IMPERIAIS: O Herdeiro do Trono escrita por Bianca Vivas


Capítulo 2
Deus salve a Democracia!




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/807087/chapter/2

O dia de hoje ficará para sempre marcado em nossos corações e em nossas memórias. — O presidente do Brasil fazia esse discurso pela quarta vez naquele mesmo dia, mesmo assim, Pedro o assistiu até o fim, mais uma vez: — Hoje é o dia em que o luto pela perda de um grande líder acinzenta nossas vidas. Entretanto, hoje também é o dia em que a esperança de uma nova era brilha no horizonte. Perdemos nosso Imperador, mas ganhamos a renovação do ciclo da vida. Por isso, povo brasileiro, que os convido a dizer comigo as palavras que prenunciam uma nova era no Império do Brasil: Deus salve o Imperador, D. Pedro IV.

Ele desligou a televisão, por fim. Era estranho ser chamado D. Pedro IV. Era estranho ser Imperador. Impossível de aceitar, até. Seu pai dedicou os últimos quinze anos para prepará-lo para o dia em que se sentaria no trono, mas ele nunca o preparou para aquilo: a dor da perda.

Luiz nunca lhe dissera como doía ver seu mundo desmoronar e ainda carregar a responsabilidade de ser um líder para a própria nação. Ter que superar o luto para assumir o lugar do pai era o maior dos sacrifícios que fizera, até então, pela monarquia. Talvez esse fosse o preço por ser escolhido por Deus para governar. Um truque muito cruel, inclusive.

Em sua dor, o menino começou a se lembrar de todos os seus estudos sobre monarquias ao redor do mundo. O poder havia separado famílias, posto irmão contra irmão, numa guerra sem fim. Como tudo aquilo fora possível? Como Príncipe Imperial, primeiro na linha de sucessão ao Império do Brasil, seu maior desejo era jamais ser coroado Imperador. Não se isso significasse o sacrifício do norte da sua vida.

Recomeçou a chorar, sem nem perceber.

— Enxugue suas lágrimas — disse uma voz atrás dele — e se recomponha. Você tem um discurso a fazer.

— Você só pensa nisso não, é? — O menino virou-se e olhou para a mãe, parada perto da porta de seu quarto. — Você nem está triste com a morte do papai, está?

Hortênsia ficou calada, observando as lágrimas que caíam dos olhos de seu primogênito.

— Me responda! — Gritou o menino.

A Imperatriz, por fim, entrou no quarto e quebrou seu silêncio.

— A morte de seu pai me dilacerou — ela começou. — Nós estávamos juntos desde os catorze anos. Seu pai era meu melhor amigo e ninguém me conhecia melhor do que ele. Eu não faço ideia de como será minha vida sem ele, mas eu tenho obrigações como Imperatriz que eu não vou deixar de cumprir. — À medida que falava, o tom de sua voz ficava mais alto e ela ficava mais imponente. — E a minha maior obrigação, neste momento, é garantir que a transição do poder ocorra sem ameaças ao seu reinado. Minha maior obrigação é a garantir a sua consolidação como Imperador, exatamente como seu pai gostaria que acontecesse.

Hortênsia parou por um momento observando o impacto de suas palavras sobre o filho. Pedro ficava menos rebelde a cada palavra. As lágrimas já haviam parado de cair e quase não havia sinais de um menino que perdera o pai no dia anterior. Era desse jeito que Hortênsia o queria: um menino que mostrasse sua força como Imperador, como soberano em sua nação.

— Então, faça um favor a si mesmo e à Coroa e se recomponha e vá para frente das câmeras fazer seu discurso — ela disse, por fim.

Pedro entendia o que a mãe dizia, mas ainda achava absurdo o que ela queria que ele fizesse. Achava absurdo a maneira como ela se portava diante da morte do marido. Se o próprio povo brasileiro estava chorando pelo Imperador que se fora, por que ele tinha que ser forte quando perdera seu pai?

— Pedro — chamou sua mãe, quando já estava saindo do quarto —, você não é mais um garoto, agora você é um Imperador — ela disse, como se lesse os seus pensamentos.

O menino assentiu e deu as costas, em definitivo, para sua mãe. Saiu caminhando a passos largos para a sala onde a imprensa se encontrava. Era ali que deveria fazer seu primeiro discurso como Imperador do Brasil, declarando luto oficial no país inteiro. Logo depois, sua mãe também deveria fazer algum discurso, já que era esperado que ela fosse a Imperatriz Regente pelos próximos três anos.

Em sua caminhada, Pedro pensou várias vezes em abdicar do trono. Mesmo tendo nascido para reinar, ele não tinha certeza se aguentaria o peso da responsabilidade. Outros garotos de quinze anos não precisavam passar por isso. Quando seus pais eram mortos, eles podiam faltar à escola e estava tudo bem. Ele tinha que assumir a liderança de um país inteiro. Não estava preparado.

Ao chegar em frente à porta de mogno que guardava o gabinete do Imperador, onde todas as entrevistas e anúncios oficiais eram feitos, deu um longo suspiro. Havia sete dias que não entrava ali. Aquele fora o ambiente de trabalho de seu pai e onde ele lhe ensinava as mais valiosas lições acerca da administração do reino. Algumas vezes, Luiz até pedia que Pedro encontrasse uma solução para algum problema e o ajudava na empreitada.

Hoje, aquele gabinete se tornava o seu local de trabalho. Ele teria que resolver todos os problemas agora. Sem ajuda de ninguém. O primeiro deles era fingir que estava muito bem e garantir a estabilidade do Império.

Abriu as portas de mogno e deu de cara com o gabinete lotado pelos membros do Conselho de Estado. Eles conversavam distraidamente, até que um dos conselheiros notou a presença do garoto.

— Sua Majestade Imperial, o Imperador D. Pedro IV — anunciou o conselheiro, após limpar a garganta. Todos na sala se curvaram para Pedro.

— Eu não sou Imperador, ainda — respondeu o menino, indo em direção a mesa que fora de seu pai.

O gabinete caiu em silêncio sepulcral. Ninguém ousou dizer palavra nenhuma. Todos sentiam o transtorno do jovem Imperador.

— Nós vamos começar a gravar ou não? — Pedro quebrou o silêncio, quando percebeu que até a equipe de transmissão permanecia estática.

— Já estamos ligando os equipamentos, Majestade — disse um jornalista.

Pedro assentiu e, quando estava prestes a começar a falar, um dos conselheiros — o mais velho deles — interrompeu o menino:

— Majestade — começou o conselheiro —, não acha prudente aguardar a chegada de Sua Majestade Imperial, a Imperatriz D. Hortênsia?

Pedro deu uma risada seca.

— Minha mãe não irá se importar em entrar sem ser anunciada, Bueno.

O velho assentiu com a cabeça e voltou para o lugar de onde tinha saído. As câmeras foram ligadas novamente. Ele deveria começar a falar, mas não tinha preparado nada. Sua mente era um vazio muito grande para pensar no que dizer.

Todos o olhavam, esperando que começasse logo seu discurso. Ele não teve muita escolha.

— Boa tarde a todo o Império do Brasil — ele começou a falar, finalmente, lembrando-se de como seu pai iniciavas os discursos. ⸺ É com grande pesar que anuncio que Sua Majestade Imperial, o Imperador D. Luiz I do Brasil faleceu ontem à noite vítima de um ataque cardíaco.

“D. Luiz I foi mais que um Imperador, foi um exemplo de ser humano e cidadão. Para mim, ele foi um pai. É por isso que sentar nesta cadeira, hoje, assumindo um título que outrora fora dele, dói imensamente. A dor só é amenizada pela esperança de fazer o que meu pai não pôde.

Muitos não sabem, mas D. Luiz I foi forçado a assinar um papel, no meio da noite, que restringia seus próprios poderes como Imperador e colocava o Brasil dentro de uma ditadura militar, como acontece em vários países da América Latina, ao mesmo tempo que criava uma aberração política conhecida como Monarquia Presidencialista. Em nenhum outro lugar do mundo é possível encontrar tal espécie de sistema.

Meu pai nunca se orgulhou dessa decisão e passou toda a sua vida tentando revertê-la. Suas últimas palavras, seu último sonho era fazer desse país um país democrático de novo. Meu pai, seu Imperador, morreu porque queria viver em uma democracia. E eu, D. Pedro IV do Brasil, também quer ver o meu Império tendo um governo democrático.  Deus salve a Democracia.”

Foi um discurso curto, mas, mesmo assim, Pedro sentiu seu fôlego ir embora ao terminar de falar. Desviou o olhar das câmeras e observou o gabinete. Sua mãe estava em pé, ao lado de um dos conselheiros. Eles cochichavam algo e olhavam diretamente para Pedro. Todos no gabinete olhavam diretamente para Pedro. Ele havia acabado de ameaçar o regime no qual o país se encontrava.

A melhor parte era que ele não se importava. Se os militares quisessem a família real morta, teriam feito isso em 1964, quando fecharam o Congresso e obrigaram seu pai a ser um Imperador decorativo. Muito pelo contrário. O atual presidente flertava constante com a abertura política e a volta do antigo regime.

Pedro levantou-se da cadeira e foi caminhando rumo à porta. Não ficaria para ver as lamentações e promessas de sua mãe. Passou direto por ela, sem uma única troca de olhares e bateu a porta atrás de si. Respirou aliviado ao se ver livre daquele ambiente. Precisava descansar. Iria dar uma volta pelo castelo para clarear a mente, esquecer tudo o que havia se passado no gabinete.

 Saiu andando quando alguém o chamou.

— Majestade, majestade! ⸺— Pedro se virou e deu de cara com o conselheiro que conversara com sua mãe. — Espere, por favor.

O homem parecia sem fôlego, então Pedro caminhou até ele.

— O que quer, Clemente? — Perguntou o jovem imperador, claramente impaciente.

— Eu acho que este não é o melhor lugar para conversarmos, majestade. — O homem já caminhava para sair do corredor.

— Podemos conversar aqui perfeitamente, Clemente. — Pedro continuou parado. — Não acha?

O conselheiro foi obrigado a sorrir e a concordar com Pedro.

— Claro, Majestade.

— Então, desembucha logo.

— Eu estava conversando com Sua Majestade, D. Hortênsia, e chegamos à conclusão...

— Ah, vocês estavam conversando, é? — O adolescente ergueu uma de suas sobrancelhas.

— Só discutimos assuntos referentes ao bem-estar de vossa majestade e de suas altezas imperiais o príncipe Augusto e a princesa Tereza. — Clemente assegurou Pedro quanto a isso.

— Bem, eu não importo — disse Pedro. — Diga a minha mãe que ela pode fazer o que quiser enquanto for Regente. Quando eu assumir o trono, as coisas serão diferentes.

O jovem imperador já se preparava para sair dali. Estava impaciente e não gostava de Clemente. Na verdade, desgostava de boa parte dos membros do Conselho de Estado. Metade estava ali por indicação do presidente militar e a outra metade para satisfazer as oligarquias do país.

— Mas Majestade — Clemente tentou conversar com o Imperador mais uma vez —, sua mãe quer levar você e seus irmãos para Vassouras, até que tenha a idade para assumir plenamente as funções de Imperador do Brasil.

Pedro parou no meio do passo. Sua mãe não poderia sequer cogitar tamanha afronta. O lugar do Imperador era na capital de seu país, o Rio de Janeiro. Ele não podia se afastar dali, mesmo que ainda não tivesse idade para ascender ao trono. Seu dever era permanecer no Palácio Imperial.

Quase ia dizendo isso a Clemente. Porém, parou e pensou. Talvez sua mãe tivesse acabado de ter a melhor das ideias. Ele não queria assumir o lugar de seu pai, mas ele teria que fazê-lo. Ficar longe da corte por alguns anos poderia ser bom para ele pensar em como realizar o último desejo de seu pai, longe da influência dos conselheiros corrompidos.

— Sabe, Clemente — Pedro virou-se para ele com um sorriso no rosto —, eu acho que minha mãe tem absoluta razão. Será bem melhor para mim e para meus irmãos, o Príncipe Augusto e a Princesa Tereza, ficar longe desse palácio. Até para superarmos a morte de papai, não acha?

— Claro, vossa majestade — concordou o homem. — Tem toda razão. Vou avisar a Imperatriz.

— Faça isso — ordenou Pedro. E saiu andando.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "IMPERIAIS: O Herdeiro do Trono" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.