Perdas e Danos escrita por Leo Fi


Capítulo 1
PERDAS E DANOS




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Perdas e Danos

Por Leonardo Figueira

 

Seu tênis ficou para trás junto com seu pé e o torniquete improvisado mal segurava a vida que queria sair de dentro de si. Josué, como um homem razoavelmente pragmático — característica que herdou de seu pai — sabia que não tinha muita chance de sair vivo daquele inferno. Por isso não entendia por que aquele sujeito que mal o conhecia o ajudava. Marcos era o nome de seu benfeitor. Pelo menos Josué achava que era esse o nome do sujeito, mas talvez a perda de sangue e a semi consciência estivesse bagunçando seus miolos. Josué havia perdido as esperanças de receber qualquer ajuda, antes mesmo de seu escritório desabar sobre sua cabeça, e o vergalhão atravessar seu calcanhar como a lança maldita de um demônio. Ele nunca soube o que o atingiu. Se foram aliados ou os "outros". Há mais ou menos um mês Josué finalmente conseguiu montar seu escritório de design, naquele sobrado antigo do centro. O aluguel era razoável devido ao acordo que fez com o proprietário que tinha uma rede de padarias. Ele faria todo o trabalho de rebranding e cuidaria das redes sociais da empresa do velho e teria um desconto no aluguel. "Um pacote de ganha, ganha" como costumava dizer. Tudo ia bem, Josué tinha alguns clientes que havia conquistado de sua época de "freela". Tinha um sócio, que ia duas vezes por semana, pois, preferia trabalhar de home office e uma secretária. A vida promissora e colorida que via à sua frente se tornou um terror sem tamanho, completamente cinza e manchada de vermelho, quando aquelas coisas surgiram no céu. O plantão de notícias anunciou — na smart tv tela plana, que costumava servir para demonstrar o projeto para os clientes — que buracos feitos de energia surgiram nos céus do mundo todo, causando pânico entre as massas. O instinto dizia para Josué pegar suas coisas e sair o mais rápido possível do escritório e ir até seus pais, mas sua única família não falava com ele desde o incidente com a cocaína. História antiga e superada, mas tanto ele quanto o pai eram cabeças duras. Acontece que um daqueles portais estavam a apenas 100 metros do sobrado, então sua curiosidade falou mais alto. Josué estava já na calçada para ir até onde estava localizado o fenômeno quando lembrou de levar sua câmera fotográfica profissional. Esse foi o erro que custou seu pé. Josué mal chegou em sua bolsa de fotógrafo, pendurada na cadeira do escritório, quando todo o sobrado tremeu diante daquele clarão ofuscante e então tudo ficou escuro. Quando acordou sentiu uma pontada no calcanhar e uma dor lancinante, por todo o corpo. Então, gritou.  Josué gritou até sentir o gosto de cobre em sua garganta, enquanto agonizava naquele buraco feito de destroços e poeira tóxica que antes fora seu sonho depois da reabilitação. A cabeça tonteava e seus ouvidos zumbiam com um som indistinto. Josué tinha arranhões e esfolados na pele, ele sabia que sangrava bastante pelo menos no pé e imaginava que tinha vários danos internos, por isso achou que estava sonhando quando viu a cabeça daquele sujeito completamente estranho o fitando do alto do buraco. O bom samaritano foi até ele e tentou libertá-lo. Ele se apresentou como Marcos, talvez e teve a pior ideia mais inteligente da história. Cerrar o pé de Josué usando a guilhotina de cortar papel, que de algum jeito estava intacta fora do suporte. Dadas as condições em que estavam, Josué não podia reclamar ou quase, pois gritou durante todo o processo de arrancar seu membro inferior. "Nada de jogar aquela pelada, aos finais de semana." Josué sorria e delirava enquanto era carregado inutilmente por Marcos. O mundo estava um caos fora do buraco em que estava. O que já havia sido o centro comercial e cultural da cidade era apenas escombros e corpos ocasionais espalhados aqui e acolá. Em seu delírio por falta de sangue, Josué se sentiu triste e desolado. O único conforto eram os ombros firmes e de certa forma familiares de seu salvador, no qual estava escorado. 

Ambos avançam, pelo mar de aço e concreto detonados, ou quase já que Josué era apenas um coadjuvante nesse sentido. Algo explodiu a 10 metros à direita da posição deles. O clarão criando estrelinhas em sua visão periférica. Então tiros foram ouvidos, rajadas de metralhadoras e granadas. Josué morava em uma cidade perigosa, nenhum desses sons eram novidades pra ele, apesar de morar em um bairro de classe média alta. Mas de alguma forma ele achava o som daquelas máquinas de matar mais desesperado. Uma luta pela sobrevivência estava ocorrendo ali e algo dizia para Josué não apostar nos humanos. Josué viu vultos, talvez fugindo, talvez os cercando. Marcos apressou o passo, praticamente arrastando Josué. Mais tiros e explosões se sucederam e então silêncio. Um mar de formas grotescas cercava Josué e Marcos. Talvez fosse Josué delirando, mas o que ele viu era mais do que sua criatividade de artista e designer, jamais permitiu que imaginasse. Porém o que Josué menos esperava era que sua mente fosse clarear por poucos segundos naquele momento e percebesse para seu horror e espanto como é fácil confundir o nome Marcos com Márcio, quando está com a cabeça zoada e prestes a morrer. Márcio era como seu pai se chamava. Josué não teve tempo de dizer o que sempre quis dizer para seu pai. "Sinto muito".


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