Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 17
XVII




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Natasha,


Minha querida! Sinto que tanto tempo se passou, mesmo que não tenha sido nada além de algumas semanas, mas espero que esteja bem.
Ontem tive um sonho. Como o sonho de uma borboleta sobre um jardim florido. Um belo, belo sonho, que logo se mesclou em uma escala cinza e transgrediu lentamente, até chegar ao limite limiar que separa um sonho neutro de um pesadelo. Se eu penso em você, estou sonhando, mas logo acordo, sabendo que este se trata de mais um pesadelo em que lhe perco.
Que coisa estranha, não concorda? Mas penso que, talvez, estes sonhos estão sendo uma premonição do que pode vir a acontecer se eu não tomar uma atitude. Então estou aqui, meu anjinho. E irei lhe contar sobre como tem sido minha vida.
No trabalho tudo tem ido bem. Estou registrado e possuo uma boa comunicação com todos ao meu redor. Os desenhistas, os redatores, editores, e por aí vai. Conheço a maioria e sei sobre a vida de alguns deles. Não sei muito, mas o bastante para me sentir cativado por eles. Acredito que isso é o que chamam de ter amigos, não é mesmo? O jornal é um bom ambiente de trabalho e sinto chances reais de crescer ali, tanto profissionalmente como intelectualmente. Agora boto a prova algo que sempre acreditei, de que estar envolto de pessoas cultas nos faz querer ser assim como elas. É isso que venho tentando fazer, e estou melhorando. Rodeado apenas de si mesmo, um homem culto se desvanece na ignorância por achar que sabe de tudo, e também por não exercer diálogos promissores com outra linha de pensamento; uma mais confrontadora do que sua própria silhueta.
Meu horário de almoço está acabando, então serei breve nessa carta, para que chegue em você ainda hoje. Encerro aqui minha timidez e covardia, e, me afrontando, quero convidá-la a ter um encontro comigo. O que achas, meu anjinho? Ainda estou a tempo de lhe pedir uma coisa dessas? Caso a resposta seja positiva, por favor, me ligue no número que deixarei aqui embaixo. Me ligue lá pelas 7 da noite, pois neste horário já estou em casa. E caso a resposta seja negativa, não precisamos mais falar sobre isso, apenas me envie mais uma carta e me permita ser o seu confidente fiel, pois isso já seria de bom grado, meu anjinho.
Aguardo ansiosamente por uma resposta tua. Tão ansioso quanto estive toda a minha vida; a espera de algo. Agora sei bem a raiz de todo esse mal: todo esse tempo indeciso, esperando por você.
Agora essa espera não é agoniante, e sim, empolgante. Quero me sentir assim novamente.

 

Com amor,
Alego.
XXXXXX-XXX

 

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Jonathan,


Meu amigo.
A seis meses não lhe envio uma carta. Deve estar com saudade, mas peço que não fique bravo comigo. Aqui encontrará minha rendição e contarei sobre tudo que tem acontecido desde a publicação daquela crônica.
Durante boa parte da minha vida fui uma pessoa niilista e amargurada, vendo o mundo da pior maneira possível e me martirizando a todo custo, mas agora abri meus olhos e essa já não é mais a minha realidade.
A verdade é que sempre fui um covarde e tive medo de viver. Não podia viver se não me escondendo em outra pessoa. Ao seu lado ou de Natasha, mas logo a perdi, e em seguida o perdi também, caindo em uma possessa depressão e pensando até mesmo em tirar minha própria vida. Como bem sabe, não venho de um lar muito amoroso, de forma que todo o amor que tive, encontrei em ti e em Natasha, e à ela dediquei todo o amor que havia em mim, mas tão de repente ela foi embora, me deixando para trás, e isso me afetou tanto que culpei a ti, meu melhor amigo, veja só!
Eu pensei que poderia esperá-la para sempre, mas temi estar perdendo minha vida aos poucos e cheguei a culpá-la por essa perda.
Minha vida se movia em uma linear constante, mas essa linha se partiu e se multiplicou, com cada parte indo para um lado independente, carregando um pedaço meu, de forma que eu nunca mais poderia ser o mesmo.
Me tornei alguém erudito não por odiar relações humanas, eu apenas não estava preparado para elas, pois temia que quanto mais me conhecessem, mais chance as pessoas teriam para ver que não devem ficar ao meu lado, e eu não suportaria perder mais ninguém.
Aprendi sobre coisas complicadas, me julguei, me entendi, me questionei, fiz tudo que pude para ser alguém melhor, mas ainda assim nada era o bastante.
Vivi sem saber o que poderia me trazer o sopro da vida novamente, já que nem mesmo Deus era capaz disso. Passei os dias vivendo por viver. Quero que saiba que eu nunca quis cessar minha vida por depressão ou tristeza. Não pense que sou um ingrato. Eu queria morrer por não enxergar mais um sentido em estar vivo. Eu não via nada na minha frente além de uma grande solidão.
Mas não só o fogo, a volta de Natasha também me trouxe um pedaço de mim que havia perdido, e, aos poucos, fui me reconstruindo, abrindo meus olhos para novos pontos de vista e compreendendo melhor minha vida em geral, em comparação com aquilo que me era mostrado por Natasha e nos livros que lia.
Durante esse mais de um ano que trocamos correspondências, consegui evoluir e compreender algumas coisas. Minha vida nunca foi uma linear constante, na realidade, essa linha sempre está se movimentando. Às vezes ela está lá em cima, às vezes lá embaixo, mas o que importa é que ela siga em frente. A vida é uma batalha, e eu não posso me dar por vencido. Sei bem que se não viver por mim, ninguém mais irá viver, e não quero ser um velho sem boas memórias.
Durante esse tempo não quis ver Natasha pessoalmente pois temia ao máximo que ela me largasse outra vez, além de supor quão irreal seria uma pessoa de sua classe estar com alguém da minha. Não somos mais crianças, mas agora sei que não devia ter deduzido tudo isso, pois desta forma negligenciei os valores de Natasha, e até mesmo negligenciei o seu coração.
Eu não sou nada, nada demais. Usando a arte como comparação, ela seria a Monalisa, enquanto eu não passo de um desenho infantil.
Enquanto esperei por Natasha, sofri internamente de forma que não podia tolerar outra pessoa ao meu lado, então resumi minhas relações humanas a nada, não deixando com que ninguém se aproximasse de mim. O problema encontrado nisso, meu amigo, era que eu não suportava ficar um minuto sozinho, sem ninguém, pois minha mente nunca me deixa em paz. Ela precisa ser neutralizada por outros assuntos, de forma que eu precisava desse veneno que são as relações humanas, embora as abomine com exuberância. Acho que após sair da fábrica me senti mais vazio do que nunca, pois o trabalho, não importa se gostamos dele ou não, é um alívio para nossa mente e corpo. Comecei a ver isso ainda mais quando saí daquele local. Veja só, eu sentia falta de meu próprio inferno!
Então me repreendi, tentando deixar essa chateação de lado e seguir vivendo minha vida, mas com o passar do tempo, mudei minha forma de ver as coisas.
Após a publicação da crônica, minha vida começou a tomar uma nova cor.
Consegui um emprego no jornal. Conheci pessoas que me queriam por perto e me edifiquei ainda mais. Porém, lá no fundo, tudo que eu mais queria era compartilhar com ela as coisas que me agradavam muito e até mesmo as que não me agradavam nem um pouco. Não queria compartilhar toda a minha vida, se não com ela. Aderi à uma filosofia de vida onde eu poderia ser apenas o seu confidente, ainda mais depois de saber que ela poderia partir para Paris e nunca mais voltar. Aceitei o meu destino e enquanto tentei me desapegar de Natasha, agradeci por viver no mesmo tempo que ela e ter a chance de conhecê-la. Além disso, não só por conhecê-la, mas também sou muito grato pelas memórias, já que elas são coloridas e não desaparecem.
Não só a ela, também agradeço ter lhe conhecido. Em um universo tão grande, eu cresci junto das duas pessoas mais maravilhosas deste mundo, e pude amar a mais maravilhosa, então não há nada triste nisso, afinal. São apenas limites, isso é o que há.
Mesmo vivendo desta forma, voltei a sentir que faltava algo. Sentia algo incerto dentro de mim, e só havia uma forma de acabar com isso, então fiz o que devia ser feito, pois somente assim poderia cessar minha agonia. Essa agonia não se limitava apenas a tê-la em meus braços ou deixá-la ir, mas sim a saber se eu poderia tê-la ou não. A agonia era complexa e significava tudo para mim. Não adiantava nada eu apenas supor e deduzir essas situações, pois as coisas do coração precisam ser deixadas a claro para todos os envolvidos, então eu precisava matar todos esses fantasmas. Precisava acabar com os "e se" e os poréns... Eu poderia amá-la de longe se soubesse que ela é feliz. Eu não precisava de seu amor, apenas de sua sinceridade. Precisava de uma resposta, e não iria encontrá-la em um sonho ou em uma fantasia. Tinha que ser algo real: então a convidei para um encontro.
Caso ela rejeitasse, não haveria algo ruim nisso, apenas um alívio. Um alívio amargo de saber que estava certo, mas ao menos eu já estava preparado para isso. Ao menos cessaria com as incógnitas. Para o melhor ou para o pior, eu só gostaria de ser lembrado para sempre.
Antes de falar sobre a resposta e a conectar ao motivo de ter passado tanto tempo sem lhe escrever nada, quero que saiba que não o fiz por mal, apenas comecei a viver minha vida um pouco mais. Vi cada pedaço de mim tomar cor e fazer sentido, e decidi que não devo deduzir se sou o suficiente ou não para outra pessoa: eu devo ser o suficiente apenas para mim. Eu sou um homem único, e não há ninguém no mundo como eu. Se eu me for, quem mais poderá ser como eu? Eu preciso me agradar, já que, no fim, serei minha única companhia. E preciso continuar aqui, pelo Alego que observava as estrelas no passado e pelo Alego que irá viver no futuro. Eu posso não saber o motivo pelo qual estou vivo, mas quero passar o resto de minha vida tentando descobri-lo.
Tive um encontro com Natasha. Na verdade tivemos vários. Temos nos visto muito agora. Eu a apoio com sua arte e ela me apoia aqui no jornal. Nos vemos quase todos os dias, de forma que as cartas já não são mais tão necessárias em nossas vidas. Para mim, a única coisa necessária hoje é tocar o seu belo rosto e olhar em seus olhos.
Os dias estão sendo corridos, pois tenho me encontrado com um editor que possivelmente irá me publicar. Acredita nisso, meu amigo? Finalmente poderei me tornar um escritor de verdade! E Natasha têm me acompanhado e me apoiado muito!
Além disso, tenho acompanhado o desenvolvimento dos quadros de sua próxima exposição, e dois quadros me chamaram muita atenção. São os mais especiais para mim. Gostaria que pudesse vê-los, mas tentarei detalhá-los ao máximo para você: O primeiro é feito a óleo e mostra três crianças em um cenário colorido. Este me remete a nosso tempo de ouro, que nunca mais irá voltar, assim como você. O segundo quadro, para mim, é o mais valioso. Da perspectiva de cima, mostra uma pequena mesa de madeira, à qual chamamos de penteadeira, na qual se encontra uma caixa de brincos branca com as bordas vermelhas. Essa caixa está meio aberta e em seu interior é possível ver muitas cartas. Intitulado por Natasha como "Meu Tesouro", esse quadro mostra a caixa onde ela guarda as cartas que recebeu de mim. Eu inclusive as vi com meus próprios olhos. Esse quadro significa tanto e me trouxe tanta emoção, que eu não sei se poderia existir algum melhor.
Eu não sei se posso amar essa mulher mais do que a amo hoje, mas ontem também pensava desta forma, então acredito que sim. Talvez eu não seja o suficiente para ela e possa nunca ser, mas não me importaria de passar o resto de minha vida dando tudo de mim para ela. Hoje ela me vê aqui e escolhe estar ao meu lado, e é isso que importa. Vivo no mesmo tempo da pessoa que eu amo, não há nada triste.
A única tristeza, que nunca irá passar, é saber que você não está aqui, meu amigo. Preciso lhe pedir perdão pelo tempo em que estive longe de você, saiba que pensar nisso me mata a cada dia. Lamentar as palavras vazias e pensamentos incessantes não mudará o passado. O que conforta meu coração são as memórias e a carta de sua noiva, que guardo comigo como se fosse um tesouro. Não passo um dia sem me lembrar de você em cada pedaço de minha vida, e sei que nunca poderei esquecê-lo, pois você me mudou para melhor, e o que sou hoje é reflexo de tudo que passamos juntos.
Obrigado por tudo que fez por mim. Obrigado pela paciência e por acompanhar as cartas que lhe envio. Espero que elas cheguem aí no céu, onde você está. Espero que você esteja bem e espero que continue olhando para mim daí de cima, pois daqui debaixo eu sempre olharei para ti, atravessando o céu e chegando até os meteoros.
Estou colecionando memórias ao lado da mulher que amo, acreditando que esse é o cenário ideal pelo qual vale a pena viver: Colecionar memórias ao lado daqueles que amamos, ou fazendo coisas que amamos. E sobre os limites que mencionei nesta carta, quero acrescentar algo: os limites de nossa vida são impostos por nós mesmos, então precisamos refletir com calma e consciência, para não sermos escravos de nossa própria mente, que sempre dá um jeito de nos rebaixar.
As cartas agora me trazem certa nostalgia, pois me remetem a quem eu fui na época em que as escrevi. Sei que fui alguém cinza e vazio, mas não vejo mal nisso. Até mesmo agradeço por ter sido dessa forma, pois esse é um reflexo do que sou hoje.
Em meio a tantas flores, letras e quadros, compreendi um pouco mais a arte de minha vida – "Como as flores que morrem, vou continuar vivendo." –. Talvez tudo que vivi não passou de linhas abstratas, mas, em suma, estou tentando ser uma bela obra para ser vista.
Talvez eu demore mais um mês ou até mesmo um ano para lhe enviar uma nova carta, mas não pense que estou te deixando de lado. Apenas estou vivendo o agora, junto de Natasha.
Continue cuidando de mim aí de cima, tudo bem? Eu ficaria feliz se você fizesse isso.

 

Com amor,
Alego.


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Notas finais do capítulo

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Esse foi o último capítulo, obrigado por acompanharem até aqui. Obrigado pelo apoio!!



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