O Torneio Xamã estava se aproximando. Durante as eliminatórias, Yoh enfrentou vários adversários poderosos, aprendeu novas técnicas e tornou-se ainda mais forte.

Porém, infelizmente, nada daquilo o ajudaria para o desafio que estava prestes a enfrentar naquele dia.

— Você vai treinar hoje também, certo Yoh? — Anna perguntou de repente naquela manhã.  Ela tinha ficado estranhamente quieta durante o café e Yoh se perguntava se tinha feito algo errado.

— Sim… só preciso resolver outro assunto antes — respondeu. Notou que a noiva ainda o encarava — Mas juro que não vou faltar ao treinamento!

— Eu sei que não vai — Anna sorriu. Ele não sabia se aquele sorriso era gentil ou ameaçador — Bem, vou sair para fazer compras enquanto você resolve esse outro assunto — falou, pegando uma bolsa.

— Você, fazendo compras? — Yoh estranhou.

— Algum problema? — ela ergueu a sobrancelha.

— Não! Claro que não! Problema nenhum! — exclamou nervoso. Quando a garota já estava na porta, ele se lembrou de uma coisa — Ah, é mesmo! Você sabe onde estão o HoroHoro e o Ryu? Não os vejo desde ontem a noite.

— Não faço ideia. Eles têm suas próprias casas, não têm? Devem ter voltado para lá — ela deu de ombros — Até mais tarde.

Yoh suspirou pesadamente depois que Anna saiu. As únicas pessoas a quem poderia pedir ajuda, que até ontem estavam hospedadas na casa deles, não estavam mais lá. E ele tinha certeza de que Anna tinha dado um jeito de expulsar os rapazes sem que ele percebesse.

— Mestre Yoh, não fique tão abatido! — Amidamaru, seu espírito guardião, manifestou-se ao notar o quanto ele estava aflito — Tenho certeza de que logo seus amigos irão voltar!

— Sei disso, Amidamru. O problema não é esse.

— Então por que está tão preocupado?

— Hoje… é o White Day.

Amidamaru permaneceu em silêncio por vários segundos após ouvir aquilo.

— Desculpe, dia de quem?

— Lembra que no mês passado a Anna praticamente me expulsou de casa e eu passei o dia com o Manta?

— É claro. Foi um tanto rude da parte dela, por sinal.

— Foi porque era dia dos namorados. Ela preparou chocolates caseiros para mim, e não poderia fazer isso comigo em casa — Yoh explicou — O White Day é o dia em que os rapazes retribuem os presentes das garotas. Você não fazia isso quando estava vivo?

— Eu dediquei toda minha vida a ser o melhor samurai de todos os tempos, então não tinha tempo para pensar em romance — ele respondeu como quem se desculpa — Mas então… significa que o senhor irá retribuir o presente da senhorita Anna hoje?

— Exatamente. Ela deve ter expulsado o HoroHoro e o Ryu de casa sem que eu notasse para que eles não interferissem no dia de hoje — Yoh passou a mão pelos cabelos — E essa história de ela ir fazer compras é uma desculpa tão esfarrapada… a Anna não gosta nem de ir no mercado.

— Bem, seria estranho o senhor preparar algo para a senhorita Anna com ela em casa, não é? — Amidamaru argumentou.

— Verdade — Yoh concordou — E, como ela fez chocolates caseiros para mim pela primeira vez, é justo que eu cozinhe algo para ela também.

— Qual o problema? O senhor sempre foi um ótimo cozinheiro.

— Eu sei cozinhar vários tipos de comidas salgadas. Por isso sempre faço o almoço e às vezes a janta. A Anna sempre faz o café da manhã e cuida das sobremesas — Yoh explicou — No White Day é costume dar biscoitos e guloseimas doces de presentes… mas eu sou péssimo cozinhando pratos doces — ele lamentou — Amidamaru, me ajuda!

— Eu? — o espírito do samurai exclamou — Mestre Yoh… eu conheço várias técnicas de luta, centenas de golpes de espada e uma grande variedade de formas de derrotar mais de um inimigo de uma só vez… mas culinária não é o meu forte. Sinto muito — fez uma reverência.

— Bem, eu já imaginava isso… mas valeu a tentativa — Yoh suspirou. Passou então a vasculhar o armário da cozinha.

— O que está fazendo? — o samurai perguntou curioso.

— Preciso preparar alguma coisa, com ou sem ajuda — respondeu enquanto pegava alguns ingredientes.

— Mas o senhor acabou de dizer que não é bom em preparar doces — Amidamaru recordou — Que tal comprar alguns biscoitos prontos?

— Nós fazíamos isso quando éramos mais novos — Yoh contou — Minha avó não deixava a gente mexer no fogão, então a Anna sempre comprava chocolates para mim e eu comprava biscoitos para ela. Mas já estamos crescidos e ela preparou chocolates para mim pela primeira vez… o mínimo que posso fazer é retribuir o gesto.

— O senhor gosta mesmo dela — Amidamaru sorriu emocionado.

— É claro. Não importa se o casamento foi arranjado, já passamos por tantas coisas juntos que eu a amaria mesmo se minha família não tivesse nos apresentado — falou enquanto pegava uma panela — Por isso preciso me esforçar para fazer esses biscoitos, mesmo não sendo o meu forte.

— Se me lembro bem, existe um fantasma de uma cozinheira famosa aqui na casa. Não quer pedir conselhos a ela? — Amidamaru sugeriu.

— Obrigado, mas não. Acho que preciso fazer isso sozinho no fim das contas.

— Tem certeza? Ela poderia ao menos te dar alguma orientação — Amidamaru insistiu.

— Não seria justo eu pedir ajuda de alguém, sendo que a Anna preparou os chocolates sozinha — Yoh respondeu enquanto amarrava um avental na cintura — Não se preocupe. Vai dar tudo certo, de uma forma ou de outra — ele sorriu, agora mais confiante, e começou o desafio daquele dia.

Nunca imaginou que teria um desafio tão difícil antes do Torneio Xamã começar. Ele tinha o livro de receitas. Tinha todos os ingredientes. Então por que os biscoitos não ficavam bons?

Queimados. Deformados.  Doces só pela metade. Será que nem misturar o açúcar direito ele conseguia?

Yoh tentou fazer os únicos biscoitos que realmente sabia cozinhar sem nem precisar mais olhar a receita, só para ter certeza se não tinha alguma panela ou ingrediente assombrado lhe pregando uma peça. O resultado foi uma fornada pequena de biscoitos redondos, simples e deliciosos. Pena que eram salgados.

Yoh os guardou em um pote separado a fim de comer mais tarde e retomou sua tarefa de fazer os biscoitos perfeitos para Anna. Sentiu o coração dar um terrível salto quando abriu a geladeira. O leite e os ovos estavam acabando. Só havia o suficiente para mais uma tentativa. Droga, não devia ter feito aqueles biscoitos salgados… bem, não adianta chorar pelo leite derramado. Era sua última chance e Yoh não podia desperdiçá-la.

Leu a receita com atenção mais uma vez. Misturou os ingredientes com cuidado, conforme as instruções mandavam. A dúvida surgiu na hora de escolher os formatos dos biscoitos. Era sua última tentativa afinal. Cogitou usar as forminhas de corações ou as de flores, mas sabia que Anna odiaria isso. Também tinham uma no formato de boneco de neve… não, espere, não era época de Natal! Decidiu usar todos os formatos que tinham, ela teria que gostar de algum. Incluindo o boneco de neve.

Enquanto os biscoitos estavam no forno Yoh enxugou o suor da testa com as costas da mão e foi até a varanda tomar um pouco de ar fresco. Surpreendeu-se ao notar que o sol já estava se pondo. Passou tanto tempo assim na cozinha? Era por isso que estava com fome, nem tinha almoçado! Pensou em comer os biscoitos salgados que tinha feito antes quando viu Anna entrando pelo portão.

— Já cheguei — ela anunciou.

— Bem vinda de volta — ele sorriu nervoso — Como foram as compras?

— Não foram — respondeu — Não tinha nada que eu gostasse. E ainda dizem que as lojas da capital são as melhores — ela bufou — Mas e você? Conseguiu resolver o assunto que mencionou de manhã?

— Caramba, é mesmo! — Yoh voltou correndo para a cozinha e desligou o forno. Ao abrir a porta, sentiu uma leve fumaça e suas piores suspeitas se confirmaram. Tinham queimado de novo.

— Yoh? Tudo bem aí? — a voz de Anna chamou da sala.

— Tudo bem! — mentiu — Não vem aqui agora! — gritou enquanto raspava os biscoitos do tabuleiro e os colocava em uma vasilha. Céus, estavam piores do que os da segunda tentativa.

— E por que não? — Anna perguntou da sala. Ele ouviu os passos da garota se aproximando.

— Por que… eu estou pelado! — gritou qualquer coisa que pudesse afugentá-la. Os passos pararam.

— Você é meu noivo, está dizendo que está pelado na cozinha e não quer que eu entre? — a porta se abriu com um rompante, sobressaltando-o — Espero que tenha um bom motivo para ter inventado essa desculpa esfarrapada.

— Ei! E se eu estivesse mesmo pelado?

— Por que você ficaria sem roupa na cozinha?

— Bem observado — Yoh resmungou. Devia ter inventado uma desculpa melhor.

— O que está fazendo?

— Eu… tentei preparar biscoitos de White Day para você — Yoh mostrou a vasilha de biscoitos recém saídos do forno — Mas acho que não deu muito certo.

Anna pegou um dos biscoitos da vasilha que ele segurava.

— Por que fez no formato de boneco de neve? O Natal ainda está longe.

— Eu fiz em vários formatos! — Yoh defendeu-se — E não é bem com isso que estou preocupado.

Anna comeu o biscoito enquanto Yoh a observava com apreensão. Nem ele tinha provado antes de oferecer para a noiva. Poderia ter esperanças de terem ficado bons dessa vez. Se não fosse aquela fumaça que saiu do forno…

— Está um pouco queimado por fora — Anna falou após engolir a comida.

— Eu sei — Yoh lamentou.

— E cru por dentro.

— Sinto muito — o garoto encolheu os ombros.

— Como você conseguiu fazer um biscoito queimado e cru ao mesmo tempo?

— Eu já disse que sinto muito! — Yoh exclamou um tanto embaraçado.

— Não precisa se desculpar. Você se lembrou do White Day e preparou biscoitos para mim. Obrigada, Yoh — Anna sorriu, tocando nas mãos dele gentilmente enquanto pegava a vasilha de biscoitos para si.

— O que? Não está zangada? — Yoh espantou-se.

— Preparar doces nunca foi sua especialidade. Você gosta mais de comer do que cozinhar doces e sobremesas — Anna respondeu simplesmente — Talvez porque você já seja uma pessoa doce — tocou o rosto dele — Além do mais, sei que você se esforçou bastante para preparar esses biscoitos. Significa que você se importa mesmo comigo — ela olhou de soslaio para a lixeira, que transbordava com embalagens vazias de leite, açúcar e tentativas fracassadas de biscoitos.

— É claro que me importo — Yoh segurou a mão dela que antes estava em seu rosto — Desculpe se não ficaram bons. Vou me esforçar mais no ano que vem.

— É claro que vai, você tem um ano para treinar. Mas não se esqueça de que a prioridade é o treinamento para o Torneio Xamã — Anna soltou a mão dele e retornou para a sala com a vasilha de biscoitos.

 Mais tarde, naquele mesmo dia, quando Anna já tinha comido todos os biscoitos queimados, ela e Yoh estavam assistindo um programa de variedades até que ficaram com fome de novo. Nenhum dos dois queria cozinhar, pois já era noite, e Yoh lembrou-se dos biscoitos salgados que tinha feito de manhã e trouxe para os dois. Anna arregalou os olhos ao provar um.

— Ei, Yoh… esse é um dos seus biscoitos, não é?

— Sim, é o que eu costumo preparar para o lanhe da tarde.

— Seu idiota! Por que não me deu esses ao invés daquela coisa queimada e crua? — ela gritou, sobressaltando o noivo.

— O que? Mas você disse que tinha gostado!

— Eu estava sendo educada!

— Nossa, não sabia que uma megera mandona como você podia ser educada!

Os dois se encararam com irritação por um longo instante e suspiraram pesadamente ao mesmo tempo.

— Desculpe — Anna murmurou — Eu realmente aprecio o seu gesto. Sei que você tentou preparar biscoitos várias vezes. Só não entendo porque não me deu esses, já que ficaram tão gostosos.

— Bem… é costume dar guloseimas e biscoitos doces no White Day, e esses são salgados — Yoh respondeu — Eu queria fazer tudo certinho para que você ficasse feliz… sinto muito não ter dado certo.

— Está tudo bem — Anna sorriu ao entender o dilema do noivo — Você não precisava ter se preocupado tanto com isso, era só fazer algo em que você já é bom. Afinal, você não é o tipo de pessoa que fica se preocupando com as coisas, certo?

— Tem razão — Yoh riu também — Não está mesmo zangada?

— Estou contente que você tenha se esforçado tanto para me deixar feliz. Obrigada, Yoh — ela segurou a mão do noivo.

— De nada — ele sorriu — Pode ficar com esses biscoitos se quiser.

— Nada disso, vamos dividir — Anna respondeu, voltando a prestar atenção na TV. Pegou um biscoito com uma das mãos, a outra ainda segurando a do noivo.

Não foi o White Day que Yoh planejou. Era difícil fazer algo romântico, mas queria ao menos que os biscoitos tivessem ficado bons. Teria que se conformar com o fato de que suas habilidades em relação a doces eram apenas para comer e não cozinhar. Mas pelo menos conseguiu agradar Anna de alguma forma e passar o resto do dia com ela, como não faziam há algum tempo. Ficar com os amigos era divertido, mas essa era uma sensação diferente, que Yoh conhecia há muito mais tempo. Estar com a pessoa que amava e que tinha certeza de que também o amaria para sempre.