Is anyone there? escrita por Arin Derano


Capítulo 1
Nothing can breathe in the space


Notas iniciais do capítulo

?” Música do título: Moondust - Jaymes Young



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— Alô? Alguém na escuta?

O chiado foi o único som que eu escutava.

Bati no painel de controle com o punho. Eu estava frustrado. Não era a primeira tentativa de contatá-los, e sinceramente, não sei porque eu ainda tentava.

Estávamos voando em direções opostas, e eu tive o azar de pegar uma nave com pouco combustível e metade das suas funções com defeito.

Skye, Fran e Ryan estavam mortos.

E logo seria minha vez também.

Olhei rapidamente o nível de oxigênio restante: 62%, o que me dava mais ou menos 6 horas até que acabasse, se eu mantivesse minha respiração estável.

Meu olhar se voltou para a janela que me separava do vazio do espaço.

Se eu quisesse uma morte rápida e dolorosa, abrir a alavanca da porta sem o traje era uma boa opção.

Respirei fundo, e os flashes surgiram.

— Precisamos correr! — Ryan gritou no meu ouvido.

Eu não conseguia acreditar. Eles estavam mesmo exterminando todos nós. Um por um. Até não sobrar mais ninguém.

— Agora, Sasha! — ordenou, e foi como se eu tivesse voltado a realidade. O mundo até então parecia um borrão inaudível.

E eu corri.

Ryan e Skye a minha frente, Fran atrás.

Para alguém tão preocupada com sua imagem, ela estava um caco.

Como se fizesse parte do destino, chegamos na estação de naves, se espalhando em fileiras e mais fileiras de unidades até o teto do galpão. Um pequeno painel ao lado de cada uma mostrava seu status.

Nenhuma delas estava 100%. Tínhamos calculado a rota errada e paramos na estação das naves em reparo.

Em resumo: estávamos fodidos.

— O que fazemos agora? — Skye questionou, exasperada. No seu rosto, um longo corte atravessava sua bochecha esquerda. Ela segurava seu ombro esquerdo sangrando, do qual havia recebido um tiro de pistola de metal fundido não muito tempo atrás.

Não fazia ideia de como ela estava aguentando. Um tiro dessa arma doía o triplo de vezes mais que um tiro de pistola comum.

Se não tratássemos logo, elu morreria de hemorragia. Ou infecção. O que viesse primeiro.

— Eu... Eu não sei — minha mente estava a mil. Eu não fazia ideia do que fazer em seguida. Não tínhamos planejado um deslize como esse.

Iríamos todos morrer, depois de termos chegado tão longe.

— Vamos nos separar — Ryan propôs, a voz ofegante, o cabelo suado e o sangue dos inúmeros hematomas que tivemos até chegar onde estávamos grudados em sua testa.

Se eu me olhasse no espelho, provavelmente me assustaria com o que visse.

— Tá maluco, cacete? — Skye contrapôs — O que faríamos depois? Como a gente iria se encontrar? Eu não sei dirigir um desses, porra!

— É nossa única opção. É ir ou ficar aqui e morrer com inúmeras balas a essa do seu ombro. Você escolhe — ele continuou. Estava exausto. Todos nós estávamos.

— Vamos acabar logo com isso — Fran tomou a frente e entrou em uma das naves. A nave automaticamente notou sua presença e a escaneou, identificando-a. A porta se fechou e só podíamos ouvir a voz abafada da IA perguntando qual seria sua rota.

Como combinado, ela disse a coordenada e a nave em questão de segundos decolou estrelas acima.

— Merda — Ryan entrou em outra, e o mesmo procedimento se repetiu.

Skye foi a próxima. Assim que entrou na nave, um aviso disparou.

“Criminosa identificada. Protocolo n⁰ 330287. Capturar Oh ‘Skye’ Sujin e reportar às autoridades responsáveis.”

A porta se fechou antes que ela ou eu pudessemos fazer algo. A luz da nave, antes branca, se tornou vermelha. Um dispositivo giroflex apareceu na parte de cima da placa metálica da nave girando uma luz vermelha por todo o ambiente.

Não precisávamos dizer nada. Sabíamos o que tinha acontecido.

Seus pais a tinham denunciado para as autoridades. Eles eram os únicos capazes de emitir um alerta desse. Eles sabiam que fugiríamos mais cedo ou mais tarde.

Não tínhamos pensado nessa hipótese também. Onde estavámos com a cabeça?

— Porra! — esbravejou lá de dentro. Sua voz estava mais baixa por causa do vidro que consistia as janelas da nave, mas dava para ver de fora seu semblante numa mistura de emoções: raiva, tristeza, medo. — Sasha, você precisa ir agora!

Eu mal conseguia respirar. Meu corpo inteiro estava dormente.

— SASHA! — elu gritou e bateu no vidro com o braço do ombro bom — Agora! Ou eu mesma dou um jeito de sair e te mato se não for — sua voz era trêmula, dava para notar os olhos lacrimejados.

— Eu... não posso deixar você aqui. Nós prometemos que sairíamos todos juntos. Junkyard Squad até o fim, lembra? — eu tremia. Minha voz falhava.

— Isso era antes de dar tudo errado. Imprevistos acontecem. Por favor, Sasha. O que Fran e Ryan diriam se soubessem que nenhuma de nós duas conseguiu? — ela deixou que a primeira lágrima caísse, e depois disso não pararam mais. — Você é a alma desse grupo. Não pode deixar eles na mão. Eles precisam de você. Eu preciso de você. — Ela pausou, se recompondo — Faz esse último favor para mim.

Eu chorava e soluçava, e logo notei as lanternas dos guardas e robôs treinados atrás de mim.

Eu fechei os olhos com força, e adentrei na nave mais próxima. Ela me identificou e o nome “Sasha Lynch” apareceu no painel. Com a voz tremendo, anunciei as coordenadas e a nave disparou céu acima.

Bem a tempo de ver a porta da nave de Skye se abrindo e ela recebendo uma rajada de tiros.

Desde então, eu tenho tentado, sem sucesso, contatar Fran e Ryan.

A esse ponto, minhas esperanças já eram nulas. Eu estava sozinho, vagando pelo espaço sem destino nenhum.

Mesmo que eu chegasse a coordenada, o que garantia que os dois estavam vivos?

Apertei os olhos. Eu não iria chorar de novo.

Uma estátifca se fez presente no rádio da nave. Segundos depois, uma voz familiar disse:

— Alô? Tem alguém aí? Sasha, Skye?

Ryan.

Imediatamente me pus de pé – eu havia sentado e abraçado minhas pernas sem que eu percebesse – e segurei o rádio com força, apertando o botão para ser escutado.

— Ryan! Eu estou aqui!

— Sasha! Ah, meu Deus. Você está bem? — sua voz tinha algo que eu não conseguia identificar.

— Eu... — lembrei de Skye. Lembrei de suas últimas palavras e como nem pude me despedir. Ryan e Fran muito menos. — Não.

— Como assim, o que houve? Cadê a Skye? — ele perguntou como se tivesse lido meus pensamentos.

— Ela... — senti o bolo na garganta se formar de novo, a ânsia pelos soluços e as lágrimas embaçando minha visão — Ela não conseguiu.

— O quê? — ele ficou em silêncio por um instante, processando a informação. Um soco no vidro foi a próxima coisa que eu escutei, além de seu choro — Mas que porra, Sasha! Primeiro a Fran, e agora ela também?

— Espera. O que aconteceu com a Fran? — um calafrio percorreu meu corpo.

Não. Não.

— Sash... Estávamos vindo juntos, eu conseguia ver a nave dela... A gente se falou por rádio. Ela estava confusa, disse que tinha uns avisos e bipes no painel... — ele suspirou com dificuldade — A nave explodiu. Sobraram só a porra dos estilhaços! Consegue acreditar nisso? A última coisa que ela falou foi que não queria morrer!

Quando me vi, eu estava chorando tanto quanto ele. Por mais que eu tentasse lutar, a dor era maior do que todas as outras que eu já tinha vivenciado. Mais do que quando vi minha mãe partir naquele foguete.

Meus amigos estavam morrendo. Um por um.

— Ryan — eu não o ouvia mais. Ele devia ter parado de pressionar o botão de fala — Ryan! Quanto de oxigênio você tem?

O silêncio em seguida me deixou ainda mais perturbado.

— 6. 6% — respondeu, num sussurro doído.

Ele sabia tanto quanto eu que isso não era muita coisa. Ele tinha 20 minutos.

20 minutos, e eu perderia tudo.

— Faça sua nave parar — comecei, desesperada — Espera eu chegar aí, eu vou colocar o traje e...

— Sasha. Não tem alternativa. Eu vou morrer. Assim como a Fran e a Skye. Vamos todos morrer.

— NÃO! VOCÊ NÃO VAI! — berrei. A minha voz reverberava em toda a nave — VOCÊ NÃO VAI ME ABANDONAR. EU NÃO VOU DEIXAR. EU NÃO... — engasguei com as palavras. Eu nunca tinha falado isso em voz alta — Eu não quero ficar sozinho. Não posso ficar sozinho. Por favor.

O som contínuo que antes eu ouvia ao fundo da ligação parou. Ryan tinha parado a nave.

— Chegue rápido, cara. Quero ver essa sua cara feia uma última vez.

Um sorriso cansado apareceu no canto da minha boca.  Analisei os botões da minha nave, e a programei para aumentar a velocidade.

Em instantes, se o universo colaborasse pelo menos dessa vez, eu conseguiria me despedir de Ryan.

Pelo menos dele.

As estrelas, que antes já pareciam estrelas cadentes, se tornaram flashes conforme a nave passava em alta velocidade.

Na minha cabeça, passava tudo e nada ao mesmo tempo. Eu estava em uma espécie de transe. Sem querer pensar em mais nada que não fosse encontrar Ryan. Fran e Skye não voltariam mais, mas Ryan ainda tinha uma chance.

Me preparei e ajustei o traje no meu corpo, que como esperado, era bem maior em questão de tamanho e estatura. Puxei a alça localizada na clavícula esquerda, e o traje se encaixou no meu corpo. Não ficando apertado nem frouxo demais. Encaixei o capacete e conectei a conexão do rádio com ele.

— Ryan. Não fale nada. Eu estou chegando.

— Pode me contar das nossas aventuras? Desde quando a gente era criança? — sua voz saiu baixa, relutante.

— Claro.

Então eu comecei a contar. Contei das vezes que dormimos um na casa do outro, fazendo sessões cinema e dormindo até tarde, as vezes que acolhemos Fran na casa dele quando os pais dela brigavam, os jantares deliciosos que os pais dele faziam para nós três. O dia que conhecemos Skye, e as vezes que ela se gabava por ter um gosto musical melhor que todos nós, quando ela competia com a Fran para ver quem conhecia mais músicas de cantoras pop dos anos 2000. As vezes que roubávamos bebidas caras do bar dos seus pais e bebíamos mais do que deveríamos.

Vez ou outra, eu conseguia escutar a risada do Ryan do outro lado da linha.

— Eu estou chegando. Segure firme — analisei o satélite e a nave dele piscava no sinalizador. Era hora. Diminuí a velocidade da minha nave e olhei pela janela, rapidamente identificando-o a nave semelhante alguns metros longe.

Ryan me olhava com um brilho fraco nos olhos.

Eu me preparei para sair da nave, e apertei o botão de abrir a porta. A porta deslizou para o lado e o sensor automárico de gravidade foi desativado. Flutuei para o lado de fora, me esgueirando pela nave até me aproximar o suficiente para me esgueirar na dele.

Acenei para ele abrir a porta, mas ele não o fez.

— Ryan, eu preciso que você abra essa porta.

— Não vai dar, Sash.

Espiei o painel dele, localizando o 0% no indicador de oxigênio. Agora, mostrava a contagem regressiva para o fim dele.

120 segundos.

— Ryan — chamei, e ele me ignorou, se sentando no lado oposto da nave, ainda próximo o suficiente para que visse ele chorando. — Ryan Ramirez. Abre essa porta, agora. — ele não respondeu. Não acenou com a cabeça. Não se mexeu. — Porra, Ryan. Você não pode fazer isso comigo. Não agora! Estamos tão perto. A Skye me disse algo: o que você e Fran teriam pensado se eu tivesse tentado salvá-la, como eu deveria ter feito. Eu digo o mesmo agora: o que elas diriam se vissem você preferindo se matar bem na minha frente?

— Não é sobre escolhas, Sash — sua voz agora era um sussuro, poupando o resto de oxigênio.

— Como assim não é? Eu estive do seu lado o tempo todo. Me deixa te salvar, por favor. Pelo menos você — as lágrimas voltaram, escorrendo uma a uma em sequência — Eu não quero ficar sozinho.

— É sua melhor hora para ser corajosa. Eu sei que você consegue — ele tossia, o ar já não chegando em quantidade suficiente em seus pulmões — Você sempre conseguiu.

Eu batia no vidro na nave, nem me importando com a gravidade zero e o fato de que isso não emitia som algum.

— Nós três te amamos, e queremos o melhor pra você. Você merece isso mais do que todos nós. Uma vida melhor, longe das IAs, robôs malucos e pessoas egoístas. Faz isso pela gente. Você está quase lá, de qualquer modo — ele continuava, nem se importando com as tosses ininterruptas.

Um aviso disparou lá dentro, mostrando seus últimos 10 segundos.

10 segundos, e eu veria meu melhor amigo morrer. Eu veria a vida se esvair da pessoa que sempre esteve comigo desde o início.

— Você não pode... — eu murmurei, entre soluços.

— Eu te amo, Sash. Todos nós amamos. Você precisa se lembrar disso.

Os segundos se esgotaram, e eu observei seu rosto se contorcer em dor. Sua boca se abriu involuntariamente em busca de um oxigênio que não tinha, e ele retraiu seu corpo até que ele ficasse completamente mole.

Ele estava morto. Ryan estava morto.

Fran estava morta.

Skye estava morta.

Eu havia perdido tudo.


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