Destinos Improváveis escrita por Nara


Capítulo 88
Futuro - Duas portas




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Severo gostava de fermentar, não à toa se tornará o melhor e mais experiente mestre de poções de toda a Europa em tão curto espaço de tempo, fermentar era para ele talvez como a música podia ser para Shara um reduto, enquanto fermentava ele se sentia verdadeiramente realizado, era ali o lugar onde ele ia quando queria se esconder, era com aquilo que ele gastava seu tempo e era ali também onde ele conseguia de fato relaxar e aquele pequeno laboratório em seus aposentos privativos já havia sido muito melhor aproveitado em seu passado, mas com toda a loucura e euforia que havia se transformado a sua vida pessoal naqueles últimos meses ele o tinha ocupado muito menos do que de fato gostaria, não à toa… e a razão dessa mudança tão drástica em sua vida acabava de cruzar a porta e se sentar, apoiando os braços sobre a bancada demonstrando tédio.

—Deveria estar se preparando para dormir - ele disse sem tirar os olhos do caldeirão.

—Ainda não estou com sono - ela disse - se importa se eu ficar um pouco aqui - ela pediu.

—A arte do preparo de poções exige concentração e ter uma garotinha estúpida tagarelando no meu ouvido, enquanto fermento, certamente não será muito promissor - ele informou, e aquilo não era uma mentira.

—Eu posso ficar quieta, você sabe – ela tentou - ou melhor me deixe ajudar… esse negócio de mentoria, finja que é uma daquelas sessões que devemos fazer - ela ofereceu - eu posso buscar os ingredientes, os cortar ou algo do tipo.

—Esta tarde - ele enfatizou – me diga, por que quer tanto ajudar? - ele arqueou a sobrancelha, a ouvindo bufar.

—Está sempre desconfiando das pessoas - ela o acusou, cruzando os braços, era uma cena engraçada, ela costumava agir assim quando algo a incomodava.

—As pessoas não são dignas de confiança - ele sorriu com ironia, sim… era exatamente assim que ele pensava - e você Srta. já provou não uma, mas algumas vezes... não merecer confiança alguma - ele a encarou a fazendo se lembrar das poções de sono sem sonho que ela havia decidido não tomar, desobedecendo assim suas recomendações sobre aquilo e de como ela estava planejando sair da escola e ir até o lugar informado no endereço sem certamente o comunicar, agindo mais uma vez por conta própria coisa que ela sabia... ele repudiava - diga por que veio - ele foi incisivo.

—Quero companhia apenas - ela respondeu – estou entediada, ou será que além de me trancar aqui, vai me forçar a ficar totalmente isolada e me obrigar a não dizer mais nenhuma palavra? - ela era boa em dramatizar – e o que poderia acontecer de errado em me deixar ajudá-lo? sendo que estou exatamente aqui, bem embaixo do seu nariz, onde pode me observar o tempo todo – ela devolveu, dando de ombros.

—Modos – ele a repreendeu, agora de fato a observando, mas se dando por vencido - não sou uma boa companhia, e falar enquanto fermento me deixa mais mal humorado do que de costume, então você irá trabalhar... de boca fechada – ele disse sério, ela assentiu - agora vá até minha dispensa e traga alguns sapos, estou precisando para os estoques da escola, vai dissecá-los, se é que quer tanto fazer algo que a tire desse tédio - ele a encarou a provocando, mas ela se levantou não vendo problema nenhum naquela tarefa, normalmente não era essa o tipo de atividade que os alunos gostariam de receber... – na última prateleira Shara – ele disse, já que ela estava levando tempo demais para encontrar aquilo e então ela voltou com dois potes de sapos, boiando naquele líquido pegajoso e os depositando sobre a bancada, ele não esperava que ela fizesse tudo aquilo nessa noite, mas resolveu não opinar sobre o exagero, não ainda – comece removendo as pernas e as separe em um recipiente de vidro específico, use luvas – ela começou a trabalhar, fazendo aquilo que ele havia pedido.

—A quanto tempo esses sapos estão conservados? – ela perguntou depois de um certo tempo.

—Algumas semanas – ele respondeu vagamente, notando que ela havia acabado o primeiro vidro – antes que comece o vidro seguinte, sugiro finalizar o que temos… ainda tem bastante trabalho a fazer, com esses daí – ele disse notando que ela estava prestes a abrir o segundo recipiente, mas obedeceu esperando uma nova recomendação – agora irá remover a cabeça, o corte deve ser quase cirúrgico, vamos reutilizar as vísceras – ela assentiu, manipulando o primeiro sapo, ou aquilo que havia restado dele ali.

—Tem sangue – ela disse largando a faca que fez um ruído estridente ao cair sobre a bancada de pedra.

—De fato, em alguns animais pode levar meses até que o sangue possa secar completamente – ele informou, começando a se aborrecer com tantas interrupções.

—E se ele estivesse vivo... – Severo bufou, obviamente que aquele falatório o incomodava, ele havia deixado claro que ela deveria trabalhar em silêncio, mas seria tolice acreditar que algo assim seria mesmo possível, não com aquela garotinha estupida. 

—Se ele estivesse vivo Epson, como é obvio que não está – ele a chamou pelo sobrenome, um sinal claro do quão irritado aquilo o estava deixando – o sapo estaria se esperneando agora em completa agonia, dado ao tamanho da dor que estaria sentindo, ele iria grunhir e grunhir alto e acredite não seria uma cena interessante de se assistir, afinal você o estaria decapitando quando ele ainda estivesse em estado de consciência – ele disse hostil, na esperança de que aquilo a cala-se, mas ao encará-la, não era bem aquela reação que ele esperava encontrar ali... haviam lágrimas em seus olhos, ela olhava a bancada atônica a sua frente, mas que Merlin? Ela estava se sensibilizando com a porcaria de um maldito sapo que estava morto a semanas.

—Foi assim... que eu o encontrei... Flocos, a cabeça dele, ela estava... solta… – ela disse trêmula, não conseguindo continuar e aquelas palavras o acertaram em cheio, ela se referia ao gato... e ele havia acabado de descrever para ela de forma completamente fria e brutal, aquilo que o seu gato possivelmente havia sentindo antes de morrer, e pensar naquilo o fez se sentir a pior pessoa possível na face da terra, não que ele fosse de fato bom... mas nem matar trouxas em todas as suas missões violentas como comensal tiveram um impacto tão forte e repentino nele como aquilo, e sem pensar duas vezes ele baniu os sapos, todos eles… de cima da bancada... ele não se importava se teria que conseguir mais... Shara havia se encostado na parede colocando as duas mãos no rosto e começando a chorar – me desculpe... eu não queria estragar tudo dessa forma – ela disse e ele foi até ela, ele não era bom nisso... ele não sabia pedir desculpas dessa maneira, ele não sabia o que fazer com ela naquele estado… não quando havia sido ele o responsável por aquilo.

—Chega de poções por hoje – ele a puxou para si a levando para fora do laboratório – sinto pelo ocorrido, não deveria pensar no seu gato dessa maneira – ele disse, claro... se ele não tivesse sido tão ignorante com ela ali, ela certamente não o faria... era culpa dele mas aquilo nem de longe se parecia com um pedido de desculpas decente ou até mesmo algo do tipo, mas era o caminho que ele se sentia menos desconfortável em trilhar.

—Como... como ele... conseguiu ser tão frio a ponto de matá-lo dessa maneira? – Ela perguntou - Flocos deve ter sofrido, ele deve… - ela parou, Severo mesmo já havia feito coisas infindavelmente piores do que simplesmente matar um gato, então optou em não responder aquela pergunta. 

—Beba – ele disse ao estender duas poções para ela – poção calmante e a poção de sono sem sonhos - ele explicou - quero que se acalme antes de se deitar e não me olhe assim, nem insista mais… está tarde, isso foi um erro e já deveria estar na cama – ele orientou – amanhã será um novo dia – ela o encarou de forma vazia e sem discutir ela às bebeu, as perguntas haviam cessado e ele a observou se afastar e entrar em seu quarto...  eram 22 horas, ela dormiria nos próximos minutos com o auxílio das duas poções trabalhando juntas, ele olhou para a porta do seu laboratório e pela primeira vez não desejou estar ali, suspirando ele baniu a poção que havia começado a preparar e decidiu acreditar naquilo que ele mesmo havia dito para ela... de que amanhã seria um novo dia, decidindo ali que o melhor a se fazer, inclusive no caso dele... era de fato se deitar... ao adentrar no seu quarto, com a porta fechada e lançando um feitiço de privacidade sobre o lugar, ele jogou no chão com fúria, tudo aquilo que havia em cima de uma bancada de apoio, apoiando assim as duas mãos ali, naquele móvel frio e encarando sua imagem refletida naquele espelho... “Maeva... – ele sussurrou com ódio de si próprio – não sei fazer isso, estou tentando protegê-la como me pediu... de tudo e de todos, mas não posso... não consigo protegê-la de mim mesmo” – ele disse socando a imagem que via ali e vendo seu sangue escorrer em sua mão... e como julgar Shara quando ela se feria desse jeito, sendo ela apenas uma resposta de quem ele mesmo era de verdade... eles eram iguais nesse sentido, eles buscavam algum alívio na dor, agora ele podia ver isso claramente... ele fez um curativo simples, decidindo não curar aquilo e preferindo se deitar daquela maneira e apesar de toda a confusão que sentia, ele estava tão cansado, que sequer demorou a adormecer.

“_Severo... - ele ouviu alguém o chamar, ele estava sonhando? sim… e estar ciente de que aquilo era um sonho, estando dentro dele era mais estranho ainda e aquele lugar, ele se parecia com uma estação de trem... na verdade reparando bem, era mesmo uma estação de trem, porém exageradamente iluminada e completamente deserta – Severo... – ele ouviu mais uma vez... ele conhecia aquela voz... ele se virou instantaneamente na direção de onde ele achava que ela poderia vir, faziam anos que ele não a ouvia lhe chamar assim... não podia ser possível... Bom se aquilo era um sonho… então sim qualquer coisa podia ser possível.

—Maeva – ele sussurrou incrédulo ao vê-la se aproximar… Maeva se parecia exatamente como sua última lembrança dela aqui, as roupas e tudo mais… e aquele sonho parecia incrivelmente real, era muito diferente de tudo que ele já havia experimentado nesse sentido… e por um breve e curto espaço de tempo ele sentiu vontade de correr até ela, e segurá-la com força contra si... mas não era real, ele sabia.

—Tenho pouco tempo – ela disse aflita, e isso o desconcertou... ela era o que, um fantasma? ... Um espirito? – Severo, ouça - ela pediu com certa urgência – precisa usar a mente da nossa filha... precisa saber, saber a verdade sobre Elza – Maeva parecia apreensiva – faça... você é o único que poderá fazer… tudo que precisa, está ali… Shara o guiará...

—Do que está falando… Que verdade? – ele pediu a interrompendo, aquilo não fazia sentido - eu sei sobre Elza, sei o bastante sobre... 

—Não... escute, precisa me escutar... falta, falta algo Severo – ela o encarou séria – algo importante – ela se aproximou ainda mais dele.. – Elza pode ser poderosa Severo, mas você… você pode ser mais, se usar as artimanhas certas… escute bem, eu não me refiro a duelos e feitiços de ataque… ela se tornou boa nisso, ela teve tempo, ela se aprimorou, ela estudou você... Alvo e todos os outros que ela achou que poderiam protege-la... nossa filha, mas existe um lugar onde Elza é extremamente vulnerável… você sabe... 

—A mente - ele havia entendido aquilo, Maeva assentiu satisfeita.

—A propósito, você vem fazendo um bom trabalho, me refiro sobre protege-la, não se cobre tanto... não existe necessidade de protege-la de si mesmo Severo – ela disse o pegando de surpresa com aquela revelação, mas que Merlin era aquele sonho? por que ela havia dito aquilo? Como? – Shara é uma criança... todos nós erramos, apenas... peça desculpas Severo, até os melhores pais erram…– Maeva disse, sorrindo para ele e encarando com preocupação a sua mão ferida, ele a observou enquanto ela estendia a própria mão naquela direção, Severo viu algo como uma magia azul sendo liberado daquele movimento, era algo muito parecido com aquilo que ele já havia visto Antony fazer... e então ela o havia curado, sim curado... o seu ferimento, o que? Isso era impossível... esse sonho... ele voltou sua atenção para ela, ele tinha muitas perguntas… mas Maeva havia sumido, assim como a estação e todo o resto"

Ele acordou assustado, que maldição de sonho era aquele... ele nunca havia vivenciado uma experiência assim, ele passou as duas mãos no rosto, estava suando, ele precisava recuperar a razão, Maeva, como?... ele certamente estava muito preocupado com o que havia acontecido com ele e Shara antes de dormir que acabou levando suas questões pessoais para dentro daquele sonho maldito, era isso... apenas isso, ele olhou de relance para o curativo que havia feito em sua mão e o removeu devagar... mas quase parando de respirar ao perceber que o ferimento, ele havia simplesmente sumido, ele saltou da cama, isso era loucura, isso era impossível... ele era cético o bastante e agora ele começava a achar que estava mesmo enlouquecendo, ele olhou para o espelho ainda quebrado, para a faixa com sangue, que havia caído sobre a cama... aquilo era um aviso claro do quão real havia sido o que ele sequer poderia nomear, mas que acabará de acontecer ali...

—Maeva – ele sussurrou, ele nunca havia lido sobre sonhos desse tipo, aliás ele pouco se interessava por esse tipo de assunto, mas aquilo havia sido real... era um aviso do além, ou sabe-se lá o que mais seria... francamente ele já não duvidava de mais nada, então ele se lembrou da urgência dela, do que ela queria que ele fizesse e em especial da forma como ela havia dito “nossa filha” Maeva sabia o que estava acontecendo naquele plano? Certamente... afinal ela havia repetido aquilo que ele havia dito sobre não conseguir proteger Shara de si mesmo... e convenhamos, pedir desculpas não era a coisa mais simples a se fazer, não para ele... agora usar a mente de Shara, ele estava relutante com aquilo, havia sido uma sugestão de Alvo também... e ele tinha seus pés no chão com qualquer sugestão que viesse daquele velho senil... mas agora Maeva havia pedido aquilo, a mente por mais que ele dominasse aquela técnica, era algo complexo, qualquer deslize poderia ser irreparável, e ele não queria... não... queria expô-la assim... embora Maeva tivesse razão, ele era o único que poderia faze-lo...  e do que exatamente Maeva estava falando? O que ainda faltava descobrir naquele quebra cabeça sem fim? Ele olhou para o relógio, eram 3 horas da manhã... ele suspirou, familiarizado até demais com aquele horário em especifico, então ele saiu do quarto, a porta do quarto de Shara estava semi aberta e ele entrou, lançando um lumos de baixa intensidade, ela estava dormindo... sobre a cama haviam um livro, ele o afastou... talvez ela tenha tentado ler antes de dormir e fracassou obviamente o livro falava sobre controle da mente, ele estreitou uma sobrancelha, por que ela estava lendo sobre aquilo? Ele o removeu e o apoiou na bancada, aquilo seria algo que ele perguntaria amanhã... se preparando para sair.

—Pai – ela sussurrou, aquela palavra... o fazendo congelar onde estava - fique – ele a ouviu pedir, ela estava acordada, ou talvez ele a tivesse acordado? Ele não sabia...

—Shara... não deveria estar acordada – ele disse com o tom de voz baixo, ela se moveu, se sentando.

—Fique... por favor – ela pediu mais uma vez, ele se aproximou e se sentou na cama a encarando.

—Shara – ele disse o nome dela mais uma vez – eu lhe devo desculpas, pelo que disse... e pelo que aconteceu mais cedo – ele havia dito, sim... ele havia pedido desculpas e sim por que agora ele recebia conselhos de um espirito e os acatava, francamente aquele não podia ser ele não é mesmo? ele estava completamente fora do figurino, malditas madrugadas e maldito espírito de Maeva.

—Está tudo bem... O senhor não sabia, agora... por favor... fique – ela disse de forma insistente – a cama é tão espaçosa... – ela a encarava, ele suspirou, que mal havia por fim das contas.

—Não se acostume – ele quis soar sério, mas estava ciente de que não havia saído conforme o desejado, ele apagou a luz em sua varinha e se deitou ao lado de sua filha na cama, Alvo havia caprichado no conforto proporcionado por ela, por Merlin... aquilo era como deitar em uma nuvem, ele a sentiu se aproximar, apoiando a cabeça em seu peito... e ele se viu pensando em quanto ele havia perdido daquilo.

—Me desculpe pelos sapos também – ela disse bocejando, ele sentiu vontade de rir daquilo.

—Me deu uma boa opção para minhas próximas detenções, estava ficando sem ideias horrendas para aplicar ali – ele sorriu, pensar na hipótese de colocar os alunos para caçar sapos, parecia detestavelmente divertido para ele.

—Me esforçarei para não pegar nenhuma detenção – ela sussurrou

—Para a filha do diretor dessa casa, esse é o mínimo que se espera do seu comportamento – ele disse mais uma vez tentando soar sério com aquilo – além de outras coisas é claro... – ele complementou.

—Outras coisas? – ela perguntou bocejando novamente.

—Muitas outras coisas... falo de regras algo que desconhece – ele a provocou - mas essas são minhas regras pessoais – ele enfatizou, também bocejando, aquilo era mesmo contagioso... esse negócio de bocejar. 

—Diga uma – ela pediu.

—Sem garotos – ele disse de forma espontânea, as madrugadas o transformavam em outra pessoa, não havia dúvidas sobre isso, Shara riu daquilo.

—Até quantos anos? – ela pediu, ele não havia pensado sobre isso... Não em uma idade, e com dificuldade de fazer uma conta mental decente ele respondeu a primeira idade que veio a sua mente e que lhe soava plausível de administrar. 

—Até os 30 anos – ele informou.

—30 anos? – ela parecia indignada – 30 anos é muito tempo...

—Se reclamar, aumentarei mais 10 anos – ele respondeu sentindo as pálpebras de seus olhos fecharem ela também não respondeu mais... eles haviam adormecido.

—__

Shara acordou horas depois, ela havia dormido incrivelmente bem naquela noite... talvez fosse pelo quarto novo, talvez pela cama maravilhosa, ou talvez ainda pelas poções ingeridas em conjunto... mas ela achava que era mesmo pela presença dele naquela madrugada, era estranho ter alguém velando o seu sono, mas ela podia senti-lo mesmo dormindo e ele a fazia se sentir segura, mesmo quando ela achava não ter possibilidades para isso... e espera... ele havia mesmo pedido desculpas? Sim ele havia feito... ela se sentou, estando sozinha e procurou o relógio, se assustando com o horário, eram 9 horas da manhã, nada mal para um sábado ela pensou, suspirando ao se dar conta de toda a realidade que enfrentaria ali, ela ainda tinha muito o que fazer e organizar, mas ela havia conseguido pegar sem que ele percebesse as poções que queria para colocar o seu plano em prática, estavam lá na dispensa dele, conforme ela imaginou, foi difícil... ela levou mais tempo do que achou que levaria e ela quase pensou que não iria encontrar... mas apesar de toda a adrenalina que o momento lhe havia proporcionado, aquilo havia dado certo, era um passo... ela as guardou em sua bolsa particular, um lugar que dificilmente ele iria bisbilhotar... ela detestava pensar que estava mentindo para ele mais uma vez, mas ela faria de tudo para não deixa-lo ir até Elza daquela maneira... de tudo para não perde-lo, ela não estava preparada para mais uma despedida, ela se levantou, caminhando em direção a cozinha, sendo atraída pelo cheiro agradável de café que fluía dali.

—Bom dia – ela disse, notando que ele estava segurando uma xicara de café enquanto encarava o vazio a sua frente e pela expressão vaga ali, ele já parecia estar fazendo isso algum tempo, alguns segundos depois o professor Snape voltou sua atenção para ela, e ela sentiu um lampejo de algo diferente brilhar naquele olhar.

—Tem algo que precisamos discutir – ele informou, sim... e aquilo havia sido dito sem que houvesse sequer algum bom dia da parte dele em um simples mas educada troca de cumprimentos e isso confirmava ainda mais para ela que algo novo estava acontecendo ali, ela assentiu, na dúvida se deveria ou não questionar algo sobre aquilo... – havia um livro em sua cama, um livro um tanto quanto avançado para a sua idade... – ele informou, sim ela havia pego o livro na biblioteca, ela queria aprimorar seus conhecimentos naquilo que eles estavam abordando nas sessões de mentoria, ele não iria criar caso por causa de um livro, iria?

—Não é um livro da sessão restrita – ela se defendeu quase que de imediato.

—Eu sei muito bem quais são os livros da sessão restrita - ele devolveu - e não foi o que disse – ele disse ao encara-la, aquilo era uma espécie de mal humor matutino... ela silenciou, ele era imprevisível – por que está lendo um livro tão avançado sobre esse tema? Nossas mentorias não tem sido o suficiente? – ele perguntou e ela sentiu uma certa acidez naquele comentário.

—Apenas... para aprimorar as técnicas daquilo que venho aprendendo com o senhor – ela respondeu e dessa vez era a mais pura verdade – mas... se isso incomoda tanto assim… eu não me importo em devolver, eu só achei que...

—Não quero que teste algo sem estar na minha presença – ele foi enfático – achei que havia sido claro sobre isso, qualquer dano na mente... e você poderá ficar presa… ou algo pior  – ele a encarou, e ela preferiu acreditar que aquilo era algum tipo de preocupação exagerada, assim como 30 anos para garotos em sua vida também o eram.

—Eu não testei... eu... – ela o olhou, sim ela havia testado uma vez, e havia dado certo, ela suspirou – testei uma única vez... – ela admitiu.

—Shara Epson... – ele disse elevando a voz, nome e sobrenome juntos o que isso significava? Ele a estava assustando assim.

—Com o senhor… eu testei com o senhor – ela o interrompeu rapidamente, antes que ele tirasse conclusões precipitadas ou começasse algo que estragaria o resto do dia – na sala de aula ontem, quando o expulsei de minha mente – ela disse – e deu certo – ela se apressou em acrescentar, ele se inclinou para trás de sua cadeira, ela estava esperando uma bronca agora, uma detenção... ela iria ser a primeira a caçar sapos... mas ele não disse nada – me desculpe – ela pediu, sem nenhuma dificuldade… talvez ajudasse.

—Você tem aptidão – ele disse sério, e aquilo a pegou de surpresa, viver com ele era literalmente uma montanha russa de emoções, ela soltou a respiração devagar – tem vocação para se tornar uma perfeita oclumente, além da legilimencia... isso tudo parece ser algo natural para você – ele informou, e ela não sabia se deveria agradece-lo, era estranho ser elogiada por ele assim... se é que... aquilo era um elogio correto? – quero propor algo – ele disse sério – quero usar a sua mente – o que ele queria dizer com usar a sua mente? – quero acessar a mente de Elza, usando o caminho que ela deixou – e ouvir aquilo, fez com que um frio percorresse sua espinha.

—Mas o senhor disse... – sim ele havia dito que ela não deveria mais fazer aquilo, que era...

—Sim, é perigoso – ele sustentou aquilo que havia dito anteriormente – mas não será você, não fará sozinha ou por conta própria, entrarei na sua mente, e farei no seu lugar... – ela o encarou desconfiada.

—Isso é possível? – ela perguntou, ela não havia lido nada sobre isso.

—Sim, desde que quem o faça seja um legilimen experiente e desde que quem ceda a mente seja pelo menos um legilimen apto, do contrário as consequências podem ser bastante devastadoras – ela engoliu em seco, isso não aliviava muito as coisas.

—Me acha uma legilimen apta? – ela ousou perguntar um tanto quanto receosa.

—Tem o que precisa – ele disse mantendo a seriedade – eu não faria algo, se não tivesse certeza sobre isso Shara – agora ele soava um tanto quanto mais ameno, ela confiava nele era evidente... e ele parecia ter pensado nisso recentemente, era curioso ver aquela mudança de abordagem repentina, ele nunca havia mencionado algo assim antes... será que ele estava começando a ficar com medo de Elza? Ou algo do tipo?

—Tudo bem – ela informou – eu... confio no senhor e confio minha mente para seja lá o que for fazer – ela tentou sorrir – quando? – ela achou por bem questionar.

—Vou me preparar... faremos após o almoço – e para piorar, ele parecia ter alguma urgência nisso, será que ela deveria se preocupar? Era evidente que algo havia acontecido e mudado as circunstâncias ali, ele obviamente... não diria.

—Aconteceu alguma coisa? – ela perguntou tentando não vacilar.

—Um pressentimento apenas – ele informou – algo que quero confirmar, ela assentiu, mas sua experiência com pressentimentos lhe dizia que aquilo não era boa coisa.

—__

Aquela manhã havia passado relativamente rápida e ele havia refletido o bastante sobre aquele novo desafio, embora não lhe agradasse a ideia de fazê-lo, ainda assim ele havia decidido arriscar, algo lhe dizia que havia um ponto ali, e que ele deveria mesmo averiguar... afinal não é todo dia que se recebe a visita de um espirito do além, em um sonho extremamente realista, onde ele ou melhor ela... já que aquela era Maeva a mãe da sua filha, lhe orienta sobre algo que ele deveria fazer aqui... e mais estranho ainda era que junto com isso, ele havia visto a motivação e capacidade de Shara ao ler aquele livro de nível avançado e conseguir assim  expulsa-lo de sua mente de forma eficaz e isso tudo apenas um dia antes, para provar mais uma vez para ele, aquilo que ele já sabia... Ela era apta e aquilo o convenceu de uma vez por todas a embarcar naquela loucura... e apesar daquela ter sido também uma das sugestões propostas por Alvo dias atrás, ele decidiu que não o informaria, pelo menos não ainda... 

Shara havia concordado com aquilo, ela confiava nele e ele sabia, embora ela estivesse receosa e insegura, algo que ele havia conseguido ler naquele olhar, mas ele a guiaria... tudo que ela precisava fazer era sincronizar e encontrar o caminho para a mente de Elza, algo parecido com o que ela havia feito, quando precisou de informação sobre magia ancestral aquele dia na enfermari e ele sabia que ela faria e dali ele prosseguiria sozinho, não era algo tão complexo para ele... mas ele não podia mentir, ele estava com receio daquilo que viria apartir dali, daquilo que poderia encontrar na mente daquela velha maldita, afinal Maeva não viria de outro plano, dizendo possuir pouco tempo se aquilo não fosse de fato importante, e pensar nisso o fazia parecer ainda mais lunático, mas ele não se importava, e sem falar que seria rápido, ele apenas precisava encontrar a porta certa e a acessar.

—Preparada? – ele perguntou ao entrar em seu quarto, ela estava acomodada na cama e ele se sentou em uma poltrona ao seu lado, ficando de frente para ela, ele achou que aquele seria o ambiente certo para isso, já que ele queria deixa-la o mais à vontade possível, ela assentiu – naquele dia, antes de entrar na ala hospitalar, você comentou ter acessado a mente de Elza, quero que faça de novo, quero que chegue até ela outra vez - ele sabia que soava vago, ela arqueou a sobrancelha em sinal de dúvida. 

—Eu... certo, só que bem... eu não sei exatamente como fiz isso – ela admitiu, sim havia isso... mas ele a ajudaria.

—Você desejou muito algo, foi por onde começou...  Existe uma conexão na sua mente, algo que foi criado por Elza e você atravessou... pense nisso como se fosse uma ponte – ele explicou – ao fechar os olhos Shara, quero que deseje encontrar essa ponte... e então você seguirá minhas recomendações, compreendido? – ela assentiu, mas parecia nervosa – não se preocupe, estarei lá assim como estou aqui, e a guiarei... – ele se aproximou, mudando de ideia e se sentando na cama – me dê sua mão – ele pediu, ela fez, estava gelada e um pouco trêmula.

—O contato físico ajuda? – ela perguntou ao olhá-lo segurar sua mão.

—Não exatamente... mas quero que saiba que estou aqui – ela sorriu gentilmente para ele e segurou sua mão com ainda mais força.

—Vai me contar o que encontrar lá? - ela perguntou, e a resposta para essa pergunta dependeria muito do teor daquilo que fosse revelado ali, portanto ele não podia afirmar nada, ainda que quisesse ser sincero sobre isso.

—Não vou prometer nada nesse sentido - ele disse e ela o encarou, ela havia entendido - agora… vamos começar por uma memória... quero que se lembre daquele dia em que viu Elza e sua mãe conversando no jardim da casa onde moravam, você era pequena… quero que se concentre nesse dia, tente revisitar essa memória outra vez – ele pediu, optando por aquela que era uma lembrança relativamente amena e ela fez ao fechar os olhos e se deixar conduzir por ele... 

Foi tranquilo… em segundos ele já estava na mente dela, conseguindo ver a porta daquela lembrança se formar a sua frente, ela sequer havia demorado ali, ela era boa... incrivelmente boa – Muito bem Shara – ele disse a motivando, apesar de que aquilo não fazia muito o seu perfil – agora procure a ponte... – ele disse e não demorou muito para que uma porta velha e completamente desgastada começasse a se formar em um canto mais escuro da mente dela, estava feito… – Shara quero que fique aqui, concentrada nessa lembrança, seguirei sozinho a partir daqui.. não se assuste se a memória se repetir mais de uma vez, ficará no looping até que eu volte, e sairemos juntos daqui, serei o mais breve possível... – ele informou, caminhando em direção a porta que havia se formado e adentrando nela, era um ambiente pequeno, um quarto ele diria, sem nada demais e aos poucos ele começou a receber alguma informação ao se acostumar com aquele lugar, ele estava na mente de Elza agora, ele sabia, ela havia camuflado aquela conexão entre elas ao usar uma porta, esperto ele diria, já que tudo dentro da mente era formado por portas… e para comprovar aquilo, outras portas começaram a se formar na sua frente, uma infinidade de portas na verdade sendo que todas eram diferentes umas das outras, ele só precisava encontrar a porta certa, o que também não foi difícil… havia duas portas em específico que chamaram sua atenção, elas tinham um brilho, algo que as diferenciavam ali... ele sabia o significado daquilo, era um sinal, aquelas eram as portas que ele procurava...  uma delas ele notou era sobre algo do passado e a outra o deixou intrigado, isso era novo… já que aquela era uma porta sobre o futuro... Interessante, ele pensou... caminhando em direção a porta do futuro, por puro palpite, mas à medida que ele se aproximava dela, a porta do passado passou a brilhar ainda mais intensamente... então ele desistiu, deixando de lado aquilo que suas inclinações queriam, se voltando para a porta do passado, ele parou em frente dela, sentindo a vibração que ela emitia, era algo parecido com a vibração sentida com a presença de magia negra sobre algo.

Elza não era oclumente, então certamente não havia notado sua presença ali, já que ele era experiente e sabia muito bem agir com sutileza a prova clara disso era de que não havia nenhum sinal, esforço ou intenção em expulsá-lo de sua mente e sem mencionar que não haviam barreiras, nenhum bloqueio por mísero que fosse... Elza podia ser poderosa e esperta em tantos outros aspectos, mas ali não… Maeva tinha razão sobre isso, Elza era completamente vulnerável naquele lugar, cavando assim sua própria ruína ao criar aquela ponte mental com a criança, era óbvio para ele que ela não havia pensado nas implicações que aquilo poderia lhe trazer… afinal quem imaginaria que Maeva em espírito o visitaria e faria tal sugestão, nem Elza que podia ver lances do futuro poderia prever algo assim, velha tola… ela certamente também não conhecia as habilidades daquela criança, e agora ele podia entender perfeitamente bem o porquê da revelação da presença de Shara em sua mente aquele dia a havia assustado tanto assim, ela não esperava por algo do tipo… e o inesperado podia mesmo ser muito assustador… afinal não por menos, já que ameaçavam os seus planos perfeitos, agora não tão perfeitos assim... E apesar da satisfação de ver Elza acuada ao ve-lo ali, assistindo seus segredos mais obscuros poderia lhe trazer… ele havia decidido não se revelar para ela, ele manteria esse trufo apenas para si, ele não tinha pressa... ele olhou para a fechadura a sua frente, ele voltaria ao passado, algo importante no passado dela... então sem pensar duas vezes ele a abriu...


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Notas finais do capítulo

Uma pequena mudança nos planos... e vemos Severo se entregando a ideia de usar a mente de Shara para acessar a mente de Elza, já vemos aqui mais uma vez quem é que manda um tantinho nele... O diretor nada, Maeva tudo kkkk (mesmo que ela seja só um espírito aqui)

Mas enfim, um pequeno e mísero spoiler sobre o próximo capítulo... Mas ainda havia algo sobre Elza a ser revelado... Já que desconhecemos de onde veio tanta motivação ruim para que ela agisse da forma como agiu, e de onde ela tem tanto conhecimento sobre tudo (colar, ritual, enfim...) e quais a pretensões dela com Shara e o colar...
Maeva tem razão é importante...

E simultaneamente a isso vemos Shara colocar o plano dela em prática... Ela vai intervir, oh se vai... então espero que estejam ansiosos pois no próximo capítulo vamos de revelações (das últimas que faltam) e um tanto de aventura...

E quem não adorou, Severo com sono no quarto de Shara e dizendo que garotos só depois dos 30! Esse é tipicamente um pai raiz heim!

Obrigaduuuuu



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