Por enquanto escrita por annaoneannatwo


Capítulo 2
No terraço




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Não tem como o dia ficar pior.

É bem verdade que teria como, sim. Podia estar chovendo, ela podia estar gripada, seus pais poderiam ter perdido o emprego, muitas coisas piores poderiam estar acontecendo. Porém, nada disso apaga essa sensação ruim em seu estômago que se instalou duas noites atrás e segue cutucando-a sempre que Ochako se lembra do que aconteceu na lojinha de conveniência na qual nem trabalha mais.

E isso por si só já seria motivo para deixá-la ainda mais perdida, porque a verdade é que ela nem está triste pelo emprego que perdeu, Ochako odiava trabalhar lá na maior parte do tempo, só não detestando por completo por causa… dele, e de como ansiava pelas breves e nada importantes interações com ele.

Todoroki Natsuo. O rapaz bonito e meio atrapalhado que engasgou na sua frente e teve a cabeça jogada contra uma geladeira por puro descuido dela. Ochako queria ajudá-lo, mas acabou piorando tudo, e agora ela só pode agradecer por ter perdido o emprego, pois isso significa que não corre o mínimo de risco de reencontrá-lo na lojinha de conveniência, caso ele não tenha criado um justificado pavor de pôr os pés lá de novo.

— Aqui. — a Tsu chega com duas garrafinhas de suco, colocando uma em sua mesa antes de abrir uma das garrafas e se sentar ao seu lado.

— Obrigada, Tsu-chan. Depois te pago.

— Não se preocupa com isso.

— Você sabe que eu não vou relaxar. — ela acena com a cabeça decididamente — Até o fim da semana eu te pago.

— Bom, eu sei que até lá você já vai estar se sentindo melhor e com um emprego novo, então por mim tudo bem.

— Você acha mesmo?

— Lógico! Eu e a Mina vamos te ajudar a procurar hoje, tá bom?

— Vocês são incríveis, de verdade.

— A gente só não quer te ver tristinha por causa de algo tão… — ela segura a palavra "bobo", sabendo que Ochako lhe contestaria imediatamente sobre isso ser bobo — Isso vai te ajudar a esquecer essa história.

— Eu acho que nunca vou esquecer disso.

— Pode ser, mas daqui a alguns anos você talvez ache graça. Passar vergonha na frente de um rapaz por quem você tem uma paixonite é uma coisa bem comum, até onde eu sei.

— Eu não passei só vergonha na frente dele, Tsu-chan. — Ochako murmura.

A tentativa de acalmá-la pelo que deve ser a milésima vez desde ontem é interrompida pela Mina entrando na sala como um furacão.

— Aí está você, Mina. Eu já não sei mais como tentar convencê-la de que o fim do mundo não está pra acontecer. — a Tsu diz em um tom meio cansado.

— E eu adoraria ajudar nisso, maaaas… não sei se isso é verdade. — a Mina soa um pouco desculposa.

— Por quê? O que foi?

— Ochako, lembra que você disse que o nome do moço era Todoroki Natsuo?

— Lembro, sim. 

— Pois é. Aí eu disse "Todoroki? Igual ao gatinho da Turma A?" e você disse "É, assim que eu ouvi o nome, lembrei desse menino também." e eu perguntei "Nossa, já pensou se eles são parentes?" e aí a Tsu disse "Todoroki é um sobrenome bem comum, quais são as chances de esse ser o caso?". Pois então, Tsu-chan… QUAIS SÃO AS CHANCES?

Ela fica em silêncio e as olha incisivamente.

— Você… você quer mesmo que eu calcule as chances?

— Não, porque não precisa. — ela balança a cabeça — Irmãos.

— O quê? — Tsu e Ochako perguntam juntas em descrença.

— O seu Todoroki e o Todoroki da turma A são irmãos! 

— M- Meu Todoroki?

— Como você sabe disso, Mina?

— Fiquei encucada com isso desde ontem, aí fui dar uma pesquisada. — ela puxa o celular e mostra a elas uma foto.

A foto é do site do colégio, e pode-se ver um garoto de cabelos divididos em branco e vermelho ao lado de uma moça bonita de óculos e um rapaz alto de queixo quadrado. Segunda a legenda da foto, Todoroki Shouto da Turma A venceu o torneio distrital de arco e flecha há dois meses, e seus irmãos Todoroki Fuyumi e Todoroki Natsuo estiveram presentes na final do torneio para prestigiar o caçula.

Lá está ele, sorrindo orgulhosamente enquanto aperta o ombro do irmão. O coração de Ochako bate mais forte em vê-lo assim com um sorriso tão lindo, imediatamente se lembrando que a última expressão que o viu fazer antes das portas da ambulância se fecharem era bem diferente.

— Que mundo pequeno. — a Tsu observa.

— E tem mais. — a Mina anuncia

— Mais? MAIS? O que mais pode ter? Eu… eu não… — Ochako as olha em desespero — Eu não posso mais estudar aqui! Eu não posso nunca mais pôr meus pés aqui.

— Ok, agora acho que você tá exagerando. Vamos ficar calmas, Ochako?

— Escuta bem, Ochako. A Mina acha que você tá exagerando. A Mina.

— Ei! — ela olha feio para a amiga de cabelos verde escuros — Ochako, o que você quer dizer que não pode mais estudar aqui? 

— E se eu me esbarrar com ele por aí?

— Você ralou tanto pra entrar e vai sair por causa de um garoto, que é muito lindo, mas que tá em outra turma? E por qual motivo? Nem foi ele que você salvou na lojinha de conveniência! 

— Eu sei, mas é o irmão! E se ele achar que eu tentei matar o irmão dele? E se sair contando pra todo mundo?

— Acho que ninguém pensaria que você tentou matá-lo de propósito…

— Matar sem querer também não soa muito bem, Tsu-chan. Eu… preciso mesmo sair daqui.

— Ah é? Você vai falar o quê pros seus pais? Que saiu da escola porque tá com vergonha? 

— Eu também acho que você tá buscando uma… solução, se é que dá pra chamar assim, meio radical pra um problema que talvez não seja tão grande quanto você pensa. — a Tsu aponta.

— Eu… — ela tenta achar argumentos, mas sabe que a Mina venceu quando mencionou os pais dela. Ochako realmente não pode sair da escola na qual os pais lutaram tanto pra que ela entrasse por causa de algo assim, é simplesmente impensável — Eu… acho que não corro risco de encontrar agora um garoto com quem nunca falei por quase três anos. — Ochako tenta se convencer com um sorriso torto.

— Ah, bom… aí não sei. — a Mina desvia o olhar.

— O quê? Por quê?

— Bom, porque… o Todoroki Shouto tá te procurando, e eu falei que era sua amiga e que você é dessa turma.

—  O QUÊ?

— Mina, a gente já não conversou sobre você organizar melhor suas prioridades de fofoca?

— Mas eu disse "e tem mais."!

— Mas você não falou o que era!

— Ah não… — Ochako leva as mãos à cabeça e se encurva sobre a carteira.

— C-calma, Ochako. Tenho certeza que não é… que ele não vai te confrontar muito sobre isso. — a Tsu leva uma mão ao ombro dela.

— Muito!? — a Mina questiona.

— Como eu saberia? Não o conheço direito. Você também não conhece, não deveria ter dito que é amiga da Ochako!

— Eu sei, mas… você já viu os olhos dele? 

— O que isso tem a ver?

— A Uraraka Ochako está aqui? — uma voz masculina interrompe o surto das três, e Ochako se sente congelar ao ver Todoroki Shouto em pessoa, parado na porta de sua sala.

Os quatro ficam em silêncio se encarando, como se qualquer movimento fosse quebrar um fino equilíbrio que impede tudo de se afundar no mais absoluto caos.

Percebendo que ele não irá embora enquanto ninguém se manifestar, Ochako levanta a mão como quando se voluntaria para uma atividade que não quer fazer de verdade.

— Sou eu…

— Podemos conversar?

— A-ah, eu… hã… — ela se levanta, aproximando-se cautelosamente como se o garoto estivesse armado — Sobre o que- Sobre o quê?

— Você vai saber se a gente conversar. — ele dispara — Não tem muito tempo até o fim do intervalo.

Nossa, ele é… ele é bonito mesmo, mas não é nada como o irmão mais velho, suas feições são mais suaves, mas marcantes, ainda mais chamativas pelos olhos heterocromáticos, um de cor chumbo tão escuro que parece preto, e o outro turquesa, sobre o qual uma cicatriz se espalha. Sua expressão é muito mais fechada, quase enfadonha, quase como se ele estivesse exausto de estar aqui esperando-a se decidir. E mesmo que a Mina não tenha tido a chance de explicar o que quis dizer sobre os olhos dele, Ochako já entendeu. Ela tá se sentindo intimidada e, ao mesmo tempo, incapaz de desviar o olhar. 

— Claro… vamos ali no terraço. — ela não gosta de fugir, então apenas suspira resignada.

Ok, tinha sim como esse dia ficar muito pior.

 

—-

 

— Tem certeza que quer conversar aqui? — ele pergunta depois de os dois já chegarem ao terraço.

— Sim, acho que é o lugar mais discreto que a gente vai encontrar. Por quê? Algum problema?

— Achei que as pessoas só vinham aqui pra confessarem seus sentimentos. — ele coça a parte de trás da cabeça — Pelo menos é pra cá que me chamam quando querem se confessar.

Ele tá… ele tá se gabando? Ochako não tem certeza, então só o encara e fica esperando para que ele diga alguma coisa. Alguns segundos se passam e ele segue olhando para a grade que cerca o terraço.

— Então, hã… parabéns pela vitória no torneio de arco e flecha. — é a primeira coisa que ela pensa para tentar quebrar o gelo.

— Obrigado. 

Ochako segue aguardando ele entrar no fatídico assunto, mas nada acontece.

— Eu fiquei sabendo que você ganhou porque tá no site da escola, tem uma foto sua lá… com seus irmãos.

— Ah, verdade. — ele saca o celular — Meus irmãos estão com os cabelos um pouco bagunçados na foto, eles chegaram de última hora um pouquinho antes de eu vencer. Meu irmão tinha prova na faculdade, e minha irmã correu para buscá-lo nesse dia.

— Sei… olha, Todoroki-kun, eu… o que quer que você pense sobre o que eu fiz com seu irmão, eu… juro que nunca tive intenção de machucá-lo. — ela decide acabar com isso logo.

— Eu sei.

— Eu… talvez tenha superestimado minha força ou talvez tenha ficado apavorada porque nunca tive que lidar com um cliente daquele jeito, — ainda mais um cliente por quem ela tem uma quedinha — mas eu… eu queria mesmo ajudá-lo, se serve de alguma coisa.

— Acho que foi isso.

— Isso o quê?

— A segunda coisa que você disse. Não acho que você superestimou sua força. Você é a Super Formiga, não é?

— Su- nossa, esse apelido! — ela arregala os olhos — Já faz tanto tempo que eu não escuto! Me chamaram disso pelo segundo inteiro no clube de judô.

— Não chamam mais?

— Ah, eu não sou mais do clube, então… não. — ela dá um sorriso sem graça — Enfim, sobre seu irmão, eu…

— Por que não?

— Hum?

— Por que você não tá mais no clube? — o seu tom não indica nenhum sinal de curiosidade, mas Ochako não consegue imaginar nenhum outro motivo para ele fazer essa pergunta.

— Bom, porque… eu comecei a trabalhar de meio-período e fiquei sem tempo para clubes depois da escola.

— Trabalhar na loja de conveniência?

— É, e de faxineira numa empresa também.

— Se você não tivesse largado o judô, nada daquilo teria acontecido.

Agora não há nenhum sinal de acusação por parte dele, mas ela não consegue evitar de se sentir na defensiva.

— Bom, não é como se eu tivesse muita escolha. Eu precisava de dinheiro, ainda preciso. — ela dispara, mais ríspida do que deveria, e se arrepende no mesmo segundo — D-desculpa.

— Pelo quê? — ele dá de ombros e volta a olhar para o celular — Bom, então você é mesmo a Uraraka que eu pensei que fosse. 

— Vo- você só percebeu isso agora? — ela pergunta em descrença.

— Não é um sobrenome muito comum mesmo, então as chances já eram pequenas. Enfim, vou avisar meu irmão que é você a garota da loja de conveniência que o salvou.

— Eu não sou mais a garota da loja de conveniência. — ela revira os olhos, mas percebe sua atitude desagradável e se recompõe quando ele a observa — Eu… fui demitida.

— Então ele não vai poder te encontrar lá.

— Não, ach- espera, o quê?

— Meu irmão quer ver a garota que o salvou. É você.

— M-mas… por quê? Ele… ele tá muito machucado?

— Não, só ficou com um galo na testa. O nariz já desinchou. Você mesma pode ver se topar encontrá-lo.

— E  por que eu…? Não, acho melhor não.

— Por que não? Você não o salvou?

— E também quase o matei! Ele… acho melhor pra ele… ficar bem longe de mim. — Ochako começa a se afastar.

— Bom, você que sabe. Ele só queria agradecer.

— Não tem pelo quê agradecer, de verdade. Adeus, Todoroki-kun. — ela dá as costas e se prepara para voltar antes que o sinal toque, e Ochako deveria se retirar. O garoto não parece estar bravo com ela, e o irmão dele muito menos, ele quer… agradecer, ele acha que ela o salvou e só isso. Já é o bastante, ela não precisa se odiar nem se culpar se ele não guarda nenhum ressentimento, e isso é mais do que o suficiente. Mas… tem uma coisinha lhe despertando curiosidade — Todoroki-kun?

— Hum?

— Como você descobriu? Que era eu? — ela se vira para olhá-lo.

— Como eu disse, Uraraka não é um sobrenome tão comum. Quando o Natsuo-nii falou que a atendente que o salvou se chamava Uraraka, eu lembrei de uma garota da escola que conseguia erguer gente bem maior que ela, aí você terminou de confirmar quando começou a falar sobre essa história.

Então ele não tinha certeza até Ochako começar a se explicar? E se não fosse a mesma Uraraka? Ele é… que garoto mais esquisito!

Mas nem é isso que a choca mais. Na verdade, isso não é nada perto do que realmente lhe intriga.

— E como… como seu irmão sabia meu nome?

— O crachá, eu acho. — ele toca no peitoral levemente.

Ele sabe o nome dela! Todoroki Natsuo se deu ao trabalho de ler o nome escrito no crachá, ele realmente estava lhe vendo todas as vezes em que foi atendido por ela! Ele é… atencioso de verdade, sempre foi gentil de verdade!

Seu coração bate mais forte, e ela se vira para que o garoto de cabelo meio a meio não a veja corando. Ochako respira fundo a aperta a mão contra o peito.

— Todoroki-kun?

— Hum? — e verdade seja dita, a paciência desse garoto com ela também é de se admirar.

— Eu mudei de ideia. Eu… adoraria encontrar seu irmão.

 

***

 

— Você não vai pra aula hoje? — Shouto pergunta enquanto olha para os bancos do parque.

— Não, resolvi tirar o dia pra resolver de vez essa história com a Uraraka-san. — ele olha pro celular — Só não fala nada pra ele.

— Não vou.

— Não que ele fosse se importar também. Mas eu prefiro não arriscar, não tô a fim de outro sermão essa semana.

— Ele te deu sermão por você ter sofrido um acidente?

— Você fala como se não fosse algo que nosso pai faria. — ele abre um sorriso debochado, e pra isso Shouto não tem resposta — E você? Não tá matando atividade do clube?

— Tô. Eu nem ia vir, mas ficou difícil dizer pra ela que eu não vinha.

— Ah é? Você se sentiu mal por uma menina ficando nervosa de encontrar um estranho e quis ajudar?

— Não, ela só presumiu que eu vinha também, aí não tive como dizer que não era isso.

— Suas habilidades de comunicação são bem preocupantes pra alguém que tá no terceiro ano.

— Sabe quem também disse isso? Nosso pai.

— Ugh, esquece. — ele revira os olhos, mas muda de expressão ao avistar alguma coisa — Ah, é ela. — Natsuo sorri e acena amistosamente.

Shouto acena também, surpreso por não vê-la de uniforme. Ele a interceptou na saída da escola perguntando se ela poderia encontrar seu irmão hoje à tarde no parque perto da estação no centro, ela concordou e passou seu número para que eles pudessem decidir o horário certinho, mal se despedindo e indo atrás da amiga de cabelos cor de rosa com quem Shouto falara mais cedo. Então, do nada, elas saíram correndo.

Ele não entendeu muito bem, mas sabe que ela com certeza não veio direto da escola como ele, tirando um tempo para ir para casa e se trocar e até mudar o penteado… ela não tava com essas tranças hoje cedo, tava?

— Olá! Tô atrasada?

— Não, relaxa. A gente que chegou mais cedo. — o Natsuo diz despreocupadamente, e então estende sua mão para ela — Eu sou Todoroki Natsuo.

— Ah, eu sei! — ela sorri — Eu… ouvi você falar quando o paramédico te perguntou.

— Ah, pois é. — ele fica sem jeito, e segue olhando-a — E você é Uraraka-san, certo?

— S-sim! Desculpa, eu nem me apresentei! Meu nome é Uraraka Ochako, eu sou… a garota daquele dia.

— E é colega do Shouto. — ele complementa, olhando pra ele.

— Sim, isso também. — ela olha rapidamente pra Shouto, antes de voltar sua atenção para seu irmão novamente. Por algum motivo, Uraraka olha pro Natsuo como se ele fosse uma celebridade ou algo do tipo — Eu, hã… espero que você esteja melhor.

— Ah, isso aqui? Não foi nada, relaxa. — ele aperta o galo levemente.

— Eu sinto muito, Todo- — ela vai se curvar, mas Natsuo a impede, levando uma mão ao ombro dela. Uraraka se ergue com tudo, encarando-o com olhos arregalados.

— Ei, deixa disso! Vamos comer alguma coisa e conversar melhor, ok?

— Comer?

— É, tem um café bem legal a umas duas ruas daqui. Vamo lá, você gosta de doces?

— Sim, eu… gosto bastante. Mas… a gente não precisa, se você não-

— Relaxa, eu não vou me engasgar de novo. — ele ri, e ela dá uma risada desajeitada.

— E se engasgar, você salva ele mais uma vez. — Shouto sugere, sentindo-se estranhamente deslocado nessa conversa. Ele sabia que seria assim, por isso não planejava vir, mas ainda é meio esquisito.

— Tomara que não tenha nenhuma geladeira por perto. — ela ri e ajeita uma mecha do cabelo, sorrindo quando o Natsuo dá risada. Ah, então ela consegue parecer relaxada, Shouto achou que ela agia sempre daquele jeito meio nervoso como foi no terraço.

— Vamos, então. É por minha conta.

— Ah… imagina! Não precisa, de verdade! — ela balança as mãos energicamente.

— Mas eu quero agradecer pelo que você fez. Por favor? — ele praticamente suplica, e Shouto nota como a expressão dela se contorce em hesitação e vontade de ceder.

— Tudo bem.

— Ótimo, então vamos!

É uma caminhada rápida, com o silêncio sendo preenchido pelo próprio Natsuo, que fala da última vez que ele veio a esse café com uns amigos da faculdade. Uraraka escuta tudo atentamente, olhando pra ele como se fosse um professor. Vez ou outra, ela olha pra Shouto, que não consegue deixar de observá-la curiosamente. 

Ela é diferente do que ele imaginava. A amiga dela disse que Uraraka é bem tranquila, e iria adorar conversar com ele, mas a conversa no terraço foi pra lá de tensa, com ela se acalmando só depois que Shouto explicou como concluiu que ela era a garota da loja de conveniência. Depois disso, ela pareceu muito mais aberta, e mesmo se ainda tivesse alguma dúvida, ali ele teve certeza que ela fez o que pôde para ajudar o Natsuo, o resto foi só um acidente.

— O meu também é por sua conta? — Shouto pergunta enquanto lê o cardápio.

— Claro! Você ligou os pontos e achou minha heroína, também tenho que te agradecer. — ele se apoia na mesa — O Shouto normalmente não se liga muito nas coisas, Uraraka-san, então fiquei surpreso de ele ter descoberto.

— Acho que foi porque eu consegui te erguer, ele… parece se lembrar bem de que eu consigo fazer isso.

— Ah, verdade! Você tava no clube de judô, não é isso? Ainda sim, é bem impressionante pra alguém tão baixinha! — ele tosse — Q-quero dizer, não “tão” baixinha, não que você seja… você é-

— Tá tudo bem, eu entendi, não se preocupe! — ela garante, como se não tivesse surtado por coisas igualmente bobas momentos atrás.

— Bom, é uma pena que você tenha saído do time, é um grande talento a menos, com certeza. — ele lamenta.

— É, eu… não queria ter saído também, eu gostava muito! Mas… tive outras obrigações, eu precisei começar a trabalhar pra ajudar em casa, então…

— O Shouto me contou. —  ela olha em surpresa pra ele, Shouto finge não perceber, ainda lendo o cardápio — E hã… eu também soube que você foi demitida da loja de conveniência.

— A-ah, é… — ela desvia o olhar — Meu gerente assistiu ao vídeo da câmera de segurança, e… fora de contexto, não pegou muito bem.

— Mas ele sabia o contexto, não? — Shouto pergunta.

— Sim, mas… ainda assim. E bom… eu parei o atendimento pra te ajudar e fui… bem grossa com os clientes que ficaram lá só olhando… foi o que ele disse pra justificar minha demissão.

— Que imbecil! Eu dev-

— Mas sabe, acho que eu fiquei feliz de ter sido demitida. — ela diz seriamente — Eu nem gostava muito de lá, com certeza não gostava do gerente e… não iria gostar de continuar trabalhando num lugar em que a coisa certa seria eu ignorar uma pessoa precisando de ajuda por causa de umas compras.

— Nossa… —  o Natsuo parece surpreso — Você falou como um dos meus professores agora. Que bom que você pensa assim, Uraraka-san.

Eles sorriem um para o outro.

Depois de um tempo, os três fazem seus pedidos, e seguem conversando. Natsuo fala um pouco da faculdade depois de ela demonstrar interesse no assunto, ocasionalmente incluindo Shouto na conversa. Aos poucos, ela vai ficando mais à vontade, e não demora para eles descobrirem que tem alguns amigos em comum na escola.

— Você também chama ele de Deku?

— Eu levei quase a primeira semana toda de aulas pra descobrir que não era o nome de verdade dele. — ela ri — Que saudade! Ele tá gostando bastante do novo colégio, né?

— Não tinha como não gostar, eles têm tradição em aikidô.

— É, que bom que ele se encontrou.

— Aliás, isso me lembra uma coisa. Você tá sem emprego agora, certo?

— Conversar sobre o Deku te fez lembrar disso? — ela franze o cenho.

— As linhas de raciocínio dele são todas tortas, Uraraka-san. — o Natsuo explica, bebendo um gole de café.

— Essa nem tanto. Natsuo-nii, lembra que esse meu amigo Midoriya trabalhou no restaurante do velho pra juntar um dinheiro porque ia mudar de escola?

— Ah… verdade.

— Então, será que ele não tá precisando de alguém por lá?

— Sempre precisam de gente pra limpeza. — ele reflete — Mas sei lá, Shouto, você acha que é uma boa ideia? Tipo… trabalhar pra ele?

— Meu amigo trabalhava.

— Mas eu não conhecia direito esse seu amigo. A Uraraka-san eu conheço, não quero que ela tenha que aguentá-lo.

— Aguentar quem?

— Nosso pai. — os dois dizem juntos.

— Oh… o pai de vocês é…?

— Ele é chef e dono de uma cadeia de restaurantes. — Shouto explica — O Midoriya trabalhou como garçom lá.

— Ah, eu lembro! Ele falava que era trabalho duro, mas o salário era bom, né?

— Bom, ninguém pode falar que ele não recompensa bem quem consegue tolerá-lo como chefe. — o Natsuo diz — Eu não recomendo, Uraraka-san.

— Ah, bom… eu não me importaria, eu… preciso mesmo de outro emprego. — ela admite, envergonhada.

— Eu acho que ele paga melhor, você não precisaria de dois empregos. — Shouto sugere — Fora que o movimento é maior no fim de semana, você poderia ir pras atividades do time de judô, se quisesse.

— Você tá bem informado, hein?

— Ele ainda acha que eu vou assumir os negócios, então eu sei mais coisa que gostaria. E todos os empregados adoram ele, por sinal.

— Como?

— Os benefícios de quem não mora com ele, eu acho. —  ele olha para a Uraraka, que parece chocada — Não precisa estranhar, a gente tem esse tipo de conversa quase todo dia.

— Normalmente antes de jantar. — o Natsuo concorda.

— Se você quiser, eu posso falar com meu pai. Ele não vai recusar, e pode ser mais fácil pra você.

— Se não for incômodo, eu gostaria sim. — ela assente, e então se vira para o Natsuo, que a olha em desconfiança — Pior que meu último chefe não tem como ser. — ela sorri timidamente com a gargalhada de seu irmão.

Depois de saírem do café, Uraraka agradece mais uma vez e se curva antes de se despedir deles.

— Tem certeza que não quer companhia até a estação? A gente não se importa. Né, Shouto?

— Não, tá tudo bem, obrigada. Aliás… mais uma vez, obrigada por tudo, Todoroki-san, eu… eu tô mesmo muito feliz de ter vindo hoje.

— Até porque você nem queria antes. — Shouto aponta, e nota como ela fica sem graça.

— Ah, sério? Por que não? — o Natsuo fica surpreso, e diante de uma falta de resposta, apenas acena com a cabeça — Acho que eu sei o porquê.

— S-sabe? — ela arregala os olhos.

—  É porque eu fui grosso com você naquele dia, né? Antes de eu engasgar e tal.

— Ah… ah, eu… isso… — ela aparentemente nem se lembrava disso — Você… só agiu diferente dos outros dias.

— Eu tava bravo com nosso pai querendo que a gente fosse numa sessão de autógrafos do novo livro de receitas dele, tinha sido um dia bem longo, eu tava bem estressado… mas ainda não justifica ter descontado em você. Sinto muito, Uraraka-san. — agora é ele quem se curva, e ela fica desesperada.

— Tá tudo bem, tudo bem! Já passou, não se preocupe!

— Você é uma menina bem legal, Uraraka-san! Chegando em casa, vou brigar com o Shouto por não ter feito amizade com você antes! — ele se levanta e dá um peteleco na orelha de seu irmão mais novo.

— Haha, é uma escola bem grande, é normal que a gente não conheça todo mundo! E mesmo que não tenham sido as melhores circunstâncias, eu… fiquei bem feliz de te conhecer também, Todoroki-kun. Obrigada por ter me achado.

— Não foi nada. — Shouto responde, meio sem jeito diante do sorriso iluminado dela — Vou ver com meu pai sobre o emprego e te aviso amanhã na escola.

— Bom, você tem meu número. Pode mandar mensagem, se preferir. — ela balança o celular —  Eu já vou indo, tá ficando tarde. Muito obrigada, inclusive por me trazer aqui! O parfait tava muito bom, e o café é lindo!

— Haha, sem problemas. O prazer foi meu! Você veio toda arrumada, achei que seria um desperdício não te levar pra um lugar legal. — o Natsuo diz e se despede de vez, dando-lhe as costas.

Shouto o acompanha, virando-se uma última vez para ver que ela leva um tempo até se virar também e ir embora, as bochechas dela pareciam ainda mais rosadas.

 

—-

 

Aqui está ele mais uma vez.

Shouto é chamado para o terraço pelo menos uma vez por mês. À essa altura, ele já sabe do que se trata, sempre cogitando não ir, mas nunca lhe parece certo. As pessoas tiram tempo para criar coragem e se confessarem, às vezes se dão ao trabalho de escrever cartas, comprar ou mesmo fazer presentes. Ele sempre fica muito desconfortável, não entendendo o que veem nele que desperte sentimentos tão intensos, mas respeita a coragem dessas pessoas, e é por isso que vai até o terraço e escuta às confissões, recusando-as da maneira mais educada que consegue. Tudo bem que ele falha às vezes, alguns são insistentes demais, fora os que aparentemente nem o conhecem direito, só o viram uma vez no corredor e disseram ter se apaixonado, esses ele realmente não compreende nem quer.

Shouto nunca se apaixonou, mas se por acaso acontecesse, não sabe se iria se declarar. Por mais que respeite quem o faz, ele não gostaria de tomar o tempo de alguém desse jeito, ou de fazer uma pessoa que talvez nunca tenha lhe visto sob esse prisma ser de repente forçado a vê-lo desse jeito, isso lhe parece… egoísta, até certo ponto. Ele não gostaria de se impor assim.

Ou basicamente, ele não teria essa coragem mesmo. Então embora não entenda, há uma certa inveja de quem se expõe assim sem vergonha nenhuma. É impressionante.

Então quando ele mandou mensagem mais cedo falando que seu pai pediu para ela ir até o restaurante na sexta à tarde, e ela agradeceu, logo depois dizendo que precisava conversar pessoalmente e se ele poderia encontrá-la no terraço, aquela sensação familiar tomou conta de si.

Mas ao mesmo tempo, foi diferente. Porque a tarde que passou junto dela e do Natsuo foi divertida. Uraraka é gentil e engraçada, consegue engajar conversas com facilidade e o fez se sentir surpreendentemente à vontade. Não é de se estranhar que ela seja amiga do Midoriya, que trocou de escola no meio do ano passado. Eles têm um jeito meio parecido, e Shouto gostava da companhia dele. 

Ela com certeza é corajosa. Não é qualquer um que faria o que ela fez pelo Natsuo, e o jeito como ela quis se encontrar com ele mesmo se sentindo com vergonha —  e talvez com um pouco de raiva, já que aparentemente seu irmão foi grosso com ela, mesmo que tenha sido sem querer. Uraraka ainda assim foi até lá, e deixou o Natsuo simplesmente fascinado. Ele seguiu falando dela no caminho de volta pra casa, e até sugeriu que Shouto se tornasse amigo dela.

E ele se surpreendeu consigo mesmo por ter gostado da ideia. Ser amigo dela seria mesmo legal.

Mas não vai acontecer. Porque ela vai se declarar, e ele terá que rejeitá-la. E embora Shouto não saiba se ela é do tipo que consegue superar isso em nome de uma amizade, ele talvez não conseguiria sem deixar tudo num clima estranho e desconfortável.

Então não, eles não serão amigos, infelizmente.

Mas a coragem dela é admirável, e é por isso que Shouto está aqui.

— Oi. — ela sorri quando ele se aproxima na grade do terraço.

— Oi.

— Eu não vou tomar muito seu tempo, juro.

— Tudo bem, pode falar.

— Ok… — ela respira fundo e fecha os olhos, depois os abre, parece estar se encorajando mentalmente  — Ok.

— Ok.

— Todoroki-kun, eu… agradeço muito por você ter vindo atrás de mim. Eu nunca achei que fosse ver seu irmão de novo, e… teria sido horrível nunca ter conversado com ele sobre o que aconteceu. Eu achei que conseguiria, mas… iria viver com esse arrependimento por muito tempo, talvez pra sempre. Então… obrigada de novo.

— Sem problemas. 

— E foi bem legal lá no café, né? Eu me diverti bastante, e você?

— É, eu também. — ele responde sinceramente.

— Que bom! Você é tão sério, é difícil saber se você tá confortável ou se divertindo. 

— Desculpe? — ele diz com incerteza.

— Ah, não é nada pra se desculpar! É só o seu jeito, não é? Não tem nada de errado com isso! Eu acho… eu acho bem impressionante quem consegue ser assim como você. Eu nunca conseguiria, mesmo se tentasse.

— Ah, obrigado. — ele pensa mais um pouco — É, dá pra imaginar o que você tá pensando só de te olhar. Você é muito… expressiva.

— É, acho que até demais. — ela diz, meio sem jeito.

—  Mas é bom ser assim, talvez eu gostaria de ser desse jeito.

— Bom, acho que nós dois temos algo em comum, então. 

— Que é sermos completamente diferentes?

— Uhum, mas também admirarmos essas diferenças e querer ter um pouquinho delas porque talvez seria melhor… ou mais fácil.

Ele a olha, ela está observando o horizonte. O vento balança seus cabelos castanhos, e Shouto se impressiona com a expressão serena dela. Normalmente, estão todos tão nervosos quando vão se declarar, como se tivessem medo dele. Isso ele não consegue entender de jeito nenhum, não importa o quanto tente. 

Talvez seria mesmo mais fácil ser como ela, mostrar suas emoções abertamente e sem medo, de ter em seu tom de voz exatamente o que quer transmitir. Ele talvez não se sentisse tão mal por não querer ouvir essas confissões, mas também poderia rejeitá-las de um jeito que não afastasse as pessoas de vez.

— Mais fácil, com certeza. — ele concorda.

— Mas a gente é o que a gente é, né? Eu não consigo ser calma e ter discernimento como você, então… por isso te chamei aqui. — ela se vira para olhá-lo de frente —  Tem uma coisa que eu quero te falar.

— Ok.

— Eu sei que talvez não deveria, que é bobo e eu tô sendo ridícula, mas… quando a gente conversou lá no café, eu percebi que você é bastante tolerante, e… você foi muito compreensivo quando veio falar comigo, então… talvez você seja a pessoa certa pra entender o que eu sinto.

Lá vem…

— Ok.

— Todoroki-kun, eu gosto… — ele desvia o olhar — …do seu irmão.

Shouto a olha.

Ok… por essa ele não tava esperando.


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Notas finais do capítulo

Oioi! O segundo capítulo saiu mais rápido do que eu imaginei. Sinto muito (sinto nada) pelo bait do primeiro cap, mas... pra ser justa, tava na sinopse que a Ocha tá interessada inicialmente num cara de cabelos brancos hehe

Esse capítulo ficou enorme! Acho que nunca fiz um tão longo assim, até pensei em dividir e parar em quando a Ocha topa encontrar o Natsuo, mas não tinha como, precisava acabar como acabou hauuhaihaus

Espero que esteja curtindo! Obrigada por ler!



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