Roderick e seus doze irmãos escrita por Wi Fi


Capítulo 1
"Senhora Condessa"


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!

Aqui está o primeiro capítulo da história. Vamos ter capítulos do "presente", que é o ano de 1585, misturados com capítulos do "passado", que são a infância e juventude do Roderick. Como disse, o início de cada cap tem o ano em que o cap vai se passar, assim vocês não se perdem.
Também tentei escrever um capítulo para cada irmão, mas acabei misturando alguns irmãos juntos quando foi preciso. Fiquem atentos a nomes! Na dúvida, quando virem um nome, assumam que é irmão ou irmã do Roderick xD



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1585

 

Não chovia, mas o sol estava encoberto por algumas nuvens que teimavam em ficar no céu. Era só mais uma tarde amena de primavera, com um vento fresco que não justificava tirar dos armários os grandes casacos de pele. O orvalho que se acumulara nas folhas dos carvalhos do cemitério caía sobre a cabeça careca de Roderick.

Ele estava ajoelhando em frente à lápide. A pedra não tinha nenhum sinal de desgaste ainda. O musgo e a lama ainda não haviam se acumulado sobre as letras, que diziam: 

 

CONDE EWAN DONNE

1522 – 1585

Nobre servidor de sua terra. Senhor, pai e marido.

Um velho pássaro que morreu em seu ninho.

 

E com estas três frases, toda a vida de seu pai estava descrita num simples epitáfio.

Parecia digno. Lorde Ewan nunca for a um homem de muitas palavras, fosse para expressar ira ou afeição. Fazia sentido sua vida ser resumida de maneira semelhante.

Ao mesmo tempo, aquele homem infinitamente inconsistente, complexo e conflituoso que Roderick conhecera parecia grande demais para caber dentro daquele buraco na terra.

Do lado do túmulo do conde, estava a mãe de Roderick, sua segunda esposa. Ela sim tinha a lápide enegrecida pelo tempo, não importava o quanto Roderick e seus irmãos tentassem limpá-la.

Ele sentiu um nó formar-se em sua garganta, mas decidiu segurar o choro. Havia chorado o suficiente ao receber a carta contando a notícia.

Depois de saber que o pai tinha morrido, havia tentado manter o luto para si mesmo o melhor que podia, fazendo em longas caminhadas pelos bosques e prados estrangeiros que ele por muitos meses chamara de lar. Sozinho, longe dos olhares de seus amigos e conhecidos, estava livre para chorar e soluçar o quanto quisesse, sem vergonha.

Mas é claro que esta estratégia não durara muito, e eventualmente sua querida Francisca o flagrou num momento de tristeza, prontamente oferecendo seu ombro e seu consolo.

— Estás a rezar, Roderick? – perguntou Fionna, sobressaltando o meio-irmão.

Ele não sabia dizer há quanto tempo tinha ficado ali, olhando para a lápide, nem há quanto tempo ela estava ali a encará-lo.

— Não – respondeu ele, se levantando e voltando-se para a recém-chegada – Só prestando alguma homenagem.

— Fui procurar-te no castelo. Assumi que irias querer descansar da viagem.

— E quero, mas achei que seria desrespeitoso fazer isso antes de vir me despedir do pai.

A boca de Fionna se contorceu, e seus olhos também baixaram para a lápide. Ela era um dos poucos filhos que herdaram o cabelo ruivo de Lorde Ewan, embora a enorme marca de nascença que tinha no pescoço chamasse mais a atenção do que seus cabelos de fogo. Também herdara a tendência a poucas palavras. Da última vez que tinham se visto, dois anos antes, Fionna mal parecia ter atingido a meia idade. Agora, entretanto, o tempo fizera-se notar nela. Seu rosto altivo ganhara rugas, e seu cabelo começara a ficar grisalho.

— É uma pena que este seja o motivo pelo qual tiveste que voltar para casa – Fionna murmurou.

— Sim… bem, eu teria que voltar eventualmente – Roderick disse, batendo a terra dos joelhos – Tenho que te chamar de “Senhora Condessa” agora?

Era uma brincadeira, mas Fionna não pareceu ter notado.

— Não. Só em situações formais, como fazíamos com o pai. Falando nisso – ela respondeu – Precisamos começar a tratar de fortalecer nossas alianças.

— Certo. É claro.

Eles se puseram a caminhar para for a do cemitério da família, em direção ao castelo que também pertencia aos Donne desde o início dos tempos, com suas paredes de pedra cobertas por heras e espigões.

Roderick crescera ali, mas agora seu lar parecia menos convidativo do que se lembrava. Talvez fosse o medo de algum fantasma do pai permanecer em suas paredes. Talvez fosse porque ele havia passado os últimos vinte meses numa terra quente e paradisíaca onde o sol sempre brilhava, ao contrário dali.

Fionna usava o diadema prateado que um dia pertencera à avó deles, mãe do lorde Ewan. Saye não tinha direito a uma coroa, haviam perdido seu estatuto de reino havia muitas décadas, mas, mesmo assim, Fionna tinha um ar de monarca. A vida de líder, entretanto, deixava suas marcas. Ela era condessa há poucos meses, e já parecia muito cansada.

Talvez isso explicasse o pai deles, Roderick pensou. Os governantes de Saye não tinham a cabeça oprimida por uma coroa, mas sim pelo desejo de voltar a usar uma coroa, confrontado pelo medo de uma nova guerra.

Os portões do cemitério rangeram ao serem abertos por Fionna, e fecharam-se com um estrondo ainda maior. Um cheiro agradável de comida vinha da direção da vila. A caminhada e a brisa pareciam revigorar Roderick, aos poucos espantando as dores que sentia em suas juntas e cansaço geral da viagem.

— Nossos lordes todos já vieram prestar juramento de vassalagem a ti? – indagou ele.

— Dos sayenos, apenas os lordes fronteiriços hesitaram em dobrar o joelho. Eventualmente vieram, mas eu ainda não confio neles. Alguns dos lordes das Ilhas também vieram nos visitar.

— Então nossos velhos amigos continuam fiéis.

— É o que me parece. O que me preocupa mais são nossos aliados estrangeiros – continuou Fionna – Eles são amigos teus, não meus. Preciso que garantas que Saye como um todo pode confiar neles na hora de necessidade.

— Queres que eu viaje pelo continente, então? Posso começar por Norstad, eles têm boas lembranças de mim.

— Acabaste de chegar, Rod. Não vou te forçar a ir embora tão cedo – Fionna balançou a cabeça, afastando a ideia – Podes começar por escrever para os teus conhecidos. E se for preciso, vais visitá-los. Além disso, a primeira coisa que devemos fazer é o teu casamento com aquela tua menina de Daire.

Roderick subitamente ficou sem graça e desviou o olhar para a relva molhada aos seus pés. Primeiro, havia anos que Fionna não o chamava por seu apelido de infância. Segundo, não esperava que fosse se casar assim tão rápido.

Não que ele não quisesse. Ele amava Francisca ardentemente, e ela o amava de volta – mesmo que talvez em menor dose, e de sua própria maneira. Os dois haviam sido amantes por bons e longos meses em Daire, em segredo da maioria da corte, e estavam satisfeitos com esse arranjo, sem responsabilidades, sem serem públicos. Um casamento, do nada, e de tão alto escalão, era um pouco intimidador.

— Ela tem nome, a “minha menina” – Roderick comentou.

— Eu sei, mas o dairense é um idioma muito estranho.

— Se ela se tornar minha esposa, espero que aprendam ao menos a dizer o nome dela. Eu consegui.

— Acrescentarei esta preocupação à minha lista de afazeres assim que ela pisar em Saye – Fionna resmungou ironicamente, e apressou o passo.

Eles agora chegavam à entrada principal para o castelo. Dois soldados prontamente fizeram reverências aos dois irmãos, e um terceiro abriu a enorme porta de madeira. Roderick cumprimentou os criados, mas Fionna seguiu em frente, parando em frente às escadas que levavam aos salões.

— Tenho agora que me reunir com alguns velhos conselheiros do pai – ela murmurou – Desculpe, Roderick. Não quis ser insensível sobre a tua amante. Tenho certeza de que ela é adorável.

 - Não me ofendeste – ele assegurou, colocando uma mão no ombro da irmã – Onde está o meu sobrinho?

— Está com o pai dele e o resto dos Blackwood. Achei que seria melhor assim.

Roderick ergueu uma sobrancelha.

— Não achas que seria bom para ele acompanhar de perto a vida de líder do condado? – questionou.

— Claro que acho. Quero ensinar ao Nicholas tudo que o pai me ensinou. Mas antes… antes tenho que arrumar esta bagunça – Fionna gesticulou vagamente para tudo ao seu redor – Não te preocupes, ele vem para o teu casamento.

O casamento que eu acabei de descobrir que vou ter, mas que tu claramente já estiveste a planejar, pensou ele. Mas decidiu não dizer nada por ora. Fionna não estava em um bom dia.

— Bom, quando o Nicholas estiver aqui vou levá-lo cavalgar, eu, tu e ele. Deve estar ansioso para passar algum tempo contigo – sugeriu Roderick.

— Está – Fionna respondeu, contorcendo a boca novamente – Há séculos que não cavalgo… nem sei se os cavalos ainda me reconhecem.

— Ah e achas que eles teriam a ousadia de não reconhecer a condessa de Saye?

Ela assentiu distraidamente, sem parecer ter ouvido. Por fim, deu de ombros e disse:

— Fico muito feliz por estares de volta, irmão. Tua ajuda é muito necessária.

— Eu estou feliz por estar de volta – assegurou Roderick - E sabes que farei tudo por Saye.

— Eu sei, obrigada. Descansa, Rod. Direi ao Nick que queres cavalgar com ele, ele vai ficar feliz, mas eu estou demasiado ocupada.

Fionna virou-lhe as costas e seguiu seu caminho para algum dos antigos escritórios ou salões do primeiro andar. Roderick decidiu ouvir o conselho de sua irmã, e seguiu para seu quarto.

Enquanto subia as escadas, um pensamento ocorreu-lhe.

Ele não chegara a perguntar a Fionna como estava se sentindo sobre a morte do pai. Mas ela provavelmente se esquivaria da pergunta, ou diria que estava perfeitamente bem, mesmo que fosse mentira. E honestamente, tendo que ocupar a difícil posição de condessa, ela teria pouco tempo para processar estas emoções.

Roderick subitamente sentiu-se muito privilegiado por poder ter chorado e ficado deprimido por dias enquanto ainda estava em Daire, longe dos olhos de Saye inteira.

Em seu quarto, chutou as botas para um canto, descuidadamente, e deixou-se cair sobre a cama. Os empregados já haviam trazido todos os pertences que Roderick quisera que viessem com ele de Daire, bem guardados em menos de uma dezena de baús.

O quarto era o mesmo que ocupara durante toda sua vida morando naquele castelo, e que na infância dividira com sua irmã mais nova Griselda, e depois na adolescência, com seu irmão mais velho Finley. Roderick conhecia em detalhe as linhas de suas paredes de pedra, os cantos onde a poeira se acumulava, as dobradiças que rangiam no inverno e o vão atrás da porta, onde ele se escondia para assustar as irmãs e as governantas.

Fazia menos de dois anos que ele o havia deixado, mas tanto em sua vida havia mudado que parecia que o homem que uma vez ocupou aquele quarto era um completo estranho.

A cama era o único móvel que havia sido substituído, Roderick notou imediatamente. Tinha o dobro do tamanho de sua cama antiga. Um leito de casal. Há quanto tempo teria Fionna decidido que Roderick e Francisca se casariam?

Ele espreguiçou-se por cima dos cobertores, ouvindo seus ossos se estalarem agradavelmente e a dor que constantemente tinha nas costas desapareceu. Mesmo assim, o colchão não era nem de longe tão macio quanto os que tivera ao seu dispor nos últimos meses, no Sul. Sua estadia em Daire o deixara mimado.

Deitou-se de bruços, com a cabeça voltada para o lado direito, vazio.

Imaginou sua querida Francisca ali, deitada ao seu lado, a dormir com o suave ressonar que emitia quando estava em sono profundo; ou então, deitada sobre o peito dele, sorrindo enquanto ele lhe acariciava o cabelo.

Pobre coitada, arrastada até aquela terra longínqua, fria, estéril, acidentada, bruta. Será que ela o odiaria por isso? Por fazê-la abandonar sua corte confortável para estar ao seu lado?

E quanto ao resto de sua família? Francisca sempre ficava maravilhada com o facto de Roderick ter tantos irmãos, e demonstrara grande curiosidade para conhecer todos eles, mas ele secretamente temia que sua família não gostasse dela e de seus hábitos de alta nobreza. Temia que ela parecesse esnobe para eles.

Pensou em seus irmãos. Lorde Ewan tivera treze filhos de cinco mulheres diferentes, cada um deles com sua própria relação complicada com a família Donne.

Como Roderick possivelmente conseguiria colocar sua esposa no meio de tudo aquilo?


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Notas finais do capítulo

O que acharam até agora? Este capítulo era para ser um "prólogo", mas acabei tratando como um capítulo normal. Pensem nele como o "Fionna - hoje". O próximo será o "Fionna - passado". Espero que tenham gostado! Comentários são sempre bem vindos!!