Caçadores urbanos e o mistério do filho proibido escrita por Tynn, WSU


Capítulo 3
Capítulo 2 – Aviso




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Os cabelos castanhos e salpicados de Eduarda flutuavam no ar, como se uma aura obscura bailasse ao redor do seu corpo. Ela, de dentro do furgão, encarou Natanael por breves segundos, que pareceram horas para o bruxo. Com um movimento rápido nas mãos, o rapaz foi arremessado do outro lado da ponte, rolando no chão com o impacto.

O corpo podia ser da nerd tímida, mas a mente estava sendo controlada pelo Boca-de-Ouro. A garota caminhou para fora do carro, inspirando o ar de Recife como se apreciasse o aroma de um doce perfume.

— Que saudade da gota eu tava de me sentir vivo!

— Mas… Que porra é essa? — Raul perguntou ao ver a nerd caminhando daquela maneira. Ele ainda segurava Thaís nos braços, enfraquecida pelo toque do Boca-de-Ouro.

— Eu sou aquele que quase sugou a alma dessa coitada aí. Ah, se tu soubesse o que ela fez durante a noite…

— Não me importa, seu monte de merda!

Eduarda fechou as mãos em fúria e os lábios de Raul ficaram presos, grudados um no outro. A criatura dentro de Eduarda gargalhou espalhafatosamente.

— Tu não tem poder sobre mim, cabra. O meu receptáculo é incrível! Nunca pensei que o corpo de um sibito baleado como o dessa menina pudesse ser tão útil.

Raul sentiu uma raiva imensurável atingir seu corpo. Pensou em avançar sobre a garota, mas o que poderia fazer senão ferir a própria amiga? Além disso, sob os seus braços repousava uma Thaís desfalecida e frágil, situação bastante inabitual nas suas rotinas de caçadores. Ele enrugou as sobrancelhas, não ficaria parado vendo o inimigo se regozijar de prazer. Antes de fazer seu primeiro movimento, contudo, uma força invisível o arremessou para trás com tanta força que ele voou como um saco plástico. Suas costas bateram no chão e Thaís caiu ao seu lado, soltando um suspiro de dor.

Eduarda estava com um braço estendido, havia usado sua força sobrenatural para arremessar o ex-militar para longe. Por dentro, o Boca-de-Ouro sentia-se com grande sorte. Ele vislumbrou o bruxo se erguendo do último golpe e virou-se para o rapaz, que aparentava procurar algo no chão.

— Que homem frouxo tu é! Vai se ajoelhar para pedir ajuda?

— Você não sabe da missa um terço, seu Boca-de-Ouro.

Natanael precisava ser rápido se quisesse sobreviver. Aproveitou a distração do inimigo para fazer as marcações no chão com um giz de cera. Se conseguisse terminar o círculo mágico, talvez criasse uma proteção contra as investidas sobrenaturais da criatura e, então, seria capaz de prendê-la. Tudo o que precisava era de tempo, e que o Boca-de-Ouro não reparasse na sua estratégia.

— Sabe, todo fantasma tem uma história — comentou o bruxo, ajoelhando-se e riscando o chão atrás do seu próprio corpo. —  Por que tu não me contas a tua? 

— Achava que tu já sabia de alguma coisa… Eu sou Antônio José Bezerra Fonseca, um dos filhos do General Carlos Bezerra Fonseca, dono de um Engenho de Açúcar da cidade de Igarassu. Eu vivia bem, a gente era rico, meu pai queria que eu estudasse Direito e fosse para a Europa, mas eu gostava era de uma boa farra. Passei a minha juventude nos cantos da cidade, na Rua da Aurora, nos bares do Recife Antigo, bebendo, galanteando as mulheres. Eu era um partido e tanto, visse! Mas daí veio o safado do Suassuna, que me pegou com a sua esposa. Levei 3 tiros de espingarda e morri antes de acender meu último cigarro.

Natanael conseguiu finalizar a parte de trás do símbolo mágico, desenhando parte de um pentágono no chão. Ele precisava agora finalizar a parte da frente, mas como fazer isso quando o inimigo o encarava insistentemente? Além do mais, percebeu a curiosa expressão do Boca-de-Ouro refletida no rosto de Eduarda.

— Durante a vida, troquei meus dentes por peças de ouro. Perdi parte dos dentes depois que cai do cavalo de Seu Mário Barreiro, daí resolvi trocá-los por ouro! Quanto a tu, bichinho, acho que vou arrancar a cabeça logo fora. Porque esse teu truque no chão não vou deixar terminar, visse.

Ele ergueu os braços e o corpo de Nataneal foi erguido no ar, como se algo prendesse o seu pescoço. Ele começou a se debater em agonia, o oxigênio faltando aos pulmões.

As pernas do bruxo se debateram no ar; suas mãos tentaram arrancar amarras invisíveis que apertavam a traquéia. Ele fechou os olhos, imaginando se poderia sair dessa ou se deveria apenas esperar o seu momento derradeiro, não sabia ao certo o que iria acontecer. Quando de repente despencou no chão com um estouro. Ao olhar para frente, viu um homem magro e moreno prendendo os braços de Eduarda: era Carlos.

— Duda, tu é mais forte que esse safado que tá aí dentro. Acorda! — Carlos gritava enquanto lutava contra a criatura. Depois de correr até a ponte, encontrara Thaís e Raul caídos no chão, assim como Natanael sendo erguido por uma Eduarda muito estranha. Resolveu então prender a nerd com as próprias mãos. — Dá um pé na bunda desse babaca!

Como resposta, Boca-de-Ouro soltou mais uma sinistra gargalhada que foi interrompida de súbito. Eduarda parou de se debater, para o espanto de Carlos, e ficou quieta por um tempo, com a cabeça abaixada. Carlos parecia sentir que a garota duelava contra a criatura pelo controle do corpo. Isso durou apenas alguns segundos, quando os olhos de Eduarda se arregalaram, demonstrando quem venceu o duelo interno.

O corpo de Carlos foi arremessado por uma força sobre-humana. O engenheiro caiu no chão e viu Eduarda com os olhos ainda totalmente brancos. As rugas de irritação, entretanto, dobraram de seu rosto.

— Tu é muito ousado, pirraia! — Eduarda levantou Carlos do chão com seu poder sobrenatural e moveu o jovem até a beirada da ponte Duarte Coelho. Os pés do engenheiro bateram no parapeito e ficaram flutuando em meio ao nada, parando a pelo menos um metro da beirada da ponte. Ele agora estava voando sobre o rio Capibaribe. Bastava o Boca-de-Ouro abrir as mãos e o garoto seria arremessado para as águas escuras e frias do rio. — Sabe quantas pessoas já morreram afogadas aí?

— Eduarda, você consegue…

— Calado! Essa garota é forte, mas não é duas não. Eu vou fazer você sentir o gostinho da água desse rio, que agora tá tão poluído quanto o resto da cidade.

— Antônio Fonseca! — Uma voz alta e aguda soou da beirada da ponte.

Os olhos de Eduarda voltaram-se para uma mulher alta e branca. Ela caminhava luxuosamente com um vestido vermelho cortado na altura do joelho, um longo decote em V e um salto alto, 15 centímetros.

— Largue o futuro engenheiro mecânico em um local seguro antes que seja tarde demais para você!

— Vanessa Albuquerque... tua fama ressoa no submundo, tu sabe bem disso. Uma mulher tão formosa assim não devia andar com um bando de pé-rapados como esses moleques — Eduarda respondeu, ainda com a mão erguida para manter Carlos flutuando sobre o rio. — Escolhesse o lado errado, visse?

— Do que tu tás falando?

— O dia do reerguimento tá surgindo, bichinha. Acha que não sei do teu passado obscuro? Daqui a alguns dias, o mundo vai rachar e só quem estiver do lado certo vai se dar bem.

— É por isso que as forças sobrenaturais andam tão agitadas.

— Se é por causa disso ou por causa daquilo eu não sei. Só tô te dizendo que é melhor tu tomar cuidado com essa caçada. Sabe, alguns malassombros são vingativos.

— Eu não tenho medo deles, nem de você. Agora solte meu caçador!

— Não pense que me engana com esse papinho. No fundo, tu é tão obscura por dentro quanto um chupa-cabra.

E, com essa sentença, Eduarda abriu as mãos. O corpo de Carlos despencou em queda livre até o Rio Capibaribe, desaparecendo na negridão de suas águas. Isso desencadeou uma série de atitudes dos outros caçadores.

Raul correu como um rinoceronte em direção a Eduarda, prendendo os braços da moça e empurrando-a até o símbolo sagrado criado por Natanael, que começou a recitar o mantra de aprisionamento e exorcização.

Os traços de giz brilharam em azul-anil, fazendo Eduarda gritar. Uma luz forte foi emanada dos olhos, boca e orelhas da garota, soltando berros que misturavam sua voz aguda com a voz grave do Boca-de-Ouro. Uma mancha disforme começou a sair do corpo da garota que ficou confinada dentro do círculo místico.

Vanessa caminhou até a van e pegou um aparelho para entregar a Raul,. O ex-militar acionou o mecanismo de captura de plasma ao puxar o gatilho. O aparelho, que mais parecia um aspirador de pó tecnológico em formato de revólver, sugou a energia disforme de dentro do círculo. Aos poucos ela tomava a forma de um homem jovem e de dentes de ouro enquanto era sugada. Na ponta do aparelho, um pequeno suporte de vidro se encheu de um plasma enegrecido, até Raul terminar o serviço e o fantasma ser totalmente tragado. O ex-militar retirou o vidro do aparelho e guardou-o no bolso da calça. Em seguida, olhou para os lados.

Avistou Thaís no parapeito da ponte, olhando para baixo angustiada. Ela procurava encontrar, no meio da escuridão do Rio Capibaribe, algum sinal de Carlos. Natanael, o bruxo, ligou a lanterna do celular e procurou com a luz algum sinal do universitário, se juntando à companheira na busca.

— Será que ele sobreviveu?

— Não faço ideia… — Thaís respondeu, sua voz era fraca e emotiva. — Eu fui um peso morto nessa missão. Ele estaria bem se eu não tivesse bebido tanto.

— Não fala assim, todos nós falhamos.

Ela encarou Natanael por alguns segundos, lágrimas brotando dos olhos. A garota abraçou o amigo, nitidamente preocupada com tudo o que acontecera e arrependida por ter falhado. Raul caminhou até a van carregando Eduarda nos braços. Ele encarou Thaís e Natanael abraçados e bufou.

Já Vanessa encontrou um cartão de visitas de um detetive sobrenatural no chão e guardou no bolso, para em seguida caminhar até os caçadores no parapeito da ponte Duarte Coelho.

— O que vocês dois estão fazendo aí? — Vanessa perguntou presunçosa. — Não é assim que se resgata uma pessoa do rio. Carlos não vai sair flutuando como se fosse uma fada até vocês. Vamos descer e resgatá-lo o mais rápido possível, estamos perdendo tempo.

Natanael caminhou ao lado de Thaís até o furgão preto, onde Raul encarou o rapaz furiosamente, mas não falou nada. Vanessa sentou-se na poltrona da carona enquanto os demais entraram na parte de trás do furgão.

— Cadê a amoeba do fantasma? — Perguntou a ruiva.

— Aqui. — O ex-militar mexeu no seu bolso e retirou um frasco de vidro com uma gosma dentro. — Pegamos o filho da puta.

— Agora vamos logo! Carlos pode estar morrendo com 2 litros de água nos pulmões enquanto você fica de ciúmes.

Raul ligou o motor da van e acelerou pela ponte.


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