Eternidade — Um Conto da Terra-Média escrita por O Elessar


Capítulo 12
Capítulo 9: Uma Promessa


Notas iniciais do capítulo

Olá!
O capítulo semanal sai novamente com um pouco de atraso. Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/807352/chapter/12

Os intrépidos Magos singravam as dunas guiados por sua coragem — e por um feroz cão de nome Huan. O deserto vermelho parecia se agigantar conforme eles cavalgavam. Aquilo que deveria se estender por algumas poucas léguas parecia agora um infindável oceano de areia.

A essa altura, seguiam já por mais de três dias desde nosso último capítulo. E tudo parecia idêntico desde então.

— Você está certo de que esse cão sabe para onde vai, Alatar?

— Ora, Curumo, não era você quem acreditava na aridez como sinal de nossa presa? Tenha paciência. Estou certo de que Huan não se enganará.

Não demora para que Pallando tome a palavra.

— Há algo adiante. Está a uma ou duas léguas.

A visão de Pallando era assustadora como a de seu gavião. Ele então se volta para a ave — assentada em seu ombro — e ordena que siga à frente para analisar a situação. Em simultâneo, Alatar e Curumo se entreolham.

— “Algo”? Seja mais preciso, meu amigo.

— Uma cidade. Não vejo muralhas, mas seus edifícios são altos e erigidos em pedra escura. Não é um povo tão simples e empobrecido como os que outrora encontramos por estas terras.

Aos poucos, os Magos se aproximam do lugar… sem saber que o que veriam ali iria redefinir os rumos de sua jornada para sempre.

***

Se vos trouxe a descrição do humilde povoado de nosso capítulo anterior, creio que seja justo dizer-lhes em que consistia a cidade agora visitada por nossos protagonistas.

Foi construída no entorno de uma imensa torre escura, mas tanto seu nome quanto o da construção já foram engolidos pelo tempo. Seus edifícios eram feitos de pedras negras e perfeitamente retas, tão pesadas que mesmo os mais fortes dentre os homens, se estivessem em número menor do que dez, não poderiam erguê-las. Também aqui não se viam telhados, de modo que o topo de cada edifício era retilíneo e abria espaço para que seus arqueiros tomassem posição e vigiassem o horizonte. As pinturas traziam ao mundo algumas tonalidades de azul e vermelho, mas também havia muito dourado por todos os lados, como se ali o ouro fosse até mais comum do que a água. A torre de que vos falei possuía seus bons seiscentos pés de altura, e a seu lado estava o Palácio, que era grandioso e estonteante, dono de incríveis jardins suspensos cujo verde parecia inacreditável aos olhos de qualquer um que habitasse aquele deserto. O luxo daquele povo chegava a ser aviltante. O lugar possuía uns bons milhares de habitantes, todos de pele pele castanha e cabelos escuros, cheios de adornos e escassos de roupas. Alguns poucos trajavam armaduras elaboradas, enfeites coloridos à cabeça e pinturas de guerra ao rosto.

A cidade, entretanto, não vivia um dia comum. Ao contrário: o sol era, pouco a pouco, encoberto pela sombra de uma lua audaz. O eclipse lançava sobre o mundo uma luz avermelhada e erguia, no alto dos céus, a figura de um verdadeiro anel de fogo. Não era lá um bom presságio para nossos heróis.

Evidente, também, que o tal evento também deslocava as atenções daquele povo primitivo. Talvez por isso os Magos tenham sido capazes de se aproximar da cidade tão facilmente: os habitantes todos se voltavam, pouco a pouco, na direção da imensa torre ao centro. Caíam de joelhos às dúzias, enunciando palavras estranhas num dialeto antigo. Alguns ainda beijavam os estranhos crânios de cavalo pendurados sobre as portas. Tamanha era a devoção daquele povo que poucos se atentaram à chegada dos três forasteiros, e mesmo estes se recusaram a interromper a liturgia. Embora hesitantes, tudo o que Curumo, Alatar e Pallando receberam foram uns poucos olhares de reprovação.

O gavião pousou sobre o ombro de seu senhor, enquanto Huan se aproximou dos pés do trio. Cautelosos, todos eles apenas observavam os arredores.

— Imagino que ele estaria…

— Não estou preocupado com o inimigo agora, Curumo — interrompe Pallando, olhando fixamente para o topo da torre. Ela se posicionava quase perfeitamente sob o sol, formando no horizonte a imagem de uma tocha. — Isso exige nossa atenção imediata.

De súbito, o badalar de imensos sinos ecoa por todo o lugar. E então, de uns edifícios maiores em vários cantos da cidade, saem dúzias de soldados, arrastando consigo várias prisioneiras. Eram mulheres e garotas, jovens ou adultas, mas jamais velhas; e eram também de muitas cores e culturas, como se tivessem sido arrastadas dos quatro cantos do mundo para este lugar. Vestiam apenas vestidos brancos, coroas de louros e grilhões.

Foram arrastadas pelos cabelos em marcha lenta, atravessando as avenidas centrais na direção da grande torre. E, conforme passavam, recebiam os escarros e insultos dos nativos, todos movidos por insano torpor.

— O que querem fazer a respeito?

Antes que o Mago Branco terminasse suas palavras, entretanto, percebeu que Alatar e Pallando já avançavam ao lado de alguns soldados, se misturando à multidão e seguindo na mesma direção. Suspirou, olhou para os lados e, sabendo que isso atrasaria seus planos, os seguiu.

Os três pareciam desvanecer sempre que um guarda mais atento se dirigia a um deles. Atravessando a multidão com facilidade, fizeram uso de algumas poucas ilusões e logo chegaram ao topo da torre. Lugar privilegiado, sim, mas onde a aglomeração era muito maior que a desejada. Próximos demais da sede do evento, mesmo eles tinham dificuldades para seguir em frente.

O lugar era uma espécie de arena em formato circular, tal qual um coliseu. As extremidades se erguiam em imensas paredes escuras, recheadas de adornos e com falhas que davam espaço às estrelas do céu durante a noite. O espaço central era amplo, e uma verdadeira muralha de soldados protegia o perímetro em um cordão humano de escudos. Na multidão que os cercava, nativos se digladiavam em uma tentativa de se melhor enxergar o que se passava. Dezenas de pessoas chegavam pelas escadas, se posicionando bem próximas às paredes. Foi aqui, diante de toda essa anarquia, que os Magos enfim se afastaram um pouco mais. Pallando foi o que chegou mais próximo do centro, seus olhos observando a situação a poucos metros da parede de escudos; Alatar se agarrou a uma das colunas e ganhou um pouco de altura, conseguindo ver sobre o mar de intrusos com alguma dificuldade. Curumo, por sua vez, aproveitou uma das falhas da parede para sentar-se, de modo que mesmo seus pés estavam acima da cabeça dos demais. Assim, todos apertaram os olhos e tentaram entender o que acontecia.

Solitário, cercado pelos soldados, havia um único homem, que estava à frente de uma mesa grande e escura. Seus olhos eram tão brancos quanto seus cabelos longos. Era cego e muito gordo, de modo que suas pernas idosas já eram incapazes de sustentá-lo: estava sempre deitado sobre um tapete. Seus dedos eram retorcidos e cheios de anéis; seu pescoço carregava o peso de mil colares. Uma figura repulsiva, certamente, mas que todos observavam com bastante atenção.

Colocaram as prisioneiras de joelhos, em círculo, ao seu redor. Algumas estavam em prantos, mas outras erguiam o queixo e encaravam o destino com bravura. Alatar reconheceu, entre elas, aquela que o trouxe àquele lugar: a mãe de Yastor, de longas tranças e beleza irretocável.

Todos então se calaram, e o velho abriu os braços para os céus, anunciando sua prece:

— Dê-me clareza, ó Grande Rei! Que através dos teus olhos eu veja a verdade! Que assim nossa oferenda arrefeça tua fúria e permita que a luz retorne ao mundo.

Havia ao seu redor cerca de cinquenta mulheres. E ele apontou suas escolhas uma a uma, até que os soldados separassem doze — dentre as quais a protegida de Alatar. Os homens as arrastaram para o centro, e quase todas se debateram em agonia e desespero — mas ela não. Outros levaram para longe as que haviam restado incólumes, as lágrimas de gratidão descendo por seus rostos.

Jogaram a primeira delas sobre a mesa escura. Dois homens seguravam seus braços, e outros dois suas pernas. Um quinto homem se aproximou, desembainhando uma adaga dourada. E, quando as forças da oferenda já deixavam o corpo, o velho enunciou:
— Que teu sacrifício traga luz ao mundo.

Alatar, então, segurou o cajado com força. Seus olhos brilharam em um intenso tom de azul, e ele anteviu o que havia de acontecer. Viu nitidamente a lâmina rasgando aquela pele inocente e aquelas mãos torpes arrancando, do fundo de seu peito, um coração ainda pulsante.

Retornou à realidade e se preparou para saltar. Antes que o fizesse, entretanto, ouviu-se dos céus um estrondo.

Todos os olhares se voltaram para cima. E, se outrora um anel de fogo tomava todas as atenções, agora um verdadeiro espetáculo de luzes e cores fazia de tudo aquilo não mais que apenas uma parte da apresentação. Fogos de artifício de todas as formas e tamanhos rasgavam o firmamento; seus estrondos eram poderosos como trovões, suas cores eram intensas como jamais se havia visto naquelas terras. E, aos poucos, eles assumiram a forma de um imenso cavalo azul — que, relinchando, desceu dos céus na direção da multidão.

O caos foi tremendo. Interrompida a cerimônia, os espectadores corriam de um lado para o outro e se lançavam às escadas e ao chão. Eram acompanhados até mesmo pelos soldados, que estavam imersos em seu espanto.

Alatar e Pallando olharam para trás, e Curumo retribuiu com um sorriso. Lançando o último dos fogos, o Mago Branco deixou-se despencar, e assim se lançou do topo da torre.

Cientes de seu dever, os heróis então se lançaram à frente. Pallando bateu seu cajado contra o chão e um sopro de vento intenso fez os membros restantes da guarnição recuarem. Huan passou sob seu braço e derrubou o inimigo mais alto. Não tardou para que os adversários revidassem, mas era inútil: antes mesmo que a espada do mais veloz deles alcançasse o Mago, o gavião desceu dos céus e cravou as garras em seus olhos.

Alatar foi célere e foi esperto. Avançou pela multidão e, aproveitando o confronto empreendido pelo amigo, saltou para perto do altar com facilidade. Antes que pudessem reagir, puxou sua espada das vestes — um movimento inesperado, já que a lâmina realmente pareceu ter sido evocada, como se não estivesse lá um instante antes — e rasgou o peito nu do carrasco. Seu sangue manchou o vestido branco da mulher que servia como oferenda, e em resposta Huan e o gavião caíram sobre os demais homens, aproveitando sua distração momentânea. Pallando, por sua vez, se aproximou, tomou a prisioneira pelos pulsos e correu, conjurando uma intensa luz da ponta de seu cajado: uma estrela azulada que, de certa forma, parecia cegar os adversários e simultaneamente guiar aqueles que o seguiam.

Proveitosos do caos que se seguiu, se lançaram às escadas. Enquanto isso, nos céus, a incandescente figura de um ferreiro erguia um triunfante martelo — prestes a, com ele, castigar aqueles homens malditos.

***

Se afastaram rapidamente do lugar, se aproveitando da confusão que tomava a cidade. Os dois e suas seguidoras se encontraram com Curumo a cerca de duas léguas dali, e então, após trocarem algumas palavras, seguiram adiante. Sabiam que logo tropas seriam mobilizadas para persegui-los; por hora, entretanto, havia tempo para ganhar vantagem.

O silêncio os assolou por um momento. Alatar e Curumo iam à frente, enquanto Pallando ficou ao lado das mulheres, conversando com elas em uma tentativa de acalmá-las e compreender o que fazer. Era gentil e ia de uma a uma, sempre com um sorriso no rosto, tratando-as pelo nome e descobrindo a que lugares pertenciam e há quanto tempo haviam sido capturadas. Eventualmente chegou à mãe de Yastor, e suas palavras chegaram aos ouvidos atentos de seus companheiros.

— Teu filho nos trouxe aqui — afirma Pallando. Olha para a frente e Alatar puxa o vestido dos bolsos do cavalo, jogando-o para trás. O Mago o entrega à dona. — A senhora está bem?

Como que espelhando a própria prole, ela permaneceu calada por longos minutos. Eventualmente, o Istar tentou continuar.

— Eu gostaria…

— Eles vão voltar — interrompeu ela.

Foi a vez dele se calar. Alatar e Curumo se entreolharam com gravidade, mas permaneceram apenas como ouvintes. Aquelas palavras pareciam ecoar por todo o deserto: eles vão voltar. Embebidos em sua revolta absoluta, os Magos haviam se colocado em uma empreitada para salvar aquelas pessoas sem se atentar ao mais natural dos problemas: o que aconteceria depois? Que diferença faria levá-las de volta para casa quando seus homens estavam todos mortos e bastaria aos guerreiros do inimigo marchar uma vez mais para recuperá-las?

Tais dizeres pareceram desanimar não só os Magos, mas também às demais. Aos poucos, seus passos se tornaram mais vagarosos. O sol do fim do dia os castigava.

A mão de Alatar tremia ao segurar o cajado. Fechando os olhos e suspirando, proclamou:

— Os grilhões não tornarão a envolver os teus pulsos. — Com tais palavras, se voltou para elas com firmeza. — É uma promessa.

Conforme as primeiras estrelas da noite brilhavam nos céus, suas palavras guiaram a todos pela escuridão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Por hoje é só!
Devo entrar em período de provas na faculdade nas próximas semanas, o que pode acabar gerando um curto hiato. Seja como for, retornarei assim que possível!
Espero que tenham gostado. Até a próxima!