“ Não é real , não é real ...”

Abri meus olhos o suficiente para espiar minha mão . Subi os olhos somente um pouco , mas o mesmo pouco me permitiu ver meu dedo novamente .

Cheio de sangue .

Já faziam duas semanas que eu havia sonhado com aquilo pela primeira vez . Sim . Primeira vez . Porque houveram mais vezes . Toda noite.

Sempre o mesmo pesadelo .

O corte nunca parava de sangrar . Se de dia eu conseguia estancar o sangue , na manhã seguinte meus esforços já eram imperceptíveis . Eu ainda dava graças aos céus por estar de férias . Por enquanto .

Eu não conseguia entender aquilo . Se eu contasse para alguém , iriam achar que eu estava maluca . E talvez estivesse .

Meus pais insistiam para eu ir a um médico , mas eu dizia não . De que adiantaria ? Se no dia seguinte tudo estaria como antes ?

E eu tentava fazer com que talvez valesse a pena ir . Toda noite . Sempre que eu estava no meio daquela chuva insuportável , eu tentava me desviar do que quer que fosse que sempre me atingia . Mas parecia impossível . Eu estava travada . Não conseguia sair dali .

A noite , ao deitar , tentei pensar em coisas felizes , mas não adiantava . Eu mergulhei novamente no pesadelo mortal .

Diego me perguntando... Ah , Diego . Sempre foi um bom amigo , e sei que na vida real ele nunca falaria aquelas coisas . E  eu nunca gostaria dele como algo acima de amigo . Não .Mesmo todas as garotas da classe classificando-o como um deus grego por seus cabelos negros e olhos verdes , eu sempre o vi como amigo . Só um amigo .

Eu nunca vi ninguém como algo acima de amigo .

A balada . Eu estava correndo para as portas...

É isso ! As portas ! Se eu não sair não irei lá .

“Pare !”ordenei a mim mesma .

Mas eu não obedecia .

“Pare!” falei novamente .

Mas aquelas portas continuavam perto .

“Pare ! “- urrei –“Quer morrer ? “

Eu não sabia de onde tinha tirado aquilo . Morrer ? Quem falou em morrer . Aquilo realmente me assustou . Era só um corte no dedo , por favor . Mas eu sentia ...

Talvez fosse isso que aquela figura sinistra queria .

Me matar .

O meu eu do sonho parou . Hesitou . Olhou pros lados ...

E voltou para a festa .

“Obrigada ! Obrigada ! “- pensei .

E , de repente , aquelas portas que agora estavam distantes se abriram .

E o vulto entrou .

E eu consegui ver algo além da imagem esfumaçada que eu tanto via .

Vi uma capa .

-Aproveite enquanto pode ! –foi o que disse a pessoa. Eu podia chamá-la de pessoa ? Era um ser humano ?

E tudo começou a girar e a girar , cada vez mais rápido , como um redemoinho . E então o redemoinho foi acalmando . E quando terminou de rodar eu estava novamente em minha cama .

E meu dedo ...

Estava começando a cicatrizar !

Quase pulei assim que o vi , mas repentinamente ouvi a mesma voz que tinha ouvido no sonho . Mas não dentro de minha cabeça .

Fora dela .

“ Aproveite enquanto pode “

Que tipo de aviso era aquele ? Aproveitar o que ? O que aquilo era ? Aproveitar que eu tinha um carro ? Dirigir ? Era isso que a figura estava pedindo ? Minhas chaves de carro ? Aproveitar que eu não havia perdido minhas chaves na vida real ?

“Sua “ – ela havia dito na primeira vez que tive o tal pesadelo . Sua . Era algo feminino ...

Sua chaves ? Não , isso estava errado . Sua carro ? Também não .

Sua vida ?

E tudo pareceu se encaixar .

Sua vida .

Aquela figura de capa era a Morte .

Ela queria me matar !

E de repente , tudo começou a ficar cinza ,marrom e finalmente preto .

E isso foi a última coisa que eu me lembrei .