Dualitas escrita por EsterNW


Capítulo 42
Capítulo XLII




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Irina deu mais uma volta  na sala de visitas, ouvindo o relógio bater as quatro horas da tarde. Isaac fumava aparentemente calmo no sofá, contudo, sua perna que não parava de mexer denunciava sua inquietação. Ela passou mais uma vez em frente à janela, não conseguindo ver nada além dos muros da propriedade. 

― Você sabe que eu não poderia agir de outra forma ― o irmão disse de repente e ela sequer virou a cabeça para olhar em sua direção, enquanto ele, por sua vez, não desgrudava os olhos dela por um instante. 

Irina sequer se dignou a responder e resolveu parar de andar em círculos. Apoiou as mãos sobre o caixilho da janela, observando as nuvens correrem pelo céu. O tempo estava passando. 

Há menos de uma hora Isaac praticamente a intimara a aguardar com ele na sala de visitas pela presença do Sr. Salazarte. Segundo ele dissera, o prazo que dera para que o pedido de casamento fosse feito a ela tinha chegado ao fim e ou Matias cumpria com o prometido ou teriam problemas. 

Ela riu quando o irmão cogitou aquela possibilidade em voz alta e, mesmo quando Isaac tentara contra-argumentar, respondera-lhe com o silêncio. 

― Você sabe que qualquer irmão agiria da mesma forma na minha situação ― ele continuou a tentar defender-se. 

― Qualquer irmão agiria da mesma forma, mas você apenas cumpre ordens ― ela retrucou de costas. ― Eu, sem querer, montei o esquema perfeito para nossa mãe e você está apenas preocupado em cumprir as ordens dela. 

Passaram-se alguns instantes e Irina continuava a observar o caminhar das nuvens no céu. Isaac soltou uma baforada. 

― Você sabe que eu não tenho escolha. 

― Eu e Estevão também não. E mesmo assim escolhemos seguir nossas próprias convicções. 

― Isso porque não são vocês dois que têm o peso dessa família sobre os ombros! ― Isaac exaltou-se, derrubando cinzas sobre o braço do sofá. 

Irina lentamente virou-se da janela, deixando as nuvens para trás. Seu argumento estava na ponta da língua e a vontade de usá-lo também, contudo, desistiu, ao ver os olhos dele sobre si.

Sabia que, em parte, estava descontando a raiva da própria mãe sobre ele. Sabia que Isaac também tinha grande parcela de culpa, afinal, era escolha dele colocar negócios e objetivos à frente dos irmãos, contudo, também sabia como aquilo o afetava. No começo, acreditara que as noitadas dele em meio à bebidas eram somente um vício, porém, Estevão conseguira-lhe colocar uma semente de dúvida certa vez. Isaac sentia o peso tanto quanto eles, somente extravasava de outra forma. 

― Eu sinto muito ― ela arrematou com uma frase totalmente inesperada. 

Isaac parou com o cigarro a meio caminho da boca. 

― Então me ajude! ― Irina virou-se novamente para a janela, desistindo novamente de argumentar. Sua preocupação era outra naquele momento. ― Ao menos ajude-me a entendê-la. 

Ela apertou o caixilho da janela, encarando a madeira. Seria Isaac capaz de entender aquela loucura? Se ele tentasse, talvez, porém duvidava que fosse capaz de entendê-la.

― O Sr. Salazarte acaba de chegar. ― O mordomo apareceu para anunciar, quebrando sua linha de pensamento.

Após o pedido do filho mais velho para que o convidado fosse guiado até a sala de jantar, o empregado se retirou. Irina deixou a janela para trás, indo sentar-se ao lado do irmão, que apagava o cigarro no cinzeiro na mesa de centro, em uma gentileza de manter aquele cheiro longe dela. Não falaram uma palavra até que o bruxo que estava no centro de toda aquela discórdia foi inserido no ambiente.

Irina elevou os olhos para Matias, que parou na entrada da porta, ao lado do mordomo. Seus olhares se cruzaram e ela pôde perfeitamente ler a exaustão sob os olhos azuis e o desleixo através da sombra de uma barba que começava a aparecer. E ele nunca parecera o tipo descuidado.

― Salazarte. ― Isaac se levantou e foi até o convidado, cumprimentando-o com um aperto de mão.

― Gutiérrez. ― Feita as saudações, o mordomo foi dispensado e Isaac, que prestava as honras de anfitrião, convidou-o para sentar-se na poltrona vaga. ― Como vocês têm passado?

― Bem, obrigado ― ele devolveu polido e cada um ocupou seus devidos lugares. Irina continuava a não desgrudar os olhos de Salazarte por um instante sequer, finalmente vendo os olhos azuis se cruzando com os dela outra vez. A mesma pergunta lhe foi feita através do sorriso gentil que se formou nos lábios dele. Sua resposta, se a verbalizasse, seria totalmente oposta a do irmão. ― Podemos ir direto ao assunto? Já conversei com Irina sobre isso.

― Isaac ― ela o interrompeu antes que sequer começasse, parecia que estava falando sobre negócios. De certa forma, era. ― Poderia nos dar um momento a sós para conversar?

Irina lentamente virou o rosto na direção dele, deixando Matias de lado por um instante. Isaac pressionou o canto dos lábios e ela sabia exatamente o que ele estava pensando. Aquilo era um pedido absurdo.

― Eu e Matias não podemos resolver isso sem conversar.

Viu o irmão movimentar a boca, como se estivesse prestes a verbalizar suas opiniões. Ambos sabiam que, se a mãe deles estivesse ali, o censuraria se o fizesse na frente do convidado. E especialmente daquele convidado.

― Eu posso me retirar por alguns minutos, se realmente é muito, muito necessário. ― Ele escolheu como resposta, fuzilando Salazarte com os olhos e passando através deles a mensagem que não verbalizou. ― Estarei na sala de jantar e ouvirei caso me chamem.

Irina sabia que aquilo não era verdade ― a não ser que berrasse ―, porém Matias não tinha consciência daquilo e as intenções se desenhavam muito bem pelas palavras. Os dois assistiram Isaac se levantar e sair da sala de visitas.

― Perdoe-me por isso ― ela disparou no mesmo instante em que ficaram sozinhos.

― Não há o que ser perdoado, Irina ― ele retorquiu, um sorriso se desenhando no rosto cansado. Sequer mudaram de posições, tentando manter o mínimo de decoro. Mesmo que não houvesse quase nenhum. ― Eu desejo me casar com você.

Irina sentiu cada uma das palavras dele a atingindo em cheio. Ele desejava aquilo, desejava! Como poderia?

Sua razão parecia estar totalmente errada ao tentar convencê-la de que misturava os seus sentimentos com a realidade.

― Isso não é somente uma questão de honra ou não. ― Matias levantou-se da poltrona e ocupou o lugar que antes estivera vago. Perto demais dela. ― Eu não posso permitir que sua reputação...

― Pouco me importa a minha reputação! ― ela o cortou de maneira brusca. Sentiu a respiração começar a acelerar e pouco conseguiu contê-la, porque simplesmente não conseguia lidar. ― Eu não posso fazer isso com você.

À sua frente, via o semblante abatido de Matias. Via-o receber o impacto do que estava acabando de dizer e não conseguia continuar.

Podia simplesmente negar o pedido, dizer que não correspondia a nenhum sentimento que ele pudesse ter e lidar com Isaac depois. Mesmo que o irmão não acreditasse em nenhuma palavra dela, manteria o seu argumento até o fim. 

O que não podia lidar era com a ideia de que teria de partir o coração de Matias. Ele não merecia aquilo. E também não merecia uma vida atrelada a ela e seu sangue maldito.

― O que você não pode fazer comigo? ― Salazarte inquiriu, ainda surpreendentemente calmo. Realmente teria de dizer o que tanto temia e a corroía por dentro desde que ele dissera a fatídica frase quando descia da carruagem. Um homem que a ame de verdade…

Irina mal conseguia ficar perto dele, era como se não pudesse controlar o próprio corpo para se acalmar e mostrar-se amena. Pôs-se de pé e voltou a caminhar pelo cômodo.

― Eu não posso prendê-lo a isso. Será uma vida temendo que essa maldição alcance um de nossos filhos e uma vida inteira sabendo que eles também irão sofrer, porque não há como fazer isso parar. Será uma vida temendo pelo pior e sabendo que isso nunca vai acabar. ― Parou de caminhar, torcendo as mãos em frente ao corpo. Ao virar-se, percebeu que estava de frente para ele. ― Eu sei como é passar uma vida inteira temendo pelo pior e não posso condená-lo a isso. Você não merece.

Ele a observou estático, enquanto ela sentia o peito subir e descer numa angústia que não iria embora. Seu desejo era de dizer sim, mil vezes sim a qualquer coisa que ele pedisse, no entanto, sua razão freiava-lhe o desejo. 

— Você também não merece uma vida disso — ele devolveu-lhe, ainda sereno. 

— Mas eu não conseguiria ficar em paz sabendo que condenei você a isso! — Soltou uma mão da outra, não conseguindo mantê-las paradas. A agitação transbordava para fora. 

Lentamente, Matias se pôs de pé e veio em sua direção. A razão dizia-lhe que o melhor era se manter distante, no entanto, não queria. Não queria dar mais um passo sequer quando ele ficou perto demais outra vez. 

Não pôde evitar observar a serenidade em seus olhos azuis. Não queria deixar de encará-lo, não queria sair dali e lembrar do drama que precisava enfrentar. Já a sua razão, mais uma vez, lembrava-lhe que não podia fazer aquilo. Nunca poderia. 

— Eu lhe disse uma vez e irei repetir: um homem que a amasse de verdade estaria disposto a sofrer junto de você, independente da maldição que seu sangue carregue. — As mãos de Matias tocaram-lhe as laterais do rosto, exatamente como fizera dias antes, da última vez em que se encontraram. Como daquela vez, sua razão dizia-lhe para se afastar, porém não conseguia. E não queria. Já o seu coração dizia para continuar onde estava. — Eu estaria disposto a uma vida assim, porque seria uma vida com você. 

Os dedos dele deslizaram por sua pele, mornos por onde tocavam, como se explorassem com toda a delicadeza possível. E ela queria que continuasse. 

— Eu não proponho esse casamento a você somente pela honra. Eu proponho porque a amo. — Os dedos dele se detiveram. E a voz em sua mente que dizia-lhe para se afastar parecia distante demais. Tudo o que Irina queria de verdade era que ele se aproximasse um pouco mais. E quase sorriu por um instante com a palavra "amar". — Pensar em você tem sido a única coisa capaz de me trazer um pouco de paz nessas últimas semanas, Irina. Meus sonhos com você tem sido os únicos a impedirem os meus pesadelos. — As palavras deslizaram para fora dos lábios de Matias e Irina não pôde mais conter a própria expressão, precisava sorrir.

Os dedos dele trouxeram seu rosto para ainda mais perto e agora podia vê-lo tão bem como nunca vira antes. As olheiras, a barba por fazer, o cheiro de colônia que nunca havia percebido e os lábios que nunca tinha visto tão próximos. 

Exceto quando foram à caverna com Nygella, e a voz dele praticamente sussurrara-lhe no ouvido. Naquela ocasião, mal conseguia processar o que se passava. Enquanto ali, parecia sentir cada detalhe que estava se passando entre eles. Cada toque, cada uma das palavras e cada respiração. 

Nunca imaginaria que seria tão fácil esquecer a voz de sua sensatez, porém, ao ouvir a voz dele tão próxima, a sensatez se calou. Seus sonhos recentes estavam tomando forma na realidade. 

— Eu estaria louco se recusasse tudo isso somente pelo medo de sofrer. 

Irina era capaz de sentir a respiração de Matias tocando-lhe a face, assim como os dedos, que continuaram a acariciar-lhe a pele. Sua respiração parecia se tornar uma com a dele e de fato aconteceu quando ele trouxe os lábios sobre os dela. Matias tocou-a mais gentil do que ela poderia imaginar, como se estivesse experimentando a água antes de mergulhar. 

A voz de sua sensatez foi completamente esquecida quando Irina agarrou-lhe os ombros, sentindo o tecido de seu casaco preso entre os dedos. De imediato, o toque gentil foi se perdendo entre a euforia e desespero. 

Irina não queria soltá-lo, não queria que o calor que sentia vir daquelas mãos esfriasse ou que os lábios dele saíssem dos seus e que sua boca parasse de explorar a sua de uma forma que nem imaginava que um dia alguém faria. Simplesmente não queria que aquilo acabasse. 

Nunca soube o quanto desejava por aquele momento até que acontecesse. E desejava que continuasse e que Matias nunca saísse do alcance de suas mãos. 

No entanto, se a sua razão não conseguisse ser ouvida, a dele talvez precisasse. 

Matias afastou seu rosto do dela e Irina queria pedir para que voltasse. No fim, não conseguiu articular palavra alguma, e não porque estava retomando o fôlego. 

 — Eu não… Posso — ela forçou-se a confessar pausadamente. Fechou os olhos, não querendo ver a decepção nos olhos dele ao ter que ouvir aquilo. Ou a dor. — É por amá-lo que não quero vê-lo sofrer dessa forma. 

De supetão, a porta foi aberta e Matias, mais rápido do que Irina, cortou qualquer contato entre os dois em gestos rápidos. A falta de sua presença foi sentida no mesmo instante. 

― Podemos chegar a uma decisão? ― Isaac foi logo questionando enquanto entrava na sala de visitas.

Irina e Matias se encaravam, não querendo quebrar o último contato que ainda tinham, contudo, Matias acabou fazendo-o. Ela somente se questionava como o irmão poderia não perceber nada do que acabara de acontecer, pois, se fosse parar para analisar a situação com a voz de sua razão que voltava a falar em sua mente, não daria um passo, pois sentia as pernas não tão firmes quanto gostaria.

― Podemos conversar lá fora? ― Salazarte propôs. 

Pela primeira vez desde que entrou, Isaac trocou olhares com a irmã, no entanto, ela se recusou a manter uma conversa muda entre eles. 

― É claro. 

Matias olhou para trás e Irina sentiu a voz do coração novamente, daquela vez, para censurá-la por não interromper tudo para dizer sim. Ela queria dizer sim, porém permaneceu calada e assistiu os dois se retirarem da sala de visitas, deixando-a sozinha. 

Simplesmente não sabia a qual voz dava ouvidos. 

 

 

Fosse o que fosse que Matias tivesse dito para Isaac, a ânsia dele por uma resposta parecida ter sido aplacada. Ao menos era o de se concluir, pois o irmão somente retornara para dizer que o convidado fora embora e a deixara sozinha outra vez. Matias sequer se despedira... 

A noite veio e Irina assistiu a escuridão tomar conta de seu quarto. Deitada em sua cama, tudo o que tinha vontade era de ir atrás de Matias e resolver aquela situação de uma vez. Tinha vontade de sentir outra vez os lábios dele tocando os seus, de sentir a aspereza de sua barba contra a pele e de segurá-lo contra si para ter certeza que nunca o perderia. 

Sua mente não se calou por um momento sequer e não fazia ideia de qual lado seguir. Sentia-se cruel e sentia dor ao imaginar o futuro. Por que todas as possibilidades tinham que ser tão assombrosas?

Não queria imaginá-lo chorando junto dela quando o pior acontecesse, porque sabia que uma hora o destino cruel se concretizaria. Doía imaginar que Matias sofreria aquela dor, aquela mesma dor que ela sentia. E o mesmo pavor que tinha desde que Ezequiel era tão pequeno. 

Irina não queria vê-lo sofrer. Ainda mais quando o início daquilo seria dizer sim a uma união entre os dois. 

Ouviu uma batida na porta e levantou-se da cama com movimentos lentos. Ver qualquer pessoa naquele estado seria pedir para que lhe perguntassem se estava tudo bem. 

A batida continuou de forma insistente e ela abriu uma fresta, o suficiente para que a voz de Ezequiel pudesse passar.

― Irina, nosso pai voltou!


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