Paternidade Surpresa (Severitus) escrita por Srta Snape


Capítulo 8
Capítulo 8 – Veritasserum




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Capítulo 8 – Veritasserum

Se passara uma semana desde que decidira continuar o reforço com Snape a fim de descobrir o motivo do professor querer ajuda-lo com as tarefas do Torneio Tribruxo. Uma semana que não jantava mais no Grande Salão e sim no escritório do mestre de poções. Usava agora sua capa de invisibilidade para evitar novos encontros com os sonserinos, não que tivesse medo ou receio, só não estava com cabeça para aguentar mais insultos e ameaças. A verdade era que o único momento em que sentia paz era quando entrava naquela sala escura e se sentava a frente da mesa do professor que agitava a varinha sem dizer uma única palavra fazendo aparecer o jantar. As vezes Snape se juntava a ele em um jantar silencioso onde apenas o barulho dos talheres batendo no fundo do prato era ouvido. Era bom, era um silêncio diferente e Harry sentia isso, as vezes ansiava por isso.

Ainda não sabia ao certo o motivo de Snape o estar ajudando, logo ele, mas aos poucos começava a gostar de estar ali e a descrença e desconfiança ficavam cada vez mais ao fundo de sua mente.

O professor insistiu em ensiná-lo os feitiços mais simples, porém com mais intensidade e Harry decidiu escutá-lo e ao menos tentar. Mas era muito difícil conseguir chegar ao ponto de levitar todos os móveis da sala como Snape fazia. Sempre ficava frustrado consigo mesmo por não conseguir.

— Não dá. Eu não tenho o mesmo poder que você. – Disse limpando o suor da testa.

— Acha que sou mais poderoso que você? – Perguntou Snape parando na frente do menino com as mãos para trás.

— Sim. Você é um adulto e professor. Tem muito mais poder.

— Potter, conseguir o que quero que consiga fazer tem menos a ver com poder e mais com concentração e treinamento. Você precisa se concentrar mais.

Harry balançou a cabeça afirmando que entendera o que o mestre de poções lhe dissera, o problema era que entender era muito mais fácil do que sentir e conseguir. O menino se sentou em uma cadeira e baixou a cabeça, seus olhos miravam os tênis velhos e sua mente só conseguia pensar que ele não era tão capaz como o mundo bruxo pensava que ele era, talvez ele realmente fosse péssimo como seus tios sempre diziam, ou como os Sonserinos e agora até as outras casas lhe diziam ao rirem de sua cara com aqueles broches gritantes.

Snape olhou para Harry e cerrou os dentes ao sentir dentro de si uma dor no peito ao vê-lo tão frustrado. O professor mais do que ninguém sabia o que era não acreditar em si mesmo e sentir-se solitário a ponto de querer entregar os pontos para o mundo. Seu filho estava diante de si, com a cabeça baixa e sentindo-se talvez a pior pessoa do mundo por não se sentir capaz, era triste e doía. Uma vontade louca de pegá-lo nos braços surgiu dentro de si e até mesmo movimentou a mão levemente para frente, mas então se lembrou que o menino não sabia, ele não sabia de nada, então recuou a mão e respirou fundo guardando aquele sentir em seu amago.

O garoto ainda estava com a cabeça baixa olhando para seu tênis, por isso viu quando os pés de Snape se aproximaram e o mestre de poções se sentou em uma cadeira a sua frente. Lentamente ergueu a cabeça e o encarou. Os dedos de Snape se fecharam com força ao ver os olhos marejados e o quanto o menino, mesmo fragilizado por suas próprias dúvidas e medos, tentava se fazer forte. Lembrou a si mesmo na adolescência, quando apanhava do pai ou quando sofria na escola.

— Potter. – Começou com a voz baixa e olhando intensamente para o garoto. – Você é forte, sua magia é intensa, mas precisa de treinamento e concentração para se aprimorar. Eu não sou mais poderoso que você, mas tenho muitos anos de treinamento. Veja sua amiga Granger, por exemplo, ela não tem mais poder, mas se dedica intensamente a aprender que consegue concentrar o poder em sua varinha a ponto de ser uma das melhores alunas da escola. – Harry registrou o elogio em sua mente para contar a amiga depois. – Você tem melhorado, mas precisa melhorar mais, para isso precisa se concentrar, ter foco.

— Eu sei. – Sussurrou. – É só que...

— Que o que?

Snape questionou, mas Harry se calou. Era tão frustrante o quanto aquele garoto tinha dentro de si guardado e não deixava sair. Era assim que Dumbledore se sentia quando o perguntava sobre o que sentia e não contava? Podia ler a mente dele, seria fácil, era apenas olhar no fundo de seus olhos e se concentrar que conseguiria facilmente ler o que ele estaria pensando naquele momento. Sua legilimência era muito apurada, mas fazer isso sem o menino querer seria errado. No entanto não podia ficar ali apenas o vendo se afundar.

— Pode confiar em mim, senhor Potter. – Harry ergueu a cabeça e o olhou com dúvidas. – Me conte o que está acontecendo com o senhor, assim poderemos resolver e seguir em frente com o treinamento.

— Como posso confiar no senhor? – Perguntou o menino. – Eu ainda nem ao menos sei por que está querendo me ajudar.

Snape estreitou os olhos, o garoto tinha toda a razão do mundo para duvidar de si, ele mesmo duvidaria, saberia que tinha alguma coisa por trás dessa história. Queria poder dizer a ele o real motivo, o claro motivo de que ele era seu filho, seu único filho, seu sangue. E que havia medo dentro de seu coração, medo que algo acontecesse com ele nesse torneio. Um medo que jamais tivera antes, pois antes não se importaria com o fato do garoto se acidentar e até morrer, não haveria culpa ou remorso em sua alma. Mas agora era completamente diferente e esse pouco tempo juntos fora mais do que o suficiente para saber que faria de tudo para que Harry não se machucasse. Mas não podia contar, não agora. Ele o odiaria. Seria muito egoísmo querer passar um tempo com ele antes que o odiasse?

Sabendo que esse dia chegaria em algum momento, agarrou-se a chance de pelo menos ter um ano em paz com o garoto. Se esse era o preço para conseguir ajudá-lo, ele pagaria.

— O senhor conhece Veritasserum? – Perguntou Snape.

— A Hermione já me falou sobre, é a poção da verdade.

— Pode se chamar assim, é uma poção que se tomada inibi a possibilidade de mentir da pessoa. Apenas uma gota é suficiente para que o efeito funcione por alguns minutos.

— Por que está me dizendo isso?

— Para que seu treinamento funcione, eu preciso que confie em mim e tenho plena consciência do motivo de não confiar. Então eu vou tomar uma gota da poção e você poderá me fazer uma pergunta. Eu te responderei com toda a minha sinceridade.

Snape se ergueu da cadeira e foi até o armário de poções, pegou um pequeno vidrinho e mostrou para o menino.

— Como posso ter certeza de que é a poção da verdade e não apenas essência de bolhas?

— Pode usar primeiro se preferir. – Disse erguendo a sobrancelha, duvidando que o menino fizesse isso.

Harry pensou por um tempo vendo o vidrinho na mão de Snape. Queria poder acreditar nele, mas havia muita desconfiança quanto ao mestre de poções. Por isso pegou o vidrinho rapidamente da mão do professor e deixou o contador de gotas derramar uma pequena gotinha em sua língua. O efeito foi imediato, sentiu como se algo esquentasse seu corpo completamente e o deixasse leve.

— A poção o fará ter vontade de falar tudo que estiver pensando, lute contra isso e apenas me responda o que eu perguntar. – O menino entendeu e se esforçou para não falar tudo, pois se deixasse diria claramente que sente desconfiança de Snape, mas que queria estar sempre ali a noite jantando com o professor e que aquelas poucas horas eram as únicas em que se sentia bem, mas que também se sentia incapaz e burro como sempre ouvira falarem de si, no entanto se segurou e nada disse. – Agora me responda, o que você fez hoje?

Não era uma pergunta capciosa, poderia dizer apenas que estudou, era fácil. Mas aquela pequena gotinha o forçou a dizer cada mínima coisa que fizera naquele dia.

— Eu acordei, levantei da cama, fui ao banheiro, fiz xixi, escovei meus dentes, voltei para o quarto, troquei de roupa, vi que Rony ainda estava dormindo e pensei em acordá-lo, mas depois me lembrei o quanto ele estava sendo babaca comigo e sai do quarto. Passei pelo salão comunal onde encontrei Hermione já estudando e pensei que ela não fazia mais nada da vida e o quanto ser amigo apenas dela era muito chato as vezes, depois me condenei por pensar assim dela, pois a amo muito e ela é uma ótima amiga. Fui para o Grande Salão e tomei meu café da manhã enquanto ouvia outras mesas em xingarem, me senti mau, quis correr dali e me esconder ou bater em todo mundo, principalmente em Malfoy. Depois fui para a aula com McGonagall e fiquei feliz por conseguir completar a lição que ela dera e até recebi um sorriso da professora, fiquei feliz por isso. Rony não conseguiu completar a lição e me olhou com raiva, queria bater nele. Depois fui para a aula de feitiços, só escrevi, quase dormi na sala. Depois fui almoçar, ouvi mais pessoas me xingando, mais uma vez quis sair dali correndo e bater em Malfoy. A tarde tive aula de poções com você, consegui fazer minha poção e fiquei aliviado que não me tratou mal, mas fiquei com raiva por ter destratado Neville, queria dizer algo para você, Hermione impediu. Dormi na aula do professor Binns, ele é muito chato. No final do dia vim jantar aqui e me senti bem enquanto comia em silêncio na sua presença, foi a única refeição que pude ter paz. Depois começamos o treinamento, me senti um bosta e desconfiei de você por ser legal comigo como nunca fora antes, e agora estou aqui contando sobre meu dia a você.

Ao terminar Harry ficou em silêncio e aos poucos, conforme o efeito daquela mínima gotinha passava, o grifinório ia ficando cada vez mais vermelho. Sentia-se exposto.

— Agora entende como funciona?

— Se você tomar, terá que me dizer toda a verdade?

— Sim.

Harry respirou fundo quando o professor pegou o vidrinho e deixou o conta gotas derramar uma gotinha em sua boca. O mestre de poções colocou o vidrinho no bolso do sobretudo e o olhou com intensidade, suas pupilas dilatando e deixando seus olhos mais negros que o habitual.

— Pergunte. – Disse Snape.

— Por que está tentando me ajudar?

A pergunta era simples, mas carregada de muita dúvida do garoto e poderia muito bem por tudo a perder para Snape se ele não fosse Severus Snape. O que Harry não sabia era que por ser um ex comensal da morte, espião de Dumbledore, o mestre de poções era muito bem treinado em seu controle mental e conseguia editar a verdade a ser dita, não seria capaz de mentir, mas poderia escolher que verdade dizer.

— Para que possa passar pelo Torneio Tribruxo sem se machucar.

Seria muito fácil soltar as amarras que prendiam o fato de que era pai do garoto e deixar a poção jogar para fora a verdade, mas o menino não podia saber, não naquele momento.

— Você me odeia?

— Não mais.

— Você quer me fazer mal?

— Pelo contrário, quero protegê-lo.

— Você nunca se importou comigo antes, por que está se importando agora?

Caso não estivesse sob efeito da poção, poderia dizer a ele que era uma ordem de Dumbledore, o menino não duvidaria ou indagaria tal ordem. No entanto, aquela seria uma mentira e não podia mentir.

— Você se tornou uma pessoa importante para mim esse ano.

— Por quê?

— Me fizeram ver que você não era o menino irritante que eu sempre vi, e que você é mais parecido comigo do que eu poderia imaginar.

— Como assim?

O efeito da poção estava passando, Snape podia sentir, mas por algum motivo ele quis continuar a falar.

— Seu passado, sua vida trouxa, suas dores, sua solidão, não são muito diferentes do que eu passei.

Harry ficou quase sem ar ao perceber uma sombra dolorosa passar pelos olhos do professor que soltou o corpo na cadeira em que estava e levou a mão ao rosto escondendo-o por um segundo antes de passar a mão para o cabelo jogando-o para trás e então encarar Harry com intensidade.

— Espero que tenha recebido as respostas que precisava senhor Potter.

— Sim senhor.

Sem dizer mais nada Snape se levantou, afastou a cadeira que estava usando e se pôs no meio da sala, chamou Harry para se aproximar. O menino respirou fundo e olhou novamente para o professor vendo agora talvez uma nova imagem. Snape dissera que queria protegê-lo e que suas vidas não eram tão diferentes assim, o que queria dizer? Seria o professor também uma vítima de maus tratos? Alguém solitário.

— Professor? – Chamou ao caminhar para diante de Snape.

— Sim, senhor Potter.

— O senhor disse que não era tão diferente de mim. – Disse parando diante dele. – Pode me explicar?

— Há dores que não devem ser mexidas, Potter.

— Entendo. – Disse baixinho. – Me desculpe perguntar.

Ah como odiava vê-lo daquela forma, com a cabeça baixa, os pés trocando o peso de uma perna pela outra, os dedos das mãos mexendo nervosamente e as bochechas vermelhas enquanto mordia o interior com os dentes. Conhecia muito bem aquele jeito, era o mesmo que ele ficava quando Lillian perguntava o que acontecia em sua casa para deixá-lo tão cabisbaixo e com dores no corpo. E era o mesmo jeito que ficava quando Dumbledore insistia em saber o que estava sentindo quando a solidão o engolfava no cair da noite trazendo pesadelos. Sabia que o caminho a seguir seria se fechar e isso traria ao garoto um vazio tão grande que apagaria suas esmeraldas. Não podia deixar isso acontecer. Ele queria falar, tinha que o deixar falar.

— Vamos fazer um trato. – Harry ergueu a cabeça para ouvir. – Você vai se dedicar e se concentrar no treinamento. Toda vez que sua mente estiver muito cheia você irá me contar para que possa então se concentrar completamente e toda vez que conseguir efetuar o feitiço de forma correta eu te contarei algo sobre mim.

— Você quer ser meu confidente?

— Sei o que é sentir e não falar, Potter. Acredite, você não vai querer ficar como eu. Trato feito?

Harry demorou um pouco para responder, dar o trato como fechado queria dizer que ele contaria coisas que não dissera para ninguém antes, nem mesmo seus amigos. Seria capaz de contar a ele sobre seus tios? Sobre o que passara nas mãos de Duda e como aquilo o deixava com pesadelos horríveis a noite? Contaria o quão sozinho se sente no dia dia mesmo estando no meio de tanta gente? Seria Snape a pessoa certa para ouvir sobre o que estava sentindo? Jogando a sorte no escuro Harry finalmente respondeu.

— Trato feito.

— Ótimo. Agora repita o feitiço.

Por mais uma hora os dois ficaram na sala com Harry tentando mais uma vez erguer todas as mesas e cadeiras, girá-las e devolver ao mesmo lugar. Sentindo-se um pouco mais leve e tranquilo ao lado de Snape, o menino deixou que seu corpo ficasse mais leve e sua mente se concentrasse mais. Snape o observava de longe e Harry as vezes se prendia no olhar o mestre de poções para achar forças. No fim do treinamento Harry já levantava duas carteiras e cadeiras ao mesmo tempo. Ainda não as girava e nem conseguia erguer todas elas, mas sentia-se feliz pelo feito que o deixara exausto.

— Muito bem, senhor Potter. Pode ir, nos encontramos novamente amanhã para o jantar.

— Certo. – Disse pegando a capa de invisibilidade que deixara ao lado da porta. – Até amanhã, professor.

Snape fechou a porta com um aceno de varinha, arrumou as carteiras e rumou para seus aposentos. Ao chegar ao local sentou-se em sua poltrona de costume, convocou um livro da estante e um copo de Whisky do bar, e depois de vários minutos percebeu que não lera uma única letra do livro e nem dera um gole na bebida. Seus pensamentos estavam todos no menino e em como gostara de ter aquela conversa com ele, frente a frente, apenas sinceridade, ainda que trazida através de uma poção. Seriam eles possíveis de estarem assim novamente, mas sem poção no meio, apenas a verdade mais clara de suas almas?

Harry também pensava naquela noite enquanto olhava o teto de sua cama. Era estranho, mas mesmo com a poção comandando suas palavras, sentira um alívio tão grande em contar a ele sobre o que sentira no dia. Era esse o sabor de desabafar com alguém? Poderia fazer de novo? Snape fora sincero consigo ao dizer que queria o seu bem estar, queria protegê-lo, e sentia que a proteção que ele falava não era a mesma que Sirius ou Dumbledore, era algo mais profundo, como se quisesse protege-lo dele mesmo. Seria Snape, justamente Snape a pessoa certa para contar sobre seus sentimentos? Sabia que não podia com Hermione, a amiga ficaria completamente chateada e só o deixaria mais chateado também. Rony não era o melhor confidente, não conseguia compreender de sentimentos dessa forma, o ruivo era mais cru e bruto nessas questões. Sirius mal conseguia se comunicar consigo por estar foragido, assim como Lupin que estava longe. De toda forma não escreveria sobre nada que pensasse em uma carta que poderia muito bem ser extraviada. Só de imaginar a manchete no dia seguinte no profeta diário sobre sua carta Harry se tremia todo. Talvez fosse mesmo Snape a melhor opção. Por algum motivo sentia-se bem ao lado dele quando jantavam em seu escritório, quem sabe o morcegão das masmorras não seja enfim a sua resposta.

Enquanto pensava nisso o sono o tomou e o levou para outro lugar bem longe das dúvidas.

***

Mais algumas semanas se passaram e Harry sentia que estava cada vez melhor em seu treinamento. Já conseguira dominar o Wingardium Leviousa completamente fazendo todas as carteiras da sala se erguerem completamente, girarem e voltarem para seus lugares. Como havia prometido, Snape estava disposto a ouvir todas as vezes que Harry quisesse falar, mas o menino ainda não conseguia dizer uma palavra sobre o que sentia enquanto toda a escola lhe virava a cara e o odiava. A verdade era que se falasse talvez não conseguisse parar de chorar as lagrimas que segurava dentro de si enquanto rosnava para os sonserinos que o provocavam. E assim como havia prometido, quando conseguiu efetuar o feitiço corretamente, Snape contou um pequeno pedaço de sua história.

O mestre de poções sentou-se em sua mesa e indicou que o menino se sentasse a sua frente.

— O que deseja saber, senhor Potter? – Questionou entrelaçando os dedos das mãos e o encarando com a sobrancelha levantada.

— O senhor disse que seu passado era parecido com o meu. Seus pais também morreram?

— Não, meus pais estavam bem vivos em minha infância. Eles faleceram quando eu já estava no meu sexto ano.

— Mas...

— Mas eu sentia como se estivessem mortos. Como se eu não tivesse pais. As vezes desejava não tê-los. – Harry ficara completamente em silêncio. – Uma vez encontrei meu pai jogado no chão da sala, desmaiado de tão bêbado. – O olhar de Snape estava perdido, como se tivesse mergulhado naquela lembrança. – Eu tinha uns sete anos e quando cheguei perto eu só conseguia pensar que queria que ele estivesse morto, assim finalmente eu teria paz, mas ele estava respirando. Olhei para as almofadas do sofá e cogitei segurar uma com firmeza em seu rosto tampando seu nariz e boca, mas sabia que não daria certo, ele iria acordar e...

Snape parou de falar e afastou o olhar para a janela ao fundo da sala. Não sabia que era tão doloroso relembrar essas coisas.

— Não precisa continuar, professor.

Mas ele continuou.

— Ele acordaria e me deixaria marcado com sua cinta. Minha mãe choraria, ela já não tentava mais me proteger, havia desistido e só aceitava. Então eu não fiz nada, sai da casa e fui andar pelo bairro tentando me afastar o máximo que conseguia deles.

— Entendo. – Disse Harry baixinho lembrando-se de todas as vezes que saia da casa dos Dursleys e ia andar pelo bairro para esfriar a cabeça e ficava longe até escurecer.

— Eu sei que entende, e sinto muito por entender.

Harry balançou a cabeça aceitando o lamento do professor. Ambos ficaram em silêncio até que Snape se levantou e pegou a capa de invisibilidade entregando-a ao menino indicando ser a hora de ir para seu dormitório.

— Teve uma grande evolução, Potter.

— Obrigado, senhor.

— Descanse esse final de semana.

— Sim senhor, com licença.

Snape viu Harry sumir embaixo da capa e ir embora. Seu coração apertou um pouco. Como em tão pouco tempo poderia sentir falta daquele menino que há dois meses odiava?

Ah, maldito amor.

***

Harry sentia que podia vomitar. O que estava vendo era surreal, não pelo fato de nunca ter visto aquilo, mas pelo fato de que teria que enfrentar aquilo.

— Dragões?! – Exclamou tirando a capa de invisibilidade quando Madame Maxime se afastou. – A primeira tarefa será com dragões?

— Não fale dessa forma Harry. – Disse Hagrid olhando do menino para a arena no meio da Floresta Proibida que continha quatro enormes gaiolas com gigantescos dragões cuspindo fogo. – São criaturas muito incompreendidas.

Incompreendidas? Harry diria mais perigosas e mortais. O menino saiu da Floresta atordoado e com sentimentos conflitantes gritando em sua mente. Como conseguiria passar por um dragão? Tudo bem que já enfrentara um cachorro de três cabeças, um basilisco e Dementadores, mas muitas vezes era por sorte ou teve ajuda dos amigos. Na prova ele estaria sozinho e contaria apenas com suas habilidades de bruxo. Seu treinamento com Snape estava evoluindo muito. Agora já treinava o feitiço reducto e até sentia que estava se saindo muito bem nele, conseguira fazer metade de um prato virar pó, mas duvidava que aquele feitiço ajudaria com um dragão que tem uma pele tão grossa que nem mesmo uma espada atravessa. Se sentindo meio zonzo, Harry correu pelo castelo para chegar o quanto antes na sala comunal, pois Sirius o encontraria ali a meia noite. Como o padrinho faria para entrar no castelo sem ser vistos seria um grande mistério.

O relógio em seu pulso acabara de dar meia noite quando a cabeça de Sirius apareceu na lareira. Harry abriu um sorriso, estivera preocupado com o padrinho e saber ao menos que estava vivo e bem era reconfortante.

— Sirius. Você está bem?

— Estou. Não se preocupe comigo. Precisamos falar de você.

Harry tentou ao máximo se ater aos fatos mais urgentes naquele momento, pois não havia muito tempo para se falarem. Arquivou em sua mente as informações sobre Karkaroff que já fora um comensal e que deveria ficar próximo de Moody por ser um auror muito bom, ainda que meio maluco. Sirius estava prestes a dizer como poderia passar pelo dragão quando um barulho atrás de si fez Sirius ficar em alerta e ir embora. Ver as brasas da lareira queimando enquanto a figura de Rony aparecia pela entrada da escada o deixara furioso.

— O que faz aqui? - Perguntou Rony esfregando os olhos.

— Não interessa. - Respondeu Harry deixando a raiva que sentia pelo ruivo vir à tona. - Não tem nada melhor a fazer do que se meter na vida dos outros?

Rony franziu a testa, não estava preparado para a resposta de Harry. Demorou alguns segundos para poder responder de volta.

— Vou deixá-lo treinando para a próxima entrevista.

Ver o amigo, ou ex amigo, Harry não sabia ao certo como poderia chamá-lo, dando-lhe as costas e indo embora logo depois de descobrir que ele sabia que a primeira tarefa era com dragões e não ter contado, e ainda ter feito Sirius ir embora deixou Harry tão transtornado que ele queria gritar. Sua ira o deixava cego, parecia que as labaredas das madeiras na lareira queimavam seu corpo lambendo sua pele em chamas.

Sem pensar e apenas respondendo a uma vontade e instinto que não sabia de onde vinha, Harry jogou a capa de invisibilidade sobre a cabeça e saiu da sala comunal rumando escada abaixo até às masmorras. Seus pés pareciam guiá-lo sozinhos pelos corredores escuros. Quando deu por si, estava batendo feito um louco em uma porta de madeira antiga e reforçada com um S em forma de cobra bem no meio. Apesar de nunca ter visto a entrada do local, sabia que aquela porta era a certa.

— Mas o que significa isso?

Dissera o homem abrindo a porta com violência e olhando com fúria e confusão para um corredor vazio, a varinha devidamente firme em sua mão. Snape vestia um roupão negro em cima da sua roupa de dormir, tinha os cabelos levemente bagunçados evidenciando que estivera dormindo até aquele momento em que Harry batera feito um louco em sua porta o acordando. Por um momento achou ser um idiota e pensou em recuar, por isso deu um passo devagar para trás, mas ainda que fosse o mais silencioso possível Snape ouviu aquele movimento e no mesmo segundo seus olhos se firmaram nos de Harry, mesmo que o professor não o visse. O mestre de poções esticou a mão e tocou no pano da capa a puxando para si e revelando a imagem de Harry com a cabeça baixa se sentindo um idiota por estar ali.

— Potter! - Exclamou antes de rapidamente puxar o garoto para dentro de seus aposentos.

Jogando a capa no chão Snape segurou nos braços de Harry o fazendo se virar para si para que pudesse olhá-lo. O menino estava branco, muito mais pálido do que o de costume, seus olhos eram uma mistura de ódio, raiva e vergonha, apesar disso estava visivelmente bem.

— O que veio fazer aqui?

— Eu... - Começou Harry passando a língua nos lábios e não sabendo como continuar. Nem ao menos sabia por que fora diretamente para lá. - É que... – Parou novamente não conseguindo falar mais nada.

— Olhe para mim. - Pediu Snape ainda segurando o menino pelos braços. - Olhe para mim, Potter. - Insistiu fazendo o menino aos poucos se virar e olhá-lo.

Os olhos esmeraldas estavam com as pupilas dilatadas, Snape podia ver o ódio que eles traziam e percebeu que apesar de ser um sentimento que se bem trabalhado faria o menino ser muito mais forte do que era, não combinavam com ele, parecia não se encaixar no todo que era Harry Potter. Mas havia mais por trás do ódio, talvez um ressentimento, um medo, algo que ele tentava esconder.

— O que aconteceu?

Harry abriu a boca, mas não saiu nenhuma palavra. Sentia-se uma criancinha perante Snape. Não deveria ter ido até ali como alguém que procura um adulto para o proteger

Ele era suficientemente maduro para lidar com seus sentimentos e medos sem precisar do apoio de ninguém mais. Não era?

— Pode me contar. - Sussurrou Snape agora apenas apoiando os braços do menino, quase como se quisesse sustentar o peso que ele estava carregando. - Nada do que disser sairá desses aposentos. Confie em mim.

Harry olhou nos olhos negros do professor e soube que ele falava a verdade, esse saber o fizera amolecer um pouco a tensão que sentia. Respirando fundo soltou a primeira coisa que sentia.

— Estou com medo.

E era verdade, por mais que tentasse mentir para si mesmo, desde que seu nome saiu do Cálice sentia um pavor o consumir, a princípio vinha do fato de que poderia claramente e facilmente passar vergonha na frente da escola inteira, no entanto, depois de ver aqueles quatro enormes dragões o medo que sentia era diferente, não só o medo de sua incapacidade, mas o medo do enorme perigo em que se encontrava. Quando Hermione o perguntava se estava bem e se sabia do perigo em que se encontrava, dizia que sim, mas que estava tudo bem, nada poderia acontecer de tão grave e ele enfrentaria o que viesse, a amiga jamais desconfiara que por dentro seu coração pulava violentamente.

Harry não percebera que começara a tremer e nem mesmo que Snape consternado em vê-lo naquela fragilidade o puxara para mais perto deixando-o enterrar o rosto em seu peito. O garoto só sabia que novamente sentia aquela sensação de proteção, a mesma que sentira depois de derrubar o líquido em seu corpo e ter que ser lavado.

— Se acalma. - Disse Snape sentindo o coração apertar por ver o menino daquela forma. Tudo que queria era mostrar que ele estava em segurança, que cuidaria dele. O protegeria de tudo.

E realmente faria.

— Me desculpe. - Pediu Harry se afastando após alguns minutos. - Me desculpe, professor.

— Não precisa ter vergonha de sentir medo, Potter. É natural e compreensivo.

Snape guiou Harry até a poltrona, sentou o garoto e apontou a varinha para a lareira acendendo o fogo, então se sentou na ponta da mesa a frente dele e aguardou o menino falar. Não o apressaria, tudo seria no tempo dele. Harry agradeceu pela sensibilidade de Snape em apenas aguardar. Era difícil falar em voz alta sobre seus sentimentos. Não era algo que já fizera antes. Não era fácil começar.

— São dragões. - Começou pelo que mais o atormentava no momento. - Dragões. Como posso vencer um dragão? Ele é enorme, cospe fogo e pelo que contaram tem uma pele tão dura que um feitiço não passa com facilidade. O que vou fazer?

O mestre de poções continuou olhando para Harry enquanto o menino se largava na poltrona olhando para o fogo como se estivesse desistindo.

— Como você sabe que são dragões?

— Eu vi. - Sabendo que Hagrid estaria encrencado se dissesse que ele o levara até os dragões, Harry editou a informação. - Eu estava com a cabeça cheia e fui passear um pouco pelos terrenos e acabei indo até a Floresta Proibida e vi com meus próprios olhos.

Sabendo se controlar muito bem, Snape não deixou o menino perceber que a informação, a qual ele não tivera acesso antes, era extremamente perturbadora. Dragões eram extremamente perigosos e podiam facilmente matar um bruxo com uma única rabada ou tacando fogo na pessoa. Harry estaria em pouco tempo diante de um dragão adulto. Seu filho estaria diante de um perigo eminente e não poderia fazer nada para protegê-lo. Teria uma conversa muito séria com Dumbledore.

— Você tem noção do perigo em que se colocou saindo a noite para passear pelo castelo e mais ainda pelos terrenos e Floresta? - Questionou olhando-o com seriedade. - Alguém deliberadamente colocou seu nome no Cálice de Fogo, alguém que possivelmente o quer morto, sair dessa forma é facilitar as coisas.

— Se alguém me quer morto, por que ainda não me matou?

— Não sei, ainda é uma pergunta que me faço.

— Às vezes acho que a pessoa deveria tentar, quem sabe consegue, pelo menos facilitaria tudo.

A testa de Snape franziu e sua nuca arrepiou.

— Do que está falando?

Harry deu de ombros e voltou a olhar para a lareira, a cada minuto que passava sentia-se mais a vontade, mais livre e menos contido, como se aquela cena que acontecia ali o impulsionasse a dizer coisas que estavam no fundo de sua mente e coração.

— É uma coisa que pensei algumas vezes. Sei lá, acho que se Voldemort tivesse me matado tudo teria se resolvido. Pelo menos eu não teria sentido e jamais saberia o que é dor. - O fogo da lareira estava quente e relaxava sua mente. - Tio Valter não me faria desmaiar de tanto bater em mim, tia Petúnia não me deixaria com fome por dias e Duda não me jogaria para os amigos me socarem. Eu não sentiria falta de ter pais que me amassem, nem inveja do Rony por ter uma família tão legal, se aquele idiota soubesse que eu trocaria todo o ouro que tenho em Gringotes pela chance de ter um abraço do meu pai e da minha mãe. - A mão de Snape quase se mexeu em direção ao menino. - Por isso acho que se me matassem agora, estaria tudo bem.

— Me aguarde aqui um instante. - Pediu Snape.

O homem se levantou e se dirigiu ao quarto fechando a porta com leveza, então postou as mãos esplanadas na madeira e respirou fundo. As palavras sinceras do menino o deixaram consternado. Seu filho desejava morrer, preferia ter morrido quando bebê e nem mesmo poderia julgá-lo por sentir essa vontade, ele mesmo tivera essa vontade tantas e tantas vezes antes quando o sangue de seu corpo era tirado pelos nós dos dedos de Thobias. Queria poder mudar a mente de Harry com um feitiço, mas isso seria tão errado. Faria o possível para ajudá-lo, da forma que pudesse e então quando fosse possível fecharia sua mão na garganta gorda de Valter Dursley. Respirando fundo para se controlar pegou um vidrinho na cabeceira de sua cama e saiu do quarto. O menino estava da mesma forma, largado na poltrona olhando a lareira. Se aproximou devagar e se agachou ao lado dele. Sua mão coçou para acariciar os cabelos revoltos, mas apenas encarou os olhos verdes que agora pareciam envergonhados.

— Eu não devia ter dito essas coisas, nem vindo aqui. Não devia ter te incomodado, professor.

— Eu pedi que confiasse em mim. Pode falar o que quiser, perguntar o que quiser, vir aqui quando achar que precisa de um lugar calmo. - Disse Snape pensando que há algumas semanas jamais diria isso a ele. Distância agora era o que menos queria. Sabia que estava mais do que entregue ao sentimento que tinha pelo menino e que não havia mais volta. - Sente-se, beba isso.

— O que é?

— Só beba.

Harry pegou o vidro da mão do professor e tomou o conteúdo de um gole entregando o vidro de volta a ele. Não demorou muito para a poção fazer efeito, os olhos verdes começaram a ficar mais pesados e as pálpebras se fechavam ainda que Harry tentasse abri-las.

— Não lute. Pode dormir. Aqui nada vai acontecer, você está seguro.

Aquelas palavras eram as que ele precisava para se deixar levar. Seus olhos se fecharam e o corpo amoleceu, Snape amparou sua cabeça com o ombro e o deixou ali por alguns minutos ressonando enquanto ele mesmo aproveitava para enfim acariciar os cabelos do garoto abraçando-o de forma tímida com seus braços. Suas pernas doíam pela posição agachado, mas não se importava, estenderia aquele momento o máximo que conseguisse.

Depois de muitos minutos sem nem mesmo pensar em nada, só agir conforme seus sentimentos mandavam, Snape se levantou e ergueu Harry em seus braços. Odiava o fato daquele corpo ser tão leve. O levou para seu quarto o colocando em sua cama, tirou seus tênis e o cobriu então sentou-se no sofá ao canto e o observou dormir até que ele mesmo adormecera sonhando com o dia em que pudesse contar a verdade ao garoto.


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