Regras que quebrei por você escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 2
Capítulo 2 – O mundo recomeça




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Capítulo 2 – O mundo recomeça

De todos os cinco testes, apenas um deles havia constado como negativo, o de validade mais antiga, que talvez realmente não estivesse mais funcionando. Mas não precisavam de mais deles agora que tinham certeza, um mês depois, quando a barriga de Wichita começou a se tornar evidente, mesmo que muito pouco por enquanto. O grupo se sentia tão radiante quanto preocupado. De alguma forma, apesar do risco maior, isso lhes dava mais vontade de sobreviver. E felizmente os zumbis não davam sinais de perceber que Wichita tinha um ser indefeso dentro dela, e que seria um lanche duplo se a mordessem, ou simplesmente não fazia diferença para eles, ao menos enquanto o bebê não crescia, o que certamente restringiria seus movimentos e agilidade. Por enquanto estavam mais preocupados em protege-la de grupos de humanos potencialmente perigosos e mal intencionados. Mas eles pareciam ter sorte, e continuavam não se encontrando ou se esquivando facilmente de pessoas assim.

E a gravidez em nada diminuiu sua capacidade de combate. Columbus é quem estava constantemente tendo mini ataques cardíacos com medo de algo lhe acontecer, do impacto dos disparos prejudicar o bebê, de algum susto, movimento brusco ou estresse causar algo ruim para ela ou para o filho. Mas Wichita parecia bem. Ela prometera ao marido que pegaria mais leve conforme a gravidez avançasse, ainda que nem sempre tivessem essa opção. Todos eles estavam tentando poupá-la de atividades mais agitadas mesmo assim, o que às vezes a irritava, e somente seu laço com a irmã era capaz de acalmá-la, quando Little Rock começava a brincar com ela por alguma coisa, relembrar momentos felizes do passado, ou falar do quanto o bebê seria fofo, e que com sorte não seria medroso como o pai, o que acabava com as duas e Tallahasse gargalhando.

Às vezes ficavam com medo. Dos boatos da cura serem o precedente para algo pior, ou que o que quer que fosse que havia no ar agora pudesse matar os humanos também num prazo maior. Encontrar um grupo de zumbis caídos sem dano algum aparente, próximo ao mercado em que tinham ido procurar suprimentos da última vez, foi tão excitante quanto assustador. Semanas depois se encontraram com sobreviventes vindos de outra região do país, que confirmaram ter visto o mesmo acontecer por lá, com uma horda de zumbis desfalecendo instantes antes de conseguir alcançá-los, e agora seguiam para outra cidade, na esperança de encontrar parentes ou amigos vivos. O grupo também tinha uma jovem grávida, um pouco mais avançada que Wichita, e as duas se tornaram amigas imediatamente. A moça felizmente também tinha a sorte do pai de seu bebê estar vivo, e junto com o grupo, e agora já eram duas famílias crescendo no novo mundo.

Mil questionamentos e possibilidades se formavam em suas cabeças ao tentarem imaginar a humanidade se refazendo, ainda que isso fosse levar anos sem fim depois de tudo que havia sido perdido. A moça também deu a Columbus e Wichita alguns dos brinquedos que vinham coletando nos últimos meses, desejando felicidades e saúde para o bebê, e que um dia tivessem a sorte de se reencontrar, e quem sabe seus filhos poderiam brincar juntos. Nevada, Tallahassee e Little Rock também fizeram amigos com o novo grupo, e todos eles conversaram por vários minutos enquanto procuravam itens para bebês em mais uma farmácia abandonada. No início da tarde, os novos amigos se despediram e retomaram sua jornada, partindo de carro pela estrada mais próxima.

É assim que vinham passando os meses. Cabana, busca de suprimentos, rondas anti zumbis e intrusos, cuidar de Wichita, matar os zumbis que encontravam ocasionalmente, cada vez em menor número, e aguardar a chegada do novo membro da família. Eles tinham conseguido encontrar roupas de bebê, e Nevada tinha tricotado algumas depois que conseguiu achar material em uma loja abandonada, talento que até então não sabiam que ela tinha, e que acabou caindo nas graças de Little Rock, surpreendentemente, que agora estava aprendendo com a mais velha. Tallahassee ora falava do quanto estava orgulhoso, ora até chorava pensando em seu próprio filho, mas acabava sorrindo ao pensar na ótima chance que a vida estava lhe dando agora, ainda que o bebê não fosse seu. Ah! E lembrando por último, mas não menos importante. Wichita deixara o marido voltar a beijá-la dois testes e algumas semanas depois da descoberta, quando tiveram certeza de que ela não estava doente, e tudo que conseguiram fazer foi sorrirem um para o outro e trocar um beijo demorado.

Procurar por livros também se tornou um hábito, conforme todos eles tentavam ficar o mais informados possível sobre como um parto deveria ocorrer, o que fazer se algo parecesse errado, quais remédios ou ervas ter por perto, e como cuidar do recém nascido. Todos eles tinham algum conhecimento sobre isso, do que tinham ouvido na escola ou de suas famílias. Mas viver a situação era bem diferente de ouvir e imaginar, principalmente num mundo onde não havia mais médicos ou hospitais para ajudar. Conforme os meses passavam, Wichita parecia bem, e a chance de algo errado acontecer parecia pequena, mas ainda os assombrava, especialmente à própria gestante.

Wichita parou de acompanhá-los nas buscas por suprimentos aos sete meses, e nunca a deixavam sozinha em casa. Ela saía por perto para caminhar e relaxar, e todos eles mal acreditavam que chegaram ao ponto de fazer um mês que não se deparavam com zumbi algum nos arredores, embora ainda houvesse alguns na cidade. Os T700 e 800 pareciam ser mais resistentes à cura, mas também estavam começando a diminuir e aparecer mortos sem danos por aí. E assim conseguiram chegar todos vivos e em segurança ao que acreditavam já ser os nove meses de gestação de Wichita. Agora, no mínimo dois deles estavam sempre perto dela, e um kit de emergência estava sempre pronto no armário para quando o bebê chegasse.

— Eu mal acredito em tudo que tem acontecido – Columbus falou, abraçado à esposa enquanto observavam os arredores da varanda numa manhã de sábado, sentados nos degraus de madeira da cabana.

— Nem eu... Por quase quatorze anos eu tinha certeza que íamos morrer fugindo.

— Eu também. Você acha que é verdade tudo o que andamos ouvindo dos outros sobreviventes?

— Não sei. Você é o nerd. Me diga você – ela brincou, ouvindo-o rir.

— Parece que no final das contas The Walking Dead não é tão falso assim.

— É.

Eles compartilharam um silêncio agradável por alguns minutos, enquanto brincavam com o filho ou filha, que se movia suavemente sob a pele e o vestido da mãe.

— Ele tem se movido pouco nos últimos dias – Wichita falou – Tava começando a me preocupar.

— Você acha que talvez...

Columbus não chegou a terminar a frase, porque de repente a respiração de Wichita ficou presa e seu olhar em alerta. Columbus olhou em volta, pensando que talvez ela tivesse visto alguém ou algum zumbi, mas ela não pegou a arma que estava ao seu lado como normalmente faria.

— Ai...

— O que há de errado?

— Dói. E eu senti uma contração.

Columbus arregalou os olhos, mas tentou respirar fundo e manter os pensamentos no lugar, levantando-se para ajudar a esposa a fazer o mesmo, e recolhendo as armas de ambos do chão.

— Vamos entrar, vou chamar Little Rock e Nevada.

— Ainda não. Eu quero andar um pouco. Foi só a primeira vez, e ainda vai demorar muito. Não quero ficar entediada esperando.

— Querida...

— Só um pouco. Aí entramos pra esperar. Você vai ficar comigo, não vai?

Columbus de derreteu um pouco ao ver um traço de medo naqueles olhos verdes que sempre faiscavam cheios de certeza.

— É claro que vou – respondeu com convicção ao beijá-las nos lábios.

Ele prendeu as duas armas ao coldre em sua cintura, e enredou o braço no da esposa, ajudando-a a caminhar em volta da cabana. Eles mantinham a grama baixa, a fim de impossibilitar que qualquer criatura ou pessoa se escondesse ali, e tornando mais fácil ver algumas flores coloridas que cresciam aqui e ali, as quais Wichita revelara gostar bastante.

— Se as coisas continuarem indo bem e os zumbis sumirem... O que você quer fazer? Pensa em sair daqui?

— Não tenho certeza – ela respondeu – Todos teríamos que estar de acordo. Eu gosto daqui. Não haveria nada muito diferente morando mais perto da cidade ou dentro de uma. Não há mais shoppings, escolas e parques funcionando pra tornar isso mais divertido. Quem sabe se os zumbis realmente morrerem... Podemos em algum momento passar um dia no Pacif Playland sem virarmos comida – ela sorriu.

Columbus riu.

— Não ficou traumatizada?

— Acho que fiquei com cada lugar que passamos desde que isso começou. Mas Little Rock ainda gosta muito de lá, só não quer andar mais naquele brinquedo. E nem eu.

— Nem eu quero ver mais palhaços lá. Já que o mundo tá recomeçando... Podíamos criar uma regra geral de abolir os palhaços da Terra.

Wichita riu.

— Muitas coisas seriam abolidas se quiséssemos tornar isso justo pra todo mundo que sobreviveu por aí, até algumas bem essenciais, como insetos, por exemplo.

— Você tem medo de insetos?

— Não, mas tem pessoas que sim. Que nem você tem de palhaços, foi só um exemplo... Você quer sair daqui?

— Não sei ao certo, mas penso nisso às vezes. É bom viajar pra lugares novos, mesmo com tudo isso.

— Diz o nerd que se recusava a sair de casa.

Os dois riram juntos, e Wichita diminuiu o passo quando outra dor a atingiu, um pouco mais forte que a anterior.

— Se a próxima for pior, vamos entrar. Não quero que minha bolsa estoure aqui fora, não sei o que vou sentir com isso.

— Devíamos deixar os outros a postos. Só mais uma volta.

Ela concordou, e continuaram conversando enquanto terminavam de circular a cabana, também atentos a movimentos suspeitos no entorno. Quando chegaram à entrada, seguiram para dentro, onde o casal mais velho e sua irmã estavam jogando cartas na sala.

— Gente... O jogo vai ter que ficar pra depois – Columbus falou.

— É agora?! – Little Rock perguntou em expectativa.

— Eu acho que sim – a irmã respondeu.

— Vamos preparar o quarto – Nevada lhe disse, já se levantando com Little Rock – Querido, fique de olho nas entradas e saídas, e nos arredores – ela disse ao marido.

Tallahassee assentiu, também levantando-se para encarar o casal mais novo.

— Eu estarei aqui fora se precisarem de mim. E vai ficar tudo bem – ele disse a Wichita com uma calma que não costumava ter – E não desmaie, ela vai precisar muito de você – ele disse a Columbus – No fim das contas, é esse coração mole que vai fazer você ser um ótimo pai pra essa criança.

— Obrigado, Tallahassee – respondeu com ironia e gratidão ao mesmo tempo.

— Obrigada – Wichita sorriu antes de seguir os demais.

Rapidamente Little Rock reuniu tudo que precisariam numa mesa, deixada no quarto do casal para isso, e Nevada preparou água para ser aquecida mais tarde, enquanto Columbus ajudava a amada a se trocar para roupas mais confortáveis e folgadas. Horas se passaram conforme as dores de Wichita pioravam. Dentro desse tempo eles se distraíram contando histórias, ajudando-a a tomar banho, o que aliviou bastante seu desconforto, e fazendo apostas sobre o gênero do bebê, ou se seriam gêmeos, o que achavam improvável. Columbus e Nevada estavam felizes com qualquer resultado que tivessem, Tallahassee desejava ser avô de um menino, Little Rock queria ser tia de uma menina, e Wichita sentia que estava carregando um menino, embora uma filha fosse deixa-la igualmente radiante.

Tallahassee olhou para a janela no primeiro andar, ainda que estivesse bloqueada pelas cortinas, quando ouviu Wichita gritar, seis horas depois do começo de tudo. Ele estava fazendo uma ronda no entorno da cabana.

— Seja forte, Krista – ele disse como uma prece antes de continuar sua verificação por zumbis e intrusos.

Dentro do quarto, Columbus segurava a mão da esposa e ocasionalmente secava suas lágrimas, enquanto Little Rock preparava alguns itens na mesa e Nevada observava Wichita.

— Você... Já consegue vê-lo? – Wichita perguntou a mais velha.

— Ainda não – a mais velha respondeu – Mas acho que isso acontecerá em breve pelo que você nos descreveu estar sentindo.

Wichita assentiu, fechou os olhos e trancou os dentes quando mais uma onda de dor veio.

— Eu mato você se me engravidar ne novo – ela ameaçou o marido, ao que Columbus optou por não irritá-la respondendo verbalmente, e apenas trocou um olhar com Nevada e assentiu, continuando seu afago no cabelo na esposa, que parecia grata pelo consolo apesar de xingá-lo.

— Vamos vê-lo logo – Columbus disse suavemente.

— Deus te ouça – Wichita murmurou antes de empurrar novamente.

Às vezes ela parecia exausta, e fechava os olhos como se estivesse desmaiando, precisando de todo o autocontrole dos três para não enlouquecerem enquanto chamavam sua atenção para mantê-la consciente.

— Querida, isso vai acabar logo, mas tem que ficar acordada.

— Eu sei disso – ela murmurou em resposta, meio irônica, meio cansada, e emitiu um grito mesclado com choro quando uma dor muito maior veio antes que empurrasse novamente.

Nevada e Little Rock sorriram, respirando aliviadas.

— Mana, estamos vendo a cabeça dele.

Wichita riu e chorou mais ao mesmo tempo com tudo que estava sentindo, física e emocionalmente.

— Finalmente – respondeu na voz mais firme que tinham ouvido dela nos últimos minutos – Deve ser por isso que dói tanto.

Ela respirou em relaxamento quando Columbus beijou sua testa e acariciou sua mão com o polegar. Ela o tinha xingado algumas vezes até aqui, e provavelmente quase quebrado sua mão algumas vezes também, mas ele permanecia cheio de paciência e carinho com ela, apesar do quanto ele se sentira em pânico nos últimos meses ao pensar no momento de agora, e Nevada e Tallahassee sempre tinham que tranquilizá-lo.

— Obrigada – Wichita sussurrou para ele quando ainda estava próximo, vendo-o sorrir e sentar novamente ao seu lado, nunca soltando sua mão.

— Você tá com fome ou com sede? – Little Rock perguntou.

Wichita respirou enquanto tentava absorver o que a irmã tinha dito.

— Não acho que consigo comer agora.

— É bom você manter o organismo hidratado, isso ainda pode demorar – Nevada sugeriu.

— Não me diga isso – Wichita lamentou – Eu quero beber água.

Ela silenciou para empurrar mais uma vez enquanto Nevada trazia um copo de água para ela, e Columbus a ajudava a se posicionar para conseguir beber. Meia hora se passou até que o trabalho avançasse e metade do corpo do bebê estivesse para fora. Ela estava chorando e parecia em pânico por um momento. Tallahassee até mesmo fez uma pausa em sua ronda para vir até a porta do quarto perguntar se Wichita estava bem ao ouvi-la gritar mais alto, e rapidamente correr de volta para seu posto. Eles nem sabiam mais há quanto tempo estavam ali, porém, o mais velho revelou que estavam se aproximando do fim da tarde, e que incrivelmente ele não havia se deparado com qualquer zumbi ou pessoa por todo aquele tempo.

— Você tá quase lá, o mais difícil já foi – Little Rock encorajou a irmã enquanto arrumava a toalha sobre a parte já exposta do corpo do bebê e aguardava Nevada retornar com a água morna.

Wichita apertou os olhos mais uma vez e empurrou com toda a força que lhe restava, deixando seu corpo cair exausto contra os travesseiros enquanto tentava recuperar o fôlego e via o olhar preocupado do marido sobre ela. Mas o choro do bebê chamou a atenção de todos, fazendo-a chorar e mais uma vez receber um beijo do amado, dessa vez em sua têmpora, e senti-lo sorrir contra sua pele. Wichita tentava respirar e ver o filho ao mesmo tempo.

O olhar de Nevada se derreteu quando ela retornou ao quarto, colocando um balde e uma bacia sobre a mesa, e voltando a fechar e bloquear a porta.

— É um menino – Little Rock sorriu, apesar de seu desejo de ser tia de uma menina – Scott?

— Sim – Columbus respondeu com um sorriso que não deixaria seu rosto tão cedo.

— Me dá ele – Wichita pediu.

— Um momento, mana – a mais jovem pediu enquanto limpava parcialmente o menino com uma das toalhas, lhe dariam banho depois que ele passasse algum tempo com a mãe.

— Ele é uma gracinha – Nevada falou com um sorriso enorme.

Wichita respirou fundo quando a irmã colocou o filho sobre seu peito. Ela nunca fora muito maternal, e sua irmã fora o mais próximo que ela tinha chegado de ser mãe de alguém, especialmente depois que o mundo acabou. Mas seu coração se encheu de um sentimento maravilhoso ao ver seu filho, e seus dedos correram pelos cabelos molhados do pequeno e por suas costas enquanto tentava acalmá-lo.

— Shhh... – murmurou para o menino, que reduziu seu choro a resmungos baixos até silenciar – Ele é tão fofinho.

— É sim – Columbus concordou, sua voz tão emocionada quanto a dela, e repousando a mão sobre a da esposa nas costas do filho, que parecia ter caído no sono, e sentindo sua pele suave.

O pequeno estava avermelhado e ainda não tinham certeza da cor de seu cabelo, mas ele parecia bem de acordo com tudo que tinham conseguido aprender em todos aqueles meses. Wichita respirou fundo e se permitiu fechar os olhos e descansar. Ainda sentia um pouco de dor e sabia que o processo não estava 100% completo, mas seu bebê estava aqui, os dois tinham sobrevivido, ela poderia lidar com o restante.

— Você tá bem – Little Rock perguntou preocupada, fazendo-a abrir os olhos novamente.

— Sim – tranquilizou a irmã – Você... Acha que falta muito?

— Não. O pior já foi.

Scott murmurou baixinho e abriu os olhos, chamando novamente a atenção de seus pais. Não era possível ter certeza da cor, parecia algo entre cinza e azul. E foi a coisa mais linda que eles já tinham visto quando ele firmou o olhar com o de sua mãe, que sorriu para ele.

— Acho que você deveria tentar alimentá-lo, é importante na primeira hora de vida – Nevada sugeriu.

— Ele meio que passou nove meses se alimentando junto comigo. Como ele pode saber o que fazer agora ou se tá com fome?

— Todos os seres vivos desse planeta têm um instinto de sobrevivência. Até os não vivos tem. Acho que é a mesma coisa – Nevada respondeu com um sorriso – E os médicos e estudiosos do assunto sabiam disso.

— Sobrevivemos bem até aqui. Vamos descobrir o que fazer agora também – Columbus falou, usando uma mão para acariciar seu cabelo, e a outra para brincar com a mãozinha do filho.

— Me deixa ajudar. Vamos cortar e prender o cordão e colocá-lo na posição certa pra mamar – Little Rock se ofereceu.

O bebê reclamou novamente ao ser perturbado em seu descanso, mesmo sem ser afastado do calor confortável de sua mãe, mas a mais nova não decepcionou como tia, falando baixinho com o menino e sendo o mais delicada possível enquanto ela e Nevada faziam o procedimento e amarravam o cordão da forma correta. Depois disso, ajudando Wichita a se posicionar melhor, Little Rock abriu os botões da camisola da irmã e acomodou o bebê sobre sua pele na posição correta, segundo todos os livros que tinha lido. Levou algum tempo, mas o pequeno Scott entendeu o que fazer, e estava agora sugando o seio da mãe enquanto ela o abraçava e Columbus observava os dois com um sorriso bobo. Normalmente Little Rock reviraria os olhos e diria como ele parece um idiota assim, mas até ela estava achando a cena comovente e bonita.

Em mais algum tempo o processo estava completo, todo o material limpo ou descartado, e a noite começava a cair. Felizmente, e para o alívio e gratidão de todos, Wichita não tivera nenhum sangramento intenso e difícil de conter, e parecia perfeitamente bem, apesar de exausta. Nevada e Little Rock tinham saído um pouco para lhes dar um primeiro contato sozinhos com o filho, e com o passar do tempo a pele de Scott clareou, seu cabelo assumiu um tom de louro escuro quando secou, mas seus olhos ainda pareciam azul acinzentados.

— Dave...

— Você tá me chamando pelo meu verdadeiro nome? – Columbus sorriu.

— Hoje nós podemos.

— Certo – ele assentiu, beijando sua têmpora enquanto ela tinha o bebê dormindo em seus braços.

— Eu fiquei pensando nisso todos os dias quando fugi antes de nos casarmos. Eu queria perguntar assim que te vi de novo, mas não tive coragem. E eu tava com tanta raiva, de tantas coisas.

— Eu sei. Me desculpa, de novo.

— Será que isso vai acabar mesmo? É tarde demais pra sentir de novo tudo que sentíamos antes do mundo acabar? Pra algum dia nos chamarmos por nossos nomes sem medo?

— Bom... Acho que a resposta tá dormindo bem aqui na nossa frente – ele sorriu.

Wichita riu baixinho.

— É, eu também acho... Você tá feliz?

— Krista... Eu tô mais feliz do que o Talahassee quando Nevada encontrou aquele livro de receitas com twinkies.

Ela se esforçou para não gargalhar e acordar o filho. Quando isso aconteceu, três meses atrás, Talahassee ficou tão feliz que parecia que tinha ganhado munição infinita para matar zumbis, e passou dois dias inteiros comemorando.

Batidas na porta interromperam o momento, mas bem, eles tinham conseguido ter belos quarenta minutos sozinhos.

— Sou eu – Little Rock respondeu.

— Entra – a irmã lhe disse.

                - Eu trouxe roupas. Ele não pode ficar só de fralda e manta pra sempre.

                - Obrigada.

                Eles se divertiram por um tempo enquanto a mais jovem ensinava Columbus a vestir o filho com um macacão bege estampado com ursinhos coloridos.

                - Ava – Wichita chamou.

                Little Rock a olhou surpresa, piscando enquanto assimilava o que tinha ouvido.

                - Voltamos com os nomes agora? – Ela sorriu.

                - Não sei – a mais velha deu de ombros – Mas só por hoje, quem sabe...

                Ela assentiu.

                - Ethan ainda não o viu. Tá tudo bem lá embaixo?

                - Sim. Ele e Zoe tão conversando. Nenhum zumbi ou pessoa no perímetro.

                - Ótimo.

                - Vou chamar os dois.

O casal novamente passou os minutos admirando seu bebê enquanto os mais velhos chegavam junto com Little Rock. Nevada sorriu ao ver a expressão do marido mudar completamente e se derreter ao ver o neto. Tallahassee caminhou para o lado de Wichita, que o convidou para se sentar na beirada da cama, e cuidadosamente pôs o bebê em seus braços. Scott se mexeu, mas continuou dormindo. Os olhos do mais velho se encheram de lágrimas, e o grupo o observou em silêncio compreensivo enquanto ele chorava em silêncio, todos conseguindo sentir com força a lembrança de seu pequeno Bucky.

— Eu juro que eu vou protege-lo com a minha vida – Tallahassee falou com seriedade olhando para os dois.

— Só temos a te agradecer por isso – Columbus sorriu.

— Eu digo o mesmo – Wichita completou.

Nas horas seguintes eles se revezaram para as rondas noturnas enquanto Wichita descansava e Columbus lhe fazia companhia. Ele se deitou ao lado da esposa enquanto observavam o filho adormecido no bercinho que Tallahassee e Nevada tinham feito para ele.

— Até parece um sonho – Columbus falou, abraçando a esposa pelas costas e entrelaçando seus dedos nos dela, que retribuiu o gesto, e os dois observaram o anel que ele tinha lhe dado quando a pediu em casamento, e que ela ainda usava de vez em quando junto da aliança.

                Wichita riu.

— Ainda bem que aconteceu de verdade – ela disse.

— É – ele concordou, beijando os lábios da esposa e lhe dando o sorriso fofo e amável que sempre a fazia se apaixonar um pouco mais por ele.

******

Eles tinham acabado de se instalar na nova casa, em Los Angeles, onde tinham reencontrado os amigos que fizeram quando Wichita estava grávida de Scott. Eram vizinhos agora. A filha deles era linda, e quase uma cópia da mãe, assim como Scott era quase um clone de Columbus, exceto por seus olhos, que haviam se tornado idênticos aos de Wichita quando ele começou a crescer, mudando do azul acinzentado para verde claro. As duas crianças tinham se apegado bastante uma a outra, e agora que o mundo estava começando a se parecer com algo normal outra vez, eles não tinham que se preocupar em não se verem mais a qualquer momento.

Coisas incríveis tinham acontecido. A cura era real, não havia mais zumbis há anos. Pessoas que tinham se transformado pouco tempo atrás tinham voltado a ser humanos diante dos olhos de alguns sobreviventes, e, infelizmente, mas necessariamente, sido submetidos a quarentena antes de reintegrarem a sociedade humana. Não sabiam se viveriam para ver o mundo voltar ao que era antes, ou descobrir como a cura aconteceu, mas estavam felizes por viver em paz novamente.

Hoje as duas famílias vizinhas estavam celebrando no jardim compartilhado, reunidos em torno de uma mesa, rindo e conversando, Scott e Elsa correndo e rindo em volta deles. Columbus passou um braço pelos ombros da esposa onde estavam sentados nos degraus de entrada da casa. Wichita sorriu para ele, abraçando com carinho o embrulho que tinha nos braços. Angel tinha nascido há duas semanas, com cabelos castanho claro avermelhados e os olhos azuis de seu pai.

— O que você tá pensando? – Ele perguntou.

— Nada... Só apreciando – Krista respondeu com um sorriso.

Eles tinham voltado com seus nomes nos últimos dois anos, numa longa e complicada transição inicialmente, mas estava tudo bem agora. Ainda se chamavam pelos nomes de suas cidades às vezes, esse era o símbolo da união deles afinal. Scott tinha sei anos agora. Sobreviventes que tinham sidos professores nos dias normais costumavam dar aulas para ele, Elsa e outras crianças e jovens que viviam por perto, muitos tendo sido adotados por outras pessoas ao longo do que estavam chamando de Era dos Zumbis. Eles descobriam coisas novas todo dia, e Los Angeles e outras cidades, agora sendo repovoadas por sobreviventes, estavam começando a reunir pessoas de diversos talentos. Algumas estavam voltando para recomeçar onde antes fora sua casa, ou para prestar homenagem a seus mortos antes de seguirem em frente para outros lugares. O mundo estava sendo redescoberto e recriado, e essa seria a esperança de um dia tudo se parecer com o que era antes.

— Mamãe, o vovô disse que antigamente os twinkies vinham em caixas ao invés do fogão – Scott falou com empolgação quando seus pais finalmente se acomodaram no banco de madeira ao seu lado – Achei que era a vovó que fazia todos o twinkies do planeta.

Os adultos riram em encantamento com a inocência do menino.

— Isso é verdade – Dave respondeu ao filho – Você podia ir ao mercado, shopping ou loja de conveniência mais próxima e comprar uma caixa cheia de twinkies. Mas as fábricas pararam de funcionar, e tivemos que aprender a fazer. Sorte que sua avó encontrou um livro com a receita antes de você nascer.

— Angel gosta de twinkies? – Elsa perguntou inocentemente a Krista, fazendo seus pais rirem a seu lado.

— Não, amor. Ela é muito pequena ainda, só pode mamar – Krista disse à criança – Quando ela crescer um pouco e aprender a comer, nós descobriremos.

— Parece que o garoto puxou mesmo a você – Ethan falou para o mais jovem – Mas que bom que tem a coragem da mãe.

— Não me enche – Dave, respondeu, ouvindo os demais rirem.

— Onde vocês estavam? – Adália, mãe de Elsa, perguntou a Zoe e Ava que finalmente se juntaram ao grupo.

— Conheci alguém interessante – Ava sorriu, dando de ombros com o olhar interrogativo de Ethan.

— Eu verifiquei, parece um bom rapaz – Zoe disse com um sorriso.

— Tem certeza? – Krista contestou – Sem baseado, violão, conversas pacifistas estranhas e falso conhecimento musical?

— Para, não me queima na frente dos nossos novos vizinhos!

Krista riu da irmã.

— Tá, eu fui uma idiota, mas isso foi há quase dez anos.

— Todo mundo é idiota de vez em quando – Ethan falou, envolvendo a esposa e Ava pelos ombros num meio abraço.

— É verdade. E agora que não há mais zumbis, acho que tudo bem – Liam, pai de Elsa lhes disse.

— Todo mundo tá aqui, acho que podemos comer agora – Ava falou, já levantando-se para buscar algumas coisas dentro de casa.

— Eu ajudo – Adália se ofereceu, beijando a testa de Elsa e a deixando aos cuidados do pai, depois seguindo junto com Zoe e Ava para dentro.

— Como está a neta mais sortuda do mundo?

— Acordando – Krista respondeu para Ethan enquanto viam a menina bocejar a e abrir os olhos.

— Bom dia, princesa – Dave sorriu e beijou os dedinhos da filha.

Em poucos minutos eles estavam todos em volta da mesa, comendo, rindo e conversando, admirando o carinho de Scott com a irmãzinha, a ansiedade de Elsa para que ela crescesse e pudessem brincar, a alegria apaixonada nos olhos de Ava, o sorriso que se tornara muito mais frequente no rosto de Ethan, a paz no olhar e nas ações que Zoe jamais perdera, a coragem que Dave descobrira que conseguia ter, a segurança que Krista achou que jamais fosse sentir novamente.

— Que bom que roubamos vocês – ela sorriu ao falar baixinho para o marido, e olhando feliz para Scott e Angel no colo dos avós.

— Que bom que fomos idiotas o suficiente pra deixar isso acontecer.

Krista assentiu sorrindo, o mesmo sorriso de gratidão, amor e alívio de quando ele as salvou em Pacific Playland, mas dessa vez foi ela a puxá-lo para um beijo.


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Notas finais do capítulo

Caso alguém tenha ficado confuso sobre os nomes:

Wichita – Krista
Columbus – Dave
Little Rock – Ava
Nevada – Zoe
Tallahassee – Ethan



Pesquisei cuidadosamente nomes com significados que acredito que combinam com os personagens, exceto o de Krista, que é dito pra nós na história. Eu nem pensei no de Nevada. xD Desde a primeira vez que a vi eu me lembrei de Zoe Saldana, especialmente porque as duas são parecidas e dubladas por Priscila Amorim aqui no Brasil. Zoe, variação do hebraico "Eva", significa "vida". Acho que combina com Nevada.

Dave e Dale têm praticamente o mesmo significado, "aquele que gosta de viver." Ethan, de origem hebraica, significa "forte; firme; sólido; resistente; duradouro". Ava significa "cheia de vida", mas em persa significa "som"; em latim significa "pássaro"; em hebraico é uma variação de "Eva", que significar "viver; vida". Krista é um nome checo que significa "escolhida por Deus", e eu adoraria saber porque ela tem esse nome, como isso se conecta com a história dela. Não sei se existe algum material contanto o que aconteceu com cada personagem até eles se encontrarem no primeiro filme. Mas se existir, alguém me diga, por favor!!



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