As Crônicas de Kanto escrita por WriterM


Capítulo 1
Graduação


Notas iniciais do capítulo

Olá, como vocês estão? Sejam bem-vindos a minha nova fanfic. Desejo a todos uma excelente leitura e espero que gostem! xD



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O mar de vozes fazia coro ao seu redor, algumas sussurrando, outras rindo, e havia aquelas que tartamudeavam roucamente devido a emoção. Ele remexeu-se em sua cadeira, espiando os arredores com olhos inquietos e ansiosos. Pela luz fraca que dardejava através das janelas retangulares no alto das paredes amarronzadas do ginásio, concluiu que já era fim de tarde – algo em torno das dezoito horas, talvez –, mas o calor primaveril ainda agarrava-se a atmosfera, fazendo o suor se acumular em sua testa e escorrer pela nuca. Suspirou. Estar naquela multidão toda não ajudava. Ele sentia-se sufocado no meio de tanta gente, e a sensação desconfortável parecia aumentar a temperatura. No entanto, Red ainda assim foi capaz de sorrir com serenidade.

Apesar de tudo, aquele era o momento com o qual havia sonhado a vida inteira. Sua formatura finalmente tinha chegado. E isso significava que, em breve, ele seria oficialmente um treinador licenciado.

Havia, ao todo, sessenta formandos reunidos ali; turmas de vinte alunos separadas em três blocos paralelos arranjados lado a lado em frente ao palco, cada um com uma vintena de cadeiras uniformemente espaçadas entre elas. Red estava sentado bem no centro do bloco do meio, pertencente à turma 10-B. Ele olhou brevemente por cima dos ombros, para além do amontoado de capelos atrás dele, e viu as famílias se acomodarem ao longo das arquibancadas à sua direita e nos fundos do ginásio. Dezenas de pais e outros familiares assistiam entusiasmados o grande momento dos seus filhos dali. Procurou por sua mãe, mas não a encontrou. Queria saber onde ela está, pensou Red, aborrecido, então voltou a atenção para o grande palco de madeira semicircular onde o corpo docente estava reunido para a entrega dos diplomas que seria realizada em breve. Ele viu os três professores responsáveis pelas turmas sentados lado a lado ao fundo, enquanto a vice-diretora, uma simpática mulher na casa dos trinta anos trajando um bonito vestido vinho, anunciava, de trás de uma mesa enfeitada com crisântemos brancos e lilases, um longo e elaborado discurso parabenizando e agradecendo a todos pelo grande dia. Na parede atrás deles, estendendo-se de uma extremidade a outra, havia uma elegante faixa de seda vermelha, pairando acima dos professores bem a vista de todos.

A vice-diretora prosseguia eloquentemente com o discurso, a voz meio embargada, causando uma comoção palpável entre os formandos, mas Red não estava prestando muita atenção. Invés disso, perdia-se em pensamentos, e em lembranças. Ele aprumou-se, limpando as mãos suadas na beca preta e observando com um olhar nostálgico os rostos dos colegas. Red conhecia a maioria deles desde a infância, e muitos estudavam juntos desde o primeiro ano na Escola de Treinadores de Viridian. Poucos eram de fato seus amigos, é claro, mas Red habituara-se a vê-los quase diariamente. Ele sentiu um súbito frio na barriga ao imaginar que dificilmente voltaria a se encontrar com eles depois da graduação. Muita coisa vai ser diferente a partir de agora, pensou, oscilando entre tristeza e expectativa.

Red não podia negar que gostava daquela mudança, afinal, ensejara se formar durante anos para enfim poder sair em jornada. Ele se lembrava das noites em que fora dormir sonhando com o dia que deixaria Pallet para trás, pronto para se aventurar pela região de Kanto com o seu primeiro Pokémon, abrindo caminho através dos líderes de ginásio até alcançar o Indigo Plateau. Mas, agora que este sonhado futuro estava batendo à porta, Red sentia-se inesperadamente saudoso. Haviam se passado dez longos anos desde que pusera os pés naquela escola pela primeira vez, e ele ainda conseguia se lembrar com clareza do seu primeiro dia de aula, de como estava nervoso por ingressar naquele ambiente desconhecido, do medo de passar horas longe da mãe. Red suprimiu o riso ao lembrar que, na época, ele pensou que nunca mais a veria. Que inocência a minha. Aqueles sentimentos sumiram com o tempo, e logo ele se habituou ao lugar. Até passou a gostar de frequentá-lo, pois era ali que se encontrava com os amigos e, às vezes, podia interagir com um Pokémon ou outro. Aquilo acabou se tornando a sua rotina, e, com o passar do tempo, ele acumulou memórias. Algumas boas, outras ruins – como a primeira vez que perdeu um exercício de batalha, ou quando o seu melhor amigo se mudou para uma cidade distante –, mas para Red, a distinção entre uma memória boa e ruim era apenas um detalhe. Todas elas faziam parte de quem ele era, e todas eram-lhe importantes. A escola tornou-se um lugar querido. Todavia, tinha chegado a hora de se despedir.

É preciso encerrar um ciclo para iniciar outro. É assim que a vida funciona, e Red estava aprendendo a aceitar este fato.

— …e novamente eu desejo a todos vocês, prezados formandos, os meus mais sinceros parabéns por essa formatura. Foi um prazer acompanhá-los nesta longa trajetória. – A salva de palmas que sucedeu o fim do discurso despertou Red do seu transe. Ele tepidamente se juntou ao coro e percebeu que a mulher no palco sorria e tinha os olhos lacrimosos. Quando os aplausos cessaram, ela os secou e voltou a falar. – Obrigada, pessoal. Antes de prosseguirmos para a entrega dos diplomas, há mais uma pessoa que gostaria de ter uma palavrinha com vocês – ela fez uma pausa, virando-se para uma porta entreaberta poucos metros à direita do palco. –  Com a palavra, o nosso digníssimo diretor Samuel Carvalho.

O referido homem saiu de trás da porta e andou calmamente até o palco, cumprimentando todos os presentes com um sorriso gentil e um aceno de mãos suave. Samuel Carvalho tinha uma boa forma para um idoso de sessenta e seis anos, caminhando ereto e mantendo a cabeça erguida; apesar disso, era um senhor baixo, com um metro e sessenta e cinco de altura, e tanto os cabelos grisalhos como a pele marcada por linhas de expressão registravam as décadas vividas, como cicatrizes entalhadas pelo tempo. Ele trajava um garboso conjunto social cinza, acompanhado de uma gravata vermelha, e calçava lustrosos sapatos marrons. Samuel – que era mais conhecido como Professor Carvalho –, aproximou-se da vice-diretora e educadamente aceitou o microfone. Depois, deu a volta na mesa e parou, observando a sua plateia sem proferir uma única palavra. De repente, o ginásio antes agitado mergulhou no mais profundo silêncio. Red achava aquilo impressionante. Quando o professor se pronunciava, todos se calavam para ouvi-lo falar.

— Boa noite a todos. – Disse, e um sonoro “boa noite” foi respondido em uníssono. – É uma imensa felicidade estar aqui mais um ano para testemunhar outra formatura, o nascimento de uma nova geração de treinadores. Eu espero, do fundo do coração, que os anos que passaram nesta escola tenham sido tão valiosos para vocês quanto foram para mim, esse velho homem que já testemunhou tanta coisa nessa vida e, mesmo assim, ainda não deixou de ser um simples aluno. Eu imagino que vocês devem estar ansiosos para receber os seus diplomas e cartões de treinador, mas desde já eu gostaria de me desculpar, porque preciso roubar mais um pouco do tempo de vocês antes disso. Bom, para quem já esperou dez anos, dez minutos não fazem diferença, não é? – Riu, e eles o acompanharam. Depois, recuou um passo e apoiou um dos braços na mesa. – Vocês fizeram muito bem em chegar até aqui, e por isso, merecem ser parabenizados. Os últimos dez anos foram anos de esforço, persistência e trabalho duro. Foram testados de muitas formas diferentes, cometeram erros, mas aprenderam com eles, se superaram e evoluíram. Agora, chegou a hora de finalizar essa etapa da vida e começar uma nova, uma completamente diferente da que conheciam até então. Há uma década vocês entraram nessa escola como crianças, e hoje, ao fim desta cerimônia, sairão como treinadores, pessoas capacitadas a partir em suas próprias jornadas em busca dos seus sonhos e metas. O mundo está à espera de vocês, e eu quero que saibam que este mundo em que estão prestes a embarcar é maravilhoso; vasto, repleto de lugares incríveis para visitar, pessoas para conhecer, Pokémon para descobrir e todo tipo de aventura grandiosa que puderem imaginar. Mas também é um lugar cruel. Não existem rosas sem espinhos, e lá fora há desafios que nunca enfrentaram antes. Tenham a consciência de que vocês passarão por situações desagradáveis e difíceis ao longo do caminho. Sentirão dor, tristeza, frustração e raiva. Conhecerão a amargura da derrota, e haverá momentos que vão querer chorar e desistir, mas cuidado! São nestes momentos que vocês têm de se armar com coragem e seguir em frente, pois é na dificuldade que nasce a força. Então, treinadores, deixem-me lhes dar um conselho: permitam-se experimentar. Vivam todas as experiências, sejam elas boas ou ruins, e aprendam com elas. Arrisquem, tentem, façam aquilo que acharem certo. Criem laços com pessoas e Pokémon. É a experiência que os fará crescer! Não tenham medo, porque vocês podem, vocês são capazes!

O professor parou e respirou fundo para recuperar o fôlego. Red não ousava tirar os olhos dele, tendo ouvido fascinado a sua oratória. Adorava ouvir o Carvalho falar – desde pequeno, ele sempre tentava comparecer às palestras do velho homem –, e escutar um último discurso antes de se graduar parecia-lhe um ótimo incentivo antes do fim.

— Vocês têm potencial para realizar tudo o que quiserem – prosseguiu Samuel Carvalho, afastando-se da mesa para ir até a borda do palco. – No decorrer dos trinta e oito anos que sucederam a fundação dessa escola, eu tive o prazer de testemunhar inúmeras formaturas como essa. Vi incontáveis ex-alunos ascenderem bem aqui, neste mesmo lugar, e por isso posso dizer que vocês são a geração de treinadores mais promissora a se formar sob a minha direção. – Red arregalou os olhos ao ouvir aquilo. A julgar pelos murmúrios perplexos ao seu redor, ele imaginou que os demais deviam estar tão surpresos quanto ele. – Mas, infelizmente, também será a última. Ao fim desse ano letivo, eu irei me aposentar do cargo de diretor. Quem irá assumir o meu lugar é a nossa atual vice-diretora, Elleanor Carvalho,  minha filha. – Ele apontou para a mulher, que aprumou-se e sorriu em resposta. Samuel fez uma pausa, inspirou profundamente e abriu um sorriso orgulhoso e meio triste. – Foi uma honra percorrer esse caminho com vocês, meus queridos alunos. Agora, iremos realizar a entrega dos diplomas e cartões de treinador. Obrigado pela atenção e parabéns pela formatura.

Sob novos aplausos, o Professor Carvalho devolveu o microfone para a sua filha, que parecia agora mais comovida do que antes, e posicionou-se a seu lado enquanto os professores agrupavam-se perto deles. Elleanor começou a chamar os alunos, recitando os nomes em ordem alfabética: Alan, Alexis, Andrew, Andy, Anne… Eles prontamente subiam ao palco assim que ouviam os seus nomes, recebiam o diploma e o cartão do professor encarregado por suas turmas, eram parabenizados e retornavam sorridentes para os seus assentos, ao passo que os graduandos seguintes continuavam o processo. Red os seguia com os olhos, observando as expressões que eles faziam enquanto ouvia os nomes serem anunciados; Dominic, Dorothy, Drew, Dulce. Ele estava pasmo. Não conseguia acreditar que o Professor Carvalho, a quem conhecia desde a tenra infância, iria se aposentar. O velho homem já ocupava o cargo de diretor há anos quando Red fora matriculado na escola, e nele permaneceu durante toda a sua idade colegial. Era estranho imaginar aquele lugar sob outra direção. É o começo da jornada para alguns e o fim para outros.

Gen, Giulia, Glenn, Gojo, Gordon…

— Green Carvalho.

Red levantou a cabeça, curioso para ver com mais clareza o rapaz da turma 10-C levantar-se do seu assento e andar até o palco. Green Carvalho, ele repetiu o nome mentalmente. Já ouvira falar daquele garoto. Red achava que toda a escola o conhecia. Green era neto do Professor, e pelo que diziam, havia herdado a sua genialidade. Observou-o com atenção. Green caminhava como o avô, com o peito estufado e a cabeça erguida, e não olhava para trás por um segundo que fosse. Ele manteve uma expressão neutra até alcançar os docentes, quando abriu um sorriso tênue para o avô e Elleanor – até onde Red sabia, ela era tia dele –, então deu meia volta e retornou para a sua cadeira sob os olhares admirados de muitos, com um diploma e um cartão de treinador em mãos.

Os nomes continuaram, e Red começou a se sentir cada vez mais irrequieto conforme o número de colegas com diplomas crescia ao redor dele. Ele percebeu que estava involuntariamente esfregando as mãos e balançando uma das pernas com um tique imparável. Tão perto, pensou, perto demais. Até que ele por fim o ouviu.

— Red Scarlat.

Ele se levantou com um sobressalto, tamanho o anseio, rumando até os professores sem esconder o sorriso extasiado que enfeitava sua face de orelha a orelha. Quando pisou no primeiro dos degraus que subiam para o palco, Red olhou para todo aquele público e sentiu o mundo desacelerar por um instante. Reconheceu os rostos dos colegas, muitos dos quais o observavam e acenavam em saudação, orgulhosos dele, e ele subitamente sentiu-se feliz por conhecê-los. Red teve a impressão de ouvir o próprio coração bater e ter consciência de cada respiração que exalava. Seu corpo estava leve como uma pluma, o torpor tomando conta. Aquele momento não parecia real.

Foi sobre o palco que Red finalmente pôde vê-la. Sua mãe, de pé na arquibancada do canto direito do ginásio, gesticulava fervorosamente para ele com os braços, ostentando o sorriso mais orgulhoso que ele já a vira dar. Só então a sua ficha caiu de uma vez por todas, e foi com grande esforço que Red conteve as lágrimas. Seu professor lhe entregou o diploma – um papel graciosamente enrolado e preso por uma fita dourada –, felicitando-o pela conquista, e em seguida deu-lhe o item mais importante dos dois: o cartão de treinador. Red riu como uma criança ao segurá-los pela primeira vez.

— Red, meu rapaz – disse o Professor Carvalho, apertando-lhe a mão. – Você fez por merecer. Meus parabéns!

— Obrigado, professor. – Ele agradeceu com um sorriso, já quase deixando as emoções transbordarem. – Muito, muito obrigado!

Red então desceu do palco, sentindo-se vitorioso e orgulhoso de si mesmo como não se sentia há muito tempo. Dez anos depois, estava feito. Ele estava formado; estava pronto. A jornada aproximava-se no horizonte, mas agora, Red só queria se afogar no próprio júbilo e aproveitar o momento.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por lerem! Por favor, digam-me o que acharam do capítulo, se possível. O feedback de vocês é valiosíssimo para mim :)

Até a próxima!



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