mais o mesmo de antes, isso é óbvio — ela disse. — Duvido até que realmente possamos nos reconhecer.

Bran, ao ver aquilo, suspirou, parecendo fatigado.

— Vocês apenas ajudam nosso inimigo agindo assim — ralhou o rapaz, que parecia estar sentado de costas ao represeiro, embora, na realidade, não pudesse mover as pernas.

Os três Starks mais velhos o olharam, de forma raivosa.

— E você, Bran? — indagou Sansa. — Você sabia da ameaça de Euron! — acusou-o.

O rapaz ruborizou-se ao ouvir as palavras duras de sua irmã.

— Ninguém iria acreditar…

— É mais você sabia das mortes, não sabia? — ela o questionou. — Sabia que Euron era capaz de trazer mortes, sabia que ele era um monstro.

Bran ficou irritado com as palavras da irmã. Mas sabia que ela estava certa: ele tinha alguma noção (mesmo que não completa) da fome de caos e destruição de Euron.

— Eu sei dos riscos, de fato — admitiu Bran, olhando para Sansa. — E assumir este risco nos fez destruir a forma de Euron nos ver…

Sansa cruzou os braços.

— E quantos mais vão morrer, irmão? — ela indagou. — Você sabe?

Bran abaixou o olhar, sentindo os olhos de sua irmã o queimarem com a acusação. Sentiu que era um rapazinho levando esporro da mãe.

— Os que tiverem de morrer…

Sansa deu um suspiro exasperado ao ouvir aquilo, horrorizada com a frieza calculada do irmão.

— Deixe-o Sansa — disse Jon. — Sabe muito bem que na guerra é assim.

Sansa o olhou de soslaio.

— Desculpe-me por estar preocupada com o fato de nosso irmão, que acabou de fazer dezoito dias de seu nome, não ter empatia.

— Eu tenho empatia! — Bran disse, erguendo a cabeça. Ao ver que havia se excedido, acalmou-se e disse: — Não sou alheio a vida, irmã, pelo contrário, pretendo preservá-la, tanto quanto você e Jon.

Sansa respirou fundo. Estava cansada, confusa, sem saber o que pensar e fazer… Seu mundo caia cada vez mais, ficando em frangalhos. Sentia que nada era o que pensava.

— Que seja… — disse, virando-se, pronta para sair dali.

— Sansa! — Jon a chamou.

Sansa virou-se e fitou o irmão, fitou os olhos desiguais e inumanos, seu rosto longo e pálido, com cortes vermelhos rubros e rosados. Seu cabelo grisalho com brilho prateado.

(Ele era seu irmão mesmo?)

— Diga.

Jon retirou as luvas negras de couro e ergueu os dedos…

E Sansa viu que os dedos estavam enegrecidos, de um preto tão profundo quanto o couro das luvas.

Arya aproximou-se, afastando o capuz cinza com as mãos e voltou a se aproximar da luz nacarada e azul-prateada da lua, estudando os dedos lânguidos com o seu profundo olhar cinza.

Sansa, nervosa, e parecendo hipnotizada com os dedos pretos do irmão. Escuros como os dedo de um cadáver.

— Eu tenho muito a contar a vocês duas — disse Jon, enquanto Sansa se aproximando e tomando a sua mão entre as delas. Os dedos pálidos e pequenos dela alisaram sua pele escura e fria. — Mas preciso que acreditem em mim…

De repente, a neve começou a cair, e o brilho da lua começou a sumir, com a escuridão tomando conta de tudo. Todos os Stark olharam para cima, vendo uma nuvem escura cobrir a lua, enquanto derramava flocos brancos neles. O mundo era preto e branco.

Arya retirou o capuz, foi até Bran e o cobriu com ele, para protegê-lo da neve. O irmão deu um sorriso para ela, que beijou-lhe a testa, sentindo o calor de sua testa.

Todos olharam para Jon, fixando um olhar ansioso e silencioso para ele.

Jon olhou para Sansa, que viu uma lágrima fina cair e deslizar lentamente pelo canto do olho do irmão. Enquanto o fio fino de água passava pela sua bochecha pálida, ela a retirou com o dedo.

Sansa pegou as mãos enegrecidas do irmão, e Jon disse, com a voz fraca e chorosa:

— Por favor, Sansa, Arya… — suspirou profundamente, pareceu prestes a chorar. — Preciso que escutem e acreditem… Não podem ter medo de mim, eu… Estou tão sozinho…

Sansa acenou para ele e disse:

— Eu confio em você — disse Sansa. — Por favor, me diga o que houve… E eu vou acreditar.

Jon assentiu e olhou para Bran, que assentiu para ele, fazendo que sim para a pergunta muda no olho rubra do irmão.

Quando Jon falasse a verdade sobre os seus pais, Bran iria mostrar a visão deles para ela, mas ele ainda tinha muito para falar antes de chegar nessa parte.

Enquanto Jon contava sua história, Nymeria ergueu a cabeça para cima e uivou, longamente, fazendo os outros lobos (e até alguns cães do canil) uivarem, fazendo a noite escura e fria ganhar vida. O dragão de Daenerys também rugiu, como se para unir ao som da alcateia.


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