Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 11
XI




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Jonathan,


Meu amigo. Quanto sofri e quanto fui feliz! Mas, quanto me arrependi na mesma medida! Como se um fosse paralelo ao outro, em um único dia, senti o extremo dos dois sentimentos de uma forma extraordinária!
Escreverei para ti porque estou tão cheio de vergonha que não posso destinar nada para Natasha neste momento além de minhas sinceras desculpas e confissões de arrependimento, que não creio que serão lidas por ora.
A três dias recebi algo dela, mas não foi uma carta.
"Você está convidado."
Era um convite para a exposição de Natasha. Eu era um convidado. Um convidado especial.
Oh, meu amigo, então quer dizer que, depois de todos esses dias fadado ao silêncio, ela finalmente agiu, me convocando a tua exposição, a qual não poderia perder por nada.
No dia em questão, agraciado pelas nuvens no céu, que davam molde a um dia nublado, mas não chuvoso, me resguardei dentro de um sobretudo escuro, e ainda usei um chapéu também escuro. Me vesti desta forma pois ainda morria de vergonha! Não queria, em hipótese alguma, encarar a mãe de Natasha novamente. E muito menos minha amada! Mas, que bobagem a minha. Como não poderia encará-la, se esta era sua exposição?
Mediado por sentimentos em conflitos, resolvi largar meu chapéu em casa, afinal, um homem vestido dessa forma poderia chamar atenção dos outros, ou até mesmo causar certas desconfianças. E era exatamente isso que eu queria evitar.
Eu não poderia, em hipótese alguma, receber atenção. Não queria ser reconhecido por nenhum ser neste mundo, então andava assim, enclausurado e preso dentro de minha cabeça, deixando meu corpo no automático.
Quando vi, já estava naquele centro onde a exposição se iniciara.
A exposição de Pablo Minet: "Uma vida em arte."
Era um lugar fabuloso. Realmente belo.
O salão era vasto, com paredes de quartzo e o chão era cinza. Haviam algumas colunas e alguns bancos, mas não havia ninguém sentados nestes.
Haviam quadros e mais quadros, e também haviam pessoas, que pareciam ser muitas, observando os quadros e usufruindo dos comes e bebes que eram servidos pelos garçons que estavam ali. Era um evento luxuoso, imagino que, quando estive ali, havia ao menos 50 pessoas presentes.
Haviam muitos quadros expressionistas, daquele tipo que você observa e consegue encontrar até mesmo algo cômico, pois da mesma medida em que não sabe quando está completo ou não, tu também sente algo quando o examina por completo. Em um destes, que continha apenas uma paisagem, me perdi por alguns instantes antes de retomar para mim, seguindo em frente.
Observando as pessoas, notei que os presentes eram realmente admiradores da arte, que faziam comentários extensos e completos sobre os quadros, que para mim não possuíam nada demais além da beleza e curiosidade. Para mim, os quadros eram uma expansão da forma de observar a vida perante os olhos de seu criador.
Após subir uma escada, passei por mais algumas pessoas em um corredor apertado, até que cheguei em uma parte um pouco mais aberta onde havia uma coluna bem no meio desta sala, a dividindo, mas também haviam outras coisas.
Logo de primeira, reconheci um dos quadros que havia ali, pois o mesmo já havia sido descrito para mim posteriormente. Era um quadro de Natasha.
O observei por muito tempo, completamente admirado.
Aquele quadro era para mim uma obra de arte; única que importava. Era como um pôr do sol. Como as nuvens no céu. Era algo tão, mas tão belo, que eu não possuía outra opção além de o admirar pelo máximo de tempo possível, quase caindo de joelhos perante aquela obra.
Nossa amiga é uma artista.
Nunca duvidei de suas palavras, mas ali tive a certeza. Eu estava abismado perante tais quadros.
Os vi um por um, tentando entender como alguém poderia fazer algo tão perfeito e delicado de uma ponta até a outra, e senti algo. Era melancolia. Mas não uma melancolia vazia.
Aqueles quadros me transmitiam um tom místico; algo triste. Mas era uma tristeza bonita, pois, para mim, uma tristeza sem dor é uma tristeza bonita, e era exatamente isso que eu sentia.
Era uma melancolia sem explicação, era um sentimento abstrato, algo que doía em meu peito, mas me fazia querer mais. Era algo que me emocionava; me deixava boquiaberto. Era amor.
Para mim, toda aquela exposição que deixei para trás não significava nada além de beleza, mas estes quadros, estes eram um verdadeiro tesouro. Eram divinos.
"...Ela é uma boa artista. Vejo resquícios de futuro em teus traços.", Um homem se aproximou, vindo do fim desta sala para o início, acompanhado de outros dois.
O que conduzia a conversa estava com um terno vermelho e tinha um bigode que fazia curvas em seu rosto.
"Uma pena que tenha a mente ainda fechada, mas creio que é questão de tempo até que expanda sua criatividade. Quero dizer, vejo algo, mas não sei bem se é algo genial. É apenas talento."
"Pois eu posso moldar isso.", Um outro, mais velho, respondeu.
Os três passaram por mim e saíram, enquanto eu permaneci imóvel, admirando o quadro. Vendo a tristeza no rosto da pequena menina na janela, observando a vida dos outros passar na praça.
Naquele momento senti algo. Senti que aquela garota não estava triste por ter inveja das outras pessoas vivendo suas vidas enquanto ela estava ali sozinha. Ela simplesmente estava triste.
Tão logo cheguei, fui embora, pois temia ver Natasha. Não saberia como encará-la, mas sei de algo. Me arrependo profundamente de tudo de ruim que lhe mandei na última carta. Talvez eu a perca para sempre, mas sempre me lembrarei destes quadros tão belos.
Agora, enquanto lhe escrevo isso, estou ofegante e contente.
Acredito que minha alma está mais completa agora, e estou tão, mas tão orgulhoso, que não sei se conseguirei dormir essa noite.

Com amor,
Alego.

 

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Alego,


Meu amigo. A quanto tempo não lhe escrevo.
Pedir perdão não adiantará de nada, pois é verdade que tenho lhe deixado de lado nos últimos dias.
A verdade é que mantive minha cabeça totalmente focada na exposição, de forma que não me sobrava tempo para mais nada, embora também saiba que isso não é totalmente verdade.
Nesta carta quero lhe dizer toda a verdade, pois sei bem que sempre foi sincero comigo, de forma que eu também serei.
A exposição foi trabalhosa, mas também um de meus melhores feitos. Talvez tenha sido uma das melhores experiências da minha vida.
Ver meus quadros, ali, presos na parede, enquanto outras pessoas o observavam, me passava a sensação de que eles estavam vendo algo muito pessoal, que residia apenas em minha mente. Era como se estranhos entrassem em minha mente sem pedir permissão.
Me senti triste, com frio na barriga e insegura, mas recebi elogios.
Não ter sua presença ali comigo me entristeceu. Me sentia tão nervosa que, para todo lado que ia, segurava uma de minhas mãos usando a outra, pois não havia mais ninguém ali que me importasse tanto assim para me dar apoio. Mamãe estava lá, e Clara também, mas ainda faltava alguém.
Ainda sinto o frio na barriga que senti naquele dia, quando as outras pessoas olhavam para meus quadros.
Não sei se admiravam ou não, apenas sentia cada um daqueles olhares. Alguns curiosos, alguns alegres, até mesmo alguns de reprovação, mas isso não me faz mal, afinal é algo comum em qualquer meio. Quando expomos o que fazemos para o mundo, devemos esperar as repreensões, ao contrário das admirações, pois apenas com estas saberemos como podemos melhorar. E eu, como alguém que vive a vida pela primeira vez, sei bem que sempre posso melhorar. Nada pode ser perfeito quando feito de primeira. O perfeito só existe através da árdua tentativa de alcançá-lo, caso contrário, é apenas uma boa tentativa.
Me senti muito triste com tua primeira das últimas cartas. A carta mais grosseira e repugnante que recebi, e custei para acreditar que tal foi escrita por você. Logo entendi a situação e como a mesma foi tirada de contexto, mas quero que saiba que você está terrivelmente enganado, meu amigo.
Sim, eu estava pelas ruas, em uma espécie de encontro, mas devo lhe contar sobre o motivo.
Desde o dia em que voltei para cá, mamãe insiste que preciso viver. Inclusive foi dela que tirei a frase que lhe disse anteriormente, sobre viver ao invés de apenas existir. Quão hipócrita fui, pois cometi o mesmo erro que tu, meu amigo.
Para mim, apenas pintar, cuidar das flores e lhe escrever era o bastante, mas pra mamãe, faltava algo a mais, e minhas tentativas de contrariar esse pensamento eram falhas, pois a mente de mamãe é inflexível em relação a qualquer situação de minha vida. Então chegamos a um acordo. Eu sairia e ela cessaria com isso.
Então saí com Mateo, um conhecido dela. Ele é um bom rapaz, mas não me causou interesse algum.
Quero que saiba que saí com ele apenas para cumprir com minha parte do acordo, e não por livre e espontânea vontade. O que me entristeceu, meu amigo, foi tua carta. Tuas palavras maldosas. Palavras vazias, sim, mas vindas de alguém que eu não esperava. Essas palavras poderiam ser de qualquer pessoa, mas foram suas, e isso foi o que mais me doeu.
Esse foi o motivo da minha reclusão nos últimos dias, mas não havia um único momento em que não lembrava de você, e não havia ninguém que eu queria que olhasse meus quadros na exposição, além de você.
Então aqui estou eu. Por favor, não faça mais isso. Não beba, não vá até seu inferno. E por favor, não me escreva sobre coisas vazias. Escreva sobre ti.


Triste,
Natasha.

 

 

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Jonathan.


Meu amigo, Natasha me escreveu.
Quanta felicidade senti, mas também quanta culpa! Oh, meu amigo. Suas palavras foram como um tiro em meu peito.
Porém, agora estou melhor, e lhe direi o motivo: Minha crônica está quase finalizada. Na verdade é como simplesmente um texto. Este texto será postado com autoria de um autor anônimo, pois não quero ser ligado a isso. Não quero que as pessoas – além do jornal –, me dêem valor por conta de minha obra, e também não quero ser ligado a ela caso não seja uma boa obra. Quero ser uma boa pessoa e quero que essa seja uma obra boa. Não quero que gostem do texto por ser meu, ou que gostem de mim por fazer algo bom. Quero ser eu mesmo, e quero que eu mesmo seja algo bom por si só.
Gostaria que você estivesse aqui para ler este texto. Gostaria que estivesse aqui para que eu falasse com você ao invés de apenas escrever.
Também gostaria de saber se você estava bem antes de partir, meu amigo. E por fim, gostaria de saber se um dia poderei alcançar Natasha, pois sem ela, o resto não faz sentido. Acho que se nunca voltar a falar com ela, passarei o resto de minha vida me comunicando apenas com você, através dessas cartas.

 

Mais animado,
Alego.

 

 

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Natasha,


Minha querida. Ainda hoje lhe peço perdão pelos erros que lhe afligiam tanto. Ainda me pergunto o que passou pela minha cabeça para que eu fizesse isso. Para lhe escrever coisas tão cruéis. Ao menos agora você sabe o que me motivou a isso, mesmo que essa não seja uma desculpa.
Você não me deve explicações, mas agradeço por ter me mostrado o que fez com que eu lhe encontrasse com aquele homem.
Tive uma crise de ciúmes, mas isso não foi certo. Embora sinta que eu seja seu, você não é minha, então não devo agir desta forma. Novamente, me perdoe, anjinho.
Até mesmo lhe chamar assim é estranho...
Se pudermos começar novamente, então o faremos. Pois assim, meu anjinho, não pensará coisas ruins sobre mim.
Sinto tanto orgulho em saber sobre tua bela exposição que meu coração parece que irá rasgar meu peito e sair de mim.
Nos últimos dias ando me sentindo muito pra baixo. Eu poderia dizer que é por conta do que aconteceu entre nós. Poderia culpar a maldita carta, mas isso é apenas culpa minha. Não me martirizei por tal ato.
Estou focado em minha crônica, mas temo dizer que talvez não a termine, pois não tenho tido inspiração nos últimos dias.
Ultimamente deixei de me importar com as pessoas que temos à nossa volta e agora não me importo com mais nada. Mas tenho saído de casa sim, se é isso que lhe preocupa. As pessoas não me vêem, pois tenho saído pela noite, já que é neste horário que não há pessoas pelas ruas.
As pessoas, em geral, me incomodam de uma forma em que sinto que apenas quando estou sozinho posso ser eu mesmo. Junto das outras pessoas, nunca poderei ter paz.
Eu não consigo ser o que as pessoas querem que eu seja. Eu não consigo atingir expectativas, então prefiro viver sozinho do que criar laços com pessoas que terão expectativas em mim.
Mas não devo falar sobre coisas tão tristes quando há coisas tão bonitas para serem ditas e vistas. Tuas obras, meu anjo, definitivamente são algumas destas coisas.
Logo eu estarei melhor, pois se algo é certo, é que a mudança chega. E da mesma forma que as coisas podem piorar, elas também podem melhorar.
Então qual o sentido de focar na tristeza se ainda há tanto para viver?
Preciso de mudanças em minha vida. Mudanças de hábitos e de pensamentos, mas, principalmente, mudanças internas, pois não quero me sentir assim novamente.


Com amor,
Alego.


P.S: E também nunca quero te decepcionar novamente.


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