Breaking Free escrita por Kah Nanda


Capítulo 1
At Sea


Notas iniciais do capítulo

Boa noite. Sejam muito bem-vindas leitoras novas e antigas. Eu sou a Kah Nanda e hoje é noite de postagem de one-shot nova.
Porém esse enredo não é necessariamente algo solo, visto que a trama faz parte de um projeto onde escolhi escrever contos passados em veículos. Como expliquei nas notas centrais, essa é a terceira one, então quem estiver chegando por aqui, deixarei os links para conferirem as outras duas.
Espero que desfrutem do que lerão a seguir, com nosso enredo acontecendo em meio a um barco, prometendo muitas emoções em alto mar. Não deixem de ler as notas finais.
Apreciem Sem Moderação.

Way To You: https://fanfiction.com.br/historia/786581/Way_To_You/
Take My Breath Away: https://fanfiction.com.br/historia/809696/Take_My_Breath_Away/

Capítulo Postado Em: 30/08/23



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POV Bella

Apesar de amar estar com meus alunos, essa folga veio no momento certo...

É claro que sempre posso velejar aos fins de semana, o que já faço constantemente, porém justamente por se tratar dos dias em que a maioria das pessoas também estão de folga, acaba que meu prazer em desfrutar do mar sozinha termina sendo suprido pelo restante da companhia.

Não posso dizer que aprendi a velejar antes de aprender a andar ou falar, porque isso seria com certeza impossível, mas sei que conheci o mar em uma embarcação com apenas poucos meses de vida, ou seja, antes de aprender tais funções naturais a qualquer bebê.

E com o desenvolver da minha vida e o passar dos anos, continuei a frequentá-lo acompanhada do meu pai e de outros familiares, como tios ou primos mais velhos, porém é certo também que assim que alcancei idade suficiente para começar a aprender a prática, o fiz sem pensar duas vezes.

E isso sim aconteceu antes de ter permissão legal para começar a dirigir automóveis, pois ainda estava em meio à pré-adolescência quando assumi sozinha o leme de um barco a vela pela primeira vez.

E desde então nunca mais larguei o ofício, somente me aprimorando com o passar do tempo e meu desenvolver de adolescente, a jovem e hoje como adulta.

Por ser algo passado entre gerações da família, todos acabaram exercendo um pouco, mas hoje em dia ninguém está no mesmo patamar que o meu, tanto em excelência como navegadora, quanto em entusiasmo com o feito.

Justamente por isso é comum que saia para navegar sozinha, durante certo tempo meus pais ainda se preocupavam bastante que fosse desbravar os mares sem qualquer companhia, mas foi justamente minha determinação que acabou os convencendo de que era não só inevitável tentar me conter, quanto minhas habilidades lhes garantiram certa segurança para não mais contrapor meu desejo.

E após sair de casa ao entrar na faculdade, ainda que não tenha propriamente ido para longe, atingi a independência necessária para continuar as práticas sem mais contestações, ao menos não frequentes, visto que mesmo não morando mais com eles e tendo minha própria vida solo há quase uma década, é raro conseguir sair para velejar sem que a notícia acabe chegando aos seus ouvidos...

Eu poderia ter mudado para mais longe, ter ficado em Seattle, por exemplo, como quando fui fazer faculdade. Porém mesmo com o grande centro ficando somente à uma hora e meia de distância da cidade de Bellingham, sempre soube que voltaria para cá, onde é meu verdadeiro lar.

Ainda mais por saber também que jamais abandonaria a baía de Bellingham, onde o barco a vela que ganhei ao completar 21 anos fica ancorado, sempre a espera de um novo passeio, como o que farei daqui a pouco.

Por ainda ser muito cedo e também dia de semana, não tem muitas pessoas ao redor da baía, no caís ou mesmo somente entre as imediações, já que o comércio local inicia o funcionamento daqui à uma hora, então nesse momento é provável que a maioria dos responsáveis ainda estejam desfrutando de um belo café da manhã em família antes de despertarem oficialmente para os compromissos do dia.

Porém como quero aproveitar o dia ao máximo, não me ressenti de acordar cedo, até mais cedo do que meu horário padrão para ir à escola e começar os preparativos para sair com o veleiro.

Já no fim da verificação prévia, faltando somente desnivelar a corda de segurança e deixar a embarcação tomar rumo em meio ao mar, observei o horizonte que me aguarda, também dando uma nova checada tanto no clima que promete dominar o dia, incluindo incidências de ventos e também fluxo da água, quanto ao rumo que pretendo seguir.

Com o barco já solto e iniciando a rota, ajeitei meus óculos escuros e comecei a sentir a brisa tomar meu rosto e também atingir os fios soltos do meu cabelo, que em breve prenderei para não enrolar ou atrapalhar, mas que por enquanto podem permanecer assim.

Foi quando a centímetros de deixar a baía totalmente, senti um impacto no barco e virei rapidamente para olhar o que pode ter acontecido, visto que faço esse trajeto periodicamente e nunca bati em nada, então o espanto pelo barulho foi bem grande.

Porém só não maior do que a percepção de notar que não estou mais sozinha na embarcação...

E a partir disso, uma enxurrada de palavras começaram a ser jogadas tanto da minha parte, quanto do homem misterioso que simplesmente acabou de pular no meu barco...

— O que?

Foi o que pronunciei a princípio ainda bastante espantada.

— Me desculpe...

— Mas quem é...

— Só me dê um minuto, por favor.

Realmente não estamos chegando a lugar algum e tão pouco parecemos nos ouvir, já que estamos falando por cima do outro.

— Como você...

— Prometo que não sou nenhum maluco, apesar de ter pulado no seu barco de supetão e sem permissão.

Conseguiu concluir por fim e falou a frase esticando os braços, em sinal claro de rendição, mas acontece que não posso ceder tão fácil assim, afinal de contas, ele ainda é um estranho que simplesmente pulou no meu barco.

Pensando nisso, desviei o olhar do seu por um segundo, apenas para apertar o botão de condução automática, pois não tenho certeza do quão seguro é parar o barco totalmente, então usarei a navegação a meu favor nesse momento.

E ao voltar a encará-lo, apesar de estarmos de certo modo distantes, já que ele continua parado no mesmo lugar onde pulou próximo a popa do barco e eu também não me desloquei da região de comando, pude notar certos aspectos sobre sua pessoa.

Ele é um homem alto, de porte fino e talvez até atlético, porém não posso afirmar isso já que está completamente vestido com uma combinação de roupa social bem cortada, incluindo sapatos italianos, relógio másculo aparecendo sob o punho da camisa e óculos escuros.

Vendo assim, a aparência conjuga alguém importante, talvez um homem de negócios. No entanto, com certeza não posso levar tal situação julgando apenas por sua aparência bem apessoada.

Continuando a focalizá-lo, em meio ao nosso silêncio, procurei alguém próximo ao caís em busca de qualquer tipo de ajuda, mas somente me inteirei novamente do fato de ainda estar bem cedo e não ter tantos circulantes como geralmente e por um momento suspirei diante da decisão e a escolha de ter saído hoje, mas logo me ressabi, já que eu não sou a errada da situação.

Rapidamente ergui os óculos e fulminei o estranho com um olhar que espero estar passando não só minha indignação, mas também ferocidade.

Para deixar claro que ele não está lidando com uma moça indefesa, pois mal ele sabe o quão bem preparada sou para me defender...

— Escute aqui...

Comecei outra vez, porém ele novamente tomou a frente.

— Por favor, eu prometo que sou do bem, que não tenho intenção nenhuma de lhe fazer mal. – Afirmou. – Você pode me revistar se quiser. Só não me expulse.

— Você só pode estar brincando!

— Não. Não estou. Sei que tudo isso é uma loucura e eu nem mesmo pensei direito, mas estava observando seu barco e quando dei por mim, tinha pulado. – Justificou. – Foi uma atitude impensada, admito, mas só queria experimentar algo diferente, deixar minha vida conturbada para trás.

Algo em suas palavras acabou me pegando e continuei ouvindo-o.

— Eu só quero ter um dia livre e se você puder me ajudar, serei muito grato. – Ele abaixou uma das mãos, levando a um dos bolsos. – Se quiser posso até pagar pelo passeio, não sei se você...

— Não. — O cortei rápido. – Por favor, não me ofereça dinheiro.

— Ok, desculpe. Eu sinto muito, não quis ofendê-la. – A mão livre seguiu para o cabelo de aspecto tão alinhado quanto à roupa. – É que estou desesperado para... – Ele tomou uma nova respiração. – Eu nem mesmo sei bem, acho que somente preciso respirar...

Algo nesse homem está começando a me intrigar...

Ele parece realmente desesperado, em busca de algo maior do que sequer consegue projetar.

— Ouça moça, sei que tudo isso parece uma loucura. Em qualquer outra circunstância seria o primeiro a dizer para não confiar nas palavras de um estranho, mas somente dessa vez peço para que confie no que estou dizendo.

Foi então que ele fez algo que acabou mexendo verdadeiramente comigo.

Pois ao retirar os óculos escuros deixando-me enfim enxergar seus olhos e além de realmente encontrar toda a aflição expressa em suas palavras, também fiquei hipnotizada por alguns instantes diante da magnitude do tom verde que cobre suas íris...

— Por favor, me deixe ficar.

Eu só posso ter perdido completamente os sentidos...

Ou talvez não tenha levantado ainda e tudo isso seja apenas um sonho muito confuso e quando despertar ficarei bem mais alerta as providências do dia.

Porém ao focar nele mais uma vez, compreendi não só que isso é real, como também que não serei capaz de contrariá-lo.

— Está bem, não o expulsarei do barco.

— Obrigado, muito obrigado.

— Porém. – Ergui a mão e ele parou de falar. – Terei que revistá-lo, pois até mesmo uma loucura como essa tem limite.

— Você está no seu total direito.

— Certo. – Dei um passo e completei. – E não pense que por eu ser mulher, está lidando com alguém incapaz de se defender de outros ataques provindos para além de armas.

— Pois saiba que você já está melhor do que eu, pois realmente nunca aprendi a dar um soco decente sequer.

Apesar da fala mansa, não baixei a guarda e por fim encerrei a distância entre nós.

Ele novamente ergueu os braços e iniciei o toque a procura de algo suspeito, porém para a minha sorte e a dele, não encontrei nada incriminador, apenas constatei que nos bolsos traseiros da calça tem uma carteira e chave, que talvez seja de um carro, porém nada mais, nem mesmo nos bolsos internos do terno.

— Então?

— Você está limpo, mas continuarei de olho mesmo assim.

— Por mim tudo bem. – Abriu um sorriso. – Mas será que agora posso sentar?

O olhei firmemente, então suspirei.

— Vem comigo. – Virei o corpo, mas o olhei uma última vez. — E cuidado onde pisa.

Ele apenas assentiu e me seguiu até a proa.

O indiquei para sentar enquanto desativo o botão de controle e volto a guiar através do leme, colocando enfim o barco para navegar a uma velocidade maior e começando realmente meu trajeto.

Direcionei um olhar a baía, constatando que até nos afastamos bem e que por conta disso, mesmo que alguém apareça em breve, não conseguirá notar que esse é meu barco e que estou com um acompanhante, pois tudo que menos preciso é que essa história chegue aos ouvidos de alguém da minha família, especialmente dos meus pais...

Minha concentração foi desviada ao convidado indesejado ao ouvi-lo outra vez.

— De verdade, nem tenho como te agradecer por isso.

A voz continua plena e seu olhar já está começando a mudar, mostrando como esse rompimento, de seja lá o que for, era realmente necessário.

— Está bem.

Respondi simplesmente, ajeitando os óculos sobre o rosto outra vez.

— A propósito. Meu nome é Edward.

Observei a mão esticada, porém ao notar que não fiz menção de tocá-la, ele logo a recolheu.

— Será que poderei saber o seu?

Minha negativa foi suave, mas por estar me olhando, compreendeu de pronto.

— Tudo bem, posso continuar pensando em você somente como a capitã...

E com isso desviou o olhar voltando a focar no mar a nossa frente e acabei balançando a cabeça de novo, porém dessa vez com outro intuito.

Mas agora também não posso mais voltar atrás, então seja como Deus quiser...

Já tem mais de uma hora que estamos navegando e o silêncio continua sendo nosso nobre companheiro.

O que para mim é muito bom, já que esse é um dos meus maiores intuitos ao sair para velejar.

Desfrutar de paz e tranquilidade...

Quanto ao passageiro inesperado, não tenho ideia de como está sendo o passeio para ele, visto suas necessidades ao embarcar de supetão, sendo que o único movimento que fez foi o de recolocar os óculos escuros tão logo iniciamos a jornada de fato e com o olhar compenetrado na imensidão a nossa frente, tem permanecido desde então.

— Você trabalha com isso?

Até mesmo me espantei ao ouvir sua voz depois de tanto tempo, ainda mais por estar distraída prendendo meu cabelo, por isso somente rebati.

— O que?

— Seu trabalho é velejar, pilotar? Não sei a nomenclatura correta.

— Qualquer uma das duas está certa. – Expliquei.

— Pois bem, mas esse é o seu trabalho?

— Não.

Ele apenas assentiu e voltou a ficar em silêncio, porém envolvida pela curiosidade, o instiguei.

— Por quê?

— Por nada, estava apenas pensando no motivo que a fez sair hoje e como dei sorte de encontrá-la.

— Realmente não costumo velejar durante a semana, hoje é uma ocasião atípica.

— Novamente, sorte a minha.

— E você deveria estar trabalhando hoje, não é?

Dei ênfase na questão indicando a vestimenta e ele deu de ombros antes de responder.

— Provavelmente sim, então digamos que faltei ao trabalho, mas será realmente uma falta quando de corpo presente faço tanto quanto em ausência?

Suas palavras me deixaram pensativa e confusa, porém ele logo desviou o ponto.

— Imagino que você não esteja dando o cano também?

— Não. Eu estou de folga do meu trabalho. – Informei.

— Não consigo nem pensar qual possa ser o emprego que lhe possibilita folgas semanais.

— Existem vários por ai.

— Não no meu radar.

— Pelo jeito que está falando parece que não tem o descanso nem mesmo aos finais de semana.

— E não tenho. — Pontuou. – Pois apesar de não necessitar voltar ao escritório, continuo investido em questões do trabalho mesmo em meio aos dias que deveriam ser considerados livres e destinados ao lazer.

Novamente fui tomada por um grande sentimento de empatia diante da visão que tem projetado sobre sua vida.

— Eu sinto muito.

— Obrigado. – Seu olhar desviou. – É a primeira vez que alguém me diz isso.

— O que?

— Que lamenta por saber como é minha rotina.

— Não posso acreditar.

— Mas é a verdade. – Os óculos escuros foram retirados novamente e os orbes verdes voltaram a focar em mim. – Se dissesse algo assim a qualquer pessoa do meu ciclo social, a última coisa que ouviria seria uma palavra de conforto ou empatia.

— Novamente só posso dizer que sinto muito. – Pronunciei.

— E novamente eu agradeço.

Ele apoiou os óculos no encosto a sua frente, porém tirando isso permanece intacto, sem ao menos ter desabotoado o terno, mexido no nó da gravata ou ter feito menção de projetar qualquer alívio visto a vestimenta séria.

— Você pode me informar o nome do lugar onde estávamos? – Soltou de repente.

— Baía de Bellingham.

— Ah, sim. Acho que o GPS informou alguma coisa sobre estar próximo à cidade com esse nome pouco antes de parar.

— Exato, a baía pertence à cidade de Bellingham.

— Entendi, obrigado.

Chegando a uma localização tranquila, de águas calmas, ativei novamente o controle automático e ao sentar no espaço oposto ao seu, retirei os óculos, passando-os para cima da cabeça.

— Devo acreditar que você nunca tinha vindo para esses lados? – Indaguei.

— Não. Apesar de ser de Seattle, não costumo frequentar as regiões mais ao norte do estado.

— Tenho que dizer que está perdendo muito.

— Eu sei que sim, só não é algo que possa evitar. – Afirmou. – Mas e você? Mora pela região?

Envolvida por sua sinceridade em informar de onde é, acabei respondendo do mesmo modo.

— Sim. Sou nascida e criada em meio à cidade, porém também conheço o suficiente de Seattle, para além de frequentar o centro quando necessário também fiz faculdade lá.

— Você estudou na Seattle University? – Questionou e assenti. – Que legal. Nesse caso você deve ter muito mais conhecimento sobre a minha cidade, do que eu tenho quanto a sua.

— É uma possibilidade.

— É uma certeza.

— Mas e você? – Retomei. – Também é um ex-aluno da SU?

— Não. Seguindo os passos da família, me graduei na Chicago University.

— Imagino que também deva ter sido uma experiência boa.

— Teve seus momentos. Mas a Booth School of Business não é o que posso chamar de sonho.

— Ah, então você não apenas frequentou a universidade, mas também um braço específico.

— Sim, como falei, somente segui os passos daqueles que vieram antes de mim, porém assim que me formei, voltei ao estado para integrar o império tecnológico da família.

Ficou claro desde o início que seus problemas têm a ver com trabalho, mas agora ao compreender que também está atrelado a sua família, só me faz questionar o que exatamente pode estar por trás de tudo.

— Seus comentários me fazem acreditar que nenhuma dessas decisões e escolhas eram algo que realmente queria.

Acabei falando sem conseguir me conter.

— Porque não são.

Nunca ouvi essas três palavras ditas com tanto peso.

— A verdade é que não tenho controle algum sobre a minha vida e por isso a sensação de que tudo está errado me acompanha constantemente...

Outra vez o vi levar a mão ao cabelo e começo a pensar que esse seja um sinal de nervosismo e apreensão.

— Talvez por isso tenha cometido a loucura de pular no seu barco hoje, para ver se ao menos por uma vez vivo algo por mim, guiado somente pelo meu querer. – Declarou. – E que bom que encontrei justamente uma capitã que teve pena de um pobre coitado perdido.

— Bella...

O interrompi para informar.

— Huh?

— Meu nome é Bella. – Esclareci. – Na verdade é Isabella, mas prefiro que me chamem de Bella.

— Ah, sim. Primeiramente fico grato pela confiança em revelar seu nome. E devo dizer que ambos são lindos, o nome e o apelido, mas se é sua preferência, então muito prazer Bella.

Outra vez ele esticou a mão, porém agora não o deixarei sozinho, retribuindo o cumprimento.

— É um prazer também Edward.

Assim que nossas peles se tocaram senti como um formigamento tomando conta da região e tão rápido nos encostamos, soltamos as mãos voltando a nos afastar.

— Você estava falando sobre sua profissão...

Retomei para dispersar o momento.

— Sim, mas estava apenas me lamuriando, você não vai querer ouvir isso.

— Estou disposta a ouvir se você quiser contar. – Pontuei. – Porém caso não mudamos de assunto ou voltamos ao silêncio.

— Essa paisagem inspira muitas coisas...

Seu olhar viajou para a imensidão ao nosso redor e acreditei que ele escolheria a tangente, então foi com surpresa que o ouvi continuar.

— Eu venho de uma longa linhagem de familiares em meio aos negócios. – Discorreu. – Não sei se você sabe, mas Seattle é uma das capitais da tecnologia. – Assenti. – Pois bem e os Masen são grandes fundadores em meio a esse ramo.

— Espera um pouco. – Não me contive em cortá-lo. — Você é um Masen?

— Não por escolha. — Deixou claro.

Não só por ser professora e por já ter morado um tempo em Seattle, possuo o conhecimento acerca do ramo tecnológico embutido na cidade, mas a questão é que qualquer pessoa do estado tem ideia de quem é a família Masen e sobre a história do seu império.

No entanto, apesar de conhecer o nome que carregam. Ao menos os integrantes atuais da família são bastante discretos quanto à exposição midiática, por isso nunca vi qualquer foto de algum deles e tão pouco teria como saber que recebi em meu barco um de seus herdeiros.

— A julgar pela sua expressão, imagino que conheça a história. – Salientou.

— Morando por aqui seria impossível não conhecer esse nome, porém no meu caso é somente isso, sei que existe a empresa e que tem passado por gerações, só que por não fazer parte dos meus interesses, não sei nada para além.

— Sorte a sua não ter ligação ou necessidade de inteirar-se conosco. – Citou novamente com tom de escárnio. – Nesse caso farei um breve resumo sobre os atuais membros dos Masen. – Falou. – Eu sou o terceiro filho dessa geração, tendo um casal de irmãos mais velhos e outro casal de irmãos mais novos, sendo esses últimos gêmeos.

— Uma família bem grande...

— Bastantes descendentes você quer dizer. Agora família? Isso é outra coisa.

— Eu...

Meu ímpeto foi logo contido.

— Nesse caso minha vida deveria ser bem menos complicada, não acha? Visto que meus pais e o império da família possuem herdeiros mais do que necessários e disponíveis. Contando com meus dois irmãos mais velhos, de gêneros opostos, dando aval para qualquer caminho que quisessem seguir. – Ponderou. – Porém mesmo assim continuo sendo pressionado e sei que o fazem propositalmente. Justamente porque nunca demonstrei a mesma aplicação que meus irmãos. – Declarou. – Sendo que até os gêmeos sempre se mostraram mais empenhados em assumir seus lugares em meio aos cargos da empresa do que eu.

Finalmente o vi tocar o nó da gravata, afrouxando-o um pouco, expressando o aprisionamento real e informando através das palavras.

— Com isso, você pode compreender como sou o único perdido e em mais de um aspecto...

— Não diga isso.

Pedi, mesmo sabendo que provavelmente é um pedido em vão, visto que suas questões parecem provir de lugares muito mais profundos.

— É a verdade Bella, nada além da verdade.

— Mesmo que seja a verdade de agora, não quer dizer que precisa se manter nisso pelo resto da sua vida. – Declarei. – Você pode sempre mudar.

— Se seu trabalho não tem a ver com o barco, qual sua real profissão Bella?

Ele questionou mudando completamente de assunto, não sei se somente para não continuarmos falando sobre si ou se também por querer sanar essa curiosidade e ainda prosseguiu.

— O que estudou durante o período que passou em Seattle?

— Eu sou formada em inglês e pedagogia. – Contei.

— Isso me faz pensar que você possa ser professora.

— E você está correto. – Pontuei. – Eu dou aulas a turmas de educação infantil.

— Nossa. Isso é realmente admirável.

— Obrigada.

— E isso foi o que você sempre quis fazer?

— Sempre. — Afirmei com um sorriso. – Apesar da minha família também ter histórico de negócios na cidade, nunca tive aptidão para seguir com nenhum deles, tendo mostrado desde cedo à vocação para lecionar e é o que realmente me satisfaz.

— Fico feliz em saber disso.

Falou e realmente acreditei em suas palavras.

— Pois é. E é desse modo que preencho minha vida. Entre meus alunos e a escola. Como também o gosto por velejar.

— E nunca pensou em transformar isso em algo mais? Levar para o lado profissional?

— Se refere a virar atleta da modalidade de barco a vela?

— Também. Entre outros meios de dedicar a vida a essa prática como profissão também.

— Não. Eu amo velejar e o faço desde muito nova, assim como também amo ser professora, mas são amores diferentes e com lugares distintos dentro do meu coração.

— Desculpe, foi erro meu insistir nesse assunto. – Ele afrouxou um pouco mais o nó da gravata e também passou a mão pelos botões do terno. – É um mal a muito incrustrado querer associar tudo a uma forma de negócio.

— Eu compreendo, mas apesar de amar velejar e estar aqui entre esse mar, gosto de saber que é algo meu e que o faço quando e da maneira que quero, sem pressões.

— Sem pressões. — Ele passou a mão sobre o maxilar, fazendo-me notar como a barba deve ter sido recém-cortada. – E você disse que veleja desde nova, mas quando exatamente começou?

— Meus pais me trouxeram para um passeio pela primeira vez quando tinha apenas alguns meses e desde então nunca mais parei de andar de barco. – Contei. – Porém aprendi a guiar quando criança e a primeira vez que sai sozinha foi pouco tempo depois.

— Nossa. Então realmente posso sentir-me seguro estando com você?

— Acredito que possa, pois realmente estou à frente do meu próprio leme há anos. Inclusive desse barco.

— Ele é seu?

— Sim. – Respondi animada. – Ganhei dos meus pais no meu aniversário de 21 anos.

— Um presente maravilhoso, suponho.

— O melhor de todos.

— E se me permite perguntar, há quantos anos tem o barco?

Sabendo bem o que a pergunta quer dizer, não hesitei em responder.

— Eu o tenho há seis anos.

— Certo e poderia explicar para um leigo se isso é pouco ou muito quanto a sua vida útil?

— É pouco, pois a média é de 25 a 30 anos. E isso contando com variáveis e desgastes diversos, porém mesmo assim, barcos não precisam ser considerados velhos ou descartáveis ao chegar a essa idade. Tudo depende do cuidado e também do seu condutor.

— Pois gostaria de ser como um barco. – Falou e o olhei confusa. – Pois mal cheguei aos meus 30 anos, mas não paro de sentir que esse já é o meu fim da linha.

Ainda que tenha achado interessante seu método de resposta para informar a idade, visto como usou o artificio para descobrir que tenho 27 anos, novamente me senti tocada ao ouvir sobre suas frustrações pessoais.

— Porém continue contando sobre suas experiências em alto mar. – Pediu. – Gostaria muito de ouvir mais sobre histórias de navegação, capitã.

A ênfase terminou com um aceno, em referência a posição de sentido e também o apelido usado.

E querendo continuar levando o assunto por águas calmas, o entretive por um tempo com alguns relatos interessantes e também curiosos...

— E dessa maneira sinto-me ainda mais conectada com tudo quando saio para velejar...

Conclui ao fim do monólogo.

— Eu tenho certeza que sim. – Disse mostrando uma empolgação quase tão genuína quanto a minha. – É realmente impressionante ouvir sobre tudo isso. Tendo a consciência de que você gosta do que faz profissionalmente, como também tem esse hobby maravilhoso que lhe inspira tanto.

— Mas e quanto aos seus gostos pessoais e hobbies?

— Já se esqueceu do que disse mais cedo Bella? — Reiterou, mas em tom jocoso. – Nem mesmo os fins de semana são meus, pois apesar de não necessitar frequentar os prédios da empresa, sou incumbido de comparecer a todo tipo de evento social que tenha por intuito continuar em ligação com sócios ou futuros clientes. Então mesmo que vá a almoços e jantares, passe tardes em clubes de golfe ou em casas de veraneio, nada disso realmente é por mim, a ação nunca é focada apenas no lazer.

— Eu não posso acreditar nisso Edward.

— Mas novamente, é a verdade. – Deu de ombros.

— Mas se você não trabalhasse com a sua família, acredita que negócios e administração teriam sido de fato sua escolha?

Questionei para ver se encontro uma saída em meio ao redemoinho de emoções que ele tem projetado desde que começamos a conversar.

— Você vai acreditar se disser que talvez pudesse dar um bom professor?

— Por que acha isso?

— Tem algo que sou realmente bom e pude aperfeiçoar em meio aos anos de estudos.

— É mesmo? – Perguntei interessada. – Qual sua aptidão?

— Eu sou bom com números e também sei passar minhas ideias muito bem. Se o faço em meio a uma sala cheia de figurões cismados, penso que poderia lidar com alunos bem mais simpáticos e dispostos a aprender comigo. – Piscou. – E também imagino que seja extremamente gratificante instruir as futuras gerações.

— Isso eu posso afirmar com absoluta certeza.

— Pois é. – Seu suspiro me alarmou. – Porém esse é mais um sonho impossível, já que minha família nunca me apoiaria nisso e tão pouco teria chance de investir em tal perspectiva por mim mesmo.

Eu queria dizer algo, porém na busca pelas palavras corretas, acabou que não me permiti dizer nada ao vê-lo levantar e compreender que esse é seu meio de encerrar o tópico, ao menos por enquanto.

Acabei levantando também, porém com o intuito de assumir novamente o comando do leme, visto que estamos perto de chegar ao ponto onde gosto de ficar.

Mas tão pouco deixei de notá-lo e ao presenciar seus braços esticando por sobre a cabeça, acabei não me contendo em falar.

— Você pode ficar mais a vontade.

Com certeza o peguei desprevenido, já que ele simplesmente congelou.

— O dia promete ser quente e o sol já está começando a focalizar sobre nós, então será melhor até mesmo para a sua saúde que não permaneça tão empacotado.

— Empacotado. — Sorriu ao repetir. – Essa é uma palavra engraçada.

— Mas justa.

— Sim, porém acredito que tenha razão.

Citou indicando minhas vestimentas, que não passam de short e camiseta simples, atrelados a um par de tênis confortável.

— Eu tenho. – Falei. – E já estamos aqui a um bom tempo, eu estou com a minha garrafa de água. – Apontei para tal. – Mas você até agora não bebeu nada.

— Sabemos que não me preparei para esse passeio. – Brincou.

— Pois é, mas não é por isso que tem que continuar despreparado, por isso aceita uma garrafa?

— Se não for incômodo.

Apenas balancei a cabeça e acionei o comando por um instante para ir buscar o líquido refrescante, aproveitando para pegar uma nova garrafa para mim também.

Ao voltar, constatei de pronto que ele acatou minha primeira dica, pois finalmente se livrou do terno e da gravata, como também abriu os dois primeiros botões da camisa e dobrou as mangas até os cotovelos.

E mesmo que em conjunto tal ação não seja nada demais, não pude deixar de admirá-lo...

— Aqui está sua água.

Entreguei a garrafa dispersando a mente e voltando a focar no leme e meu comando da embarcação.

— Obrigado.

Ele rapidamente sorveu alguns goles e o imitei, não só para reforçar a hidratação, mas também para ajudar a conter os ânimos.

— Adoraria fazer um passeio desses com a Brittany...

Acredito que seu comentário tenha sido mais um murmúrio solo, porém por estarmos próximos, foi impossível não ouvir e tão pouco consegui me conter em questionar.

— Quem é Brittany?

— O que?

Seu olhar se voltou ao meu.

— Perdão. – Me justifiquei. – Porém não pude deixar de ouvir seu comentário.

— Ah, sim. Tudo bem. – Abriu um sorriso. — Brittany é minha sobrinha.

— Quer dizer que você já é titio? – Brinquei.

— Sim. Ela é filha da minha irmã mais velha e desde que chegou virou simplesmente a luz da minha vida.

— Quantos anos ela tem?

— Completou três no mês passado.

— Deve ser uma gracinha.

— Ela é sim.

— E também é sua única sobrinha?

— Por enquanto. – Comentou, deixando certo suspense no ar. – Pois a minha cunhada, esposa do meu irmão mais velho, está grávida. Porém eles ainda não sabem o sexo do bebê.

— Então em breve você terá dois sobrinhos.

— É o que esperamos.

— Deve ser muito bom ter sobrinhos. – Ponderei reflexiva.

— Você ainda não é tia?

— Eu sou filha única. – Esclareci. – E apesar de ter bastantes primos e alguns já terem filhos, não é como se fosse de fato tia de alguém.

— É uma pena.

— Mas mesmo assim, ainda é legal estar em meio as grandes reuniões de família. – Conclui.

— Por certo que sim. – Comentou. – Eu mesmo daria tudo para passar mais tempo com a Brittany, mas pela vida atribulada que não só eu, como seus pais também levam, acabamos não desfrutando de muito tempo juntos.

Já começando a compreender suas pausas, o deixei tomar o tempo necessário e voltar a conversar somente quando se sentiu confortável.

— Como foi crescer nessa cidade? – Questionou.

— Posso dizer que maravilhoso.

— Imagino que sim, mas gostaria de ouvir mais.

— Bellingham tem o melhor dos mundos. – Comecei. – É consideravelmente uma cidade pequena, porém com todas as modernidades necessárias, mas sem perder a essência e também fica próxima a tantos outros grandes centros, como Seattle, deixando-nos enredados de opções para o que quisermos.

Notando seu olhar concentrado, continuei a falar.

— Eu comentei que minha família também tem negócios, então cresci envolvida entre esses. – Citei. – Passando algumas tardes após a escola entre os empreendimentos dos meus pais, como também de alguns tios e avós. O que além de divertido, ajudou na criação de vínculos com todos eles, como também me ajudou na compreensão do legado dos Swan...

— Swan... — Seu olhar mostrou confusão ao pronunciar meu sobrenome. – Apesar de bastante distraído quando cheguei, lembro-me de ter visto esse nome em alguns estabelecimentos pelo caminho até chegar à baía.

— Pois é. – Dei de ombros. – Minha família tem bastante notoriedade na cidade.

Com isso, o informei sobre alguns estabelecimentos, como uma rede de posto de gasolina, o cartório civil, lojas de diferentes seguimentos, alguns locais de lazer, como também voltados à beleza e estética, entre outros.

— Nossa. Impressionante. – Falou ao término da minha explicação. – Isso me faz acreditar que os Swan são quase que donos da cidade.

— Não é para tanto.

— Pois eu acho que é. – Reforçou. – Sua família também é bastante afortunada.

— Talvez, mas isso é sobre eles. – Esclareci. – Apesar de amar a todos, como a história que nos entrelaça e o sobrenome que compartilhamos, eu apenas sou representada pela minha trajetória, que no caso é ser professora e nada mais. – Acentuei. – Não digo que todos na família são assim e é claro que existem alguns primos que gostam de esbanjar mais, porém sinto prazer em saber que meu caminho é trilhado somente através do meu esforço.

— Eu entendo, mas reciclando uma coisa que falamos mais cedo. Tendo toda essa estrutura você não pensa em investir em algo para si? Como uma instituição de ensino, por exemplo?

— Eu já pensei nisso algumas vezes, porém precisaria estruturar mais a ideia, em diferentes aspectos.

— Concordo, mas agora que nos conhecemos, saiba que poderá me acionar a qualquer momento para ser seu consultor de negócios e investimento.

— É uma proposta válida Edward, prometo pensar sobre isso, mas desde já agradeço a oferta.

— Não há de quê. — Enfatizou. – E assim também teríamos algum motivo para manter contato depois de hoje.

— Isso ainda pode acabar acontecendo. – Respondi.

— Eu espero que sim...

Após focar nos orbes verdes, foi a minha vez de desviar o foco e adotar o silêncio como companheiro momentâneo.

E parecendo compreender minha saída, ele permaneceu do mesmo modo até o momento em que cheguei ao ponto onde gosto de ficar e desliguei o barco.

— O que houve?

— Nada, não se preocupe. – O acalmei. – Apenas parei, pois aqui é onde gosto de ficar, em meio à imensidão, mas também em uma parte que sei que é segura para nadar.

— Você costuma nadar em meio as suas saídas?

— Nem sempre dá tempo e também depende do clima colaborar ou não, mas hoje com certeza será um desses dias. – Salientei. – Porém antes de tudo, está na hora do almoço.

Quase como se estivéssemos em um desenho animado, sua barriga roncou, mostrando que ele também parece estar na mesma energia.

— Desculpe.

Pediu constrangido e não pude evitar abrir um sorriso.

— Não tem pelo que se desculpar. É a hora de comer e seu estômago apenas mostrou a concordância com a ideia.

— Ainda assim, eu poderia ter sido um pouco mais discreto.

— Está tudo bem.

Sem perceber toquei seu braço, porém por ser justamente na parte já sem a camisa, novamente senti o formigamento me envolver e tão logo o fiz, tirei a mão sem pensar duas vezes.

— Então, espero que goste do que preparei. – Comentei para desconversar.

— Você que preparou a comida?

— O motivo do espanto é receio?

— Não, desculpe. – Justificou outra vez. – É só que não consigo lembrar quando foi à última vez que comi algo feito por alguém pessoalmente, sem ter passado por um chef ou qualquer outro desconhecido.

— Espero não desapontá-lo, pois o cardápio do dia não é nada semelhante a algo que um chef faria.

— Eu com certeza não ficarei desapontado, ainda que me ofereça apenas bolacha de água e sal, ficarei bastante grato.

— Ok, acho que o menu será um pouco mais elaborado do que isso. – Brinquei.

— Então será um prazer desfrutá-lo. – Devolveu.

— Certo, me acompanhe até a popa.

— Até aonde?

A popa. — Repeti. – A parte traseira do barco, onde você aterrissou quando pulou.

— Ah, sim. E essa região onde estamos é qual?

— A proa do barco, ou seja, a parte frontal.

— Muito bem professora capitã. Já aprendi dois novos nomes e duas áreas do barco, acho que agora já posso desfrutar do intervalo para o almoço.

Ao ouvir seu riso, não pude conter o meu e caminhamos juntos para o local indicado, passando a desfrutar de mais espaço e também é onde deixei a cesta e a caixa térmica com os mantimentos.

— Pois muito bem, vamos às opções. – Citei ao abrir primeiro a cesta. – Tenho sanduíches de peito de peru, como também o clássico pasta de amendoim com geleia, além de alguns pedaços de torta de frango.

— Poxa vida Bella.

A exasperação veio atrelada a um olhar muito espantado.

— Você tem certeza que não estava esperando encontrar alguém em meio a sua saída? – Questionou. – Talvez um sereio? — Soltou e não contive o riso. – Qual é mesmo o masculino de sereia?

— Tritão. – Informei.

— Isso. – Retomou. – Ou alguma outra criatura marinha?

— Eu sei, pode parecer exagero, mas fui criada em meio à família grande, então não sei cozinhar para poucas pessoas e também gosto de estar sempre bem abastecida.

Finalizei dando de ombros.

— Sorte a minha então.

Concluiu aceitando um dos sanduíches.

— E para beber temos limonada e chá gelado, além de água. – Indiquei as garrafas separadas.

— E de repente esse se tornou um dos melhores dias da minha vida.

Apesar do tom descontraído, não posso deixar de pensar em como sua vida realmente não parece ter tantos momentos de desfrute e como hoje talvez de algum modo, possivelmente seja tudo que ele estava precisando...

— Isso está tão bom.

Elogiou, após comer mais um pedaço do lanche com peito de peru.

— Fico feliz que esteja gostando.

Comentei e em seguida dei uma mordida no meu próprio sanduíche.

— Você costuma cozinhar de tudo?

— Acredito que sim. – Respondi ao finalizar o pedaço e limpar a boca com um guardanapo. – Mas como moro sozinha, acabo fazendo mais o que gosto de comer.

— E qual sua culinária favorita?

— Não sei se tenho uma culinária favorita. – Ponderei. – Porém gosto bastante de fazer massas.

— Eu adoro massas, como também frutos do mar. – Informou.

— Sim, também gosto.

— Porém ainda aprecio comida japonesa, tailandesa, indiana...

— Um homem de paladar diverso. – Salientei.

— Eu acabo viajando muito e com isso conheço entre outras coisas das culturas distintas, sua culinária. – Explicou. – Acho que esse é o único ponto de prazer que tenho em meio à rotina de viagens a trabalho.

Concluiu e aproveitou para pegar uma das garrafinhas de limonada.

— Imagino que também seja bastante interessante conhecer o mundo. – Comentei.

— A certo aspecto sim. – Ele pegou um dos pedaços de torta, mas antes de saboreá-lo, prosseguiu. – Meu passaporte tem um carimbo de ao menos um país de cada continente.

— Isso é impressionante.

— É, mas talvez eu abrisse mão desse tipo de privilégio se pudesse...

— Sabia que eu nunca sai do país?

Citei para não deixá-lo seguir a um caminho melancólico em meio ao nosso almoço.

— É mesmo?

— Sim. E tão pouco viajei a muitos estados. – Prossegui. – Na verdade, nem mesmo cruzei o meio do país, só tendo visitado as imediações da costa oeste.

— Eu não sei bem como reagir a essa informação.

— Está tudo bem, acho que deve ser muito interessante e educativo viajar para fora, conhecer diferentes culturas. Como você mesmo acabou de citar, podendo ter o conhecimento de aspetos distintos, mas meu meio de descoberta acabou sendo somente através dos barcos, para esses pequenos recantos do paraíso.

Indiquei a imensidão azul ao nosso redor.

— Que de pequenos não têm nada.

Concordei com seu ponto e ficamos um tempo em silêncio, focados em continuar saboreando a refeição.

— Acho que a seu modo, cada uma das nossas experiências têm suas validações. – Pontuei ao voltar ao assunto.

— Com certeza Bella.

— E ainda que nunca tenha saído do país, já experimentei o conhecimento cultural através dos livros, não só didáticos, mas também de romances.

— Quer dizer que você é uma leitora voraz?

— Posso dizer que sim. – Pendi a cabeça para o lado de modo comedido. – Afinal de contas, o que mais uma mulher sozinha pode fazer em seu tempo livre?

— Por que sozinha?

— Porque já não moro com meus pais, então quando estou em casa, desfruto apenas da minha companhia.

— E nenhum amigo ou alguém mais do que amigo, costuma compartilhar desse tempo com você?

A brisa que passou entre nós parece ter sido mandada de propósito, já que o clima tomou um novo rumo.

— Eu tenho amigos, como também meus primos. – Justifiquei. – Porém, ao menos no momento, não possuo ninguém com um vínculo mais forte.

— Isso é algo realmente difícil de conceber.

— Por quê?

— Porque só posso supor que os homens de Bellingham sejam cegos para não notarem alguém como você. – Declarou.

— Talvez o problema seja eu. – Rebati.

— Duvido.

— Talvez a questão esteja atrelada ao fato de não querer ninguém de Bellingham. – Informei.

— Isso sim é algo que posso compreender. – Firmou o olhar no meu. – Como já estou compreendendo o fato de que talvez eu queira conhecer mais alguém da cidade...

— Você não tem ninguém especial em Seattle?

— Eu não tenho ninguém especial em lugar nenhum.

A intensidade da declaração me travou, porém o riso de escárnio que veio a seguir me confundiu.

— O que foi?

— Nada, apenas estou pensando sobre o fato de em quase trinta anos nunca ter tido ninguém realmente.

— Você nunca namorou?

— Se sua pergunta se refere a ter estado com mulheres, à resposta é uma, mas quanto a desfrutar de um relacionamento sério, realmente um compromisso formal? Não. Nunca estive com ninguém a esse ponto.

Meu silêncio parece ter sido suficiente para ele, pois tão logo prosseguiu.

— E você? Já teve a oportunidade de partir alguns corações por ai?

— Espero não ter partido nenhum coração. – Ponderei. – Mas tive alguns relacionamentos ao longo do caminho.

— É mesmo? – Assenti. – E se me permite perguntar, por que eles terminaram?

— Na verdade, namoros firmes foram só dois. – Informei. – E ambos só começaram após sair de Bellingham e ir para a faculdade.

— Estou notando um padrão por forasteiros? – Instigou com humor.

— Talvez, já que nem mesmo o namorado do tempo da faculdade era de Seattle, visto o período que passei lá.

— Agora estou intrigado. Como você conheceu seus ex-namorados, senhorita Swan?

— A história não é tão interessante quanto está imaginando. – Refutei. – Conheci meu primeiro namorado entre o período de graduação, mas apesar de estar na SU, ele também não era da cidade, tendo vindo de Montana para estudar.

— E por que vocês terminaram?

— Porque chegamos ao estágio de querer coisas diferentes e ao me dar conta disso, coloquei um fim na relação.

— Entendo. – Pontuou. – E o segundo felizardo, como o conheceu?

— O conheci após voltar a Bellingham, ele também era professor e veio de Nevada para a cidade, no intuito de lecionar em uma das escolas, conhecemo-nos a partir dai. – Iniciei o novo relato. – O namoro durou três anos, o tempo do seu contrato na instituição, porém quando ele escolheu não renovar e sugeriu que o acompanhasse de volta a sua cidade natal, tive que colocar um fim na relação.

— Jura?

— Acha que fui egoísta em não acompanhá-lo? Ou ao menos em me dar a chance de experimentar algo novo?

— Não Bella, claro que não. — Respondeu rápido. – Jamais poderia julgar alguém nessa situação, ainda mais você.

— E por que diz isso?

— Porque pelo pouco que a conheço, através do que temos conversado desde o início da manhã, consigo perceber o quanto é apegada a cidade, a sua família, a esse mar e ao seu barco. E não a vejo deixando nada disso para trás e nem acho que deveria.

— Foi exatamente o que senti. — Confirmei. – Eu gostava dele, muito, porém quando percebi que não havia hesitação no meu coração quanto a sua partida e a possibilidade de perdê-lo, mas em contraponto, havia bastante em deixar tudo isso para trás, entendi o que precisava fazer.

— E acredito que tenha feito o correto.

— Sim, eu também.

Nossa troca de olhares durou alguns segundos, porém a quebramos em conjunto voltando a nos concentrar no almoço e tão logo trocamos também os tópicos de conversa, focando em assuntos mais amenos e descontraídos.

Quando efetivamente terminamos de comer, reorganizei as coisas entre a cesta e a caixa térmica.

— Eu não acredito que mesmo depois de tudo que comemos ou ao menos do que comi, ainda sobrou comida. – Edward comentou.

— Não tem problema. – Dei de ombros. – Você pode vir pegar alguma coisa mais tarde se ainda quiser ou até mesmo levar algo consigo para casa.

— Seria uma grande mudança na minha rotina, mas talvez eu acabe aceitando a sugestão.

— Pode aceitar mesmo, pois a oferta foi sincera. – Sorri.

— Sei que sim, pois você é uma pessoa generosa Bella.

— Eu tento ser...

— E você é. — Reafirmou. – Qualquer outra pessoa teria me expulsado no instante em que invadi sua propriedade sem permissão, mas você não, além de ter me dado à mínima oportunidade de falar, ainda me deixou ficar como seu companheiro de viagem.

— Não posso negar o risco da minha decisão, porém senti que você realmente não era alguém que poderia me fazer mal.

— Seria meu último pensamento. — Comentou firme e assenti. – Ainda mais depois do seu comunicado sobre as habilidades em defesa pessoal.

O tom animado nos fez sorrir, porém logo respondi.

— E eu estava falando sério, pois pratiquei alguns anos de muay thai e aprendi entre outras técnicas, a derrubar alguém em poucos segundos.

— Espero não necessitar avaliar sua técnica na prática.

Falou, ao mesmo tempo em que ergueu os braços mostrando rendição.

— Quanto a isso pode ficar tranquilo.

— Mas o que a levou a praticar o esporte? Aliás, é mesmo um esporte?

— Consideravelmente sim, porém o conceito mais correto é luta marcial.

— Entendi.

— E eu comecei a praticar quando estava na faculdade, uma colega de turma já fazia as aulas e indicou à academia que frequentava. Eu fui fazer uma aula experimental, gostei do que aprendi e acabei escolhendo me aperfeiçoar.

— Que interessante. – Comentou sorrindo e o acompanhei. – No meu caso, não sou muito bom em nada tão físico ou mesmo em qualquer modalidade esportiva. Apesar de correr esporadicamente e frequentar a academia quando possível, não tenho outras habilidades.

— Mas tenho certeza que possui outras características tão aprazíveis quanto.

— Gostaria de ter essa mesma certeza...

Sua mão correu pelo cabelo e depois alcançou o maxilar e o deixei tomar o tempo de compreensão e como tem se mostrado costume em meio à conversa, logo ele mudou o tópico.

— Dentre os estabelecimentos da sua família, quais os gerenciados pelos seus pais Bella?

— Meu pai trabalha no cartório. – Informei a princípio. – Durante a vida trabalhou em diferentes negócios da família, mas já tem uns bons anos que exerce a função de tabelião da cidade. – Conclui e ele assentiu. – Enquanto minha mãe encontrou seu lugar em meio à administração do SPA.

— Que interessante. E quais os nomes deles?

— Charlie e Renée Swan. – Respondi contemplativa. – Os melhores pais do mundo.

— Por terem criado uma filha como você, não poderia concordar mais. – Pontuou. – E se me permite perguntar, foi uma escolha a de não terem mais filhos?

— Consideravelmente, pois minha mãe nunca teve facilidade para engravidar, então quando finalmente cheguei, houve uma grande comemoração. E apesar de por um tempo continuarem tentando, chegou o momento que compreenderam que não era seu destino ser pais de mais filhos.

— Eu sinto muito.

— Tudo bem, mesmo em nosso número reduzido, somos uma boa família.

— Acredito fielmente nisso, só acho triste que alguns pais tão bons não tenham a possibilidade de criar mais filhos, enquanto outros que talvez não devessem ter tido nem o primeiro, tenham atingido um êxito tão grande, ao menos na quantidade de descendentes.

— Você e sua família não têm mesmo uma boa relação, não é?

— Por tudo que me ouviu dizer, acredito que tenha criado uma imagem bem horrível, certo?

— Talvez.

— Eu nem mesmo sei se sou o certo nisso tudo, pois nenhum dos meus irmãos se sente como eu. – Refletiu. – Se tivesse conhecido algum deles, ao invés de mim, ouviria coisas totalmente diferentes do senhor e a senhora Masen.

— Quais os nomes dos seus pais Edward? E dos seus irmãos? O da sua sobrinha eu já sei, porém somente dela.

— É fácil falar da Brittany. – Respondeu com um suspiro. – Já que ela é a pessoa mais especial dentre todos nós.

— Eu imagino que sim.

— Mas respondendo sua pergunta, meus pais se chamam Anthony e Elizabeth.

— São nomes bonitos. – Elogiei e ele apenas balançou a cabeça.

— E a descendência dos Masen começa com meu irmão James, então a Kate, eu e por fim os gêmeos Alec e Jane.

— Suponho que Kate seja a mãe da Brittany?

— Sim, ela mesma.

— E como é a convivência de vocês fora as questões da empresa?

— Esse é o ponto Bella, já não existe isso entre nós e por tal motivo sinto-me ou me coloquei no posto de renegado. – Exasperou. – Pois tanto meus pais como irmãos sempre se deram muito bem com as questões impostas a nossa família, até mesmo a esposa de James e o marido da Kate também se integraram aos negócios e hoje exercem funções dentro da Masen como se sempre tivessem pertencido a tudo, porém somente eu não consigo me ajustar ou simplesmente aceitar que essa é toda minha vida.

— Porque não precisa ser. — Afirmei. – Não se você não quiser.

— Gostaria que fosse tão fácil...

— Ouça Edward, eu não o conheço tão bem, tão pouco a sua família, porém posso afirmar que você tem direito a viver a vida do jeito que gostaria. – Iniciei sem conseguir mais me conter. – E se para isso precisar enfrentar seus familiares e contradizer tradições, pois o faça. Mas o que não pode é deixar seus sonhos morrerem em prol dos desejos e aspirações dos outros. – Salientei. – E sim, no conceito, a família pode até ser a rede de apoio e o bem mais precioso de alguém, só que existem casos em que eles são aqueles de quem devemos nos afastar para conseguirmos alcançar a felicidade e está tudo bem. O importante é não nos perdermos no caminho.

Não acredito que despejei um discurso desses em alguém que conheço há poucas horas, mas simplesmente não pude mais segurar.

Apesar da minha família e não somente meus pais, mas também o restante dos meus familiares, serem extremamente unidos e empáticos, não quer dizer que acredite que todos têm a oportunidade de desfrutar de relações semelhantes.

E ninguém deve ser obrigado a aguentar algo, ainda mais pessoas narcisistas, somente por conta de um elo sanguíneo. Existem casos e casos, famílias e famílias. E tudo precisa ser analisado de acordo com a experiência pessoal, sem expectativas de terceiros ou relegando-se a conceitos antigos, apenas para manter um ideal.

Apesar das divagações internas, não deixei de reparar em sua fisionomia e no expressivo silêncio após tudo que falei.

E temendo ter ultrapassado algum limite, ainda que meu intuito tenha sido simplesmente ajudar, tentei remediar a situação.

— Edward, eu...

— Por favor, Bella. Não. — Me interrompeu. – Não se contradiga ou desculpe, pois suas palavras foram às coisas mais sinceras e profundas que ouvi em anos e realmente precisava delas. – Declarou. – E ainda que no fim nada mude, sempre as levarei comigo. Assim como a você e toda a experiência desse dia...

Sua mão tocou a minha e ainda que tenha sentido novamente o arrepio, não me retesei do toque, ao invés disso, entrelacei nossos dedos e respondi.

— Pois muito bem, mas para que sua experiência fique completa, está faltando fazer algo muito importante em meio ao nosso passeio.

— O que?

— Está na hora de nadarmos.

— Você quer dizer entrar no mar?

— Sim, por quê? Você tem medo ou não sabe nadar?

— Não. É só que... – Ele mesmo se interrompeu. – Quer saber? Está na hora de começar a fazer algo somente pelo meu querer.

— É uma ótima resposta.

— Certo, mas Bella, depois de tudo que fiz, não quero constrangê-la a essa altura do campeonato. – Citou. – Porém como não vim preparado para essa parte do passeio ou qualquer outra, terei que entrar no mar somente de cueca, apesar de que poderia ficar com a calça e depois...

— Edward. — O cortei. – Está tudo bem, pode ficar a vontade. – Afirmei.

— Obrigado.

— Pois muito bem, vamos nos preparar.

Com isso, comecei a tirar os tênis e ele me imitou retirando os sapatos, depois se desfez do relógio e começou a desabotoar a camisa, em um impulso virei o corpo para lhe dar um momento de privacidade e agradeci internamente por costumar nadar de maiô.

Ao tirar meu short e a camiseta, reforcei a pressão do rabo de cavalo e procurei entre meus pertences o protetor solar para aplicar um pouco mais antes de entrar no mar e foi nesse interim que finalmente voltei a olhá-lo.

E queria dizer que não passei bons segundos admirando o corpo esguio e atlético, agora coberto somente por uma boxer preta, pensando em como foi modesto no comentário sobre correr e frequentar a academia, já que tudo na sua composição corporal parece muito mais do que firme.

E de repente até mesmo o cabelo em tom de cobre e os olhos verdes, parecem ter ganhado um brilho diferente, acentuando sua beleza sem igual.

— Você gostaria de ajuda com alguma coisa? – Ofereceu.

— Não, eu. Está tudo bem. – Respondi rápido, terminando de aplicar o protetor. – Você deveria se prevenir também.

— Eu agradeço.

Tão logo terminei de me proteger, estendi o tudo e ele pegou sem hesitar.

— Eu vou à frente e depois você me acompanha. – Informei.

— Tudo bem.

E sem esperar mais, pulei no mar saboreando a deliciosa água refrescante, mas também apreciando sua calmaria tão necessária nesse momento.

Após mergulhar e emergir algumas vezes nadei um pouco próximo ao barco, então vi o exato momento em que ele caiu na água e foi impossível não lembrar a referência que fez mais cedo sobre a existência das sereias e tritões, pois ao vê-lo dessa maneira, começo a pensar que se algum desses seres místicos realmente existissem, seriam exatamente como ele...

— Meu Deus Bella. — Exclamou ao emergir. — Isso aqui é incrível.

— É mesmo, não é?

— Agora entendo porque você não abre mão dessa vida, afinal de contas, aqui é o paraíso.

— O conceito é mais ou menos esse...

Tão logo terminei de falar, ele voltou a mergulhar e o deixei aproveitar seu momento de profunda liberdade, passando a curtir a minha maneira também.

Ficamos um bom tempo imersos em nossa própria bolha de contemplação, nadando, mergulhando, boiando. Apreciando a água cristalina e também refrescante, como o céu azul entre nuvens e a brisa suave a nos rodear.

A premissa de que Edward poderia não saber nadar caiu por terra ou pelo mar, muito rápido. Já que ele tem demonstrado exímia prática e habilidade, conseguindo dar braçadas largas e percorrer distâncias extensas, antes de voltar aos arredores do barco.

— Está gostando?

Perguntei ao vê-lo voltar de mais um dos momentos de nado espaçado.

— Acho que essa palavra é pequena para tudo que estou sentindo.

— Fico feliz em saber disso. – Comentei sorrindo.

— Bella, nem que eu viva 100 anos, jamais serei capaz de agradecer verdadeiramente por essa experiência.

— Não precisa Edward...

Percebendo o tom das suas palavras, joguei um pouco de água contra si para dispersar, porém ele apenas sorriu, no entanto, se aproximou mais continuando a me olhar intensamente.

— Eu preciso sim. — Afirmou. – Você está me proporcionando algo que jamais serei capaz de retribuir...

— Ver sua felicidade e esse brilho de contemplação já é mais do que suficiente.

De forma involuntária, minha mão tocou seu cabelo, tirando um fio da testa e deixando uma gota escorrer pelo rosto.

Porém quando fui recolher, consternada pelo impulso, ele segurou meu braço impedindo o afastamento.

— Bella, por favor, me diga ou impeça se estiver errado, mas eu já não posso mais resistir...

Eu não faria nada disso nem se pudesse, por isso, somente fechei os olhos ao sentir sua respiração se nublar a minha e deixei o deleite me dominar ao experimentar o primeiro toque dos seus lábios nos meus.

O leve roçar durou alguns segundos, porém o beijo aconteceu por completo quando seu braço rodeou minha cintura e voltei a infiltrar a mão no seu cabelo, logo chegando à nuca.

Sua língua pediu passagem entre meus lábios e concedi mais do que entusiasmada, sentindo seu gosto único, mas também um pouco do resquício de água do mar a qual estamos envolvidos, transformando-se imediatamente na minha combinação perfeita.

Acredito que vários fatores possam contribuir para essa química extraordinária, porém sinto que no fim, o agente mais importante seja o fato de sermos os envolvidos na ação e que era para ser assim, como se estivesse escrito em algum lugar...

— Eu queria fazer isso desde o primeiro momento em que a vi.

Ele murmurou entre meus lábios, quando nos distanciamos um pouco para respirar.

— Como?

— Quando te enxerguei ao entrar no barco, meus pensamentos de dividiram entre admirá-la, pensar que por favor, fosse alguém boa o suficiente para não me expulsar e por fim, que sua boca era linda demais e gostaria muito de beijá-la.

— Então me beija.

Pude notar um sorriso tomar seus lábios, antes de senti-lo novamente nos meus.

E o novo beijo logo se transformou em vários, fazendo-nos ficar imersos em outra bolha, só que ainda mais deliciosa que a anterior, pois apesar de adorar apreciar o mar sozinha, nada pode se comparar a esse dia com Edward e a junção desse momento...

E em meio a essa fagulha recém-descoberta, continuamos a nos divertir na água, mas agora passando mais tempo juntos.

Trocando toques furtivos entre as mãos, sentindo a proximidade dos corpos e desfrutando, sobretudo, do nosso novo interesse em comum, beijar-nos até quase nos faltar o ar...

— Começo a imaginar se a compensação pelas situações da minha vida foi te conhecer...

Ele falou quando nos aproximamos novamente do barco.

— Não diga isso.

— Mas é a verdade, talvez se não tivesse chegado à exaustão, motivando-me a sair sem rumo e parar em uma cidade desconhecida, em meio a uma baía quase deserta, agora não estaria aqui com você. E isso com certeza seria algo lamentável.

— Você não tem que pensar que só é merecedor de algo bom, por conta das atribulações da sua vida.

— Desculpe, não deveria ter falado nada, não queria estragar o clima.

Respondeu e depois plantou um beijo na minha bochecha.

— Não tem problema que fale o que está sentindo, mas não gosto de saber que se sinta assim. – Pontuei.

— Não se preocupe, já passou, agora só quero continuar aproveitando com você.

O momento dispersou com um novo beijo e por hora deixamos esses pensamentos serem levados pelas águas que nos rodeiam...

Quando cansamos de nadar e também nossas mãos começaram a querer enrugar, sugeri voltarmos ao barco e ele de pronto aceitou.

Novamente fui a primeira a voltar à superfície sólida, mas dessa vez não me ressenti de admirar um pouco mais sua beleza.

— Não me olhe desse jeito capitã. — Pronunciou.

— De que jeito?

— De uma maneira que pode enviar pensamentos proibidos a minha mente, ainda mais vestida assim.

Sua mão tocou minha canela e arrepiei completamente.

— O mar ajudou na calmaria, mas agora a olhando por completo outra vez, estou lembrando o porquê tive que me controlar antes de mergulhar.

— Edward...

Meu ímpeto foi interrompido pelo barulho do meu celular, praticamente esquecido durante o dia, mas por termos voltado pela proa do barco, o enxerguei próximo à área de comando.

O peguei rapidamente, vendo que tem algumas mensagens não lidas e constatando que a última, responsável pelo barulho, veio por parte da minha mãe.

A respondi rapidamente e logo deixei o aparelho de lado outra vez.

— Era a minha mãe. – O informei.

— Está tudo bem?

— Sim, ela apenas queria saber como estou, já que não dei notícias por todo o dia.

Comecei a caminhar em direção a popa e Edward me acompanhou.

— Desculpe.

— A culpa não é sua, eu costumo ficar isolada do mundo quando saio para velejar. – Informei e ele assentiu. – Mas e você?

— Eu o que?

— Você não veio com o celular para cá, não é?

— Não, o deixei no carro.

— Acha que sua família pode estar te procurando? Preocupada com o seu sumiço?

— Com certeza devem estar se perguntando onde me meti e qual será a desculpa que darei por não aparecer na empresa, mas não acredito que estejam preocupados de fato.

— Não fala assim...

Toquei seu rosto e ele aproveitou para depositar um beijo na palma da minha mão.

— Está tudo bem Bella. Não precisamos focar nisso agora. – Falou simplesmente. – Mas que tal se você alimentasse um pobre homem faminto, após aproveitar o mar.

— Sinta-se a vontade para se servir...

Assim, sentamos outra vez, porém agora mais próximos e passamos a saborear o restante da comida que sobrou do almoço.

Continuamos conversando e trocando carinhos até terminarmos de lanchar e quando ele sutilmente me puxou para o seu colo, me deixei ser levada, muito mais do que por suas mãos, mas também por minha vontade.

Dessa maneira, os beijos ganharam uma intensidade diferente e senti-lo tão próximo, sem o mar entre nós, tornou o momento bem mais íntimo e intenso.

E ainda que tenhamos consciência de que a circunstância não prosseguirá para muito além, essa conexão recém-descoberta nos proporcionou uma experiência única, ao menos os meus sentidos estão figurando para esse lado.

Então o desbravar de beijos pelo pescoço, o aperto firme das nossas mãos entre os corpos, os gemidos baixos e contidos pelo que estamos desfrutando, tudo compôs de modo significativo o desenvolver da tarde...

— Gostaria de não precisar ir embora nunca.

Sussurrou e senti suas palavras penetrarem mais do que apenas em meus ouvidos.

— Apesar de o dia conceitualmente ter um fim com a chegada do crepúsculo, não precisamos dar um ponto final de fato. – Comentei.

— Ainda que minha vida esteja uma loucura completa e que não saiba como ou se há possibilidade de remediá-la, não deixarei que você seja apenas um capítulo dela Bella.

— Eu acredito que você possa ser o dono de todo o seu livro Edward, mais do que apenas um capítulo.

— Prometo levar sua confiança como minha bússola ao partir.

O brindei com um novo beijo, porém ao dispersarmos, de modo tranquilo voltamos ao estágio anterior.

Como o clima tratou de nos secar naturalmente, vestimos as roupas de outrora e logo segui para ligar novamente o barco e colocar seu rumo para o caminho de casa.

Edward não deixou de querer se inteirar sobre a minha vida, então passou a dispor perguntas sobre meu trabalho, como efetivamente é dar aulas, se gosto dos meus alunos, colegas de trabalho, o ambiente escolar em si, entre várias outras questões.

E depois que esse tópico se encerrou, entramos nos comentários sobre o barco e lhe dei praticamente uma aula sobre todos os termos técnicos e também meios de condução para guiar um veleiro como esse.

Cheguei até mesmo a oferecer que guiasse o leme por um tempo, mas ele declinou sutilmente informando que deixará essa parte da experiência para uma próxima vez.

E isso me fez pensar se haverá uma próxima vez, não só em paralelo ao que fizemos hoje, mas conceitualmente para nós...

Essa aventura não planejada, impensada e completamente incrível, terá sido somente um capítulo furtivo, como ele citou ou algo em nosso destino nos fará retornar ao caminho do outro?

Minhas divagações ficaram sem resposta, ainda mais ao começar a avistar a costa e consequentemente a baía, marcando o ponto final do passeio.

— Eu já disse isso inúmeras vezes ao longo do dia Bella, mas não posso pensar em me despedir sem agradecer novamente por tudo que fez por mim.

Professou ao ficarmos mais próximos de parar.

— Não tem o que agradecer Edward. Já que desfrutei tanto quanto você desse dia atípico, mas muito agradável.

— E sei que não posso pedir nada, porém se puder não acreditar tão fielmente em estranhos daqui para frente, ficarei mais tranquilo quanto a sua segurança, ainda que saiba que poderá se defender muito bem se quiser. – Piscou.

— Pode deixar. Essa cortesia foi destina apenas a você.

— Sinto-me honrado capitã. — Ele sorriu e o acompanhei.

Quando por fim chegamos ao caís e parei o barco em sua marcação, desliguei o motor, porém esse foi meu último movimento, então Edward tomou a frente mais uma vez.

— Bella?

— Hun?

— Pode me olhar por um instante?

Levei alguns segundos para conseguir atendê-lo e quando o fiz, ele prontamente envolveu meu rosto entre as mãos.

— Ainda que não tenha certeza nenhuma quanto ao futuro, posso afirmar sem sombras de dúvidas que jamais me esquecerei de você e também de tudo que vivemos hoje, tudo que falou e fez por mim.

— Eu também. — Pronunciei a um fio de voz.

— E isso não é um adeus. Eu não vou deixar que seja.

Sua boca cobriu a minha e tentei transpassar com esse beijo toda a gama de sentimentos que está me envolvendo.

E nem mesmo me preocupei de ser vista por alguém e a notícia logo correr a minha família, pois nada importa além desse momento.

— Tchau Bella.

— Tchau Edward...

O vi deixar o barco com cuidado e observei cada um dos seus passos ao caminhar pela baía, então chegar à rua paralela e parece que somente voltei a respirar quando o perdi de vista em um dos cruzamentos.

E como se de repente minha vida tivesse voltado ao padrão de costume, ainda que isso seja praticamente impossível, foquei a concentração em cuidar do barco e depois seguir para casa...

***

Ao desatar o nó mais uma vez, como o fiz milhares de vezes ao longo dos anos, foi impossível não pensar no que aconteceu há algumas semanas e que mesmo sendo o fato recente em meio a minha rotina, não deixa de nublar minha mente desde então.

Nós não nos tornamos desconhecidos, pois apesar de não termos trocado telefones ou qualquer ligação direta, não é como se de repente tivesse se tornado impossível entrar em contato com o outro.

Porém diante das suas questões pessoais, procuro acreditar que se for para nos reencontrarmos, que o destino fará sua parte, assim como fez para marcar nosso primeiro encontro.

Porém não posso negar que não há um só dia que não pense em Edward e em tudo que vivemos naquele dia...

Mesmo em meio aos momentos mais rotineiros e espaçados, de repente algo assola minha mente e de novo lá estou eu, sorrindo ao pensar no que desfrutamos juntos.

E quando saio para velejar, ai somente se tivesse sofrido um lapso de memória para não ser arrebatada pelos flashes claros de tudo.

E sorrindo novamente, já começando a guiar o barco para entrar efetivamente nas águas do mar, deixando a ribeira da baía, tive que segurar mais firmemente o leme ao ouvir um barulho e também sentir um impacto.

— Mas será possível...

Meu esbravejar foi interrompido ao virar o rosto e contemplar o motivo de tudo.

— Olá capitã.

Levei alguns segundos para conseguir responder e também aproveitei esse tempo para admirá-lo e constatar que minhas lembranças não fazem jus ao seu verdadeiro eu.

— Você nunca perderá esse hábito?

Consegui falar, questionando em tom animado.

— Se em algum momento receber o contive formal de navegar com você, talvez. Do contrário, acho que esse será meu meio oficial de entrada.

Um último resquício de raciocínio tomou minha mente e ativei o mecanismo de controle automático, então comecei a caminhar em sua direção, assim como ele e paramos bem em meio ao costado, tendo que ficar bem próximos para não corrermos o risco de bater nas velas.

— Eu senti sua falta. — Declarei.

— Eu também. — Devolveu sorrindo. – E desculpe pela demora e o sumiço nas últimas semanas, mas é que somente queria voltar para você quando pudesse fazê-lo de maneira completa.

— Como assim?

— Eu tenho muito que contar, a agradecer, mas agora quero dizer apenas que você está diante de um novo homem. Um homem livre. Em busca da realização de vários sonhos, mas especialmente que voltou em busca da verdadeira felicidade, a qual finalmente encontrou e somente conheceu contigo.

— Edward...

— Eu não tenho ideia do que o futuro nos reserva Bella. – Sua testa encostou-se à minha. – Mas a única certeza do meu coração é que quero viver tudo com você.

Não o deixei falar mais, pois não preciso de mais.

E assim, sem qualquer ressalva, o puxei para um beijo.

Demonstrando através desse que tão pouco tenho preocupações ou certezas quanto ao futuro, mas que estou disposta a embarcar nessa nova jornada rumo ao desconhecido ao seu lado...

FIM.


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Notas finais do capítulo

N/A: Eu estou tão realizada com essa one, assim como estive com as duas anteriores e espero que a sensação de vocês seja bem semelhante...
Gostaram da Bella velejadora e o Edward maluquinho de pular num barco? Primeiro recado meninas, não deem tanta confiança a estranhos. Beward sempre terá um aval diferente, porém na vida real infelizmente não podemos confiar tão de pronto em alguém dessa maneira...
Mas tirando essa parte séria, os dois tiveram uma conexão legal desde o princípio e o dia apenas foi se completando. E gostei de poder tratar, ainda que de modo comedido, sobre famílias e relações disfuncionais. Já que infelizmente nem sempre aqueles que deveriam ser nosso suporte, são de fato as pessoas que devemos manter. O desejo é que todos tenhamos familiares, amigos e parceiros que nos preencham, mas se alguém infelizmente passar pela situação oposta, espero que consiga se livrar e reencontrar de outra maneira, como foi o caso do Edward.
E eu fiquei com vontade de passear de barco e vocês? O dia envolto a conversas, comidinhas e beijinhos gostosos preencheu os dois e a nós também, ao menos espero que tenham se sentido assim também. E as coisas correram tão bem, que nem mesmo precisamos ficar na dúvida se o Edward voltaria ou não, já que ele retornou com tudo para a vida da Bella e eles terão um futuro maravilhoso juntos.
Agora passo a bola esperando de coração que quem se dispôs a ler a one, deixe uma review contando o que achou, sei que o costume com ones acaba não sendo esse, porém confio em vocês. Se tiverem conhecido o projeto a partir desse conto, embarquem nas outras duas narrativas, elaboradas em carro e avião. E fiquem atentas que o encerramento virá em breve, com a viagem de trem, palpites?
Também me sigam no twitter: @KNRobsten, para ficarem por dentro de todas as novidades. E não deixem de conhecer minhas outras fanfics em andamento, sendo duas longs e uma short, além das já finalizadas. Enfim, conteúdo para o desfrute de romance Beward é o que não falta. Então até uma próxima.
~Kiss K Nanda.



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