A Outra Face escrita por Taigo Leão


Capítulo 7
Capítulo 7




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Acordei ansioso. Agora que sabia que minha irmã possuía um espectador, me perguntei se ele fazia isso a muito tempo ou se é recente, assim como eu. De toda forma, me senti muito ansioso sobre isso, pois, se fosse para fins maléficos - o que minha mente começara a acreditar -, então eu precisava, a todo custo, salvá-la disso. 

Sei que ele me viu, e foi ágil o bastante para fugir de mim. Me pergunto se é ágil o bastante para apressar os seus planos. Quem sabe até mesmo cumpri-los durante o dia. 

Eu preciso dar um jeito de vê-la antes que tudo se transforme em um desastre. Eu não sei como poderia mostrar isso, mas eu devo ir até lá. Se algo acontecer com ela; se eu ficar completamente sozinho, então eu serei amaldiçoado. 

Pensei em mandar uma mensagem de texto para o rapaz que reveza turnos comigo na loja, para que eu pudesse resolver esses problemas o mais breve possível, mas assim, eu perderia a noite, e essa é a hora perfeita para um possível stalker fazer o que lhe desse vontade. 

Então fui trabalhar, como de costume, e evitei ao máximo pensar nisso, antes que estes problemas me consumissem por inteiro. 

À noite me apressei até a casa de minha irmã, mas antes de chegar lá, dei uma volta pelo quarteirão, em busca de alguém que eu pudesse julgar como suspeito. Uma pessoa assim não apareceu, em canto algum, então imaginei que ele não daria as caras por agora. Não depois de ter sido descoberto por mim. Não consegui vê-la nessa noite, mas caminhei muito por ali, sem ver ninguém que parecesse com um stalker ou algo do tipo. 

Pensei em falar com o doutor sobre isso, mas o que eu poderia fazer? O que eu diria para ele, sendo que eu mesmo sou um stalker, neste momento? E o pior de tudo: um stalker que acredita ser um herói. 

A verdade é que, hoje, nessas condições, não sou nada dessa mulher que acredito ser minha irmã. Essa relação familiar vem de um fragmento de uma mente que divide espaço com minha nova mente. A verdade é que, eu, como novo “eu”, sou um completo desconhecido dessa mulher, assim como, tecnicamente, ela é de mim. 

Então por quê eu deveria cuidar dela como tenho feito, de certa forma, estimando-a mais do que a mim mesmo? Não tenho a resposta para isso, mesmo assim, acredito ser o certo a se fazer. 

Me perguntei se este stalker, por acaso, não tenha mudado seus planos e agora a observa durante o dia, seguindo-a até o trabalho ou coisas do tipo, mas não havia uma forma de descobrir isso, pois não consigo acompanhá-la todo o tempo. 

Estou cercando-a a noite, esperando que seu dia seja tranquilo. 

Depois que comecei a busca implacável por este ser, todas as noites minha cabeça tem doído e enchido de ideias, então tenho tomado meus antipsicóticos na esperança de me calar por alguns momentos. Acredito que meu organismo tenha se acostumado com eles, pois agora não me derrubam como costumavam fazer, no início. Sei que estou indo contra o doutor, mas, se quero realmente ser derrubado, ou sentir que realmente está fazendo efeito, então preciso tomar dois de uma vez. 

Quando me dei por mim, enquanto caminhava, resoluto, estava conversando comigo mesmo, dentro de minha mente. Eu me fazia perguntas, e também me respondia. Por um lado, me perguntava sobre minhas motivações para fazer tudo isso; digo, minhas motivações para dar tanto de meu tempo para cuidar dessa mulher, enquanto podia estar buscando uma resposta para minha condição. Meu novo “eu” também pensou que rapidamente poderia dar um jeito em tudo isso, embora eu não acreditasse que ele estivesse a falar sério. 

Era natural que eu me sentisse inquieto, já que havia me desviado de meu objetivo original, para continuar fantasiando que ainda posso ter essa vida que tive outrora. Sendo sincero, meu novo “eu” não estava buscando uma solução para isso. Ele queria estar ali. Queria existir. Enquanto meu antigo, e talvez até meu verdadeiro “eu”, gostaria de voltar a se ver no espelho. O que tenho medo é de que meus eus não consigam conviver juntos, em harmonia. Um deles precisa prevalecer; precisa ser o controlador de tudo que há em minha vida. E me sentiria muito mais confortável se este fosse o “eu” do qual já estou acostumado. Dessa forma seria muito mais fácil, eu acredito nisso. 

Pensando bem, acho que já que meu antigo “eu” não consegue controlar a própria vida, ele está tentando, ao menos, cuidar de sua irmã. Por isso ainda sinto apreço por essa mulher; por isso me sinto tão certo em fazer isso; em estar aqui, por ela, mesmo que ela não faça ideia de quem sou o de que estou fazendo isso. Talvez ela nem saiba que está sendo seguida, nas sombras. 

Quando reencontrar este stalker, o confrontarei. De algum jeito, sei que o convencerei a parar com tudo isso. Talvez até mesmo chame as autoridades, ou mostre para ela a verdadeira natureza dessa perseguição. Desde novo, nunca fui muito fã da violência ou uso abstrato de força. Acredito que nós, humanos racionais, podemos resolver todo e qualquer tipo de problema usando unicamente a fala como arma. Se pensamos, então podemos falar. Se nos atacamos, não somos diferentes de meros animais estúpidos, que não conseguem fazer nada por si mesmos. 

Por este motivo, conversarei com essa pessoa. Não acredito que apenas ter sido notado por mim seria o suficiente para fazê-lo desistir de sua busca por minha irmã. Isso se ele realmente for um stalker. Do jeito que estava imóvel, olhando, e fugiu de mim, acredito que seja algo recorrente. Tenho minhas dúvidas se ele apenas estava “no lugar errado” e “na hora errada”. Se fosse o caso, não havia a necessidade de fugir de mim, como fez. Logo de mim, um mero transeunte que passava por ali. Mas, e se ele souber quem eu sou? E se, de alguma forma, tudo isso estiver relacionado a minha condição? Embora seja surreal, preciso levar em consideração todas as hipóteses, pois se for olhar apenas pelo racional e mais provável, então eu nunca teria chegado ao ponto em que estou agora: com um novo rosto; sendo uma nova pessoa. 

Já faz tanto tempo que mudei de rosto, que não sei mais se sou o mesmo homem com o mesmo rosto, ou uma consciência presa em um corpo que não lhe pertence. Acredito que quando descobrimos o que somos, neste ponto já viramos uma nova pessoa. Eu posso estar em constante evolução, ainda mais assim, com estes eus dentro de mim. Só espero não esquecer quem e como é o verdadeiro eu, que, apesar de tudo, não é este que sou agora. Sinto que estou fingindo a todo momento. Fingindo ser alguém que não sou; fingindo que tudo está bem. E não há uma forma de viver pior do que essa: sem poder ser verdadeiramente você. 

Nos três dias que se seguiram, aquela pessoa não apareceu. No quarto dia, enquanto caminhava, me questionei se ele realmente existia ou se era uma alucinação de minha mente, vítima dos antipsicóticos que eu estava tomando. Logo o associei aquela silhueta que me perseguia enquanto eu estava pelos bares, e senti um frio na espinha. Poderia mesmo, ser uma alucinação. 

Mesmo assim, não deixarei de buscá-lo, pois é melhor prevenir do que remediar. Não posso, em hipótese alguma, perder essa mulher, que é minha única esperança de voltar para aquela vida. 

Enquanto parei frente sua casa, consegui vê-la. Ela estava saindo. Esperei tomar um pouco de distância e a segui, indo até um supermercado que havia não muito longe dali. Me sentia tranquilo, pois em um lugar assim, grande e cheio, ele não apareceria; não lhe causaria nenhum mal. 

De longe, fui acompanhando sua caminhada. Inclusive, fazendo algumas compras, também, para não parecer estranho o fato de estar passando pelos mesmos lugares que ela. Mas toda essa situação, estar tão perto dela, fez com que eu me sentisse mal. Me sentia mal por ver minha irmã assim, tão perto, e não poder falar com ela. Me senti mal por todo o tempo que passou e por tudo que aconteceu. Talvez se eu não tivesse saído de casa ela acreditaria em mim, mas agora, depois de todo esse tempo, não posso simplesmente voltar, como se tudo estivesse bem. Eu só voltarei quando me encontrar. 

Ela é a única ponte que mantive de minha antiga vida. 

Quando saímos do mercado, algo estranho aconteceu. Sem perceber, cometi um deslize, e me aproximei mais do que deveria. Ela olhou para trás, em minha direção, e então parou de caminhar, me encarando com um olhar estranho. Em seus olhos vi algo que a muito não via, então me apressei para sair dali o mais rápido possível, e senti tanta vergonha que nem mesmo a acompanhei até sua casa. 

Na noite seguinte, quando fui vê-la, sua janela estava fechada. Talvez ela não estivesse em casa, mas não havia problema nisso. Eu ficaria ali por mais alguns instantes, me lembrando da gafe da noite anterior. O problema foi quando o vi. Ele apareceu novamente: o stalker. Dessa vez, não relutei, corri em sua direção o mais rápido que pude, mas ele, novamente, conseguiu fugir. Ao menos, agora eu sabia que era alguém de verdade. E, pelo porte, acredito ser um homem. 

Fui para casa satisfeito de saber que não estava ficando louco. Realmente existia alguém que perseguia minha irmã, e ainda não sei como, mas, de alguma forma, irei confrontá-lo e tirar esse perigo da vida dela. 

 

 

No dia seguinte, recebi uma ligação do doutor, pedindo que eu fosse até seu consultório. Já era hora, mesmo. Meus remédios estavam no fim, eu precisava de mais. 

O doutor expressou alegria ao me ver, e parecia satisfeito com alguma coisa, mas também um pouco inquieto. Rapidamente pareceu confuso, centrado, e até mesmo nervoso, de certa forma. 

— Sente-se, sente-se. 

— Olá, doutor. 

— Sabe, irei direto ao ponto... Ontem estava na varanda de minha casa, quando vi algo incomum para um lugar como aquele. Na verdade, se já aconteceu antes, não me recordo, mas enfim. Quero dizer que aconteceu uma dessas situações reveladoras, que acontecem justamente quando devem, e nos trazem muita inspiração, como se fosse uma resposta mandada por Deus para nós, homens tolos. 

— Doutor, do que está falando? 

— Bom, eu estava na varanda quando vi uma borboleta. 

— Sim? 

— Uma borboleta! Isso não é incrível? Como não havia pensado nisso antes?! 

O doutor se pôs a rir. 

— Eu não entendo. 

— Espere, espere. 

O doutor se levantou e puxou uma pequena cortina, revelando um quadro com várias anotações e desenhos. Havia um desenho de uma borboleta, e também de uma lagarta. 

— Você sabe o que é isso, não sabe? Pois bem, me deixe explicar, por favor... quando me sinto muito feliz, gosto de falar. As lagartas são frágeis e dependem totalmente do meio ambiente. Diferente disso, após algum tempo de existência, ela se transforma, para atingir um novo propósito. Para se transformar, ela passa por uma mudança anatômica! Primeiro vira uma pupa, onde não consegue se mover e fica protegida, mas, quando sai, se transforma em algo novo. Sabe como chamamos isso? Metamorfose. Acredito que você passou por uma metamorfose, e se tornou uma nova pessoa! Oh, é tão bom ter uma resposta para isso! Me sinto tão aliviado por não ter falhado com você... 

— Doutor... o que está querendo dizer...? Eu passei por uma metamorfose? Sou um metamorfo? Eu pensei que esse tipo de coisas não existia! Não sabia que podia acontecer em humanos, também. 

— Até onde pesquisei, você é o primeiro caso comprovado. Por isso seu rosto estava em perfeitas condições, por isso tudo parecia certo. Você pode estar diferente, como alega, mas seu corpo se adaptou completamente a esse novo você. 

— Existe uma forma da borboleta voltar a ser lagarta? 

— Não. As metamorfoses delas são definitivas. 

— Então... 

— Olhe, não perca as esperanças. Agora podemos ter uma noção do que aconteceu. Nada garante que não encontremos uma solução para isso. Mas se você tem essa condição, digamos, especial, você talvez consiga voltar a ser quem era, ou até mesmo se transformar novamente. Não sabemos os limites disso, não é? 

— Talvez tenha razão... Obrigado, doutor. 

— Eu encontrei uma resposta, mas não uma cura. Não se preocupe, quero saber como você pode voltar a ser quem era. E não se preocupe, não revelarei nada para ninguém, afinal, isso é mais fantasioso ainda do que não ter uma resposta. 

 

Saí do consultório me sentindo muito, muito vazio. Agora não via essa apenas como uma nova vida fantasiosa, realmente era minha vida. Realmente seria um disfarce, e, fatalmente, estes dois lados entrariam em conflito em algum momento, o que poderá me fazer sucumbir. 

Me sentia triste ao ponto de nem mesmo sentir vontade de ir até minha irmã. Eu precisava de um tempo para mim; precisava refletir sobre isso. Eu não poderia voltar a ser quem eu era nunca mais. Sei que o doutor disse que não sabemos os limites disso, mas, se meu futuro depende apenas dessa natureza dentro de mim; depende unicamente de mim, então não há nada a ser feito. 

Este nunca poderá ser meu rosto real. Tratá-lo como um sonho seria como falar que as noites são escuras. Se essa nova vida fosse, digamos, como um escape de meu antigo “eu”, então uma hora meu novo “eu” entraria em conflito com esse outro. Como se um fosse uma estrada, e o outro, de certa forma, um bloqueio. 

Não me sinto mais como um ator. Agora me sinto como um palhaço. Eu sou uma vítima, que busca segredo de sua identidade, mas também posso ser o agressor, que anda a se disfarçar. 

Me sentia nervoso e ansioso, então fui direto para um bar, no centro da cidade. 

Enquanto bebia e sentia o cheiro e o sabor do ópio, olhava todas aquelas pessoas e sentia um enorme desejo. Um desejo de ser como todos eles. Um desejo de possuir eles. Parece estranho, mas é como me sentia neste momento. Eu queria ser eles, estar com cada um deles. Queria ver seus rostos de perto. Cada rosto, um mais belo que o outro. Senti uma vontade de arrancar estes rostos, para ver se virariam outra pessoa, assim como eu, ou se continuariam a ser quem eram, sem perder a própria essência. Acredito que um homem com valores nunca perde sua essência, independente do que venha a lhe afligir. Talvez eu não tenha tanto valor assim, pois não posso me sentir mais desolado do que me sinto agora. 

Nesta noite não me importei com os efeitos colaterais do remédio que estava usando. Eu apenas bebi. Pouco, mas bebi, ao menos o bastante para tentar, inutilmente, esquecer tudo que tem me acontecido. Deus realmente tem os seus favoritos, e por todos estes acontecimentos, digo que não sou nem de perto um desses. Talvez eu seja um favorito do diabo. Talvez eu realmente tenha feito um pacto, como o doutor suspeitou, no início, e não consigo me recordar disso. Oh, que sina, a minha. 

Fui surpreendido pela presença ilustre de minha irmã. Que, de alguma forma inusitada, apareceu naquela boate, junto de uma amiga que eu já havia visto antes. Mas desta vez, disse para mim mesmo que não me preocuparia tanto assim, afinal, talvez eu nunca mais volte a ser verdadeiramente o seu irmão. 

Eu espero que ela me esqueça e tenha uma boa vida. 

Em dado momento, não conseguia mais suportar esse tipo de diversão, então decidi que era minha hora de sair daquele lugar e ficar sozinho em outro canto, mas fui impedido, pois assim que me levantei e caminhei um pouco, eu o vi. Era o stalker. 

Ele estava misturado entre as pessoas que frequentavam este lugar. Estava sozinho, mas olhava minha irmã como um leão olha para sua presa. Embora tenha me enganado anteriormente, dessa vez eu não poderia deixar passar, eu precisava fazer algo, precisava impedi-lo. Eu a protegeria, ao menos mais essa noite, e no dia seguinte colocaria um fim em tudo isso. 

Continuei ali, à espreita, próximo o bastante para vê-la, mas longe o bastante para não ser visto. 

Após algum tempo, ela recebeu uma ligação em seu celular, e saiu da boate pelos fundos, indo até uma pequena viela. Quando vi o trajeto que ela fazia, saí pela porta comum e dei a volta para chegar na viela. Ali me deparei com minha irmã conversando com um homem. Os observei de longe. Eles discutiam sobre algo, não sei direito o que era, mas continuei ali, atento. Aquele homem com certeza era o stalker. 

Eles estavam discutindo de forma nervosa, e ele segurou minha irmã pelo braço com violência. Ela pediu para ele o soltar, e, usando a mão livre, deu um tapa em seu rosto, o que fez com que ele ficasse ainda mais nervoso. Por sorte, não precisei intervir, pois a amiga de minha irmã apareceu na hora e a chamou para entrar, dizendo para aquele homem não se aproximar dela novamente. 

Após ficar sozinho, o homem começou a gritar, nervoso, coisas como “droga!”, e chutou uma lata de lixo. Ele então caminhou por algum tempo, sozinho, até que entrou em outra viela. Ali, encontrei minha chance de confrontá-lo. 

— Você. 

Ele olhou para trás. Só estávamos nós dois ali. 

— Quem é você? 

— Deixe-a em paz. 

— Hm...? Oh, eu me lembro de você. Você correu atrás de mim, não foi? Mas quem é você e o que tem a ver com tudo isso? 

— Eu apenas estou dizendo, deixe-a em paz. 

O homem começou a rir. 

— Não se meta onde não é chamado, seu estranho. 

Ele se aproximou de mim e ameaçou me dar um soco no rosto. Eu nada fiz, apenas fiquei calado, de cabeça baixa. Novamente ele deu risada, e me alertou. 

— Se eu ver você no bairro dela novamente, ninguém nunca mais o verá em lugar nenhum. 

O homem se virou e começou a caminhar. 

Me senti muito nervoso, mas também senti muita adrenalina. Se eu não fizesse nada agora, minha irmã continuaria a correr perigo. Obviamente este homem era violento. Talvez se a amiga de minha irmã não tivesse aparecido naquele momento, ele poderia ter machucado ela, ou algo do tipo. Eu não poderia correr esse risco novamente. Não poderia deixar que algo acontecesse com minha irmã, e este homem – sua existência! -, era algo ruim para minha irmã. 

Por alguma razão, que até mesmo agora me é desconhecida, soube exatamente o que tinha que fazer. Tudo, para mim, não passou de um mero segundo de êxtase máximo, de pura adrenalina. Novamente reforço, nunca fui um homem violento. Ser violento requer muita coragem e autoestima, coisas que eu nunca tive em minha vida, mas, quando me dei por mim, aquele homem estava caído, na viela, e eu estava em cima dele, com um canivete sujo de sangue em minhas mãos.  

Ele havia sido perfurado na barriga e no pescoço, e já estava morto. 

Por pouco não dei um grito naquele momento. Não pude acreditar que havia feito algo assim. Quase levei a mão até minha boca, para evitar gritar, mas me assustei ao ver que minha mão estava suja de sangue. Eu não poderia nem mesmo pegar o trem desse jeito. Estava sujo, sujo de sangue, e com marcas que me perseguiriam para sempre. 

Não sei se alguém viu o que fiz, não sei nem mesmo descrever o que fiz, eu apenas fiz. Guardei o canivete em meu bolso e tirei a blusa que usava, dobrando-a do avesso para evitar deixar a mostra qualquer vestígio que tivesse nela e levando-a sobre o braço, de forma a esconder o sangue em minha mão. Nem mesmo peguei o trem: voltei para casa caminhando, por cerca de dois ou três quilômetros de distância. A cada esquina em que virava, olhava para trás, com medo de estar sendo seguido. 

Pensamentos e coisas parecidas com ideias passaram por minha mente enquanto ainda sentia a adrenalina, mas estava tão alvoroçado que nada pude aprender. 


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