Divórcio de Mentirinha escrita por Saori


Capítulo 5
Ato V.




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Ato V.

E se...

 

Scorpius estava inquieto desde que haviam deixado o resort, três dias atrás. Havia uma pulguinha atrás de sua orelha, aquele pensamento infortúnio que nunca ia embora, mesmo que ele tentasse mantar a mente vazia.

E se ele ainda não tivesse se esquecido de Rose?

Era aquele “e se”, aquela vasta possibilidade, que vagava sem compromisso e se repetia incessantemente.

E se.

Ele definitivamente odiava condicionais. Pensar no que poderia, mas não foi e jamais seria. Não era justo. Rose e Scorpius foram amigos até os dez anos e talvez ela tenha sido o seu primeiro amor. Eles se afastaram aos poucos a partir de então, quando a Weasley amadureceu, mas o Malfoy permaneceu criança demais para o seu gosto. Então as responsabilidades vieram e, apesar de ele se manter melhor amigo de Albus, não foi o que aconteceu com Rose. Uma coisa natural, daquelas que aconteciam ao longo da vida e só restava aceitar. Simples assim.

Era impossível que ele não a tivesse superado depois de tantos anos. Certamente seus sentimentos por ela se evidenciaram quando tinham doze anos, mas eles já não se falavam tanto, nem sequer podiam ser considerados amigos ainda. Scorpius ficou sentindo aquela pequena dorzinha no peito, também conhecida como amor não correspondido, que foi desaparecendo à medida que ela se distanciava mais e mais. E então, o sentimento adormeceu.

De repente, Albus simplesmente anunciou que estaria vindo com Rose para uma viagem, e o loiro nem sequer cogitou a possibilidade de ainda ter qualquer sentimento por sela senão saudades daquela época remota, em que eram amigos. Afinal, já fazia muito tempo, e ele ainda estava no início da adolescência. Muita coisa havia acontecido desde então.

No entanto, sua mente permanecia martelando o mesmo pensamento: e se.

— Por que você está me encarando? — Rose ergueu as sobrancelhas, confusa.

Scorpius quase engasgou, mas disfarçou com uma risada boba.

— Porque tem sorvete no seu rosto — disse, em meio a uma risada.

— Sério? Onde?

— Eu te ajudo. — Scorpius ergueu uma das mãos até a bochecha dela, onde delicadamente deslizou o polegar, a fim de retirar a gota de sorvete de chocolate que descansava em sua pele.

E se, remotamente, ele estivesse sentido vontade de beijá-la naquele momento?

Não podia, porque estava com Luna. Era por isso que estavam mentindo tanto nos últimos dias e, além do mais, ela iria embora logo, de volta para a Inglaterra, e ele teria que seguir com a sua vida.

— Está tão sujo assim? — perguntou, apavorada.

Então Scorpius subitamente tirou a mão do seu rosto e assentiu.

— Sim, estava bem sujo.

— Ah. — Ela suspirou. — As crianças vão ficar com a mãe pelo resto da semana?

Scorpius concordou.

— Vamos voltar para casa? — pediu, quase como uma súplica.

Precisava de um tempo para organizar os seus pensamentos. Talvez fosse o suficiente.

— Mas já? Eu nem terminei o sorvete — resmungou.

— Podemos voltar outro dia.

(...)

— Anda, você prometeu que ia ser o meu guia turístico! — Rose praticamente choramingou, e Scorpius revirou os altos.

— Vocês está me escravizando — ele reclamou. —Nós já fomos ao Cristo, ao Pão de Açúcar, duas praias diferentes. Sem contar tudo o que fizemos ontem. Sabe, eu sou humano, ainda tenho necessidades básicas. Descansar é uma delas.

— Eu não estou cansada — refutou, com um bico nos lábios.

— Sorte a sua.

— Já estamos acabando. Eu só quero uma última coisa. — Os olhos dela brilhavam de em empolgação.

Scorpius fechou os olhos, respirou fundo e contou até dez mentalmente.

— Está bem, o que você quer fazer? — Ele perguntou, mas o questionamento veio seguido de um suspiro cansado.

— Eu quero ir na roda gigante — pediu, encantada, enquanto apontava para o enorme monumento, logo após ela se encantar com os seres marinhos do AquaRio.

— Roda gigante? — perguntou ele, ultrajado. — Depois de já ter ido na London Eye centenas de vezes, você ainda tem vontade de ir à rodas gigantes?

— Sim — respondeu, sem nem titubear. — Ver a cidade do alto nunca perde a graça.

— Claro, se você não tem medo de altura — murmurou o loiro.

— Você ainda tem medo de altura? — Ela riu baixinho. — Que fofo — as palavras deixaram a sua boca sem nenhum pudor. Para sua sorte, Rose Weasley não tinha um único pingo de vergonha para se sentir constrangida.

— Vamos acabar com essa tortura logo. Eu prometi ser o seu guia turístico, não foi? Cumprirei até o final — lamentou. — Mas será o nosso último ponto do dia.

— Sim, senhor. — Rose fingiu bater continência.

            Eles caminharam juntos até a fila do brinquedo e não demoraram muito para embarcar em uma das cabines. Felizmente, estava relativamente vazio, talvez por ser um domingo e por estarem perto da hora de fechar. Devido a isso, unido ao fato de terem sido os últimos da fila, os dois conseguiram uma cabine só para eles.

            Quando a roda gigante começou a se mover lentamente, Scorpius prendeu a respiração e segurou a barra de ferro que servia para apoio com força. Suas pernas estavam trêmulas e, inconscientemente, ele fechou os olhos.

— Scorpius? — Rose o chamou, preocupada.

Ele abriu um pouco um dos olhos e a espiou, mas ver a cidade daquela altura, ainda que o brinquedo não tivesse movido tanto, foi o suficiente para ele fechá-lo novamente.

— Se você tem tanto medo assim, por que não me avisou? — A ruiva lentamente se aproximou dele, ficando de frente para o rapaz.

— Porque você teimaria e diria que ter medo de altura é coisa de criança. Eu teria parado aqui de qualquer forma, só quis evitar a dor de cabeça — explicou, quase atropelando as palavras.

— Ei... — Suavemente, ela segurou a mão dele que se agarrava à barra metálica, fazendo-o finalmente abrir os olhos. — Não precisa ter medo, certo? Nada vai acontecer — disse, tentando acalmá-lo. — Me desculpe, eu não sabia.

— Não tem problema — ele respondeu, olhando para o chão.

Os olhos de Rose desviaram de Scorpius para a cidade por um instante, então a ruiva prendeu a respiração, maravilhada.

— Nossa... — falou, encantada. Estava sem palavras.

A vista era belíssima, havia uma imensidão de água, além de prédios espalhados e uma quantidade de verde que não estava acostumada a ver, ainda que não fosse nada surpreendente. Certamente, era bem diferente daquela que tinha quando ia à London Eye. Havia um charme particular no pôr do Sol, que dividia o céu em uma parcela azul e outra alaranjada.

— O que houve? — indagou, aflito.

— Eu acho que você precisa ver isso.

— Não. Eu certamente não olharei para esse abismo — negou.

— Você confia em mim? — Rose perguntou, voltando seus olhos para o rapaz.

Scorpius ficou em silêncio por alguns segundos, ponderando, mas logo a respondeu:

— De olhos fechados.

Rose não conseguiu conter o sorriso que apareceu em seus lábios, que foi mais radiante do que esperava. As suas mãos da Weasley ergueram-se lentamente, até tocarem o rosto do Malfoy, que sentiu a respiração parar por um instante. Aos poucos, ela ergueu sua face, de forma gentil, até que ele conseguisse encará-la nos profundos olhos azuis, que pareciam maravilhados.

— Ótimo, você está indo bem. — A menina sorriu, tentando encorajá-lo. — Respira fundo. — Ele rapidamente a obedeceu. — Agora eu vou contar até três. Quando chegar no três, eu vou sair da sua frente, certo?

Scorpius engoliu seco, nervoso, mas logo assentiu.

— Um, dois, três. — Naquele instante, Rose lentamente se retirou do campo de visão de Scorpius.

O Malfoy arregalou os olhos, espantado, mas não porque estava no alto. A vista era simplesmente estupenda, e ele ousava dizer nunca ter visto algo tão bonito. Não se arrependia nem um pouco de ter aberto os olhos, e a altura havia se tornado um mero detalhe, algo insignificante perante a imensidão à sua frente.

— Nossa... — disse, tão maravilhado quanto Rose.

— É lindo, não é?

Ao ouvir sua voz, Scorpius desviou o olhar para Rose, que sorria alegremente enquanto seus olhos fixavam-se na paisagem quase tão encantadora quanto ela. O Malfoy odiava ter que admitir, mas a Weasley estava ainda mais bonita do que de costume. Ele adorava quando ela ficava daquela forma, admirada, como se estivesse realizando um grande sonho. E talvez estivesse. Rose Weasley sempre foi muito sonhadora e era uma das qualidades que Scorpius mais gostava nela. Talvez por ser realista demais. Ele achava simplesmente lindo. Apaixonante.

— O que houve, ainda está com medo? — De repente, o rosto dela foi tomado por preocupação.

— Não, é linda.

— O que? — ergueu as sobrancelhas, sem compreender o comentário.

— Vo... — interrompeu a própria fala, desesperado. Quase pensara alto demais. — A vista — concluiu, embora não fosse exatamente o que queria responder.

(...)

Rose estava terminando de se arrumar quando alguém bateu na porta do seu quarto, então ela suspirou, indignada. Se fosse Scorpius tentando apressá-la novamente, teria um colapso.

            — Scorpius, se você veio me fazer pressão psicológica de novo...

            — Não é o Scorpius — falou Albus, enquanto abria a porta.

            — Albus! — Um sorriso tomou os lábios de Rose, que estava radiante simplesmente por vê-lo. Graças ao envolvimento nas mentiras de Scorpius, a verdade era que mal estava conseguindo vê-lo.

— Podemos conversar? — pediu ele, um pouco sério.

Albus não era o tipo de pessoa que gostava de conversas sérias, a menos quando elas eram necessárias. Ainda assim, era algo que ele gostava de postergar até o limite. Uma raridade. Ele e Rose não haviam tido muito destas ao longo da vida. Isso fez com que a ruiva sentisse um frio na barriga.

O homem entrou no cômodo e acomodou-se, sentando-se sobre o colchão macio. Rose imitou os seus passos e posicionou-se de forma que ficassem de frente um para o outro.

— Eu estou preocupado com você — revelou, seguido de um suspiro. — Não gosto que esteja se envolvendo nas mentiras do Scorpius e tenho medo de que se arrependa depois. Tenho medo de que saia... Machucada.

— Por que eu sairia machucada? — questionou, confusa.

— Ah, Rose, não me faça ter que dizer — ele a repreendeu. Rose se manteve em silêncio. — Qual é, Rose?! Eu vejo a forma que você olha para ele.

A Weasley respirou fundo, levantou da cama e deu meia-volta. Em passos despretensiosos, ela se aproximou da janela, onde passou a observar o movimento dos carros na rua.

— Não é o que você está pensando — respondeu. — Nós somos amigos. Depois de anos, voltamos a ser amigos. É isso.

— Você não me engana, eu te conheço melhor do que qualquer pessoa.

Era verdade, mas ela não queria deixar Albus preocupado. Ela havia topado embarcar naquela mentira com o Malfoy, era tão culpada quanto ele. Agora, precisava ir até o fim, não importava o que o seu coração dissesse, ou o ritmo em que ele batesse. Era muito simples dentro da sua cabeça.

— Você está exagerando. — Finalmente voltou o seu olhar para ele novamente. — Eu estou bem.

— Rose, vamos? — Scorpius a gritou.

A Weasley respirou aliviada, porque aquilo interromperia a conversa esquisita que estava tendo com Albus.

— Bom, eu preciso ir agora — disse, apontando para a porta.

Albus assentiu e, com isso, Rose saiu do quarto.

Rose e Scorpius iam jantar com Luna naquela noite, a pedido dela. Como ela não mencionou as crianças, e Amanda — mãe deles — e o Malfoy não se davam tão bem, eles inventaram uma desculpa qualquer para não ter que levá-los. Eles não sabiam exatamente o que levava àquele convite repentino, mas considerando que Luna parecia mesmo querer se entrosar à suposta família dele, não se preocuparam muito com isso, apenas se dirigiram até o restaurante.

Quando chegaram ao lugar, Luna já estava sentada em uma das mesas e haviam três taças preenchidas com espumante posicionadas. Scorpius, obviamente, sentou-se de frente para ela, como normalmente fazia, e Rose sentou-se ao lado da outra menina, logo após cumprimentá-la.

— Champanhe? — perguntou Scorpius, sorridente. — Qual é a ocasião?

— Por que não bebem um pouco? Depois conversamos sobre — sugeriu, com um sorriso divertido nos lábios.

Scorpius foi quem ergueu a taça primeiro, tomando o primeiro gole. Ele sentiu algo estranho tocar os lábios, um objeto gélido e sólido, mas que não parecia gelo.

Curiosamente, ele inclinou a taça, a fim de identificar o que seria, até que percebeu um aro metálico descansando ao fundo. Era um anel.

Ele ergueu o seu olhar, que estranhamente passeou de Rose para Luna. A Weasley não o compreendeu, mas era nítido que ele e a outra menina estavam tendo uma conversa por meio de olhares, já que ela sorria radiantemente.

— Um anel? — ele finalmente se pronunciou, depois de alguns minutos de um silêncio intenso.

Rose não entendeu de primeira, ela apenas permaneceu fitando-os, confusa. Nada fazia sentido em sua mente.

Contudo, Luna assentiu.

— Eu estou te pedindo em casamento — ela revelou.

            A ruiva quase cuspiu o champanhe que havia acabado de levar até os lábios. Champanhe. Comemoração. Anel. Casamento. De repente, as peças começaram a se encaixar em sua mente confusa. Ela estava o pedindo em casamento, e a aliança havia sido depositada na bebida. Aquilo fez com que o coração da Weasley sentisse uma pontada, uma dorzinha desconfortável que ela não era capaz de ignorar. Talvez fosse o que chamassem de coração partido. O que não fazia sentido em sua cabeça era o que Rose estava fazendo ali.

Para piorar tudo, Luna se levantou, aproximou-se de Scorpius e ajoelhou no chão, ao lado dele, no meio do restaurante. Todas as outras mesas voltaram o olhar para os três, e Rose se sentiu extremamente constrangida.

— Scorpius Hyperion Malfoy — ela começou. — Você aceita se casar comigo?

Scorpius olhou para Rose de soslaio, e a menina desviou o olhar para o chão, sentindo-se completamente fora do eixo. Por fim, ele deu sua resposta.

— Eu aceito.

Duas palavras foram suficientes para fazer o chão de Rose Weasley desabar. Então aquela sensação pesada em seu peito era realmente a dor de um coração partido. As lágrimas que se acumulavam na lateral dos seus olhos, por mais que ela não as deixasse escorrer, eram a prova disso.

— Não está feliz por nós, Rose? — perguntou Luna, sorridente. — Achei que seria legal te convidar para esse momento especial, um momento de família.

Rose assentiu, mas logo pegou o celular que estava em seu bolso, fingindo ler uma mensagem.

— Ah, são as crianças. — Ela riu, completamente sem jeito. — Elas precisam de mim — explicou. — Acho que eu já vou.

Sem nem esperar por uma resposta, ela se levantou da cadeira, exasperada. Por mais egoísta que fosse de sua parte, ela não conseguiria ficar ali nem por mais um único segundo.

— Rose...

Ela escutou a voz de Scorpius ecoando em seus ouvidos, baixa, rouca e arrastada, o que fez o seu coração doer um pouquinho mais. Ainda que sentisse que estava quebrada em milhões de pedacinhos, e que quisesse respondê-lo, ela o ignorou e correu em direção à porta.

— Querido, você não quer ir? — perguntou Luna, com a expressão carrega por preocupação. — Ela disse que algo aconteceu com os filhos de vocês. Eu não me incomodo que vá.

— Ah, sim, nossos filhos. — Apenas naquele instante a ficha dele caiu. Rose havia mencionado seus filhos de mentira.

Ela não tinha filhos. Eles não tinham filhos. Rose estava mentindo.

— Então eu vou atrás dela. — Ele sorriu, ameno. —  Obrigado, Luna.

Scorpius apressou-se para sair do restaurante, talvez se fosse rápido o suficiente, ele conseguiria alcançá-la a tempo. Caso contrário, poderiam se falar quando ambos estivessem em caso. Por sorte, ele não demorou para encontrar Rose, que estava sentada em um dos degraus da escada que ficava na entrada do restaurante, com os ombros escolhidos e o corpo recostado em uma das paredes que a cercava.

— Rose... — Scorpius a chamou.

O coração da ruiva parou por um instante, e ela prendeu a respiração. Afobada, ela levou as mãos até os olhos, enxugando as lágrimas que havia acabado de derramar, mesmo contra a sua vontade. Apesar de ouvi-lo, a Wesley não o respondeu e, tampouco, o encarou.

Delicadamente, ele se aproximou e sentou-se ao lado dela, no piso frio que compunha a escadaria. Um silêncio pairou entre eles que, apesar de tenso, não era desconfortável. Scorpius estava dando espaço para que Rose se acalmasse, e ela era grata por isso.

Inevitavelmente, a menina fungou e odiou-se por isso. Agora, ele certamente saberia que ela estava chorando, algo que ela pretendia esconder à todo custo.

— O que aconteceu? — perguntou ele, incapaz de compreender a situação. Não por ser cínico, mas por ser alheio demais às pessoas ao seu redor.

— Não é nada — respondeu, sem ânimo.

— Você está chorando — constatou. — É claro que aconteceu alguma coisa. — Calmamente, ele ergueu um dos braços e repousou sobre os ombros da menina, envolvendo-a em um abraço. — Você recebeu uma mensagem ruim?

— Basicamente — mentiu, sem dar detalhes. — Scorpius, eu não quero mais — proferiu, como se fosse óbvio, mas o loiro não entendeu.

— O que?

— Eu não quero mais fingir — decretou.

— Tem a ver com isso? — perguntou, frustrado. — Foi mensagem do Albus?

Ela fechou os olhos, contou até dez mentalmente e respirou fundo.

— Não tem mensagem nenhuma. Eu menti — revelou, mas o loiro ainda não havia compreendido. — Olha, eu não quero mais mentir. Você pode ficar com os livros da Jane Austen, eu não preciso mais deles.

— O que? — ele estava desacreditado. — Você me importunou uma boa parte da minha vida por causa deles. Por que quer desistir agora? Está quase acabando.

— Porque eu não posso mais fazer isso. Não dá mais.

— Mas por quê?

— Porque não é mais mentira, Scorpius — assumiu, por fim. — E eu ando mentindo para mim mesma por sua causa, isso não está mais me fazendo bem.

— O que você quer dizer com isso? — Ele se afastou do abraço e fixou os olhos sobre ela.

— Quero dizer que eu gosto de você e não posso continuar mentindo para mim sobre isso. Mas não precisa se preocupar, eu não pretendo fazer nada quanto a isso, eu só não quero mais mentir. Afinal, você conseguiu o que queria, não foi? Você tem a Luna, acho que não precisamos continuar com isso.

Ele estava digerindo cada palavra calmamente. Era muita informação para que pudesse absorver, como se seu mundo subitamente tivesse virado de ponta à cabeça por aquela possibilidade que ele fingia não existir, porque ele não podia estar apaixonado pela sua amiga de infância — pelo seu primeiro amor.

— Rose...

— Olha, você não precisa me dizer nada. — Ela moveu a cabeça de um lado para o outro e se levantou do degrau. — Eu só não quero e não consigo mais fazer isso, mas eu vou ficar bem. Vá se divertir, você tem muito para comemorar hoje. Eu vou para casa.

Ela não esperou por uma resposta, apenas acenou para ele com uma das mãos, sem ânimo, como se pedisse para que ele deixasse tudo o que foi dito de lado, e se dirigiu para o primeiro táxi disponível.

Scorpius não retornou para Luna e não foi atrás de Rose. Tudo o que ele precisava naquele momento era pôr a cabeça no lugar.

(...)

Rose acordou assustada, com alguém batendo em sua porta. Por causa disso, ela olhou para o relógio ao lado da cama, que marcava dez e quinze da manhã. Ela não costumava acordar tão tarde, mas a dor de cabeça que sucedeu o choro da noite anterior a impediu de adormecer cedo e, consequentemente, ela acordou mais tarde que o de costume.

— É o Albus — revelou e, logo depois, abriu a porta e adentrou o cômodo. — Nós vamos sair às quatro da tarde, nosso voo é às oito.

— Ótimo.

Rose, que estava deitada, sentou-se e repousou o olhar sobre o primo.

— Você está bem? Eu vi como você chegou em casa há dois dia. Não quis tocar no assunto, preferi te dar espaço, mas... — Suspirou, e sua feição revelava um embate interno, como se ele se perguntasse se deveria tocar no assunto ou não. — Sei que não é da minha conta, só que vocês não trocam uma única palavra tem dois dias. Tem algo que eu deva saber?

— Você tinha razão — admitiu ela. — Quando disse que eu ia me machucar, você tinha razão. Desculpa por não ter te ouvido e por ter evitado aquela conversa, você estava certo.

— Eu sinto muito, eu soube que ele, hm... Noivou — a última palavra soou como um sussurro, como se fosse uma palavra proibida.

— Você pode dizer em voz alta, eu estou ciente da realidade, estava lá quando houve o pedido. — Riu, amarga. — Eu sou uma piada, não sou?  Uma grande piada. O universo me odeia — constatou, irritada.

Albus negou.

— Você é incrível, o Scorpius que é burro mesmo — esbravejou. — Eu vou agendar um táxi para nos levar para o aeroporto, acho melhor, dadas as circunstâncias — retomou o assunto inicial, mas a expressão pensativa dele indicava que ele estava decidindo não devia ou não falar o que veio a seguir. — Mas eu acho que vocês deveriam conversar. Vamos para outro país, você não vai vê-lo novamente tão cedo, acho importante que deixem tudo claro.

— Está tudo claro, Albus. — Ela sorriu, sem ânimo. — Não há nada mais para ser dito. Ele sabe de todas as minhas intenções e, se não disse nada... Bem, o silêncio também é uma resposta — concluiu.

— É, talvez tenha razão.

(...)

Rose não tinha medo de altura, mas sempre sentia um frio na barriga quando se tratava de aviões. No entanto, não tinha a ver com a altura, e sim com a necessidade de ficar horas enclausurada naquela aeronave, sem ter para onde ir. Sempre se sentia sufocada e agoniada quanto a isso. Era tendo isso em mente que ela caminhava de um lado para o outro no aeroporto, aflita.

— Ainda faltam duas horas para o avião decolar. Acho melhor se acalmar.

Rose moveu a cabeça de um lado para o outro.

— Não posso, lá dentro eu não vou poder andar, então preciso fazer isso aqui fora.

— Rose? — Uma voz masculina que ela conhecia bem a chamou, fazendo todo o seu corpo ser tomado por um arrepio.

Ela prendeu a respiração por um instante e fechou os olhos, cogitando ser algo da sua imaginação. Não podia ser real.

— Rose, nós... Podemos conversar? — ele parecia praticamente suplicar.

Naquele momento, a ruiva finalmente virou-se para ele, perdendo-se nos olhos cinzentos que carregavam um misto de emoções as quais ela era incapaz de decifrar por completo. No entanto, havia uma que estava muito clara, muito nítida — a angústia. Os lábios dela se retraíram por um segundo, até que ela assentiu, receosa do rumo que o diálogo tomaria. Tomada pelo medo e pela ansiedade, ela se aproximou dele, à medida que se afastava de Albus.

— Eu sou um idiota, um burro, um cretino, um imbecil e acho que quase fiz a maior burrada da minha vida — assumiu, de súbito, a assustando, mas ela não disse absolutamente nada. — É sério, Rose, me desculpa. Eu fiquei desesperado quando cheguei em casa e não te vi lá, eu tentei chegar a tempo quando Albus me mandou uma mensagem dizendo que estavam indo, mas eu não consegui.

— Ah, me desculpa — disse, em um tom de voz baixo. — Não achei que quisesse falar comigo. Se queria só se despedir, está tudo bem, eu...

— Eu ainda não terminei de falar — Scorpius a interrompeu e, então, Rose ficou em silêncio novamente. — Então eu vim correndo para o aeroporto, peguei um engarrafamento e fiquei morrendo de medo de você ir embora antes de ouvir o que eu tenho para dizer — continuou.

— E o que você tem para me dizer? — Ela perguntou, atenta.

Seus olhos estavam fixos nos dele, como se ele fosse um imã, a atraindo com o seu campo magnético. Scorpius, por sua vez, deu um passo à frente, como se precisasse tomar coragem, e um sorriso singelo apareceu em seus lábios.

— Eu te amo — falou, por fim, como se um peso de anos saísse dos seus ombros. — Eu amo o seu sorriso, a sua teimosia, o quanto você tem medo de aviões, o fato de não saber nadar e até mesmo quando você me chama de criança e fala que eu sou infantil demais para a minha idade. Cada mínimo detalhe, Rose Weasley. Até mesmo os seus defeitos, eu sou capaz de amar. E eu sinto muito que tenha demorado tanto para enxergar e para admitir isso, porque eu sou um idiota. Eu terminei com a Luna, porque não existe nenhuma outra pessoa no mundo que eu queira além de você. Também entendo se não quiser nada comigo, eu...

Scorpius estava praticamente atropelando as palavras quando Rose o calou pressionando seus lábios contra os dele, de modo gentil e delicado, como se quisesse acalmá-lo. Ele se surpreendeu de início, mas logo deixou-se tomar por aquela sensação gostosa que parecia preencher o seu corpo. Então, ele a segurou pela cintura e aproximou os corpos, como se não quisesse deixá-la ir para longe nunca mais. Inevitavelmente, um pequeno sorriso surgiu nos lábios da Weasley.

— Está mais calmo agora? — ela sussurrou, após os lábios se separarem, mas manteve-se próxima o suficiente para garantir que ele a ouvisse.

— Bem melhor.

— Ótimo, então me escuta bem — falou, em meio a uma risadinha divertida. Em seguida, Rose levou suas mãos ao rosto de Scorpius, pressionando suas bochechas com sutileza. — Eu também te amo, mesmo que você seja um bobo às vezes — respondeu, sorridente. — E um crianção.

— Eu estou aliviado — confessou e, em seguida, gargalhou baixinho. — Você não imagina o quanto.

— Quando foi que você percebeu? — Rose perguntou, tímida. — Que sentia algo por mim, quero dizer.

— No resort, mas só tive certeza na roda gigante. Eu tentei ignorar, porque, bem... Rose, você foi o meu primeiro amor. Eu achei que estivesse confundindo esse sentimento com saudade, porque fomos bem próximos por bastante tempo, mas eu estava errado.

— Eu fui o seu primeiro amor? — perguntou ela, espantada.

— Dos dez aos doze anos, senhorita Weasley. Mesmo depois de você já ter me dispensado. — Fez uma careta, fingindo estar magoado. — Ah, eu trouxe uma coisa. — Scorpius abriu a mochila e retirou sua coleção de livros da Jane Austen de dentro. — Isso é seu. — Estendeu na direção dela.

— Obrigada. — Ela sorriu e pegou os livros, os olhos brilhando de empolgação.

— Rosie... — a chamou, manhoso. O que significava uma única coisa: ele estava prestes a pedir algo. — Você precisa mesmo ir embora hoje?

— Eu já comprei a passagem, Malfoy. Passagens de avião são caras, sabia? E eu não sou uma bióloga bem sucedida — ironizou.

— E se eu te comprar outra passagem de volta? Você ficaria? — Seus olhos praticamente imploravam por uma resposta positiva.

— Bem, eu ainda tenho mais uma semana de férias... — ela respondeu, divertida. — Vai ser de verdade, dessa vez?

— Cada segundo — disse ele, com um sorriso nos lábios. — Chega de mentiras.


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