Desarmonia: Os 4 deuses da Harmonia Livro 1 escrita por Alice P Shadow


Capítulo 14
Capítulo 13


Notas iniciais do capítulo

O capítulo é da Opala ♥ Não coloquei imagem porque eu queria por uma no final hahaha e o Nyah não permite por duas.



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OPALA

O dia estava ensolarado quando Opala decidiu caminhar pelos jardins  e se deparou com o ladrão pronto para partir. Ele estava usando roupas comuns, pretas, e com o cabelo renovado comparado com o dia anterior. As ondulações castanhas caíam por seu rosto com graciosidade, e ela não pôde evitar o sorriso quando ele pegou uma blusa de frio e amarrou na cintura, uma blusa cara. Sua pele também não parecia mais tão pálida. Era como se apenas um dia no castelo o tivesse renovado.

Poucos segundos depois, o olhar dele se encontrou com o dela e um sorriso divertido percorreu seus lábios.

— Você é uma das garotas de ontem. – Ela concordou, se aproximando – A responsável por diminuir minha recompensa. Vou me lembrar disso quando eu for rico. Não receberá um convite para meu primeiro baile.

— Peço que reconsidere. – Opala riu, usando o mesmo tom descontraído do rapaz. – Seria desastroso ficar de fora de uma das suas celebrações.

— Hm… Pensarei nisso. Mas terá um custo.

— Já levou minha pulseira, acho que é o suficiente, não? – Uma expressão de surpresa estampou o rosto dele, que ficou pálido.

— Não sei do que está falando.

— Ladrão e dançarino, que combinação. – Opala o rodeou, definitivamente se divertindo com a situação. – Sabe, quando eu cheguei de madrugada e tive que ser atendida na enfermaria, logo reparei que a pulseira tinha sumido. Tentei lembrar tudo que aconteceu durante a noite, e, eu definitivamente não me lembro em que momento você roubou ela.

— Porque eu não roubei. 

— Ah, roubou. – Ela se sentou de frente pra fonte, apoiando as duas mãos no banco. – Definitivamente a pulseira sumiu depois da dança. E, curiosamente, você foi o único que eu tive contato corporal direto. 

— Eu nem estava na comemoração. 

— Estava, era o dançarino Seletor. Os olhos são os mesmos. O jeito de andar também. Mas não se preocupe, não vou exigir a pulseira de volta. 

— O que você quer, garota?

— Opala. – O corrigiu, a voz ainda tranquila. – Não quero nada. Apenas… te desejar boa sorte. 

Wiven a olhou desconfiado. Não estava acostumado com alguém sem segundas intenções, então, para ele, Opala deveria estar escondendo algo. Mas a garota só queria ter algo para fazer, e, no momento, provocar o ladrão era o único objetivo que rondava seus pensamentos.

— Obrigado. – Ele respondeu depois de um tempo a avaliando. Respirou fundo. – Não ache que vou devolver a pulseira. 

— Não espero isso, não se preocupe. – O vento soprou suave sobre os dois, agraciando ambos com um toque delicado e refrescante. – Você vai ficar bem?

— Não. Mas, darei um jeito nisso. – Wiven terminava de fechar a mochila, ajeitando uma das amarras e a colocando nas costas. – Você não conhece o Rei Reyes. Ele é… aterrorizante.

— Já o viu?

— De longe. Mas todas as histórias que contam é de um cara frio, rígido e que mata por prazer.

— Ele não me parece tão frio assim. Digo, ele está fazendo tudo isso para recuperar o melhor amigo, não é? – Wiven ergueu uma sobrancelha, confuso. Opala não deveria saber disso. – Eu escutei. Deixei a porta meio aberta. Fico surpresa que nenhum dos dois tenha percebido.

— Se a vida ficar entediante no castelo, tem emprego de espiã onde trabalho. – Ela riu – Mas não recomendo, continue no castelo.

— Me certificarei de deixar meu currículo bem escondido. – Um sorriso suave estampava seu rosto, e, a garota relaxou os músculos, olhando verdadeiramente tranquila para o ladrão. – Confio que você vai fazer dar certo.

— Com todo respeito, Opala, você não me conhece, então, não sei porque está tentando me animar. – Um suspiro longo veio do rapaz – Mas eu agradeço. De verdade. Só não espere que isso vai te dar direito ao meu futuro baile.

— Droga, eu achei que funcionaria.

Os dois riram, e um olhar cúmplice pairou entre os dois. Era como se fosse amizade a primeira vista. Do tipo que pudessem contar um com o outro, sem explicações, apenas o encontro de duas almas. Mas Wiven não conseguia confiar em ninguém o suficiente para enxergar isso, e Opala era jovem, sem experiência o suficiente para perceber.

E como uma linha de destino que se desencontrava, o ladrão partiu para dentro do castelo a fim de encontrar o príncipe. E ela não sabia se um dia voltariam a se ver.

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Respirar era a parte mais fácil daquela tarefa. Sentada ao lado de algumas garotas que também subiram ao Mundo Acima, Opala tentava conjurar magia. Após ver todas as possíveis tarefas a qual se inscrever, de primeira, foi tentar descobrir se ela tinha algum talento para isso. 

Sr. Guvin, o mordomo pessoal de Mark, foi quem a orientou. Dois dias desde a partida do ladrão se passaram, e Opala ainda não tinha achado uma tarefa com a qual se ocupar. Em um ato de misericórdia, ele explicou com calma, e com aquela voz madura e serena, que a magia existia dentro de todos - não importava o mundo que habitasse - mas, que só alguns tinham a habilidade necessária para extraí-la e moldá-la de forma que correspondesse a sua vontade.

E óbvio que Opala acreditou ser uma das agraciadas desse dom quando descobriu que a maioria das garotas do Mundo Abaixo conseguiam conjurar magia. O problema, percebeu enquanto se sentava naquela almofada desconfortável no chão, é que era muito mais difícil do que achou que fosse.

O primeiro passo, segundo uma das mulheres mais velhas, chamada Marquise, era se conectar com sua chama interior de magia através de meditação. Mas os pensamentos de Ecclair não paravam por um segundo sequer, e, ficar parada, sentada, tentando esvaziar a mente como se fosse uma aspirante a monge, não funcionava direito. Ao menos, conseguia fingir, respirando bem lentamente como fora orientada.

Ela abriu um dos olhos, olhando para as demais garotas em meditação. Havia cerca de cinco na sala, todas já dominantes da arte, mesmo que nas fases iniciais e intermediárias. Vagando o único olho aberto pela construção, Opala viu algumas marcas nas paredes, do que poderia ser desgaste ou o impacto de algum tipo de bola de fogo. “É possível fazer bolas de fogo?”

O pensamento a fez sonhar acordada. Se imaginou conjurando magia como as heroínas dos livros que lia, salvando cidades e reinos inteiros. Só que o sonho não durou muito, já que Marquise abriu os olhos e a encarou com o rosto sério, o olhar se direcionando para a porta em seguida. As duas saíram do aposento.

— Opala, precisa se concentrar. – A mulher respirou fundo, ajeitando a trança em seu cabelo. – Enquanto não conseguir fazer isso, não acho que consiga conjurar magia.

— É difícil. – Reclamou, respirando fundo. – Não sei como deixar a cabeça quieta. É realmente necessário? Digo, só dá pra conjurar magia desse jeito?

— Não, mas é o método que funcionou com todas nós do Mundo Abaixo. Os outros… são reservados aos habitantes daqui, pelo que entendi. – As duas se sentaram em cadeiras de madeira escura, olhando para a pequena sala de espera, vazia. – Não fazemos magia tão bem quanto os que nasceram já a conjurando. Mas o pouquinho que aprendemos, foi dessa forma.

— Talvez não seja pra mim, então. 

— Você desiste rápido demais, Opala. – Marquise colocou a mão sobre a da garota, o toque em meio a um carinho encorajador. – Não faça isso. Não aqui. Aproveite cada segundo para aprender, e, quando voltarmos para Bonavida, não vamos ter nos arrependido de não ter tentado ao máximo todas as oportunidades. 

A mulher se levantou e voltou para a salinha de meditação, deixando Opala sozinha, que sorria fraca. "Mas eu não vou voltar."

Decidiu se levantar, e foi o que fez. Encontraria outra coisa pra fazer. Ela desceu as grandes escadarias do castelo e voltou ao jardim da fonte, seu lugar preferido em todo o castelo. Colocou a mão no bolso da saia do vestido, e tirou de lá o folheto com as opções do que fazer no castelo. Seus olhos percorreram cada uma das possibilidades e nada chamou a atenção. Seria pedir demais viver ali tendo apenas tempo livre para explorar? 

Um sorriso travesso percorreu o rosto dela. Explorar. Não precisava escolher tão rápido o que queria. Primeiro, Opala Ecclair iria descobrir cada canto daquele castelo. Já sabia da fonte, do corredor com as grandes janelas, da sala de reuniões com o príncipe e o ladrão, além do local de treinamento da guarda e também onde as garotas escolhidas ficavam. Mas, não havia atravessado aquele corredor das janelas totalmente. O Seletor havia a encontrado vindo do outro lado.

Então, existia uma outra ala no castelo, uma a qual ele costumava viver. E ela estava louca para conhecer cada segredo que ele escondia ali. E que mal poderia acontecer? Ele já estava bravo mesmo. Deixar ele só mais um pouquinho, caso a visse, não teria problema. Isso, claro, se ele ficasse irritado. 

Ele apenas ordenou que ela ficasse dentro do castelo. Bom, ali era dentro do castelo. 

Ela dobrou o folheto novamente e enfiou no bolso, seu passo apressado para dentro da construção, subindo as escadas novamente e procurando aquele corredor. Depois de algumas tentativas, de andar em círculos e de esbarrar em alguns criados, ela finalmente havia achado a passagem. Seus passos eram silenciosos conforme passava por ali, a luz do sol banhando cada canto do chão, dos móveis, das paredes e até mesmo dela.

O calor era bem vindo. 

Em poucos segundos, ela já estava do outro lado. E, para sua infelicidade, nada ali parecia muito diferente da outra ala. A decoração era parecida, e o formato dos corredores também, mas, a jovem seguiu seu caminho, conhecendo mais corredores. 

Arriscou abrir algumas portas. Encontrou uma sala com instrumentos, um depósito de limpeza, uma espécie de ateliê de arte e esculturas e por fim, uma biblioteca. Mas não uma qualquer: uma gigantesca. Maior do que qualquer uma que ela possa ter imaginado em toda sua vida. 

Seu queixo não pôde evitar cair. 

Opala não era uma fissurada em leitura - nunca foi. Ela gostava de ler, claro, mas não era seu hobbie favorito e nem algo que sentisse que precisava para respirar. Podia contar nos dedos das mãos quantos livros já havia lido que não fossem da escola. Talvez porque ela gostava sempre de ler o mesmo livro e raramente ia atrás de novos. Ou porque o título de nenhum em Bonavida chamava a atenção. Mas, um cômodo daqueles, convenceria até o menor leitor do mundo. 

Ela deu passos para dentro e apoiou a mão em uma balaustrada de madeira pura, desenhada com arabescos florais, repletos de curvas graciosas. As estantes se estendiam por três andares, e uma escada central a permitiria acessar o andar de baixo e o de cima. Ali no andar do meio onde ela estava, podia circular toda a extensão em um mezanino, e o andar acima era a mesma coisa. Apenas no primeiro andar é que havia chão por toda sua extensão, junto de cadeiras para leitura, sofás com almofadas confortáveis e até mesmo grama numa área reservada próxima da janela. 

Em cada andar havia uma escada de correr, que permitiria olhar todo o livro existente. E por falar em livros, alguns deles flutuavam pelo centro aberto do andar, onde um lustre gigantesco feito de raízes de árvore e flores luminosas descia do topo de um teto de vidro até metade daquele andar. A luz do sol que entrava pelo teto refletia nas partículas que as flores exalavam, dando aquele ar mágico para o ambiente. 

Sua mão deslizou pelo corrimão da grande escada, e aos poucos, admirando cada centímetro dali, Opala desceu para o primeiro andar, maravilhada. Seus olhos brilhavam como se tivesse enfim entrado no reino mágico que o Mundo Acima prometia ser. Quando chegou no meio do caminho, o viu começar a subir a escadaria. 

— Opala. – Ele disse, o rosto sério como nos outros dias. Segurava um livro de capa azul marinho. Suas roupas eram pretas dessa vez, mas ainda com os detalhes dourados e os acessórios de ouro que costumava usar. Uma visão linda. E ela não se cansava de o elogiar em sua mente sempre que seus olhos se encontravam com os dele. 

Mesmo que agora ele estivesse agindo como um babaca para não colocar mais ninguém em perigo, como se afastar os outros fosse ajudar em algo.

— Seletor. – O cumprimentou de volta, fazendo uma curta reverência com a cabeça. 

Os olhos verdes dele a observaram em silêncio. E, por um segundo, eles reluziram quando uma faixa de sol a iluminou, o laranja dos seus fios de cabelo assumindo aquele tom que ele nunca havia visto: um laranja brilhante, puxado para o dourado. Tão perfeito. Tão bem desenhado. Mark parado no começo da escada, olhando de baixo, pensou que aquela era uma ótima visão. A ver por cima. 

Mas foi tão rápido, que nem mesmo Opala, com seus olhos ágeis, conseguiu notar esse brilho diferente no olhar dele. Ele fez questão de esconder e trancafiar no fundo da sua alma. 

— Vai gostar daqui. – Comentou, começando a subir os degraus, até ficar apenas um abaixo do dela, mesmo assim, estava mais alto que a garota. – Tem muitos livros. 

— Sério? – Opala ergueu uma sobrancelha, como se dissesse "Eu não tinha reparado. Talvez as estantes gigantescas deveriam ser mais claras sobre isso."

— Tá, foi uma afirmação burra, eu admito. – O príncipe revirou os olhos e respirou fundo. – Procurando um jeito de ser útil?

— E voltamos a grosseria matinal. – Ela começou a descer mais, o deixando para trás. Apenas quando chegou no último degrau, ousou virar o corpo suavemente e o olhou com o queixo erguido. O olhar ganhando um brilho feroz. – Estou sim. Mas acho que você também deveria procurar um jeito de ser útil, Majestade. Ficar escondido nesse castelo enquanto os outros fazem o trabalho sujo não é a maior prova da sua utilidade, sabe? 

Quando ele travou o maxilar, Opala sorriu e continuou:

— Se me der licença, tenho um trabalho útil a fazer. – Pegou o folhetinho novamente, e se bem lembrava, tinha uma tarefa ali. – Ajudar o bibliotecário. 

— Boa sorte, então. – Ele disse em meio a um rosnado e subiu a escadaria, sumindo no outro andar. Ela podia sentir a raiva dele ferver e estremecer o lugar. E, que os deuses inexistentes a desculpasse, mas tinha adorado aquilo. 

— Acho que eu ouvi tanto a palavra da "útil" nesse diálogo, que fiquei até com dor de cabeça. – Uma voz masculina soou à direita. Quando se virou na direção, a garota viu um homem de pele negra clara e de cabelos loiros e longos, vestido com um dos uniformes dos que trabalhavam ali, mas adornado de acessórios de prata pura. – Eficaz ou eficiente seriam ótimos sinônimos, se me permite interferir no vocabulário de vocês. 

— Desculpe, falamos muito alto na sua biblioteca. 

— Não se preocupe, a essa hora ninguém vem aqui. – O homem sorriu de forma tranquila. Não deveria ter mais que seus vinte e oito anos pela aparência. – Irá se inscrever para ajudar aqui?

— Aparentemente, acabei de decidir. – Um riso nervoso escapou da garganta da garota, que permanecia no mesmo lugar, sem saber exatamente como agir ou como mover os braços.

— Antes de te aceitar, se importa se eu der uma olhada na superfície?

— Superfície?

Um sorriso divertido estampava seu rosto, e, quando ele se levantou da poltrona a qual estava sentado, ela teve uma visão perfeita dele por completo. Era alto, forte e definitivamente um dos homens mais lindos que já havia visto na vida. Talvez ela não se arrependesse de ter escolhido ajudar na biblioteca. 

O homem andou até ficar na sua frente, e levou um dos dedos cheios de anéis até seu queixo, o levantando com delicadeza. Lentamente, aproximou o rosto do dela, ficando a poucos centímetros dos seus. 

— Mundo Abaixo, casa num bairro mediano, adora chocolate amargo e sonha em ter um cavalo. Não é uma leitora ávida, mas respeita os livros. – Ele se afastou completamente, anotando aquilo em um caderninho. – Definitivamente pode trabalhar aqui.

— Q-quê? – Opala deu um passo para trás, piscando os olhos, aturdida, o coração batendo forte por conta da aproximação e da magia que fora usada em si.

— Precisa fortalecer a mente, eu poderia ter ido mais fundo se não fosse educado. Cuidado com isso. – A expressão confusa da garota o fez sorrir. Aparentemente ele se divertia com aquilo, como se fosse o ápice do seu dia. – É uma magia não tão simples, para ver as memórias do seu alvo. Eu uso para ver alguns detalhes de quem se inscreve. Não são todos que sabem usar, mas, eu tentaria levantar algumas muralhas se eu fosse você, para não ter problemas. Em uma guerra, a mente é nossa maior arma.

— Você parece aqueles mentores espirituais. – Ela resmungou, o que arrancou um riso baixo do homem, que se moveu até o balcão no centro do andar e pegou alguns papeis, subindo as mangas do uniforme e relevando uma parte dos seus braços fortes. – Uma versão mais jovem, bonitinha e sem ser um alien. 

— Obrigado? – Ele ergueu uma sobrancelha, o sorriso de canto estampado em sua face. Os olhos brilhavam em divertimento. – Sou Ampharus. Do latim, o que protege. 

— Opala. Vindo de mamãe, porque sou uma pedra preciosa. 

— Opala, vinda de mamãe, é um prazer.

— Ampharus, do latim, o prazer é meu. – Ela estendeu a mão de forma graciosa. Ele a segurou com firmeza e a apertou. Opala sorriu com o toque forte dele. – Então, preciso assinar esses papéis aí? – A garota apontou para as folhas que Ampharus dispunha sobre a parte superior do balcão.

— Precisa ler eles primeiro, ver se concorda com todos os termos e se acha que dá conta. Não que tenha muito o que fazer aqui, eu deixo tudo bem organizado, modéstia a parte. – Depois de organizar todas as folhas, ele colocou uma caneta tinteiro e um potinho com a tinta no canto. – Ao final, você assina.

Se ela dissesse que leu, estaria mentindo. Opala percorreu os olhos pelas linhas, pegou a caneta e assinou seu nome.

— Uma leitura em tempo record. Sabe que acabou de vender sua alma, né?

— Engraçadinho.

— Eu não estou sendo engraçadinho. Eu sou um demônio. – Os olhos dele ficaram vermelhos por um segundo, assustando a garota. Ele riu. – É brincadeira! – Seu sorriso tinha aquela malícia e divertimento de quem se deliciava com a situação – Só mudei a cor dos olhos com magia. Sou um mago normal, e, apenas para te tranquilizar, demônios não existem. Não nesse continente, pelo menos.

— Idiota. – Ela resmungou, batendo nele com as folhas. – Tá bem, eu vou ler esse troço.

Opala reuniu os papéis já assinados e se direcionou para uma das poltronas posicionadas na frente de uma mesinha. Com cuidado, leu página por página: e não tinha nada além do esperado. Apenas regras da biblioteca, suas tarefas, orientações específicas de limpeza, manutenção e cuidado, e, claro, as consequências caso não faça o trabalho direito. Nada muito grave ou com o que se preocupar: apenas limitar suas idas à biblioteca, e, ter que escolher outra tarefa longe dali pra ajudar.

Ela podia lidar com livros.

— Pronto, terminei de ler. Quando começo? – Resmungou, se espreguiçando na poltrona. 

— Pode começar tirando o pó de algumas estantes? Algo superficial. Fazemos a limpeza mais profunda a cada três meses, que acontece… hm… – O bibliotecário pegou um calendário no canto do balcão, observando as datas – Semana que vem.

— Claro, faço sim. – Ela deixou os papéis no balcão e pegou um espanador que Ampharus a entregou. Era pequeno, perfeito para passar pelos livros e no vão entre a parte superior deles e a estante. – Alguma de preferência? Aqui tem… um bocado de estantes.

— Pode ser pelas dos fundos, estão com mais pó por ninguém além do Príncipe ir pra lá pegar algo. Por ali. – Ele direcionou com a mão e o olhar de Opala seguiu até o ambiente. – Preciso pegar uma encomenda de livros novos lá fora, se importa se eu me ausentar um pouco? Não devo levar mais que quinze minutos.

— Não se preocupe, posso lidar com um pouco de pó sem morrer. Eu acho. 

Os dois riram e, em poucos segundos, Ecclair já estava sozinha na biblioteca. Ela andou sem pressa até a estante, observando as outras pelas quais passava, os olhos percorrendo cada livro, que aos poucos ficavam mais antigos.

Logo ela estava de frente para as estantes mais antigas. Tinha uma poltrona relativamente moderna posicionada próxima de uma janela que se estendia por boa parte da parede em um formato de arco próximo do topo, enquanto sua base era reta. O sol entrava por ela com suavidade, o vidro filtrando os raios fortes e deixando que uma versão mais amena da luz permeasse pelo ambiente. 

Ao lado da poltrona, bem abaixo da janela, Opala viu alguns papéis levemente amassados, com anotações sobre o que ela imaginava serem feitiços a julgar pelas orientações de como pronunciar determinadas palavras. Pegou um deles com cuidado, deslizando o indicador com suavidade pela textura do papel. Ela murmurou o que lia, mas, para sua infelicidade, nada aconteceu. Talvez, realmente, a magia não fosse algo que dominaria.

Um pouco triste, devolveu a anotação para a mesinha e se virou para a estante que precisava cuidar. Com cuidado, passou o pano úmido pela madeira e veio com outro seco em seguida. Ampharus disse que a limpeza de verdade seria apenas na semana seguinte, então, ela não se preocupou em tirar livro por livro.

— Hm? – Algo em meio a prateleira chamou a atenção. Com cuidado, tirou alguns livros do lugar e viu um filhotinho de gato se escondendo na parte de trás da estante. 

O problema é que ele não caberia ali com o livro encaixado.

O gato sumiu diante de seus olhos e reapareceu na prateleira de cima, sombras o desfazendo e o moldando. Um tipo de brilho começou a surgir na pelagem, se misturando com as sombras. Os olhos da humana se encontraram com os do animal, que brilharam em resposta. Um brilho fantasmagórico. Um miado ecoou e Opala sentiu como se todo o ambiente ao seu redor escurecesse, apenas o gato como seu ponto de luz.

— Gatinho? – Sussurrou, com uma faísca de medo a fazendo tremer os lábios. – Eu não vou te machucar. – Ela estendeu um braço ao bichinho, que aproximou a cabeça de forma cautelosa da sua mão, desconfiado.

Mas antes que ela tocasse nele, um rugido a despertou do transe, a iluminação voltando ao normal, fazendo as prateleiras estremecerem, livros caírem e luzes oscilarem. Ela começou a correr sem nem ter visto de onde vinha o som, em direção a escada para a saída presente no andar do meio. 

— Socorro! – Gritou, assustada, mas ninguém pareceu escutar. 

E foi então que viu aquilo.

Vindo das estantes que ela estava segundos atrás, surgiu um monstro quase da sua altura, formado por sombras e luz, com aspectos felinos e com muita, muita, muita raiva. Sua boca estava escancarada, revelando dentes afiados e grotescos, que tinham uma saliva totalmente preta escorrendo entre eles. Outro rugido ecoou e a biblioteca inteira tremeu, as janelas se fechando com o que parecia ser magia, e a escuridão se alastrou por todo o ambiente. O lustre de raízes e flores balançou e alguns galhos e pétalas começaram a cair pelo chão; ela tropeçou em um dos galhos e quase caiu, mas, isso só a fez se segurar em uma das poltronas e a jogar na chão na esperança de atrasar o bicho.

Ela corria, e ele apenas caminhava de forma ameaçadora na sua direção. Quando estava no meio das escadas, olhou mais uma vez para trás e ele havia sumido. Ela engoliu em seco, e, quando virou o rosto para frente, ele a encarava do topo das escadas, o corpo se formando com as sombras. A luz veio em seguida, acendendo os olhos. Suas patas começaram a descer, enquanto ela dava passos para baixo ao mesmo tempo, assustada.

Rapidamente, a garota olhou para os lados na esperança de fazer algo. Se os guardas não haviam escutado nada, estava morta. Mas ela torcia para que tivessem ouvido, então, só precisava atrasar sua morte. Observou cada canto, cada objeto que poderia usar como arma e… isso. Seus olhos se voltaram para o bicho mais uma vez, e Opala parou de se mover, o que o fez parar também.

— Respira, Opala. – Sussurrou pra si mesma, tentando impedir as pernas de tremerem. Ela podia sentir o coração bater até mesmo na orelha, e uma música fúnebre tocar em seu cérebro.

Mas, então, partiu em disparada, correu e pulou sobre o corrimão, caindo no primeiro andar de novo, apoiando as mãos no chão ao cair, tentando diminuir o impacto. Se levantou e voltou a correr em direção a uma parede, com o monstro agora correndo atrás dela, deixando um rastro de sombras por onde passava. Ele rugiu de novo, e uma onda sonora tentou a derrubar, mas Opala desviou e contornou uma estante, correndo na direção oposta, com ele em seu encalço.

O som de uma mordida ecoou bem atrás dela, o que fez uma parte da barra do seu vestido rasgar, e ela caiu no chão. Sem habilidade alguma, chutou o focinho dele e se arrastou para trás, a tempo de chutar uma madeira que servia de gambiarra para deixar a parte de baixo de uma estante equilibrada. Quando ela fez isso, a madeira rangeu e o móvel despencou sobre o monstro, o deixando soterrado. Ao menos por um tempo.

A garota se levantou ofegante, e alcançou a parede, que tinha pendurada duas espadas. Num movimento rápido, tirou uma delas e voltou a correr na direção da escada, mas antes de alcançar o primeiro degrau, sentiu dor de alastrar por todo o seu braço. Ela gritou até o pulmão doer quando viu os dentes cravados no seu braço e se virou num ato de reflexo, a espada em punho na outra mão, e cortou uma das orelhas daquele bicho que a mordia. Um grudinho de dor veio da garganta dele.

O corpo dela caiu no chão quando o monstro a soltou. Ela segurava a espada tremendo, enquanto o braço ensanguentado caía sobre seu colo, manchando todo o tecido do vestido. O local da mordida, antes vermelho-vivo, de repente havia ficado branco e pálido, como se tirasse a vida dali. 

— P-para… por favor… – Lágrimas já enchiam todo o seu rosto. Ela estava com medo, tremendo de pavor de morrer, a dor parecendo se alastrar por sua coluna e então o corpo todo.

Os olhos brancos do monstro se encontraram com o dela e ele seguiu em sua direção, rosnando. Quanto mais ele se aproximava, mais ela sentia o corpo estremecer. Com cautela, tentou se levantar, mas não conseguiu, e ele a encarou com voracidade, como se avaliasse como poria um fim na sua vida.

Um miado veio mais ao fundo e aquele gatinho menor caminhou até eles, passando pelo monstro maior e indo até Opala. Ela se encolheu de medo do gatinho, que subiu em seu colo, olhou curioso para seu braço e deslizou a língua áspera por seu sangue. Um brilho vermelho tomou os olhos dele, que se afastou e foi até o felino maior. Outro miado. E então o monstro voltou a andar na direção dela, ameaçador. 

Ele parou bem a sua frente, o muco dos seus dentes escorrendo e pingando sobre ela, a fazendo fechar os olhos com força, pronta para morrer. 

Só que o que ela sentiu, foi algo áspero contra sua pele. Áspero e molhado

 Ele também só lambeu um pouco do seu sangue. E quando ela abriu os olhos, o monstro a olhava no fundo dos olhos. Como se tivesse algo humano por trás daquela coisa.

— Opala! – Uma voz masculina gritou e o bicho de luz e sombras voltou para a posição de ataque, mas dessa vez com muito mais ódio. Mais raiva. E pulou sobre ela e subiu as escadas em pulos gigantescos. Finalmente havia achado a presa a qual buscava. 

Mark vinha sozinho com uma espada dourada em mãos e partiu pra cima do monstro, que rasgou o pano da sua roupa com as garras ao pular por cima dele, fazendo arranhões profundos no seu tronco. Sangue pingava e manchava a camiseta dele, mas o príncipe nem mesmo vacilou o corpo, continuando de pé e o atacou de volta, a espada acertando a barriga do animal, o fazendo sangrar um líquido branco.

O gatinho pequeno miou desesperado, olhando para Opala como se ela pudesse fazer algo, mas a humana tremia sem saber o que fazer. Então, o pequeno monstro voltou para as prateleiras e sumiu entre as sombras.

Os olhos de Opala se voltaram para Mark, que agora fincava a espada no peito do felino que saltava sobre ele em um novo ataque, e o empurrou para longe, contra o chão. O monstro se levantou com facilidade, a espada cravada em seu corpo. Os olhos flamejavam em pura fúria. O príncipe de Kouris tirou uma adaga do cinto e a girou entre os dedos, encarando o bicho de volta.

Os dois se rodearam e avaliaram um ao outro. Mark girou o corpo quando sentiu o avanço do bicho e fincou a adaga no seu crânio de sombras, saltando pro lado antes de ser atingido pelos dentes prontos pra o morder em reflexo.

O monstro caiu sem forças, mas mesmo assim tentou se levantar, sem sucesso. Caído, rosnou. 

Um rosnado que ecoou nos ossos da garota com uma força que a fez derramar mais lágrimas. E então, os olhos brilhantes e brancos se apagaram. E o corpo ficou inerte. 

Uma morte rápida. Como se não fosse nada para aquele homem.

Mark direcionou aqueles olhos verde-esmeralda para ela e caminhou apressado na sua direção. Com cuidado, a pegou no colo e começou a correr para a enfermaria.

— Não feche os olhos. – Pediu como se fosse uma ordem, mas com medo na voz. – Está me ouvindo, Opala? Não feche os olhos.

Só então ela percebeu que quase os fechava, a visão embaçada, a cabeça doendo tanto que sentia como se fosse explodir. Ele a segurava com força, e sem querer, a sujava também com o sangue que escorria do seu peito machucado pelas garras do monstro. Mas o rugido ainda ecoava na cabeça dela. Como um aviso. Como se quisesse dizer algo. Mas deveria ser algo da sua cabeça, causado pelo choque da situação. Ou talvez não.

Ela sentiu o corpo ficando mais frio quando ele a colocou na maca da enfermaria e algumas pessoas se aproximaram. Ela não conseguiu ver seus rostos direito, os olhos fracos, quase se fechando.

— Não durma. – Ouviu a voz do Seletor ao fundo. – Opala, estou ordenando que não durma. – Ela sorriu fraca quando ele disse naquele tom, realmente a deixando mais acordada, mas não por muito tempo. Ela sentiu a mão dele envolver a sua e a segurar firme. – Fique acordada. Por favor. – A voz dele ficou mais frágil por um segundo.

Mas ela apagou. 

 


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Notas finais do capítulo

Arte da do cap: @aestsart (Twitter)
Commission comprada especialmente para essa história.



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