Errar é Divino escrita por Jubs


Capítulo 7
6. Roupas, mudanças e... cadeia?




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— Tudo bem, vamo lá – Loukás murmurava baixinho, mais consigo mesmo do que com o irmão, desenrolando todo o tecido do pergaminho sobre um chão de asfalto ainda meio frio graças ao sol tímido das primeiras horas da manhã. – Não deve ser tão difícil – esfregou as mãozinhas, meio nervoso – como foi que aquele anjo disse àquela tal de Maria mesmo? "Não temas!" – Abriu bem os braços, dramático – "eu sou o senhor teu Deus e sei lá mais o quê!"

— Você é um insulto a todas as aulas de catequese que já foram ministradas até hoje. – Paris cruzou os braços, enfezado.

— Não preciso de aula de catequese, eu sou um anjo.

— Pior ainda.

Estavam os dois novamente de volta ao estrupício de planeta ao qual chamam de Terra, mas que não tem exatamente culpa de ser um estrupício,  afinal com toda certeza que não foi por vontade própria que ela um dia pariu o primeiro macaco pelado que viria a se tornar o primeiro ser humano, e... Ah, nossa, a melancolia de Benjamin é definitivamente contagiosa. Meus perdões, vamos prosseguir.

Ca-ham, como ia dizendo, estavam os dois novamente de volta ao maravilhoso planeta ao qual tão orgulhosamente chamamos de Terra, pisando no solo desse lindíssimo país que definitivamente não tem irritado ou preocupado ninguém ultimamente. Sobre um céu limpo e azul celeste, o sol das sete e pouca da manhã iluminava gentilmente a famigerada praça onde Benjamin e Emi deveriam ter tido seus destinos enlaçados graças ao clichê das mãos se tocando ao pegar algo do chão ao mesmo tempo – clichê este que Loukás nos fez o favor de estragar, ajudado pela latinha de refrigerante ao pé da lixeira que a esta altura já deveria estar sendo furiosamente amassada por alguma máquina compressora num centro de reciclagem qualquer.

Pois muito que bem feito.

A fatídica praça era rodeada por algumas ruas paralelas, e em uma delas, repleta de pequenas lojas e vitrines de cabeleireiros, havia um beco de um empresarial em construção que parecia perfeito para quem quisesse se esconder da polícia durante um assalto noturno – exceto pelo fato de que seria exatamente ali o primeiro lugar onde a polícia iria procurar. Foi nesse beco que Loukás e Paris se entocaram, protegidos da vista dos transeuntes, tranquilos para enfim aprender como é que raios se faz o lance da tal transfiguração humana afinal.

Isso, é claro, se eles estivessem realmente com o mínimo de tranquilidade. Paris mesmo, parado de pé ao lado do irmão, batia tanto a sua perninha que fazia medo ela ficar toda marombada enquanto a outra permaneceria gordinha e adorável do jeito que já era mesmo.

— Você definitivamente mandou aquele papo de "eu confio em você" pras cucuias, não foi? – O cupido mais velho provocou com amargura, meneando a cabeça.

Loukás suspirou.

— Olha, se serve de consolo, eu ainda te amo demais e te confiaria até a minha vida se fosse preciso! – Levou as mãos ao peito, todo dramático – mas esse caso aqui não, tá bom? – Sorriu – deixa que do meu humano cuido eu.

— Não sei se fico com raiva de você ou com pena do rapaz.

— Pode ficar decidindo isso aí enquanto eu começo a transfiguração aqui – franziu as sobrancelhas loiras ao correr o dedinho pelas linhas escritas no pergaminho – hum... sabe que não parece tão difícil?

É um conhecimento dos anjos num geral, não importando qual seu nível na hierarquia, como assumir a forma humana para poder interagir diretamente com os mortais sem passar pelo constrangimento dos gritos de susto e olhares arregalados ao estes notarem suas formas reais. No caso dos arcanjos a coisa é bem mais grave se considerar as descrições deles de acordo com a bíblia; mas os cupidos também não deixam de ter a sua dose de estranheza, a não ser que você ache supernormal conversar com um bebê de asas que tem a voz e vocabulário de um marmanjão.

Acontece que os cupidos, seguindo ordens diretas do próprio Eros, não passavam mais esses conhecimentos para as suas posteriores gerações – e assim, os únicos deles que realmente sabiam como se transmutar eram os três anciões do Conselho, que também não faziam mais isso por pura falta de necessidade. A única forma que os anjinhos do amor usavam em vida, portanto, era exatamente aquela: eternos bebês fofinhos e apertáveis. Por isso que aquelas instruções, por mais simples que fossem, até que estavam ajudando bastante.

Em suma, eis aqui o passo a passo de como se tornar um humano, exatamente como ensina o próprio Pergaminho da Transfiguração Humana, encontrado no setor T-17.203H dos Arquivos:

 

1. Vá para a Terra e ponha os pés firmes no chão. Você não vai querer estar em pleno vôo quando suas asas sumirem, pois apesar de não realmente correr o risco de morte, uma queda de uma altura considerável não é lá a coisa mais divertida do mundo;

2. Concentre-se, feche os olhos e respire. O processo de transmutação dura apenas alguns minutos e não passa de uma meditação delicada, na qual sua mente e seu corpo precisarão guiar um ao outro como um só;

3. Imagine a força da gravidade do planeta atraindo seus pés ao chão, e sinta seu corpo começar a ganhar peso com esse contato. Sinta o ar, ouça ao seu redor, respire os cheiros de onde está. Conecte-se com a Terra. A técnica de meditação mais utilizada é a de mentalizar uma silhueta humana, como um molde, e imaginar seu próprio corpo se encaixando nele, modelado como barro nas mãos do Criador – quanto mais real se tornar essa experiência, mais humano você parecerá; 

4. Abandone todos os seus sonhos e esperanças, e arrume um cartão de crédito.

 

Pronto, parabéns, você acaba de assumir a forma humana.

O pergaminho informava ainda, mais embaixo, que para voltar à sua forma original era bem mais fácil – como as cordas de um balanço que, uma vez todas torcidas forçosamente uma contra a outra, basta soltar para que se desenlacem completamente e voltem à sua posição normal.

Em letras pequenas, porém, o aviso: Cuidado! Uma vez humano, seu corpo estará especialmente vulnerável a doenças, picadas de inseto, crises existenciais e afins.

Agora o porquê de essa informação no mínimo bastante relevante estar em letrinhas miúdas ao invés de umas garrafais, com letreiros piscantes e setas em cima, nunca saberemos.

Loukás esfregou as mãozinhas mais uma vez, numa mistura de nervosismo e entusiasmo.

— Certo – disse ele, respirando fundo e chacoalhando as mãozinhas aos pulinhos como se estivesse se aquecendo antes de uma boa luta – concentração, não é? Mole, mole. Eu sou campeão em concentração. O maior concentrador de todos. Tente me desconcentrar e falhe miseravelmente. Oh! – Seus olhinhos brilharam de repente – que linda borboleta!

Foi preciso mais um tabefe de Paris, desferido bem no topo da sua cabeça para que o caçula recuperasse o fio da meada e deixasse a pobre borboletinha seguir seu caminho na paz.

— Já que não vai dar para te fazer mudar de ideia, pelo menos vamos logo com isso – resmungou o mais velho.

Loukás concordou. Respirou bem fundo, virou-se para a parede de vidro do empresarial inacabado, e encarou bem o seu reflexo infantil sabendo bem que em breve não se pareceria mais daquele jeito já tão familiar. Fechou então os olhos, reprimindo um sorriso todo ansioso e fechou os punhos com força para tentar se concentrar. Estava tão empolgado! 

É agora, é agora, é agora!

A rua que se estendia fora do beco estava ainda razoavelmente pacata, e por isso eram poucos os barulhos que chegavam aos ouvidos de Loukás, que esforçava-se ao máximo para ouvi-los numa tentativa de se conectar com o lugar. Sentia o cheiro da grama sendo cortada por alguns profissionais da prefeitura, o fedor de sovaco de algum jovem que voltava para casa virado após uma noitada, e o ventinho agradável das primeiras horas de um bonito dia – que combinação estranha para o seu olfatinho delicado, mas fazer o quê né, é o que tem para hoje.

Seus pés tocaram o asfalto e ele imaginou a força invisível da gravidade o atraindo para o centro da Terra e o igualando aos demais mortais que viviam sob suas ferrenhas leis.

Seu corpo começou a pesar. Suas asas começaram a formigar. E sob um olhar cada vez mais espantado de Paris, o corpinho pequerrucho de Loukás começou a ser tomado por uma sutil camada de luz rósea capaz de fazer inveja aos diretores de arte de Crepúsculo, até ele próprio começar a parecer mais com uma bolinha de luz do que com um bebê voador.

A bolinha de luz começou então a se esticar aos poucos – primeiro para cima, mantendo os pés bem fixos no chão, e depois para os lados na forma de duas longas protuberâncias que denunciavam ser os braços. O contorno das asas se desfez, a figura parou de se esticar, e enfim a luz rosada foi diminuindo aos pouquinhos até de repente sumir de vez.

A gravidade puxou-o furiosamente para ela. O cupido foi ao chão.

— Loukás! – Paris começou a voar veloz em direção ao que parecia ser o seu irmão, hesitando imediatamente logo em seguida.

— Ahh... eu tô bem – Loukás apoiou uma mão enorme no asfalto, levando a outra para o meio dos seus cabelos. Soltou uma risadinha – nossa, que estranho, parece que tem algo me puxando pro chão o tempo todo. Como é que os humanos conseguem andar assim?

Começou então a tentar se levantar, lutando contra a novidade que era sentir próprio peso, e para isso contou com o apoio da enorme lixeira ali ao seu lado, visto que Paris parecia ainda tão chocado que se via incapaz de mover um músculo para o ajudar. Quanto mais ele se erguia sobre as próprias pernas, mais se surpreendia com o quanto seu corpo estava subindo, sendo definitivamente bem mais alto do que antes; agarrou-se então com tudo na tampa da lixeira e começou enfim a tentar se sustentar sozinho.

Seus joelhos se entortaram. Ele fez menção que ia cair, mas conseguiu se equilibrar no último segundo. Esticou-se então de vez, ficando completamente de pé, e dessa vez percebeu que não era tão difícil quanto parecia. Ainda estava se divertindo com o próprio ridículo, quando o riso morreu subitamente em seu rosto aos seus olhos cruzarem com os do reflexo.

— Oh... – Loukás levou as mãos ao rosto, deslizando-as sobre ele enquanto ainda tinha aquele olhar estupefato fixo na imagem semitransparente refletida pelo vidro – esse sou eu...?

A figura que o encarava de volta, imitando seu olhar de surpresa, tinha ainda os mesmos cabelos formando leves caracóis dourados sobre a testa, os mesmos olhos num violeta pálido e as mesmas bochechas coradas de saúde – mas tudo isso agora num rosto alongado e meio amadurecido de um jovem homem que aparentava ter não mais que vinte anos terráqueos de idade. Seu corpo era esguio e comprido, e a túnica cobrindo apenas as partes críticas da sua nudez deixava amostra um peito alvo que subia e descia respirando rápido de emoção. Era bonito, delicadamente bonito. Parecia (pasme) um anjo.

O reflexo, então, sorriu para ele: aquele velho sorriso largo, ingênuo e cheio de dentes de sempre. Sim, não havia dúvidas. Aquele homem era ele!

— Sou eu! – Loukás exclamou, ainda sorrindo e tocando o próprio rosto como um belo idiota – É o meu corpo! O meu corpo de verdade! – E então começou a rir, tocando o próprio torso, elevando os braços para cima e correndo os olhos alegremente sobre eles – Paris, veja, veja só, é assim que nós somos sem aquela forma ridícula de bebê!

Mas Paris já estava vendo, obrigado, e muito bem embasbacado e mudo por sinal, do alto (ou baixo) da sua tal forma ridícula de bebê.

— Eu tenho braços longos! – Loukás continuava apontando o óbvio, se analisando e virando para lá e para cá no auge da felicidade – E pernas longas também – olhou para baixo. Remexeu os dedos dos pés sobre o asfalto, sentindo sua aspereza com prazer – olha como o chão é longe agora, que esquisito, parece que estou voando mas esqueci de bater as asas.

— Que asas?! – Paris enfim conseguiu falar alguma coisa. Não conseguia disfarçar o desespero na voz – Loukás, você é um humano agora!

— Ah, é. Sem asas por enquanto, então.

— Isso não te apavora nem um pouco mesmo? E se algum dos nossos irmãos vir você assim?!

— Eles iriam é mor-rer de inveja! – riu, confiante demais para quem, dias atrás, estava é surtando horrores. – Sério, olha só que corpo incrível – Ele deu uma pirueta nos próprios calcanhares, saltando para lá e para cá em seguida. – Tão ágil! Tão prático! – Pôs-se a marchar em círculos, se acabando em risadas de pura alegria – Ah, adeus perninhas minúsculas de neném!

— Tá bom, Loukás, já chega – Paris voava na altura do seu rosto, olhando desesperadamente ao redor – vamos procurar algum lugar fechado antes que você chame atenção demais, sim?

— Deixa de ser medroso.

— Estou tentando ser sensato!

— "Sensato" é só um jeito menos deprimente de chamar um medroso.

— Ora, seu...! – Calou-se. Ok, hora daquela respirada funda, contar até três e lembrar a si mesmo que os anjos são os caras legais. Caras legais não chutam bundas de outros caras legais. Droga. – Olha, é o seguinte... – suspirou, contido – ou você procura um lugar fechado por bem, ou eu sei que vou encontrar lugares muito mais dolorosos por onde te arrastar do que as suas asas.

— Ah, é? — Loukás sorriu, desafiador — Pois eu quero ver você me pegar.

Nem deu tempo do outro cupido processar direito o que aquilo queria dizer: aquele maluco saiu correndo beco afora, para o seu total desespero. Paris disparou atrás dele e ainda abriu a boca para gritar, mas foi calado por um pedaço de pano branco que bateu com tudo na sua cara. Ele o pegou, empalidecendo no mesmo instante: era a túnica do irmão.

— LOUKÁÁÁÁÁS!!! – Gritou então, para o caçula pelado que corria às gargalhadas entre uma boa quantidade de pessoas espantadas na rua.

Ele podia até estar sentindo um ventinho frio nos países baixos, mas para lhe fazer justiça, ainda não tinha se atentado ao motivo: estava ocupado demais se divertindo com suas novas pernocas compridas de adulto, pulando nas muretinhas das calçadas, rodopiando nos postes e vez ou outra brecando rapidamente para não ser atropelado por um carro que reagia com furiosas buzinadas àquele doido que simplesmente se jogara na sua frente.

Era uma novidade estar sendo visto assim, mas ele não se importava. Sorria, acenava, gritava um "oi, humano!" e voltava a correr, até que enfim parou no meio de uma praça sentindo algo muito curioso no peito: ele estava subindo e descendo bem rápido, e suas pernonas pareciam não aguentar correr mais. Inclinou-se sobre os próprios joelhos, ofegante, e pôs-se então a estudar aqueles novos sintomas, encucado. Ah, pronto, será que agora sim estava vindo o tal ataque cardíaco? Ou será que era alguma coisa nos ossos? E o que carambas tinha a ver os pulmões com o resto tudo?

Demorou para ele descartar todo o catálogo de doenças graves gravado na sua cabeça, e enfim entender o que estava acontecendo: estava cansado. Pela primeira vez na vida. Humanos cansam após algum esforço, é claro, e ele era um deles agora.

Uma pequena plateia se formara ao seu redor – meio discreta, distante, sussurrando baixinho uns com os outros enquanto ele recuperava o fôlego, alheio àquela movimentação. Homens tampavam os olhos das filhas adolescentes (que estavam odiando aquela vista), mulheres riam baixinho entre si, e uma ou outra criança, passando meio distante com os pais, ainda arriscava apontar de longe e soltar um:

— Olha, mãe, a bundinha dele!

Antes de levar um tapinha na mão e ser arrastada para longe ouvindo o clássico sermão "não aponte para os doidos da rua, filho!"

Loukás ergueu-se, curioso. Por algum motivo estava começando a achar que era ele o centro das atenções, afinal. Que esquisito. Talvez eles estivessem notando que ele não era pertencente da tal "panelinha da humanidade". O que será que estava fazendo de errado? Era alguma coisa na sua cara? Alguma peninha restante de asa denunciava sua natureza divina, por acaso?

Foi quando uma senhorinha bem velhinha passou na sua frente, de cabeça bem branquinha, toda enrugada, encurvada, apoiada em sua bengalinha e arrastando os pezinhos cansados sobre o chão. Ela caminhou tranquilamente alguns passos, parecendo não o notar, e então, do nada, virou o rosto para trás, puxou os óculos para a ponta do nariz e gritou com sua vozinha vacilante dos confins da terceira idade:

— ÔÔÔ LÁ EM CASA!

As pessoas ao redor começaram a rir. Loukás sentiu as bochechas arderem.

Ele levou as mãos à sua túnica, sorrindo sem graça, em uma tentativa de se cobrir um pouco mais, e foi só aí que percebeu: cadê a túnica?!

— Loukás! – Paris enfim parou ao seu lado, permanentemente preocupado, e gritou como se revelasse uma descoberta capaz de mudar os rumos da humanidade: – você tá pelado!

E o Loukás-Irônico já estava com aquele sorriso sarcástico cravado no rosto, pronto para soltar uma resposta bem ao estilo "Ah, pois não me diga!" quando um homem grande, gordo, fardado e mal-humorado já chegou gritando do outro lado do seu ouvido:

— PARADO! POLÍCIA!

O cupido deu um pulo, voltando-se para ele com uma mão dramaticamente levada ao coração.

— Credo, pra quê isso? – Começou então a rir de nervoso – eu já tô parado, homem.

— Tá achando engraçado, é? Acha que eu tô de palhaçada com você? – O homem arregalou bem os olhos para ele, talvez tentando o assustar, mas tudo que conseguiu foi apenas ficar lamentavelmente feio – cadê as suas roupas, rapaz?

— A-as minhas roupas?

— É, as suas roupas!

— Ora, as minhas roupas – mais uma risada nervosa – boa pergunta. Onde estão as minhas roupas? – Voltou-se para o irmão, na esperança de uma saída – Paris?

— Em Paris? – Repetiu o policial, enquanto o anjinho invisível erguia os ombrinhos – você tá de palhaçada comigo?

— Paris, cadê a minha túnica?

— Ele tá de palhaçada comigo?! – Voltou-se para o seu colega, que, mais atrás, se limitou a também erguer os ombros. Respirou fundo então, perdendo a paciência – quer saber, Pereira, leva ele.

E o pobre Pereira, por sua vez, ainda levou uns cinco segundos para processar aquela ordem inesperada no seu cérebro meio lento. Ele tinha descido da viatura pronto para apenas dar uma bronca num moleque metido a engraçadinho que tinha decidido andar sem roupas por aí, e a parte do "leva ele", que significava leva-lo para a viatura, não tinha sido planejada e nem avisada antes.

Acontece que o outro policial, de nome Roger, decidira de repente que seria uma baita propaganda ruim para a polícia local se ele se deixasse desacatar assim por aquele rapaz na frente daquela quantidade de gente na plateia, sem fazer nada a respeito. Precisava passar a imagem de que a polícia não se limitava a prender só minorias. Por isso que, mesmo sendo absolutamente desnecessário, ele novamente bufou e executou a ordem que o pobre Pereira tinha demorado demais para executar, pegando Loukás brutalmente pelo braço e o arrastando para a rua.

— Afastem-se! Polícia! – Gritou para o povo, enquanto o loiro o acompanhava meio surpreso com o desenrolar da situação. Mais surpreso ainda ficou quando foi jogado de bruços sobre o capô frio da viatura, tendo ambos os pulsos puxados para trás enquanto o policial começava a algemá-lo – você está preso por atentado violento ao pudor!

E, exultante, esperava gritos de "muito bem!" do povo, talvez até alguma salva de palmas, pois, afinal, estava provando para eles que também era capaz de prender homens brancos loirinhos como aquele.

— Ai! – Loukás reclamou, sentindo o gancho de uma das algemas agarrar na pele do pulso. O homem prontamente o deu um solavanco na cabeça, segurando-o pelo cabelo contra o capô enquanto fechava o outro par. Começou então a rir baixinho – que grosseria!

— Cala a boca!

Ele riu mais uma vez.

— Ah, ainda tá achando engraçado? – Continuou o policial, triunfante, incapaz de parar de gritar – ir pra cadeia é tão divertido pra você?

— Não, não, é que é engraçado o seu colega estar me revistando sendo que eu estou literalmente nu.

Roger voltou o olhar para o tal Pereira. Este, afastou-se, alisando a nuca envergonhado.

— Desculpa – Justificou-se o pobre – É o meu primeiro dia, eu tô nervoso.

— Tranquilo – Loukás respondeu.

— Ele não tá falando com você! – Mais um solavanco bruto na cabeça. O cupido gemeu baixinho – Ele não pediu desculpas ao meliante! – Gritou para os curiosos, que ergueram as sobrancelhas, confusos. Ordenou ao novato então, mais baixo – Leva esse fedelho pra dentro do carro, antes que eu dê uns tabefes em vocês dois.

Loukás foi então pego pelos braços de uma maneira um tanto menos violenta, e conduzido para o banco de trás da viatura em conformado silêncio. Na verdade, mesmo que Paris estivesse agora ao seu lado resmungando repetidamente sobre o quão ruim era aquilo, ele até que estava mesmo achando tudo muito divertido. Ora, iria andar num daqueles carros modernos pela primeira vez! Que emocionante que estava sendo aquele dia!

O motor do carro roncou – eles deram partida dali.


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