Desarmonia: Os 4 deuses da Harmonia Livro 1 escrita por Alice P Shadow


Capítulo 8
Capítulo 07




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/810131/chapter/8

Ao abrir os olhos, Mark se sentiu enjoado.

Sua cabeça estava pesada. O estômago fazia um barulho não muito legal. Já podia sentir a comida do café da manhã na base de sua garganta e, se não bastasse, havia sangue escorrendo do seu nariz. O ritual nunca havia o deixado daquela forma. Estava destruído fisicamente.

— Mark? – Dalila se virou pra ele, preocupada. – Mark você me escuta?

Ele escutava, mas estava difícil se mexer. Era como se estivesse em um estado meio consciente de seu corpo, mas, ao mesmo tempo, não conseguia se mexer. Isso durou poucos segundos, mas para ele pareceu uma eternidade.

Podia sentir Dalila limpar o sangue de seu nariz com um lencinho. Ele piscou algumas vezes e respirou fundo, mexendo as mãos devagar para tentar forçar as articulações. 

— Isso foi horrível. – Disse murmurando e se levantou com a ajuda da prima, cambaleando, mas tratando de se recompor no segundo seguinte. – Receba as garotas primeiro. Eu vou voltar pro castelo.

— Não, eu vou com você. Olha seu estado!

— Não se preocupe. Vai lá, sim? É na sala aqui do lado. As ajude com dúvidas. Talvez estejam surtando. Não deixe que te batam. – Ele parou de repente, pensativo – Pensando bem, a possibilidade delas estarem bravas é bem grande. Melhor vir comigo e peço para alguém as receber.

— Eu daria conta delas. – Dalila resmungou, envolveu o braço do primo no próprio ombro e o ajudou a voltar para a parte principal do castelo.  – Vamos passar na enfermaria.

— Não precisa. Vou deitar um pouco no meu quarto. Encontro as garotas de noite para as receber com dignidade. 

— Você é um babaca. Não fique ferrando com sua própria saúde.

— Também te amo, priminha.

Dalila o ajudou a se deitar na cama e o cobriu com cuidado. O lançou aquele olhar preocupado e bravo que Amita também costumava usar. Ela logo saiu do quarto, e deixou o príncipe Kouris a mercê da própria desgraça. 

O olhar dele estava distante. 

Levantou a mão bem devagar, até ficar na altura dos olhos, de forma que impedia o sol de bater no seu rosto. Ele deu um suspiro longo e sentiu aquela ânsia de vômito voltar ainda pior, mas se recusava a vomitar. Aguentaria aquilo até onde pudesse. Se tinha algo que odiava mais do que aquela sensação, era vomitar de fato. 

Se levantou com cuidado e fechou a janela. Queria o quarto mais escuro, mesmo com o sol insuportável que fazia do lado de fora. Geralmente não tinha problema com o clima, mas agora, tinha problema com tudo. O que fazia com que seu humor estivesse ainda mais péssimo a cada dia que passava.

Mark não sabia ao certo como seguir se a garota ruiva não fosse a resposta para a quebra da sua maldição. Foi a primeira que chegou até a maldita águia e a libertou. Apesar de ser meio inútil em combate, ela era a que mais tinha chego perto do sistema que ele montou para fazer a escolha. Tudo que precisava agora era conquistar sua amizade. Apenas isso.

Apenas.

Ele esfregou o rosto com a mão e pressionou os olhos com a palma, sentindo a pressão na face como se fosse adiantar algo. Quando afastou a mão, viu alguns brilhinhos em sua visão. Havia sido cruel a maldição. Na verdade, não entendia muito bem como funcionava perder uma Cerimônia de Sucessão. Só que era o primeiro a perder, desde que aquele processo havia sido firmado. Então ninguém sabia como funcionava. Até que a maldição caiu como em cheio no seu colo.

E é aquilo. Quando você recebe uma, sabe como desfazer. É como um instinto dentro do seu peito. Que grita para ser libertado. O problema é que nunca é fácil. E confiar em alguém com a própria vida além dos seus três melhores amigos não era algo que ele conseguiria. Sempre foi o mais reservado e quieto. O mais fechado. Não incomodava ninguém. Só queria viver na sua em silêncio e ouvindo os outros. Mas a maldita maldição pedia que ele abrisse seu coração a uma nova amizade. Que fosse próximo o suficiente de alguém para confiar a própria vida. E essa pessoa precisava vir do Mundo Abaixo. Um mundo que ele nunca confiou. 

— Merda. – Gemeu de dor e correu para o banheiro do quarto, colocando todo o estômago pra fora e tossindo ao se levantar. Segurou o cabelo longo com força para que o vômito não o sujasse. – Vai se foder.

Xingou a si mesmo e deu descarga. Mark apoiou as duas mãos na pia e se olhou no espelho, ofegante, os olhos verdes o encarando de volta, com uma chama de ódio os percorrendo. Tinha tanta raiva. Sempre foi controlado, paciente, educado e relativamente uma pessoa fácil de se conviver. Então por quê…? Por que havia sido recompensado com isso? 

Escovou os dentes e jogou a escova fora. Depois pegaria uma nova na gaveta. E voltou pra cama em silêncio. Podia sentir seus passos mais lentos, o corpo musculoso cansado, e uma música triste ecoando em seu cérebro. Se sentia miserável.

E foi assim que dormiu o resto da tarde.


─━━━━━━⊱✿⊰━━━━━━─

 

Seus olhos abriram no final da tarde. Obrigou a si mesmo a colocar os pés pra fora da cama e abriu a janela de novo. O sol começava a se pôr, e logo mais teria o jantar. Ainda precisava se apresentar com dignidade para Lynn e Opala. 

Ajeitou a camisa da melhor forma que pôde e trocou a calça da farda por uma preta de couro. Ao menos pareceria um pouco mais elegante. Com sono, trocou os adereços do cabelo e tirou o coque que prendia algumas tranças, as deixando livres e soltas. 

Poucos minutos depois, estava fora do quarto, caminhando cansado rumo ao salão de jantar quando a viu.

Opala olhava para a cidade de forma silenciosa. Mark havia estudado sobre Bonavida e seus costumes algumas vezes, então se lembrava que eles possuíam uma festa parecida logo após a Troca. Talvez ela quisesse ir lá. Se sentir mais próxima da sua família, mesmo que de longe, afinal, ela nunca mais poderia voltar. 

— Vai ser uma festa e tanto. – Comentou, tentando fazer a voz parecer natural, mas a assustou mesmo assim. 

Um riso escapou de seus lábios quando ela recusou a admitir que havia se assustado, e ele se viu na obrigação de a convidar para ir até a Festa da Troca. Ele torceu mentalmente para ela recusar. Odiaria sair naquele dia. Além de se sentir fraco e cansado, estava sem ânimo algum para uma festa. Com a ameaça iminente de Orion, seus pensamentos e forças estavam completamente focados no plano em que passou os últimos 3 dias traçando.

Logo depois se apresentou e ela o olhou surpresa. Ele não sabia se avaliava a expressão da garota como algo bom ou ruim. Ela abriu a boca para falar algo, mas logo se calou, voltando a encarar a cidade. "Por favor, por favor, por favor, estou implorando mentalmente para você recusar".

— Eu adoraria, na verdade. – Mark cerrou o punho, travando o maxilar com a resposta, os pensamentos se auto xingando por ter oferecido a ela ir até lá. – Mas não sei se devo.

— Por que não? – Perguntou de maneira educada. Não queria ir, mas, se precisava se tornar amigo daquela garota, precisava ser simpático. – É uma festa divertida. 

— Você não parece muito animado pra ir.

— Eu estou. – Comentou despretensiosamente, mentindo na cara dura. Opala o olhou pelo canto do olho e ele também, os olhares se encontrando por um segundo, até que ela caiu na gargalhada. – O que foi?

— Você mente muito mal, Seletor. – Ela continuava rindo, o que o fez erguer uma sobrancelha, sério. – Dá pra ver na sua cara que você está praticamente implorando para que eu não aceite isso. Mas obrigada por tentar me animar. Eu aceitaria de bom grado ir até lá se não fosse claramente um sacrifício pra você. 

— Não seria um sacrifício. – "Seria sim.", pensou. – Posso pedir que sejam acompanhadas por nossos guardas. Não preciso necessariamente ir.

O que era tolice da parte dele. Precisava conhecer a garota se quisesse quebrar a maldição. 

— Nesse caso, eu adoraria. Lynn pode vir?

— Claro, se ela quiser. – O príncipe respondeu, se arrependendo amargamente de toda palavra trocada naquela conversa. Não parecia ter estragado tudo, ao menos não ainda, mas havia perdido uma oportunidade.

— Você é diferente do que imaginei. Sabe, eu sempre achei que o Seletor fosse um velho ranzinza. 

— Eu sou ranzinza. Ultimamente ando mais do que o normal.

— Mas não é velho.

— Não. Eu acho que não. Talvez minha alma seja? – Opala riu de novo, o que o deixou mais confortável na sua presença. – Seja bem-vinda a Kouris-Regnum. Acho que não te disse isso ainda.

— Ah, Dalila, Guvin, e a carta com a pulseira me disseram isso já. 

— E agora eu.

— Agora você. 

Os dois ficaram em silêncio, sem muito o que dizer depois disso. Mark estalou a língua, um pouco desconfortável e fez uma reverência rápida. Saiu dali o mais veloz possível, murmurando que ia preparar a carruagem para que Opala e Lynn fossem até a cidade. 

Assim que saiu do corredor que a garota estava, se permitiu respirar bem fundo, massageando a parte de trás do pescoço, nervoso. "Só uma amizade. Não deve ser tão difícil. Apenas confiar nela com a minha vida". 

Mas era difícil. Sabia que não conseguiria isso em um dia. Havia tentado com inúmeras garotas vindas do Mundo Abaixo. Algumas até mesmo tinham ficado um pouco próximas, mas não o suficiente. Opala e Lynn poderiam ser sua última oportunidade. Tentaria Opala primeiro. Ela parecia ser mais aberta. Lynn parecia ter seus próprios planos. Durante a Cerimônia, precisou conjurar um monstro consideravelmente forte pra ela. A garota havia se preparado, então queria estar ali. Ele só não sabia o motivo ainda.

E definitivamente não confiava em nenhuma das duas.

Se até mesmo um de seus melhores amigos, ao qual confiaria a sua vida, nesse momento jurava marchar contra seu reino, como raios confiaria num humano que poderia o trair a qualquer sinal de fraqueza? 

— Prepare a carruagem para as garotas. – Resmungou a um dos guardas, sério, a voz mais distante. – Levem quatro da divisão de vocês para protegê-las. Dois na visão delas, dois escondidos que só vão interferir caso necessário. Não quero que elas se sintam sufocadas.

— Como desejar, Majestade. – O soldado fez uma reverência e saiu, pronto para cumprir suas ordens. 

Mark ficou em silêncio, parado no corredor. Deveria fazer um esforço e ir junto, não é? Em um resmungo baixo, subiu para o quarto e trocou de roupa. Se iria sair, ao menos tentaria não parecer tão destruído.

 

─━━━━━━⊱✿⊰━━━━━━─

 

— Aqui é lindo. – A garota de cabelo preto exclamou, surpresa. Lynn, desde que chegou, estava tensa e prestando atenção em tudo, mas, no meio da cidade, estava mais relaxada. – Não sabia que existia uma comida tão gostosa assim no mundo.

— Está exagerando. – Opala revirou os olhos, roubou um pedaço do espetinho da colega e o colocou na boca no segundo seguinte. – Retiro o que eu disse. Isso aqui é divino!

As duas andavam maravilhadas pela praça principal de Kouris-Regnum. Mark caminhava um pouco mais atrás, o rosto sério, enquanto alguns cidadãos abriam espaço para que os três passassem com seus guardas. Fazia anos que não levava os humanos selecionados para aquele evento, então, era notório que boa parte dos presentes não parassem de olhar as garotas, curiosos, oferecendo pratos típicos, bugigangas e contando histórias tradicionais. 

O príncipe observava as duas com atenção. Apesar de estarem com uma comitiva de guardas consideravelmente reforçada, ele não queria que nada saísse do controle em sua presença. Já bastava não ser o rei. Não toleraria nada fora do normal na sua presença. Ainda era forte. Ainda era o príncipe de Kouris. "Ao menos, eles devem acreditar nisso mesmo que nem eu acredite".

— Lynn, olha isso! – Opala chamou a atenção da garota e as duas se aproximaram de uma tenda que vendia roupas tradicionais. – Esse colar é lindo.

— Achei sem graça, desculpa. – Fiori disse segurando uma risada e Mark teve que concordar ao longe. Era um colar simples que nem de ouro era. Mas tudo ali parecia deixar Opala maravilhada. Ele se perguntava até quando ela manteria essa animação.

A maioria não durava dois dias e já tinha enjoado de tudo. 

— Vamos entrar um pouco? – O príncipe se aproximou das duas, a voz amena. – Tem um restaurante aqui que tem comida boa. Podemos sentar na varanda do segundo andar e ver os fogos de artifício. 

— Acabamos de comer. – Fiori se adiantou, mas Ecclair a deu um cutucão com o cotovelo – E adoraríamos comer de novo, claro. Por que não?

— Onde é? – Opala sorriu, simpática, as bochechas rosadas por não ter parado um segundo de andar, correr e saltitar desde que chegaram. Ela parecia uma criança, o que era engraçado para Mark. – E aviso que temos que voltar a tempo da Dança, o pessoal todo está comentando que é um momento sublime e que todo visitante precisa ver. 

— Te garanto que pode ver do segundo andar. – Ele respondeu e as conduziu até um restaurante próximo.

A construção era elegante e os três entraram com alguns guardas. A luz do interior era meio amarelada, e eles puderam sentir o som da rua ficar abafado quase que no mesmo segundo. Mark adorava aquela magia. A usava direto em viagens, e, a maioria dos restaurantes de Kouris a usava para dar mais aconchego aos visitantes. 

Ao subir as escadas, havia uma parte com mesas internas e uma porta de madeira que levava para a varanda. Ali, era possível ouvir mais da rua. Para fazer um agrado às garotas, ele se sentou do lado de fora e esperou elas se acomodarem.

As lâmpadas da varanda eram de algumas cores diferentes, mas todas em uma intensidade ambiente. A pele de Mark refletia levemente a cor rosa e laranja, uma de cada lado da sua face, o que marcava ainda mais os seus traços. Opala não pôde deixar de notar, mais uma vez, como ele era bonito. Mark notou o olhar e subiu os olhos em direção aos dela, erguendo uma sobrancelha.

— Só estava olhando. – Ela disse sem nem tentar desviar o assunto. – Então, você é um príncipe. Não um deus.

— Ah, sim. – Ele tossiu e pegou o cardápio. – É o que dizem. Sou um mago, mais apropriadamente falando.

— Acho que é uma informação bem importante para a gente saber. – Lynn entrou na conversa Estava com a mão apoiada no murinho de pedra da varanda e o olhar nas pessoas festejando lá embaixo. – Que durante toda nossa vida servimos um cara que nem deus é.

— Deus ou não, eu fazia minha parte do trato. – Os dedos de Mark folheavam o cardápio com certo tédio. Sua voz era robótica. Ele tinha aquela conversa todo ano. – Bonavida é agraciada com fartura. O Mundo Acima recebe os serviços de vocês. Todos saem felizes.

— Todos saem felizes. – A garota repetiu, com certo deboche na voz. – Me diga, senhor Seletor, o que você ganha com nossos serviços? Um cara tão poderoso. Que sustenta um reino e um vilarejo. O que você poderia querer com duas humanas?

— Faz parte do trato entre os Mundos. Ajuda a manter nosso status. Ajuda com o equilíbrio entre os Mundos. Não preciso, necessariamente, de serviços de vocês. Apenas que venham, aproveitem o local, e depois voltem. A presença em si é o serviço. 

— No caso, eu não posso voltar. – Opala murmurou, mexendo nervosamente na mão. Sua voz não tinha raiva, para alívio de Mark. – Mas quando Lynn volta?

— Já escolheram o que vão pedir? – Um garçom se aproximou e Mark precisou segurar o suspiro de alívio. Não podia abrir o jogo com elas ainda. De toda maneira, se certificou de parecer não tão aliviado. Lynn o observava como se fosse ler sua mente com aqueles olhos que pareciam alojar tempestades. Ela era assustadora demais para uma humana. – Temos a recomendação da casa, se preferirem.

— Parece ótimo, por mim. – Mark se apressou em concordar. – Servido com vinho tinto, por favor.

— Para mim pode ser o mesmo. 

— O que é a sugestão da casa? – Opala questionou – Desculpa, gente, não vou sair aceitando qualquer coisa que vocês me ofereçam, mesmo que seja do Seletor. Vai que eu morro. – Ela riu, claramente fazendo uma piada, mas Mark continuou sério. – Foi só… uma piada. Acabei de comer trocentos espetinhos de coisas que eu nem sabia o que eram. – O silêncio se manteve, e a ruiva apenas mordeu o lábio inferior, nervosa com o constrangimento. Lynn se segurava pra não rir da situação. – O da casa pra mim também. – Resmungou por fim, o semblante ficando mais sério. 

Mark a havia irritado. Ele não entendia o motivo, já que não havia feito nada. Mas sabia que ela tinha ficado irritada com ele. 

O garçom se afastou e o olhar do príncipe seguiu para a festa. A música havia ficado mais alta. A posição deles na varanda dava uma visão privilegiada do centro da praça, com a fogueira ardente, a brasa em tons alaranjados inundando o ambiente. Em volta, alguns casais, amigos e conhecidos dançavam, conversavam e bebiam. Ainda não era a hora principal da comemoração, mas, ele podia ver alguns dançarinos começando a se aproximar da fogueira já nos trajes apropriados para a apresentação. 

Quando desviou o olhar e voltou a focar na mesa, a comida já havia chegado, e as garotas conversavam animadas enquanto comiam algumas batatas e comentavam sobre algumas pessoas na praça. 

— Realmente parece com o Renascer. Mas bem mais extravagante.

— Sabe que eu nunca fui? – Opala olhou surpresa para Lynn. – Nunca saí muito de casa. Meus pais não deixavam eu ir.

— Bom, saiba que a daqui está melhor. É mais animada. Sem… sem famílias tristes.

— Sem famílias tristes. – Fiori repetiu a frase e respirou fundo. Mark se perguntava se a família da garota estaria nesse momento chorando no Mundo Abaixo. 

Ele continuou em silêncio e começou a comer. Hora ou outra respondia alguma pergunta, mas não se prolongava muito na conversa. Se sentia um idiota, mas, seria muito falso da sua parte se entrosar com facilidade. Sendo assim, escolheu ficar mais quieto.

— O que é a dança que comentaram? – Os olhos de Opala focaram em Mark – Parece ser importante.

— A festa é uma celebração por vocês estarem aqui. – Ele começou, se endireitando na cadeira – Trazer humanos para o Mundo Acima significa que o caminho no Encontro está livre e que os monstros que habitam naquela região não vão nos atacar. Como eu disse para vocês, estamos em equilíbrio com os mundos. – Sua voz soava calma. Ele pegou a taça de vinho e bebeu um gole singelo, deslizando a língua pelo lábio inferior para evitar que uma gota da bebida escapasse. – Costumamos acender a fogueira para representar a chama da vida e da fartura. A dança, feita pelos que vocês vêem em trajes diferentes, conta a história. Os com roupas brancas e pretas representam os Seres de Luz e Sombras. Eles dançam juntos e nunca se separam. Depois, o que está de verde e uma máscara, escolhe duas pessoas da plateia para dançar. Ele representa… eu. As que se juntam seriam vocês. Todos dançam juntos, trocam de parceiros, e uma fita branca os liga, mas nunca os prende durante a dança. São passos simples, mas que se tornam complexos porque a fita não pode embolar e nem prender ninguém. É imprevisível porque geralmente quem é chamado pra dançar não faz ideia dos passos, então, o Seletor da dança precisa guiar as duas pessoas. Ele é responsável para que elas não se percam.

— Parece bonito. 

— É. Bastante. 

— Alguém já se embolou nas fitas?

— Algumas vezes. – Mark admitiu – Mas a galera sempre dá um jeito de soltar e terminar a dança. Não é como se alguém fosse amaldiçoado por uma dança que deu errado. 

— Acho que vai começar. – Lynn comentou quando a música parou e um grupo de pessoas começava a se posicionar em volta da fogueira. – Vem cá.

Opala, por estar do outro lado da mesa, não conseguia ver totalmente a praça. Ela se levantou apressada e ficou em pé ao lado de Lynn, apoiada no murinho. As duas estavam atentas, os olhos vidrados no segundo que os violinos começaram. 

Algumas mulheres trajadas com vestidos pretos e longos começaram a rodopiar em volta da fogueira. Uma fita branca deslizou por elas, provavelmente com magia, e as envolveu de forma graciosa. Logo depois, homens com uma vestimenta branca longa, que lembrava um sobretudo, se juntaram a elas. Uma batida ritmada começou ao fundo do que parecia ser um tambor pesado, e o som de um banjo irrompeu os outros instrumentos. O contraste surpreendeu Opala.

Da parte de cima da praça, degraus dourados surgiram no ar onde um homem dançava sozinho, subindo cada tijolo até ficar acima da fogueira, longe o suficiente para não ser queimado. Ele flutuava e fazia uma coreografia suave, a fita branca deslizando por ele. Sua roupa era verde e usava uma máscara preta com detalhes dourados, cobrindo toda sua face. O porte era esguio e elegante. Ele definitivamente captava a atenção de qualquer um que o olhasse, como a atração principal da dança. 

Seus passos aéreos percorriam toda a extensão da praça e acenava sua mão em cumprimento às pessoas que se apoiavam nos muros de casas e restaurantes. Era deslumbrante ver o espetáculo e Mark se sentiu feliz pelo local que havia escolhido. Tinha certeza que Opala e Lynn poderiam aproveitar melhor onde estavam. 

O homem que representava o seletor escolheu um garoto aleatório entre a multidão, que se juntou a ele na dança, meio atrapalhado. Ele contornou a situação e guiou o garoto com leveza, a fita branca se enroscando de leve na sua canela direita, mas logo se afastando. Os dois dançaram por alguns segundos juntos, a mão do homem sem encostar no garoto em momento algum, em sinal de respeito. 

E então, o homem se virou para Opala. Os olhos castanhos por detrás da máscara pareceram se iluminar por um segundo, e Mark não pôde evitar achar aquilo estranho. De toda maneira, ele não se opôs quando o dançarino foi até ela, pairando à frente do muro, e estendeu a mão para a garota.

— E-Eu não sei dançar, eu juro… – Ela começou, receosa, mas, ao cruzar os olhos com os de Mark, ele a incentivou com a cabeça. Então ela foi. 

Opala segurou a mão dele com força e subiu em um dos degraus aéreos. Ela parecia nervosa e com medo, já que se segurava no homem como se sua vida dependesse disso. O que era engraçado, já que ele tentava dançar com ela sem encostar. 

Mark os assistiu ao longe e pôde vê-lo sussurrar algo no ouvido da garota, que relaxou um pouco e se soltou lentamente dele. Os passos dela sincronizaram de forma meio abobada, mas, continuava graciosa. Ela acompanhou o dançarino um pouco mais ao longe como o outro garoto fizera segundos atrás, os olhos focados, sem desviar nem por um segundo ou olhar pra baixo. O príncipe se perguntou naquele momento se ela tinha medo de altura.

— Tenho que admitir, ela parece ter nascido para viver aqui. 

— Está exagerando. – Ele rebateu – Ela está a ponto de gritar por estar tão alto.

— Não muda o fato dela parecer pertencer a esse lugar. 

— Sinto um pouco de inveja na sua voz, Fiori.

— Porque tem. 

A música se intensificou quando Opala, o garoto e o dançarino foram para o chão e se misturaram com os outros profissionais. A dança ficou mais intensa conforme os pares eram trocados e Mark se sentiu hipnotizado pela cena, sem conseguir tirar os olhos. Ela parecia flutuar entre os homens e mulheres, a expressão radiante, como se mal acreditasse que pudesse fazer aquilo. "Para alguém que disse que não sabia dançar, está melhor que eu". 

A música parou quando a fita branca enlaçou o braço direito de todos, os ligando como se fossem parte de um só. Em seguida ela começou a se desfazer em partículas douradas e todos os dançarinos se curvaram em agradecimento, cumprimentando uns aos outros, se abraçando e comemorando por mais um ano.

Opala voltou para o restaurante estonteante e com o coração a mil.

— Ainda bem que você não jurou pela vida de ninguém. – Mark comentou tentando parecer mais amigável. – Dançou bem. 

— Você está mais vermelha que um tomate depois de dançar tanto. – Lynn riu, a ajudando a se sentar e a abanando de leve com a mão – Você brilhou, ruivinha. 

— Gente acho que eu estou sedentária, tô me sentindo mortinha. – Ela se juntou às risadas e bebeu o restante do vinho que tinha em sua taça. – Eu nunca girei tanto na minha vida. E no ar!

— E deu tudo certo. Fez um bom trabalho, Opala.

— Obrigada, Seletor. – Ela sorriu, extasiada. – Essa noite poderia durar pra sempre.

— Nisso teremos que discordar. Estou ansiosa para começar nossas tarefas. Me candidatei na guarda.

— Tarefas?

— Lembra, que a Dalila comentou hoje mais cedo. Ah, foi na hora que você não prestou atenção. Mas, podemos escolher setores para ajudar no nosso tempo aqui, totalmente livre. 

— Não é uma escolha totalmente livre. – Mark corrigiu – Mas sim, poderão escolher entre algumas opções.

— Amanhã a gente vê isso. Hoje eu só quero comer, beber e rir. Vocês dois são muito sérios. 

— Você que já tá na segunda taça de vinho. – Lynn comentou entre risos e voltou a olhar a praça. Até que sua expressão mudou. – O que é aquilo?

Mark se virou pra olhar. A fogueira tremeu, e, de repente, se apagou completamente, assim como todas as luzes da Praça Central. As pessoas se assustaram e o silêncio pairou quando uma sensação esquisita tomou conta. O príncipe sentiu uma onda de desespero causada por magia invadir seu corpo e pesar sua cabeça. Ele se forçou a manter os olhos abertos e viu as garotas tossindo, como se a pressão e o temor corresse por suas veias. Lynn estava com o punho cerrado e os olhos fechados com força, murmurando coisas desconexas. Opala movia as mãos, apertando os dedos de maneira nervosa, e seus olhos focavam em Mark, o pedindo uma ajuda silenciosa. 

Mas ele não poderia ajudar. Não quando conhecia quem estava mandando uma mensagem.

No segundo seguinte, uma chama vermelha como sangue irrompeu da fogueira e subiu alto ao céu, desenhando em fogo numa altura o suficiente para que todo o reino visse: um escudo em formato que lembrava um coração, com uma espada antiga e letal o transpassando no meio, embainhada. As asas dos corvos de cada lado da espada eram pontiagudas. Das pontas do escudo, espinhos furavam o ar e as faíscas vermelhas crepitavam deles como gotas de sangue. Era o brasão de Reyes-Regnum. Uma mensagem clara de que Orion havia perdido a paciência. 

— Para o castelo, agora. – Mark disse em tom de ordem, acordando seus guardas do estupor. Podia não conseguir fazer magia direito, mas ainda sabia reger. – Leve as garotas, as proteja. Não deixe que ninguém entre no castelo hoje. Levantem todas as barreiras e tragam reforços para a cidade. 

Atordoados, eles fizeram o que foi pedido. Quando começaram a se mover, mais pessoas pareceram acordar do transe e um caos se instaurou. Todos tentavam correr para suas casas e se esconder, o brasão vermelho tingindo boa parte da cidade noturna com seu brilho sombrio e sanguinário. Os gritos eram bem audíveis. Tendas eram quebradas, pessoas tropeçam e eram pisoteadas, feridos mancavam para suas casas e tudo que Mark fez foi encarar aquele maldito brasão. 

Orion não havia deixado mais nenhuma mensagem. Aquilo podia ser só um aviso inicial ou um ultimato. Mas ter escolhido uma noite como aquela? Bom, ele definitivamente sabia como deixar Mark com raiva. 

O príncipe cerrou os punhos com força. Seus olhos ferviam de ódio. E ele não conseguia parar de encarar. Parecia que se desviasse a atenção, perderia algo que aquele cretino preparou. 

Ele não sabe quanto tempo ficou naquela varanda, remoendo o ódio. Mas sabia que não havia mais tempo a perder. E quando voltou para o castelo apenas no raiar do sol, sua primeira ordem foi para trazerem o garoto que havia fugido de sua prisão naquela semana. Precisava pôr seu plano em prática o quanto antes.

Faria Orion pagar por assustar seu povo. Por o desprezar. Por jogar no lixo tantos anos de amizade e confiança. 

Se queriam que ele fosse um monstro, ele estava preparado para ser um.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada pelos comentários, pessoal! Eu tô muito feliz com o caminho que a história está tomando, e, esses comentários me ajudam demais a querer continuar!

Se você não puder comentar, tá tudo bem! Poderia apenas adicionar a história nos acompanhamentos? Assim eu sei que tem pessoinhas acompanhando comigo ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Desarmonia: Os 4 deuses da Harmonia Livro 1" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.