Segredo - CIP escrita por Casais ImPossíveis


Capítulo 1
Capítulo Único - O Segredo




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A luz alaranjada do sol ainda se espalhava preguiçosamente pela cidade quando Carmen chegou ao colégio. E mesmo com cara de sono e bocejando vez ou outra ela não tinha vontade de reclamar, acordar tão cedo para pegar carona com seu pai no caminho do trabalho era bem melhor que ficar gastando dinheiro com ônibus, então tratou apenas de se acostumar.

Mas em todos esses meses em que era a primeira a aparecer ali nunca havia encontrado Paulo Guerra mais cedo que o necessário por uma boa razão e daquela vez não foi diferente.

Assim que passou pela entrada do refeitório, onde pretendia sentar para poder estudar em alguma das mesas já que a biblioteca ainda não estava aberta àquela hora, viu aquela figura de casaco com capuz preto agachado enquanto pichava algo na parece. Seu único instinto foi o de gritar, queria correr também, mas suas pernas paralisaram com o susto.

— Shiiiiiii. Para de gritar, cala a boca. Sou eu, doidinha. — Paulo disse tirando o capuz e encarando-a com os olhos arregalados e as mãos erguidas.

— Paulo? Mas o que... — balbuciou enquanto tentava se acalmar, só então reparando na cena inteira com as latas vazias jogadas no chão e o desenho na parede. — Ai, caramba. Sabe que eu vou ter que contar, né?

— Não, você não vai contar nada. — ele replicou, levantando com uma expressão séria.

— Eu preciso. Se fosse outra pegadinha besta tudo bem, mas isso é uma coisa grave. — Carmen respondeu horrorizada. — É vandalismo.

— Qual é? Isso é só um desenho na parede. — Paulo desdenhou, revirando os olhos.

— Em propriedade escolar. — corrigiu erguendo o indicador. — Eu vou contar.

— Não vai. — o garoto disse ainda mais firme e se aproximou, encarando-a no fundo dos olhos. — Até porque eu também sei de uma coisa sobre você que não seria nada legal se eu decidisse abrir o bico.

Carmen engoliu em seco e instintivamente olhou em volta, se certificando que não havia ninguém ali para ouvir. — Você não se atreveria. O segredo não é só meu.

— É, mas a razão pra esconder é mais sua, né? Eu já vou me ferrar de qualquer jeito se você contar, então não to nem aí, se me dedurar eu jogo essa merda no ventilador. — ameaçou sem qualquer resquício de blefe na voz, mesmo sabendo que não faria nada para magoar de verdade aquela garota.

 

Algumas Semanas Antes...

 

Carmen tinha acabado de chegar à casa dos Guerra. Havia sido convidada para passar o fim de semana como várias outras vezes antes, mas dessa vez estava mais nervosa que animada porque Marcelina disse que tinha um assunto para conversar e não deu mais nenhum detalhe, parecendo um tanto quanto séria demais.

— Oi, amiga. — Marcelina a cumprimentou enquanto abria o portão. — Eu sei que falei que a gente ia conversar hoje, mas meus pais decidiram sair só de manhã bem cedinho porque as estradas podem ser perigosas no escuro.

— E então? — Carmen perguntou de sobrancelhas franzidas enquanto entrava.

— É que eu não quero correr o risco deles ouvirem. — Marcelina constatou fechando o portão com o cadeado. — Me desculpa se isso te deixar ansiosa, mas a gente pode conversar só quando a gente acordar?

— Você que parece estar ansiosa. — Carmen comentou, perspicaz, e sorriu de canto. — Tá tudo bem?

— É que eu me preparei pra falar hoje... Mas já to esperando há um bom tempo, umas horinhas a mais ou até a menos não me fariam desistir. — respondeu determinada, deixando a amiga ainda mais curiosa.

— Então pra mim tudo bem também. Mas e o Paulo? — indagou sabendo que os irmãos Guerra estavam sempre implicando e não duvidava que o garoto pudesse dedurar a irmã só de birra. — Ele não pode contar se ouvir?

— Ah, qual é? — Marcelina riu. — Como se o Paulo fosse acordar antes do meio dia. E outra, mesmo que ele escute, a gente sabe tanto podre um do outro que nenhum dos dois pode contar um sequer, porque teria volta e ia começar tipo uma explosão de merda no ventilador.

— Nossa, viver com um irmão parece tão... Intenso. — Carmen constatou e ambas riram.

— Você nem imagina. — comentou.

E depois disso as duas entraram e tiveram uma noite bem normal, jantaram à mesa com todos da casa, depois foram para o quarto para assistir filmes até começar a dar sono. Marcelina acabou dormindo primeiro, já Carmen estava ansiosa demais pensando no que a amiga lhe diria na manhã seguinte, então mesmo sonolenta não conseguia pregar os olhos.

Depois de rolar de um lado para o outro no colchão arrumado no chão por quase uma hora, Carmen decidiu ir até a cozinha beber um copo d’água para quem sabe assim conseguir esfriar a cabeça e poder dormir de uma vez.

Porém chegando lá acabou se deparando com uma cena que tirou boa parte de seu sono imediatamente. Paulo Guerra estava com o quadril apoiado na bancada enquanto comia uma simples tigela de cereal com leite, fazendo Carmen se perguntar como alguém era capaz de ficar tão sexy comendo cereal com leite.

Mas de alguma forma Paulo conseguia com seu cabelo despenteado e caído para baixo ao invés de arrumado no topetinho de sempre, uma barbinha bem rala que teria que raspar pela manhã, calça cinza de moletom e um cordão com pingente de palheta que ele nunca tirava. Seu abdômen bronzeado e levemente definido estava exposto sem a camisa e o olhar castanho que já era bonito por si só pareceu brilhar ao lhe encontrar.

— Oi, minha nerdzinha favorita. — ele cumprimentou sorrindo.

— É fácil quando sou a única que você gosta. — ela respondeu sorrindo e tentando não corar ao perceber os pensamentos que estava tendo.

Touché. — replicou sorrindo de volta.

Carmen resistiu ao impulso de morder o lábio e foi pegar um copo no armário e depois a água na geladeira, sentindo-se ser observada o tempo todo pelo garoto.

Sendo uma das melhores amigas de Marcelina acabava frequentando bastante a casa dos Guerra e convivendo com o irmão mais velho dela por tabela. Na escola os dois nunca sequer se falaram por ser de grupos e ter interesses diferentes, mas ali inevitavelmente começaram a trocar uma palavrinha ou outra, depois a ter rápidas conversas e, mesmo não tendo criado uma amizade propriamente dita, acabaram construindo um tipo de vínculo.

Além do mais... Bem... Carmen podia ser míope, mas com certeza não era cega e Paulo Guerra tinha, digamos, muitos atributos que atraíam o olhar. Em algum momento ela criou um certo crush por ele e torcia sinceramente para que o garoto não notasse.

— O que foi? — perguntou, finalmente o encarando de volta enquanto bebia a agua.

— É só que... — Paulo começou parecendo meio hesitante, então colocou sua tigela no balcão e se aproximou olhando-a nos olhos. — Eu nunca tinha te visto sem óculos antes.

— É? Bom... Eu já tinha te visto sem camisa, só não tão de perto. — Carmen tentou fazer uma piada, mas não conseguiu rir nem desviar suas íris das dele.

— E gostou de ver? Porque eu to curtindo ver seus olhos de perto. — Paulo perguntou com um sorriso charmoso enquanto afastava uma mecha de cabelo dela para trás da orelha. — São lindos.

Carmen ficou atordoada com aquele toque e não disse mais nada, apenas deixou seus lábios serem arrebatados pela energia atraente que exalava dele. Logo estavam se beijando com uma vontade que ambos estavam guardando há muito tempo.

— Eu não esperava por isso. — ela deixou escapar quando os dois se separaram por fim.

— Que bom. Porque meio que eu to afimzão de você já tem um tempinho aí e o medo de tá dando muito na cara e parecer um otário tava tipo me comendo vivo. — Paulo confessou sorrindo enquanto corava de leve.

— É sério? — Carmen perguntou de queixo caído.

Seriozão.

Ela sorriu largo e confessou. — Eu também andei tentando disfarçar que gosto de você. Desse jeito, sabe?

— Já que eu te curto e tu me curte, a gente bem que podia sair, né? Tomar um sorvete ou sei lá. — sugeriu tentando soar como quem não quer nada, mas seu sorriso radiante o traía.

— Ah, eu ia adorar. — por sorte Carmen também estava tão sorridente que não havia vergonha para qualquer um dos lados.

— Show.

Os dois trocaram mais um beijo rápido e cada um foi terminar o que tinha ido fazer na cozinha e voltar para os devidos quartos.

Embora tudo aquilo tivesse lhe tirado um pouco o sono, acabou que Carmen ficou mais relaxada e conseguiu dormir finalmente.

Na manhã seguinte ela e Marcelina estavam tomando o café da manhã na varanda atrás da casa e embora ambas estivessem tentando manter uma postura serena até acabar de comer havia uma certa energia no ar, deixando claro a iminência de que algo aconteceria.

— Ok. Acho que a gente já pode conversar, né? — Marcelina disse, bebendo o último gole de seu achocolatado.

— Sim, por favor. — embora Carmen não estivesse tão nervosa quanto na noite anterior estava muito curiosa.

Marcelina inspirou fundo e fechou os olhos um instante, soltando o ar devagar antes de conseguir de fato começar a falar.

— Você é uma grande amiga. É esperta, fofa, leal... E eu sempre te considerei uma das minhas pessoas favoritas no mundo desde que começamos a andar juntas na escola. Mas de uns tempos pra cá os meus sentimentos mudaram. Eu ainda te amo, mas... É mais que como amiga.

— Ah...Nossa... — isso foi tudo o que Carmen conseguiu dizer por um instante longo e desconfortável, mas passado o choque ela respirou fundo e tentou não parecer insensível. — Eu não tenho palavras pra expressar a honra que é alguém tão incrível quanto você me ver dessa forma, mas... Eu sou hetero. Você também é uma das minhas pessoas favoritas, só que eu só consigo te ver como amiga.

— Ah... — Marcelina também ficou sem fala um momento, porém seus olhos brilharam de lágrimas que ameaçavam se formar.

— Olha... — Carmen começou, porém logo foi cortada.

— Não não não. Você... Você não precisa falar nada. — Marcelina disse rápido, tentando controlar o tremor na voz para não deixar a amiga preocupada ou desconfortável. — Eu não vou mentir, tentei me convencer de que tinham sinais de que você sentia o mesmo por mim, mas no fundo eu sabia que não. O meu gaydar nunca apitou de verdade pra você, por mais que eu quisesse muito. E ele é muito preciso, modéstia à parte.

— Mesmo assim, Marcy. Eu imagino que não tá sendo fácil. — Carmen respondeu, sem saber se podia ou não segurar a mão da amiga, era sua primeira vez passando por algo do tipo.

— Não é, mas eu posso lidar com isso. — afirmou sorrindo de canto. — Por isso chamei você pra passar o fim de semana inteiro. Assim você saberia que eu to bem e nada ia mudar na nossa amizade, sendo recíproco ou... Ou não.

— Ok. Mas... Você quer um minuto sozinha? — perguntou com um olhar compreensivo.

— Eu preciso de pelo menos cinco. Você não tem que ir embora, só quero um tempinho pra processar isso. — Marcelina respondeu se esforçando para não chorar na frente dela. — Depois podemos ficar de boa.

— Tá bom, então... Eu vou levar essa loucinha pra dentro e lavar.

Marcelina só balançou a cabeça como um “ok, pode ir” e Carmen recolheu as coisas não muito rápido para não parecer que queria fugir, mas sem lerdeza para poder dar logo o espaço que a garota precisava.

E como na noite anterior a primeira coisa que viu ao entrar na cozinha foi Paulo, dessa vez de bermuda e regata e sem a tigela de cereal.

— Ah... Você tá acordado. — murmurou surpresa e a resposta dele foi um comprimir de lábios que deixou uma coisa clara. — Você ouviu, não ouviu?

— É... Foi sem querer, mas acabou que eu ouvi. — Paulo disse baixinho e coçou a nuca. — Que barra, né? Tanto gosto em comum que eu podia ter com essa chatonilda da Marcelina e tinha que ser o gosto em mulher.

— Não chama ela assim. — Carmen a defendeu, falando no mesmo tom, e foi colocar as louças na pia.

— E aí? Como a gente fica agora? — ele perguntou sem rodeios, sabia da importância de sua irmã na vida daquela garota e estava realmente preocupado.

— Ai droga. — por um instante Carmen tinha esquecido esse “detalhe”. — Olha... Eu acabei de rejeitar ela, não posso começar a sair com o irmão dela logo em seguida.

— Eu sei que seria vacilo, mas ela não precisa saber no começo. A gente sai escondido até a poeira baixar. — Paulo propôs mais como um pedido singelo do que jogando charme como em geral faria.

— Eu não acredito que você sugeriu isso. Devia se importar mais com ela. — embora ela ainda falasse muito baixo dava para sentir muito bem a indignação em sua voz. — Eu não vou mentir pra minha amiga e nem agir pelas costas. Isso seria errado. Não podemos ficar juntos.

— Mas...

— Sem “mas”. A gente fingiu que não sentia isso um pelo outro por um bom tempo, a gente consegue fingir que ontem não aconteceu. — Carmen parecia tão determinada que Paulo não teve coragem sequer de abrir a boca para protestar. — E fica quieto sobre saber que ela gosta de meninas. A Marcelina vai falar pra família quando estiver pronta.

— Tá bom. — Paulo concordou a contragosto, sentindo mais uma vez que Marcelina era mais importante do que ele, foi assim com seus pais a vida inteira e agora com Carmen.

— A gente nunca mais vai tocar nesse assunto. — disse como tom de ordem, não como uma proposta. — Promete?

Ele ficou calado por um longo instante até finalmente dizer. — Prometo.

Carmen lavou a louça em silêncio e voltou para a varanda sem dizer mais nada.

E desde então as conversas entre os dois foram ficando cada vez mais e mais escassas até por fim não existirem mais e a nerdzinha se afundou em seus estudos, enquanto o badboy tentava se forcar em suas pegadinhas e zoações para não pensar nela, por isso estavam ficando maiores e mais problemáticas.

 

Presente

 

Carmen comprimiu forte os lábios e produziu um barulho irritado com a garganta. — Tá! Eu não vou te dedurar.

— Valeu. — Paulo disse sorrindo e dando uma piscadela.

— Não sorri não, isso não é uma coisa boa. Eu posso até não te entregar hoje, mas um dia você pode se meter numa encrenca muito maior se outra pessoa te pegar. — ela resmungou e se virou para se encaminhar a uma mesa, concluindo baixinho. — E eu não quero o seu mal.

Isso mexeu com o coração do garoto e, mesmo se achando um otário por não resistir ao impulso de fazer o que iria fazer, acabou fazendo.

— Carmen.

Ela suspirou e revirou os olhos, então o encarou. — Que é?

Paulo se sentiu corar e por um momento quis desistir da pergunta, mas não conseguiu.

— Eu to ligado que não era pra tocar nesse assunto, mas já que eu já toquei mesmo... acha que algum dia a gente vai ter outra chance?

A postura frágil do em geral badboy marrento fez o coração de Carmen vacilar também por um instante, sua garganta fechou um segundo e ela sentiu uma enorme vontade de chorar, mas tentou soar firme ao dizer.

— Eu não sei, Paulo. Sinceramente não sei...

Então ela se virou e foi para a mesa fingir que estava estudando quando só estava em silêncio molhando seu livro com lágrimas. E Paulo colocou o capuz de volta para terminar o seu desenho na parede, aproveitando o barulho das latas de tinta para disfarçar fungadas e soluços de seu próprio choro.


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