Era Uma Vez... Uma Ilusão escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 29
28. Certos desejos são impossíveis de alcançar completamente; cabe a nós apenas aceitar e seguir em frente.




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Buckingham House, Londres

— Você não tem direito algum de tentar controlar minha vida, Ernest! DIREITO ALGUM! — gritou Sophia, impondo-se ferozmente contra Cumberland.

— Não tenho!? Sou seu irmão mais velho, Sophia! — Cumberland exclamou, fazendo Sophia negar numa risada irônica. Porém ele acrescentou: — É minha responsabilidade zelar pela sua honra e...!

— Zelar não significa controlar! — Logo, porém, Sophia deixou a expressão raivosa e aproximou-se friamente do irmão. — Lembre-se do que você é, quinto filho: um ninguém! Já eu, Sophia, sou de total responsabilidade do monarca britânico. Pertenço ao estado e apenas a ele dou satisfação!

A raiva nos olhos de Cumberland apenas aumentou, e de uma forma tão assustadora que até a forma como ele apertava os punhos parecia uma ameaça.

Por Deus, mas o que estava acontecendo aqui!? Richard cobriu o rosto e respirou fundo. Como eles chegaram nessa situação...!? O marquês imediatamente se voltou para Robert, sentado num sofá afastado e cobrindo o nariz com um lenço, agora vermelho de sangue. Foi isso, isso que aconteceu!

A atenção dele, porém, acabou retornando para Cumberland, que deixou a irmã e aproximou-se dos pais. Oh Deus, teria mais? Richard fitou desesperadamente Cathrine, cuja expressão era impassível.

— Pergunto-lhes apenas uma coisa, Majestades: isso dá a ela o direito de agir como uma PROSTITUTA!? — acusou Cumberland, horrorizando até mesmo o rei e a rainha. — Estavam aos abraços, beijos e... Quem sabe o que não estariam fazendo agora se EU não tivesse aparecido!?

— Já chega de gritos, Ernest!

Mesmo com o pedido da rainha, Cumberland ainda levantou o dedo e tentou falar mais. Porém Sophia, certamente cansada de tudo isso, afastou-se da família e sentou ao lado de Robert. Ela começou a limpar os resquícios de sangue no rosto dele...

— Ela sequer nega; é uma descarada! — O duque imediatamente ganhou olhares duros dos pais, embora a própria Sophia não desse atenção. Mas ele continuou: — Eu disse que essa associação com Kendal só traria problemas!

A única resposta de Sophia foi acariciar a bochecha de Robert. Ela não tinha consciência!? Negando pesadamente, Richard novamente buscou algum consolo em Cathrine. Dessa vez, porém, Cathrine olhou na direção de Richard e, sorrindo levemente, apertou a mão dele. Só assim mesmo para Richard ter alguma calma.

— Mas nada disso justifica suas ações, Ernest. — Essa calma, porém, não durou muito, a rainha fez questão de destruí-la. — Por acaso não passou pela sua cabeça as consequências dessas suas ações? Você agrediu fisicamente um príncipe, um par do reino, um amigo querido...!

— Mas...

— Não existe mais, Ernest! Quem mata um príncipe menor pode facilmente matar também um soberano! — a rainha exclamou, fazendo Cumberland abaixar a cabeça, e virou-se à filha. — E quanto a você, pensou realmente que seu "segredinho" não seria descoberto? Dê graças a Deus que apenas Ernest os viu.

— Darei graças a Deus se ninguém tiver escutado os gritos de Ernest, isso sim — respondeu calmamente, porém ainda desafiadora, Sophia. — Mamãe, é inadmissível que os guardas tenham sido necessários para separá-los!

A simples menção disso fez Richard direcionar um descontente olhar ao irmão, que agora percebeu e sorriu de lado, tão débil quanto... Richard voltou a respirar fundo e desviou o olhar, era isso ou acabar de matar Robert!

Será que Robert não tinha nenhum juízo na cabeça!? Se envolver com uma das filhas do rei!? Era pedir suicídio! E quando Richard viu ele sendo, aos gritos, apartado de Cumberland... Richard nunca teria aconselhado Robert se soubesse o motivo. Mas esse arrependimento dele estava prestes a aumentar.

— Como vê, Bristol, temos um grande problema nas mãos, um problema muito grande. — A atenção do marquês voltou-se ao rei, cujas palavras iam de calmas a frias. — Nesse momento, em meio a uma guerra e com uma invasão a vista, torna-se importantíssimo evitar franquezas, evitar problemas grandiosos. E tudo isso me estressa muito, devo confessar.

— Eu entendo, meus... — o marquês começou num suspiro.

— NÃO, NÃO ENTENDE, BRISTOL! — exclamou o rei levantando da cadeira, e o fez com tamanha fúria que Richard quase levantou da cadeira, levando Cathrine junto. — NÃO OUSE COMPARAR OS MEUS PROBLEMAS COM OS SEUS PROBLEMAS!

Acabando, o soberano voltou a sentar e começou a respirar pesadamente. Richard, tomado pela perplexidade, conseguiu apenas encarar a rainha, que por sua vez buscava ajuda nos filhos. Essa mudança foi tão rápida que... O silêncio instaurou-se um momento.

— Tentemos não nos exaltar, George. A calma sempre é a melhor opção, não lembra? — a rainha falou ao tentar apertar o ombro do rei... porém ela recuou e pegou uma jarra. — Talvez um pouco de água...

— Estou farto de água, Charlotte! Farto! — novamente exclamou o rei, respirando fundo e... voltando-se calmamente a Richard. — Quanto mais rápido agirmos melhor será, Bristol, então devemos ser rápidos e cirúrgicos. Nunca pensei que esse dia realmente chegaria, mas... não há mais como atrasá-lo.

— Do que exatamente o senhor fala, meu rei? — questionou Cathrine num tom baixo.

— Falo de conceder a Sophia seu maior desejo — Richard e Cathrine imediatamente se entreolharam, franzindo o cenho. Enquanto, atrás deles, Sophia arregalou os olhos. O rei então disse: — Iremos casar imediatamente Robert e Sophia.

Novamente o silêncio instaurou-se, porém dessa vez um silêncio estranho e... Richard e Cathrine novamente se entreolharam e voltaram-se a Robert e Sophia, igualmente perplexos; como assim casar!? Quem, porém, não gostou disso foi Cumberland, que questionou furiosamente o rei...

*****

A reunião não tardou para acabar e os Tudor-Habsburg dispensados. Tudo já estava decidido: Robert e Sophia casariam em 10 dias numa simples cerimônia conduzida pelo arcebispo de Canterbury. Sem pompa, alarde ou glamour, eles estavam numa guerra, afinal de contas.

Porém, ao descer a escadaria, eles foram recebidos no hall por oito dos filhos restantes do rei, junto das damas e senhores dos monarcas. Todos instantaneamente se voltaram na direção deles. Foi o suficiente para fazer Cathrine agarrar fortemente o braço de Richard, ou ela não chegaria na porta.

Foi uma caminhada curta, mas que pareceu uma eternidade com todos os olhares rígidos e frios. Dava até medo o pensamento de voltar… Como eles reagiriam ao anúncio!? Cathrine engoliu em seco, mas o problema era de Robert! Logo, porém, os Tudor-Habsburg chegaram na saída e entraram na carruagem, ficando em total silêncio...

— Estou surpresa com a rapidez com que esse assunto foi resolvido — Cathrine, porém, comentou assim que a carruagem deixou Buckingham House. Não houve resposta alguma. — Estou surpresa com a solução desse assunto.

Mas nada foi dito. Richard e Robert pareciam até em outro mundo. Mas Cathrine entendia, um escândalo desses não era algo a se orgulhar, a menos, claro, que você fosse uma pessoa escandalosa. Richard, principalmente, deveria estar furioso, Cathrine sentia ele se contendo para não falar ou fazer algo desagradável.

Sendo assim, ela também iria para outro mundo: o das preocupações e menstruações atrasadas. A animação ou expectativa nem vinha mais, porém a ansiedade ainda fazia-se presente.

— Meu nariz está tão feio, será que algum dia voltará a ser lindo? — questionou Robert, sempre tocando no nariz. Cathrine fitou o cunhado, que perguntou então: — O que vocês acham da minha recepção de casamento ser em Oldenburg House?

Ele... Cathrine franziu o cenho; realmente disse isso? Foi o suficiente para trazer a atenção de Richard, que encarou fixamente o irmão e... Num piscar de olhos, Richard levantou e deu um tapa na cabeça de Robert. Cathrine levou as mãos à boca em horror, enquanto Robert encarou perplexo o irmão.

— Percebe-se que não existe consciência alguma nessa sua cabeça, Robert, talvez tenha faltado uns bons tapas na sua criação — criticou Richard, com uma raiva nunca antes vista. — Você acha benéfico esse casamento!?

— E você não? — Em resposta, Richard cobriu o rosto, fazendo Robert rir irônico. — Serei genro de um dos monarcas mais influentes da Europa, Richard!

— Mas a que preço!? Em que condições!? — Cathrine fez uma careta ao escutá-lo, enquanto Robert negou. Mas bastou isso para Richard deixar a raiva e perguntar: — Não lhe incomoda o fato desse casamento acontecer unicamente porque você desonrou Sophia?

Foi um questionamento simples, dito com toda a calma, mas que trouxe na direção deles um olhar horrorizado de Robert. A ferida era maior do que aparentava. Cathrine imediatamente agarrou a mão do marido e discretamente direcionou um olhar censurador para ele.

Não seria bom brigar agora, principalmente porque Robert tinha no rosto uma expressão tão ofendida que... Parecia até ter sido acusado de violação. Eles deveriam ser compreensivos e pacientes, principalmente porque Cathrine sabia o quão insensível os membros dessa família sabiam ser...

— Um casamento dinástico teria sido melhor? — questionou Robert... num tom extremamente sério. Houve apenas silêncio, fazendo ele semicerrar os olhos. — Você estaria disposto a sacrificar minha alegria pelo "dever"? Qual monarquia seria?

— Áustria — Os olhos de Robert arregalaram com essa resposta, tanto que Cathrine fitou censuradora Richard. Porém ele continuou: — Não me incomoda um casamento com uma princesa britânica, o que me incomoda são as condições em que esse casamento está ocorrendo.

— A sombra da desonra os acompanhará para onde quer que forem, Robert — sussurrou Cathrine, percebendo a preocupação de Richard. Ela fitou o cunhado. — E se uma criança nascer em poucos meses?

— Nós não... — Mas ele não conseguiu acabar, apenas olhou estóico para baixo e... retornou a eles. — Sophia e eu nos amamos, e esse amor é forte o suficiente para nos ajudar a superar quaisquer críticas!

Mas... Amor? Cathrine e Richard se entreolharam, Robert disse que amava Sophia? Isso mudava muita coisa, não seria um casamento "fogo de palha". Mas Richard ainda assim direcionou uma expressão dura ao irmão.

— Então esteja preparado para lutar incansavelmente. — Robert apenas ergueu orgulhosamente a cabeça, fazendo Richard suspirar cansado. — Minha vontade é mandá-lo para Niedersieg como castigo por ter nos colocado nessa situação vergonhosa.

— Seria um prazer — respondeu Robert num tom desafiador. —, eu me tornaria um estadista muito melhor... muito melhor que você.

Por Deus! Cathrine, arregalando os olhos, imediatamente fitou o marido, cuja raiva tornava-se a cada minuto maior... Mas a carruagem parou e, sem perder mais tempo, Robert desceu. Poderia ser tarde demais, mas eles chegaram em St. James.

Os dois, porém, permaneceram na carruagem, apesar do lacaio estar segurando a porta da carruagem, estavam em silêncio. Não era necessário dizer que Richard estava estressado, e que, talvez, o "escândalo" tenha sido o estopim disso. Mas... Qualquer ofensa dita por Robert também era culpa deles... dele, no caso.

Esse silêncio, porém, logo acabou quando Cathrine virou-se ao marido e...

— Nem uma palavra, Cathrine — advertiu lentamente Richard, cobrindo a cabeça e gemendo. — Minha cabeça está prestes a explodir com tantos problemas! Explodir!

Sendo assim, Cathrine levantou do assento e também deixou a carruagem. Estava na hora de Richard meditar um pouco, e meditar sozinho. Haviam muitos problemas, de fato, eles iam de guerras a filhos, além de questões de governo e casamentos. Muitos problemas, o que não justificava erros... nem para Robert.

Cathrine, porém, no meio disso tudo, orgulhava-se profundamente por sempre manter a calma. Mas nada disso importava para ela, apenas uma coisa poderia ser triste... a marquesa parou e franziu o cenho; Sophia teria mais filhos que ela?

*****

Buckingham House, Londres

— Casamento!? Mas não era papai, e mamãe também, que não desejava nunca separar-se das filhas!?

O príncipe de Gales, sentado confortavelmente na sua nova cabriolet, esperou uma resposta de York e Mary, porém os dois apenas se entreolharam e retornaram ao irmão. Isso, o príncipe franziu o cenho, era algo muito estranho, toda essa história era, na verdade. Parecia até...

— Um escândalo, George, foi um escândalo! Ernest quase matou o duque de Kendal! — Escândalo!? O príncipe arregalou os olhos com a exclamação de Mary. Isso significava que... — Em situações assim só resta uma solução: o casamento.

— Ou se livrar dos infratores. Kendal sempre teve uma sede por sexo muito conhecida, mas usar uma das minhas irmãs... — Não que George nunca tenha desejado Anne... mas isso não vinha ao caso. O príncipe negou. — Estou muito surpreso.

— Não mais do que nós, tenha certeza — rebateu Frederick, com uma expressão nada satisfeita. — Seremos cunhados da criancinha irritante que vemos crescer... Um Tudor-Habsburg.

— Que não são de forma alguma inferiores a nós. — Ainda assim Frederick negou. Seria assim? George sorriu maliciosamente ao irmão. — Lembre-se que o simples sorriso de Katherine nos deixava excitados.

E mesmo sendo criados praticamente juntos, eles nunca viram ela como uma irmã, e o mesmo poderia ser dito de Elizabeth e Charlotte. Foi o bastante para calar Frederick, que virou-se de costas e entrou na casa. Nem foi necessário mencionar o que ele fez no casamento de Katherine.

Rindo desdenhoso, o príncipe de Gales desceu da cabriolet e, tomando o braço de Mary, também entrou na casa. Logo os dois encontraram York, que juntou-se a eles rumo a sala de estar. Buckingham House estava bastante silenciosa, por sinal, talvez o escândalo tenha superado a revista.

— Sua falta foi notada, sabia? — avisou Frederick, parecendo até que não dava importância. — Qual a desculpa? Talvez eu possa ajudá-lo com o rei se for... aceitável.

— Eu estava com uma amiga, se é que me entende... uma amiga antiga e muito querida. — Talvez a mais querida de todas.

— Lady Jersey? — O príncipe de Gales imediatamente direcionou um olhar irritado a Mary, que abaixou a cabeça. — Perdão.

— Espero que essa sua "amiga antiga" continue nessa posição, ou o rei ficará furioso. — E o rei faria o quê? Tiraria a mesada dele? George riu desdenhoso, fazendo Frederick negar. — Será que algum dia você tomará jeito?

— Eu nasci assim, eu cresci assim e eu sou perfeito assim — zombou George, sorrindo largamente e soltando a irmã.

A sala de estar estava logo à frente, então o príncipe apenas abriu a porta e entrou. A visão do que acontecia lá dentro, porém, era de uma confusão... que a única ação dele foi rir. Augusta, Elizabeth e Amélia estavam todas ao redor da rainha, e tinham expressões furiosas nos rostos.

— Não entendo isso, simplesmente não entendo! — Amélia exclamou batendo fortemente o pé no chão, tanto que a rainha fechou os olhos e se afastou. — Por que Sophia pode casar e nós não!? O que ela tem que nós não temos!?

— Creio que seja o contrário... ou talvez não, pode ser tudo igual — zombou Augustus, fingindo ler um livro.

— Você deseja ser expulso, Augustus!? — Era visível a impaciência da rainha, que já não era mais essas coisas. Augustus negou e ela virou-se à caçula. — Amélia, querida, Sophia não está casando porque deseja, mas porque deve.

— Porque ela se desviou do caminho, isso sim! — corrigiu Elizabeth mais desesperada que realmente irritada. — Por Deus, mamãe, nós também queremos casar e ser felizes!

— Então arranjem um homem... um príncipe, mais especificamente, e sejam desonradas por ele. — Augustus novamente tornou-se o foco dos olhares censuradores da rainha.

Sussex, porém, riu divertido e deu os ombros. Poucos deles pareciam realmente dar razão à rainha quando ela estava estressada. Mas... George novamente riu, agora com muito desdém, o que trouxe a atenção de todos na sala.

— Não que você tenha alguma propriedade para falar sobre honra, não é, Augustus. — Sussex franziu o cenho com esse comentário, o que aumentou o sorriso de George. — Como andam meus sobrinhos d'Este? E os FitzClarence, William?

— Suas piadas insolentes são desnecessárias, Georgie! Deixe seus irmãos e essas infelizes crianças em paz! — a rainha sabiamente censurou o príncipe e, aproximando-se dele, estendeu uma mão. — Espero que não tenha vindo perturbar nossas vidas.

— Vim parabenizar minha irmãzinha pela sua felicidade. — O príncipe beijou a mão da mãe e sorriu em direção a Sophia. — Não vejo a hora de entrarmos na capela real e... eu expiar seus pecados.

— Você deveria primeiro cuidar dos seus. Além do mais, eu que entrarei na capela com Sophia — William anunciou, chamando a atenção dos outros príncipes. — Sou o favorito da anjinha.

— Engana-se, William, pois o favorito sou eu. — retrucou Edward, com uma presunçosa expressão... que não durou. — Meus últimos anos foram passados em colônias e domínios britânicos!

Não era uma justificativa boa o suficiente, tanto que os outros começaram a questionar e praticamente brigar por alguma importância no casamento de Sophia. E isso tomou um rumo tão curioso que as princesas até deixaram os questionamentos, preferindo apenas "caras feias".

Observando tudo do sofá, Sophia revirou os olhos... e acabou fitando o rei. Ele estava muito calado, não falava palavra alguma há minutos, o que era muito estranho.

— O senhor ainda está irritado, papai? — Sophia perguntou num tom doce.

— Irritado? É impossível eu ficar irritado ao ver uma das minhas filhas casando com um neto de Alfred. — O rei sorriu levemente, trazendo, porém, a atenção da rainha. Ele suspirou. — É apenas cansaço... muito cansaço.

— Será que escolher os convidados da minha recepção ajudaria, mesmo que um pouco? — O rei sorriu e aproximou-se da filha, que começou a pensar. — Nossas duas famílias são grandes o suficiente para encher a capela real, mas... devemos convidar Frederica?

— Ela disse ou fez algo para nos ofender, difamar ou ridicularizar? — a rainha, aproximando-se deles, questionou duramente. Sophia negou. — Eis sua resposta.

— Mas nunca fomos muito próximas — Sophia respondeu e suspirou —, para falar a verdade Frederica não é próxima de ninguém da família real.

Tanto que, mesmo casada com Frederick, ela morava a milhas deles. Mas talvez fosse melhor assim, gatos e cachorros Sophia poderia até suportar, mas papagaios e macacos... Ela negou e acabou voltando a atenção para os irmãos discutindo. Hoje parecia ser o dia da discussão, mas pelo menos Ernest havia ido embora.

Todas essas vozes altas, porém, acabaram por trazer o desconforto do rei, cuja expressão começou a ficar visivelmente irritada. Os gritos de mais cedo não foram esquecidos e...

— Chega dessa tolice ou Sophia entrará na capela com o duque de Gloucester! — a rainha gritou, fazendo os príncipes imediatamente se calarem. Ela suspirou e, negando, sentou. — Oh, Deus, nunca pensei que diria uma coisa dessas. Sempre soube que Elizabeth e eu compartilharíamos netos... mas não tão cedo.

— Será que o sangue Byron ainda está muito forte? — Todos franziram o cenho para o príncipe de Gales, que sorriu com desdém. Do que ele falava? — O que não fazemos para evitar o desastre, não é?

Mas o que George quis dizer com "sangue Byron"? Muitos membros dessa família era escandalosos e quase loucos, de fato, e Robert era bisneto de uma Byron, realmente, mas... Sophia voltou-se horrorizada aos pais. O rei e a rainha bufaram.

— Não se esqueça de convidar Caroline, Sophia, e coloque os Gales juntos. — o rei falou, trazendo instantaneamente um olhar irritado do filho mais velho. Mas o soberano sorriu e levantou. — Vou para o escritório. Avise-me quando o arcebispo chegar, Charlotte.

Dito isso, o rei deixou a sala. Bem, agora o casamento era praticamente um fato consumado. Mais um problema para o rei lidar; Sophia suspirou e fechou os olhos. Nisso, a rainha virou-se aos duques reais.

— Está na hora de todos vocês voltarem para suas casas, temos coisas importantes a tratar aqui. — Eles, porém, permaneceram onde estavam, então a rainha virou-se às filhas. — O quão caro estará a renda de Bruxelas, hein?

— Boa sorte, Sophia, você vai precisar ao lidar com mamãe — o príncipe de Gales falou ao fazer uma mesura e deixar a sala, mas não sem antes acrescentar: — Ah, e avise a Kendal que banquetes devem ser fartos, não apenas belos.

E ele saiu, o que os outros duques logo fizeram também. Mas que coisa, Sophia quase sentia medo agora, mas o casamento aconteceria... o que era perfeito. Logo haveria Robert e Sophia... o duque e a duquesa de Kendal.

*****

02|11|1803 Palácio de St. James, Londres

O quão oportuno 02 de novembro seria para um casamento? O quão agradável seria um casamento acontecer num dia nublado? O quão feliz seria um casamento acontecer em meio a ameaças de invasão....? A resposta era simples e dupla: a falta de sol nunca foi um problema para os britânicos e... era necessário algo para distraí-los.

Não haviam multidões cercando o Palácio de St. James, a capela real ficava no interior do palácio, mas uma quantidade significativa de londrinos se reuniu em frente ao palácio. Casamentos reais, verdadeiramente reais, estavam cada vez mais raros. E a perspectiva do casamento de uma princesa, principalmente da doce princesa Sophia, era o suficiente para alegrar qualquer britânico.

O God Save the King começou a ser cantado pelo coro da capela, fazendo todos os sentados levantarem e se curvarem ao rei e à rainha, que entraram junto das princesas solteiras. O lugar deles era o mais prestigiado: bem em frente ao noivo, que fez uma mesura.

Havia uma carência de assentos na capela real, fazendo com que todos da realeza, a não ser o rei e a rainha, assistissem o casamento em pé. Apesar de ser algo privado, os cavalheiros ainda usavam uniformes militares ou o uniforme Windsor, enquanto as damas usavam o completo traje de corte.

Não tardou muito e o coro começou a cantar o This is the day, sinalizando que... de braços dados com o duque de Clarence, Sophia entrou na capela. Vestida de branco prateado e usando um curto véu de renda de Bruxelas enfeitado com um toucado de plumas, Sophia cruzou a capela e foi entregue ao noivo.

Num momento curto e breve, assim que pegaram as mãos um do outro, Robert e Sophia se encararam fixamente e, sorrindo discretamente, voltaram-se em direção ao bispo Porteus, que iniciou o serviço do casamento. Já a condução do casamento e sermão ficariam a cargo de John Moore, o arcebispo.

— Eu, Sophia Matilda, aceito George William Robert Charles como meu marido... — Logo após Robert, foi a vez de Sophia fazer os votos. — ... na doença e na saúde, para amar, cuidar e obedecer, até que a morte nos separe; e por isso eu te dou a minha confiança.

O arcebispo voltou a falar sobre a santidade da organização do casamento e sinalizou para a aliança ser trazida.

— Com este anel eu me caso, com o meu corpo eu te adoro, e todos os meus bens terrenos eu te dou — Robert proferiu ao colocar a aliança no dedo anelar de Sophia. — Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Estava definitivamente consumado... Robert sorriu para Sophia e os dois se ajoelharam em frente ao altar. O arcebispo consagrou essa sagrada união e começou o habitual sermão de casamento. Durante todo o discurso, os recém-casados sorriam um para o outro, apesar de toda a realeza encará-los com tédio, descaso e, tal como o rei, emoção.

A cerimônia estendeu-se até depois do meio-dia, quando os recém-casados e as testemunhas assinaram o registro de casamento e saíram em procissão pela capela, enquanto o coro cantava Sing Unto God. Logo toda a realeza, indo para suas carruagens, apareceu ao povo, que aclamou a família real e a princesa Sophia.

Entre sorrisos, aplausos, acenos e até mesmo confete, toda a realeza subiu em suas carruagens. Logo uma grande fila de berlindas cruzava o Pall Mall rumo a Whitehall, a ostentosa Oldenburg House.

*****

St. James não era assim tão distante de Whitehall, para falar a verdade a única coisa que separava os dois lugares era o St. James Park e suas avenidas. Sendo assim, não tardou para a carruagem de Richard e Cathrine chegar em Whitehall, onde começou a diminuir a velocidade.

— Curioso, acho que nunca estive tão perto do palácio e da abadia de Westminster — comentou Cathrine, afastando-se da janela e, abrindo o leque, fitando o distraído Richard. — Você nunca quis me trazer para a abertura do parlamento.

— Porque não vale a pena, existe um motivo para eu não gostar de política. — E qual seria esse motivo? Cathrine encarou questionadora o marido, que suspirou. — Todas essas discussões, intrigas e prorrogações são cansativas demais

— Mas não é tudo isso que torna o governo eficiente? — O contrário não seria tirania? Richard sorriu de lado com a pergunta dela.

— Sendo assim, vou mudar a minha resposta: eu odeio burocracia — Richard falou com um grande sorriso, antes de arrogantemente acrescentar: — Sou um príncipe alemão, não existem limites para mim.

O largo sorriso de Cathrine tornou-se gradativamente uma risadinha, que logo virou uma alta gargalhada. Sem limites? Parecia realmente uma tirania. Richard também juntou-se à esposa nessa risada, até que ela respirou fundo e negou para ele.

— Robert deixaria de falar com você se escutasse isso — comentou Cathrine ainda rindo, porém... ela parou assim que percebeu a alegria de Richard diminuir. — Algum problema?

— Na minha cabeça eu estava sorrindo mais, sabia? — zombou debilmente Richard, fazendo Cathrine franzir o cenho. Ele suspirou e negou. — Foi apenas um pensamento que tive durante o casamento, uma confissão, na verdade. Não fui um irmão tão bom assim com Robert.

— Você fala daquele dia? — perguntou Cathrine quase hesitante. — Não acho que...

— Falo de tudo; sinto que falhei com todos eles! — Imediatamente Cathrine negou, porém Richard virou o rosto e falou: — Sei que não posso controlar o que acontece na vida, e sei também que primeiro vem o dever, mas depois do que aconteceu com Anne e Mary... Minha única missão era fazê-los felizes, e eu falhei!

Anne foi deixada pelo marido; Mary ganhou como marido um monstro, enquanto Robert... Nada Cathrine conseguiu dizer para consolá-lo, pois qualquer negação seria uma mentira. Richard percebeu isso, tanto que voltou a suspirar. A carruagem deles cruzou então o portão da Oldenburg House e parou numa fila de carruagens.

Logo a marquesa seria apresentada a famosa e quase mítica propriedade do duque de Kendal. Bastava esperar o lacaio abrir a porta... Não, Cathrine não deixaria isso acabar assim; ela virou-se ao marido.

— Mas Robert está feliz, você não viu o sorriso dele durante o casamento? — ela lembrou, embora não causando reação alguma. — Certos desejos são impossíveis de alcançar completamente, Richard; cabe a nós apenas aceitar e seguir em frente.

— Principalmente quando esses desejos não estão em nosso controle. — O marquês fechou os olhos e suspirou... logo em seguida ele sorriu. — A tempos não via Robert sorrindo tanto... Isso me alegra.

— Ele também ficará feliz ao saber, tenha certeza. — O sorriso de Richard aumentou, embora não chegasse aos olhos. Não tardou muito para o lacaio abrir a porta, fazendo um barulho tornar-se audível. — Escuto aplausos, será que são para nós?

Agora foi a vez de Richard rir. Os dois desceram, então, da carruagem e passaram do pórtico à entrada... Cathrine quase arregalou os olhos assim que pisou no hall. O grande lustre de cristal irradiando no piso de mármore, as pinturas, vasos e bustos greco-romanos pelo local... até mesmo o estuque nas paredes...

Seria mentira Cathrine afirmar que nunca viu nada tão belo, ela cresceu em palácios barrocos e castelos neoclássicos. Mas Oldenburg House... Cathrine nunca tinha pisado em nada igual na Inglaterra, não em sentido arquitetônico, mas sim... parecia que ela estava em casa.

— Impressionada? — perguntou Richard sorrindo. Cathrine só conseguiu assentir, fazendo ele também admirar o hall. — Lembro de observar papai planejando e sempre dizendo aos arquitetos: "quero dignificar a grandeza dos Oldenburg".

— E ele conseguiu. O simples nome Oldenburg já me faz sentir em casa. — Lembrava tanto Amalienborg. Cathrine pegou a mão do marido e adentrou mais no hall. — É tão belo, ostentoso e... Não é justo a senhora desse lugar ser Sophia, sendo eu uma Oldenburg!

— Na verdade, é mais que justo. — Cathrine imediatamente franziu o cenho na direção de Richard, que riu divertido. — Papai construiu Oldenburg House com o dinheiro dele, para deixar de herança aos futuros duques de Kendal.

Em outras palavras, o príncipe Wilhelm da Dinamarca construiu Oldenburg House para Robert e sua prole. De fato, não havia nada mais justo. Cathrine sorriu e aproximou-se de uma estátua, era tão... a atenção dela, porém, acabou voltando-se em direção a porta, onde Robert e Sophia ainda tentavam entrar; o povo realmente estava animado.

Era quase invejável todo esse amor demonstrado pelos londrinos. No casamento de Richard e Cathrine não houve tudo isso, mesmo sendo um evento mais grandioso, mas ela era uma princesa estrangeira, enquanto Richard um governante alemão. O preconceito britânico sempre seria mais forte.

— Devo aproveitar, Richard, afinal não é para mim, mas para ela! — exclamou animadamente Robert, sem preocupação alguma em chamar atenção.

O marquês e a marquesa sorriram, principalmente quando os recém-casados foram cumprimentar e serem parabenizados. Cathrine continuou a observá-los, até que sua atenção voltou-se ao príncipe de Gales e ao duque de York, encarando atentamente um busto.

— Por que você não coloca na boca? Todos sabemos que esse é o seu desejo — zombou o príncipe de Gales, trazendo um ofendido olhar do irmão.

Mas do que eles falavam? Cathrine franziu o cenho e... entendeu; os seios. Ela fitou Richard em busca de uma resposta, porém ele apenas deu os ombros.

— Certos boatos dizem que todas essas esculturas são de mamãe e papai — Richard, porém, confessou baixinho, fazendo Cathrine arregalar os olhos. Mas algumas esculturas estavam... — Eles estão certos, mas só em relação aos rostos.

— Papai teve quatro filhos belos e saudáveis, então a obrigação dele era ser espetacular — acrescentou Robert, aproximando-se deles com Sophia, que franziu o cenho para ele. O duque negou sorrindo. — Amo profundamente você, Sophia, mas não vou deixar de ser "sujo".

— Sendo, na minha frente, em lugares privados, não dou importância alguma. — Sophia negou e virou-se em direção à entrada. — Os Gloucester chegaram, vamos falar com eles.

Antes mesmo de uma resposta, ou qualquer parabéns do marquês e da marquesa, Sophia levou Robert para cumprimentar os tios e primos. Ela fazia isso parecer tão natural, nunca parando ou deixando de parecer régia, mas Sophia não era tímida, Cathrine não poderia compará-las com igualdade.

Abanando-se com o leque, Cathrine continuou observando a nova cunhado. Parte dela queria fazer comparações, encontrar erros... mas a personalidade dela não deixava. Cathrine negou e virou-se a Richard, franzindo o cenho para ela.

— Algo de errado?

— É que você está se abanando muito. — Mesmo? Cathrine olhou para o leque e, retornando ao marido, deu os ombros. Richard acrescentou: — Geralmente o seu leque é apenas um enfeite estoico.

— Eu nunca soube usá-lo com toda a graça e beleza das suas irmãs — respondeu Cathrine com um certo desgosto. Ela nasceu para ser uma esposa, não um diamante. — Está fazendo calor hoje, não acha?

— O clima está normal. — Richard franziu o cenho, mas não voltou a tocar nesse assunto. Embora...

Deveria ser dito, não? Apesar de Lady Carlisle avisar das possíveis frustrações. Cathrine suspirou e abriu a boca... Porém o café da manhã foi anunciado. Com os noivos, junto do rei e da rainha, liderando o caminho, todos saíram em fila para a sala de jantar.

O marquês e a marquesa vinham logo atrás do solitário príncipe de Gales, Caroline havia negado o convite. Mas... Cathrine virou-se ao marido.

— Recentemente comecei a suspeitar de algo muito... feliz, Richard. — começou Cathrine, num tom baixo e hesitante. Ele virou-se curioso na direção dela. — Não quero criar falsas expectativas, mas... acho que estou grávida.

Pelos menos era o que Lady Carlisle e Lady Spencer, com seus dez e nove filhos, respectivamente, afirmaram. Cathrine esperou uma reação de Richard, até que ele sorriu levemente e apertou a mão dela.

— O que acha de passarmos a próxima temporada no Castelo de Ocenia? — A única ação dela foi piscar sem entender, enquanto o sorriso de Richard aumentou e ele voltou-se para frente. — Banhos no mar nunca são demais, principalmente durante a gestação.

Um sorriso surgiu nos lábios de Cathrine e ela também retornou para frente. Nenhuma gravidez dela estava garantida, mas ela tinha um grande apoio. Logo eles chegaram na sala de jantar e ocuparam seus respectivos lugares, o café da manhã foi servido.

Robert e Sophia eram o foco de tudo e todos, porém Cathrine tinha na cabeça apenas um possível novo filho... ela não saberia o que faria caso desse errado de novo...


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Notas finais do capítulo

* Começo essa parte dizendo uma coisa: foi terrivelmente difícil escolher essas míseras três músicas para o casamento de Robert e Sophia. Eu me inspirei, em parte, no casamento de William e Kate, o que foi um pouco confuso. As duas últimas músicas foram criadas por Handel e apresentadas nos casamentos de Anne, a princesa real e, alguns anos depois, o casamento de Frederick, o príncipe de Gales. O mais difícil não foi nem escolher, mas sim encontrar e selecionar apresentações base. Vou deixar o link no Spotify para você escutarem:https://open.spotify.com/playlist/0UbVS1w0YkAmAINRxnOENl?si=7C3RWZlvTEOayRQYl5z0Fg&pi=u-9C0jZI_PTKO7

* Outra coisa, eu não sei se vocês perceberam, mas Sophia era a irmã favorita dos príncipes William e Edward, sendo Edward que a chamava de "anjinha". Gostei muito dessa informação quando descobri, mas eu prefiro William a Edward, então ele que entrou com Sophia. Uma prova desse "favoritismo" foi que William colocou em sua primeira filha, ilegítima, o nome de Sophia, sendo ela a filha favorita dele. Quem diz que os pais não têm filho favorito... é mentira!

* Não sei de vocês sabem, mas muitas das tradicionais das noivas que temos hoje começaram na Era Vitoriana, então o casamento no início do século XIX não era nada igual ao que temos hoje. Algumas informações: apenas a noiva usava aliança; elas nem sempre casavam com branco, sendo que as mulheres ricas preferiam casar com branco prata e, geralmente, os casamentos aconteciam pela manhã, então havia um café da manhã como festa. Eu mencionei Sophia usando um pequeno véu, mas isso fazia parte do vestido de corte britânico. Eu poderia dizer que ela usava lapelas, mas ficaria estranho, então ficou o véu.

* "Era Uma Vez... Uma Ilusão" também está no Pinterest:https://pin.it/2vvGdBgIN



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